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INCÊNDIO
Sumário
Provoca incêndio de relevo quem, em pleno verão, ateia fogo ao mato que cobre uma área de terreno com 500 m2.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
O Ministério Público junto do T. J. de Lousada (.º Juízo), deduziu acusação, em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, contra
B………., solteiro, sucateiro, nascido a 28 de Novembro de 1967, natural de ………., ………., Lousada, filho de C………. e de D………., residente no ………., ………., Lousada, actualmente preso no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira;
imputando-lhe a prática, em autoria material, em concurso efectivo, e como reincidente, de
a) um crime de incêndio, previsto e punido pela alínea a) do nº 1 do artigo 272º do Código Penal;
b) um crime de injúria agravada, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas nos artigos 181º e 184º, ambos do Código Penal;
c) um crime de dano, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 212º do Código Penal.
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A acusação foi recebida nos seus precisos termos.
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Pelo arguido não foi apresentada contestação escrita à acusação.
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Realizou-se a audiência de julgamento.
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Não se verifica qualquer excepção, nulidade ou questão prévia de que cumpra conhecer.
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Na sequência da realização da audiência de discussão e julgamento, foi elaborado ACÓRDÃO, por via do qual foi DECIDIDO:-
Pelo exposto, acordam os juízes que integram o Tribunal Colectivo do Círculo de Paredes em julgar a acusação totalmente procedente, condenando o B………..:
a) pela prática, em autoria material, e como reincidente, de um crime de incêndio, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 272º do Código penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;
b) pela prática, em autoria material, e como reincidente, de um crime de dano, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 212º do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
c) pela prática, em autoria material, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pela conjugação das normas consagradas no n.º 1 do artigo 181º e no artigo 184º, ambos do Código penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão;
d) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) a c) vai o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Mas se condena o arguido nas custas do processo, fixando-se em 5 Ucs a taxa de justiça devida e a procuradoria no mínimo, sendo ainda devido o acréscimo a que se refere o nº 3 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 423/91, de 30.10 – artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal.
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Após trânsito, comunique ao registo criminal, ao competente Tribunal de Execução de Penas e ao estabelecimento prisional de Paços de Ferreira.
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Proceda ao depósito.
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A remuneração devida à Exmª. Defensora nomeada será a resultante da aplicação da portaria dos Ministérios das Finanças, Administração Pública e Justiça nº 1386/2004, de 10 de Novembro.
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(...)
XXX
Inconformado com o Acórdão, o arguido, B………. veio interpor recurso, o qual motivou, aduzindo as seguintes CONCLUSÕES:-
A – Sofre o Acórdão de males incuráveis os quais ficaram explicitados na motivação oferecida, a saber:-
B – O Tribunal contradiz-se na fundamentação, quanto à questão da existência real ou não existência de perigo eminente para pessoas e bens.
C – Não definiu sequer com um mínimo de rigor a distância das edificações ao terreno, limitando-se à afirmação vaga de “ menos de 50 metros”.
D – Omitindo por sua vez o dever de, a título oficioso, realizar a ida ao local, a qual se afigurava de toda a evidência, como uma diligência essencial para a descoberta da verdade.
E – Ao mesmo tempo que produziu afirmações intimidadoras e críticas perante o silêncio do arguido, dando tudo mesmos a aparência de imparcialidade e de que não foi o mesmo desfavorecido por tal silêncio.
F – Não se coibindo sequer de se introduzir na matéria da defesa e dos métodos que são de sua exclusiva prerrogativa.
G – Errou, também, de forma notória, ao não atribuir credibilidade à tese que a própria sentença enunciou, a saber, o arguido, possuidor de gado teria realizado uma queimada dos arbustos para provocar o nascimento de melhor e mais viçoso pasto.
H – Varrendo liminarmente essa possibilidade sem, porém, apresentar alternativa explicativa do sucedido plausível.
I – Quando, ao mesmo tempo, afirmou conhecer do estado psíquico do arguido “dificuldades cognitivas” sem a menor explicação ou cuidado de aprofundamento da questão.
J – Nomeadamente, sem ordenar qualquer perícia à personalidade ou psiquiátrica, como era devido e essencial, face a tal constatação.
K – Não analisou criticamente a prova quanto ao crime de injúria agravada, nem cuidou de saber da plausibilidade ou da verdade do conteúdo da frase proferida.
L – Também não avaliou criticamente os actos e frases do arguido à luz da situação de detenção inesperada que acabava de enfrentar.
M – Qualificou erradamente o crime de incêndio, já que lhe atribuiu a forma mais gravosa.
N – Dado que não atendeu nem procurou conhecer com rigor as circunstâncias e a caracterização física do terreno em causa.
O – Também não avaliou criteriosamente a conduta e a culpa do arguido face às “dificuldades cognitivas” que declarou como provadas, o todo conjuntamente com as demais circunstâncias provadas (terreno urbano, ladeado de estruturas em betão, arguido possuidor de gado, arguido sobretudo que ali ficou a observar o sucedido).
P – E, por via disso, aplicando uma pena desmesurada, a qual deveria, em todo o caso, ser suspensa na sua execução e não ultrapassar os 2 anos.
Q – Ferindo assim o Acórdão o disposto nos arts. 120º nº 2, al. d); 150º, 151º, 159º, 160º, 163º nº 1, 171º, 340º ns. 1 e 2, 343º nº 1 “a contrario sensu”, 351º, 354º, 355º, 410º nº 2, als. b) e c) e 3, 374º nº 2, 379º nº 1, als. a) e c), do CPP; e arts. 20 nº 4, 22º, da CRP; arts. 70º, 71º, 180º nº 2, als. a) e b) e 181º nº 2; e art. 272º nº 3, do C. Penal.
Conclui o Recorrente que o Acórdão em crise deve ser revogado e substituído por outro que anule o julgamento; sem prescindir, anule a sentença e absolva o arguido dos crimes de injúria e de dano; ou, caso assim se não entenda, lha aplique a pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, quanto aos crimes que o Tribunal de recurso tiver como adquirida e correctamente provados.
XXX
Recebido o recurso, a ele veio responder o Digno Procurador da República, em suma defendendo a bondade do decidido e a total improcedência do recurso.
XXX
Nesta Relação, o Ilustre Procurador-Geral Adjunto também pugna pela total improcedência do recurso, com a consequente confirmação do Acórdão recorrido, por via do douto Parecer que emitiu.
Cumprido que se mostra o preceituado no art. 417º n.º 2, do CPP, verifica-se que não foi deduzida qualquer resposta.
XXX
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:-
No Acórdão recorrido consta a seguinte:-
Fundamentação:
Consideram-se assentes os seguintes factos:
O arguido, em Agosto de 2003, era possuidor de pelo menos duas ovelhas e duas cabras.
Por motivo que em concreto não foi possível apurar, o arguido resolveu queimar a vegetação existente em 3 lotes de terreno destinados à edificação urbana, sitos no ………., ………., Lousada.
Na execução de tal resolução, no dia 22 de Agosto de 2003, pelas 14 horas, o arguido dirigiu-se para o aludido lugar de ………., e, servindo-se de um vulgar isqueiro que consigo trazia, ateou fogos a arbustos e codessos no terreno existentes, pelo menos em 3 locais distintos dos lotes de terreno já referidos, com o propósito de provocar incêndio em toda a extensão de terreno aí existente.
Após a deflagração do incêndio nos 3 locais aludidos, o arguido manteve-se nas imediações a observar os acontecimentos, enquanto as chamas atingiam já mais de 3 metros de altura, acabando por ser interceptado por agentes da GNR desta vila.
Como consequência do referido incêndio ateado pelo arguido, arderam pelo menos 500 m2 de terreno composto de codessos e vegetação rasteira.
Porém, o terreno a que o arguido ateou fogo confinava com várias moradias e prédios habitacionais, sendo também ladeado por uma rua.
Do lado oposto a esta via estão instaladas duas fábricas de confecções.
Todas estas edificações situam-se a menos de 50 metros do local em que o arguido fez deflagrar o incêndio, e seria possível que o fogo alastrasse e atingisse os edifícios acima referidos.
O arguido representou tal perigo, conformando-se com a sua verificação.
Aliás, só a rápida intervenção de alguns populares que, quando se aperceberam do deflagrar do incêndio provocado pelo arguido, acorreram ao local e procuraram impedir a sua propagação, usando designadamente mangueiras com água doméstica, e a pronta intervenção dos Bombeiros Voluntários de Lousada, impediu que o fogo alastrasse aos edifícios vizinhos.
O arguido foi de imediato detido no local e transportado para o posto da GNR de Lousada, onde ficou a aguardar a sua apresentação à autoridade judiciária do tribunal competente no dia seguinte.
Neste posto, e quando o comandante em exercício daquela força policial, o sargento E………., tratava do expediente necessário à apresentação do arguido em tribunal, abordando-o para o efeito, o arguido dirigiu-se-lhe e disse:
«Eu consigo não falo, pois quando fui detido por tráfico de droga furtou-me 8.000$00 e foi jantar».
Posteriormente, o arguido foi conduzido e recolhido à cela nº 2 do posto da GNR de Lousada, onde aguardaria o momento da sua apresentação ao tribunal competente para apreciação da sua situação processual.
Quando o arguido se encontrava já no interior da aludida cela, começou a desferir, com violência, pontapés e murros na porta da mesma, junto á respectiva fechadura e dobradiças, acabando por rebentar e destruir as massas que rodeiam o aro da porta da cela.
Com esta conduta, o arguido causou à GNR um prejuízo não inferior a € 72,50, o qual não foi ainda ressarcido.
O arguido ateou o fogo aos lotes de terreno supra aludidos, fazendo-o de forma livre, voluntária a consciente, querendo incendiar, como incendiou, a vegetação aí existente, conformando-se com o risco, supra referido, que estava associado à sua conduta, de propagar o fogo a todas as habitações e empreendimentos industriais que se situavam a menos de 50 metros dos locais onde fez iniciar o fogo.
Por outro lado, o arguido conhecia o comandante em exercício da GNR de Lousada como pertencente ao efectivo da mesma força policial, e que sabia no exercício das suas funções públicas, imputando-lhe factos que bem sabia não corresponderem à verdade.
Actuou com o intuito concretizado de atingir a dignidade pessoal e profissional do sargento E………., bem como a sua honorabilidade profissional, quando o mesmo se encontrava no exercício de funções públicas.
O arguido actuou ainda com o propósito de estragar a estrutura da porta da cela nº 2 do posto da GNR de Lousada em que esteve detido, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agia contra a vontade do responsável pelo posto da GNR de Lousada.
Actuou com perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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O arguido foi já condenado pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes, dois crimes de detenção de arma proibida, um crime de ofensas corporais qualificadas e dois crimes de dano.
Designadamente, sofreu as seguintes condenações:
a) no processo nº …/4TBLSD, do .º juízo deste tribunal da comarca de Lousada, por decisão proferida a 19 de Março de 2001, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 1 ano de prisão (sendo de 7 e 10 meses de prisão as penas parcelares aplicadas), cuja execução se decidiu suspender pelo período de 2 anos, pela prática, a 22 de Julho de 1996, de dois crimes de dano, previstos punidos pelo nº 1 do artigo 212º do Código penal;
b) no processo nº …/99, do .º juízo deste tribunal da comarca de Lousada, por decisão proferida a 27 de Outubro de 1999, foi condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática, entre Julho de 1997 e Julho de 1998, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
As penas aplicadas no âmbito destes dois processos foram abrangidas por decisão que efectuou o seu cúmulo jurídico, fixando em 7 anos e 9 meses de prisão a pena única aplicar ao arguido, da qual foi declarada perdoado 1 ano de prisão.
O arguido cumpriu esta pena entre 15 de Julho de 1998 e 12 de Novembro de 2002, data em que lhe foi concedida liberdade condicional (entretanto revogada por decisão de 19 de Maio de 2004).
O arguido é solteiro, e não tem filhos.
Encontra-se detido em cumprimento de pena no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira.
No estabelecimento prisional está a aprender a confeccionar tapetes.
O arguido é oriundo de um agregado numeroso, constituído pelos progenitores e por 9 descendentes, de muito precária condição sócio-económica.
Embora desde cedo tenha revelado deficientes capacidades cognitivas, concluiu o 4º ano de escolaridade, tendo desenvolvido a sua actividade profissional em diversas áreas.
No estabelecimento prisional revela conduta ajustada às normas vigentes.
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Factos Não Provados
Não resultou provado, com relevo para a decisão a proferir, que:
- o arguido, em Agosto de 2003, exercesse a profissão de sucateiro;
- o arguido tenha actuado com a intenção de obter pasto para os animais de que era possuidor;
- o arguido tenha utilizado fósforos para atear o fogo no l………., ………., Lousada;
- fosse iminente o perigo de o fogo alastrar e atingir todos aqueles bens e a vida e a integridade física de muitas pessoas que aí residem e trabalham, e que se encontravam no local;
- próximo do local se encontrassem estacionados diversos veículos automóveis cujos donos daí os retiraram, tendo em vista a iminência de o fogo os alcançar e atingir.
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Motivação
A decisão sobre a matéria de facto provada baseou-se:
- nos documentos que constam de fls 8 a 13, 53 (relatório dos bombeiros onde se incida a área de terreno ardida) e 104;
- nas certidões que constam de fls 58 a 95 e 114 a 154;
- no depoimento das testemunhas:
i. F………. e G………., soldados da GNR que se deslocaram ao local do incêndio, e que se encontravam no posto da GNR na altura em que o arguido proferiu a expressão referida na matéria de facto provada e provocou os danos na cela que lhe foi destinada, tendo confirmado as características do fogo e do local em que o mesmo lavrou;
ii. H………., bombeiro voluntário que se deslocou ao local do incêndio, tendo confirmado que o fogo não se apagaria não fora a intervenção dos bombeiros, e que, atenta a proximidade dos edifícios circundantes, facilmente as chamas se poderiam propagar às persianas das habitações, e destas ao seu interior (atendendo ao calor que se fazia sentir e às dimensões do incêndio);
iii. I………., comandante do posto da GNR de Lousada, que confirmou os danos (e respectivo valor) provocados pelo arguido;
iv. E………., sargento da GNR de Lousada a quem o arguido dirigiu a expressão que consta da matéria de facto provada;
v. J………., que se encontrava no local onde lavrou o incêndio e viu o arguido na atear fogo usando um isqueiro;
vi. L………., que se encontrava no local onde lavrou o fogo, tendo-se apercebido que as labaredas surgiam dos locais onde o arguido momentos antes se encontrava;
- quanto aos factos não provados, na manifesta insuficiência dos meios de prova a este propósito produzidos, não sendo crível, desde logo, que o arguido pretendesse queimar um terreno para obter pasto para gado;
- ponderou-se ainda, por um lado, que, de acordo com as regras da experiência e da normalidade, um indivíduo ainda menos inteligente, diligente e capaz que p normal (caso do arguido, que apresenta dificuldades cognitivas), colocado naquela concreta situação, admitiria a possibilidade de o fogo que ateou em vários pontos de um terreno coberto de mato, em pleno mês de Agosto, e cujas chamas atingiram 3 metros de altura, alastrasse aos edifícios contíguos; por outro, que a total indiferença que o arguido manifestou perante as chamas (como referiram as várias testemunhas que se deslocaram ao local do incêndio na altura em que este lavrava) apenas pode permitir a conclusão que o arguido se conformou com a possibilidade de ocorrer perigo de o fogo atingir os edifícios contíguos;
- quanto à situação sócio-económica do arguido, nas declarações deste e no relatório social que consta de fls 250 a 252;
- quanto aos antecedentes criminais do arguido, no certificado do registo criminal que antecede.
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OBJECTO DO RECURSO:-
É consabido que o objecto do recurso é balizado, ou delimitado, pelas conclusões da sua motivação (cfr. arts. 402º, 403º e 412º, todos do CPP), tendo em atenção que o direito ao recurso é um direito disponível.
Ora, lendo atentamente a motivação e “maxime” tais conclusões, alcança-se que o Recorrente sindica o Acórdão recorrido, suscitando as seguintes questões:
- o Acórdão enferma do vício da contradição insanável da fundamentação, tendo em conta certos factos dados como provados e não provados (al. b) do nº 2 do art. 410º, do CPP);
- O Acórdão enferma do vício do erro notório na apreciação da prova, designadamente, por não se ter dado credibilidade à tese de que foi intenção do recorrente realizar uma queimada para provocar o nascimento de melhor e mais viçoso pasto (al. c) do n.º 2 do art. 410º, do CPP);
- O Acórdão enferma de nulidade, por não ter ordenado uma perícia ao estado psíquico do arguido, apesar das dificuldades cognitivas do mesmo (art. 379 n.º 1, al. c) do CPP);
- O Acórdão enferma de nulidade, por inexistir exame crítica da prova no que respeita ao crime de injúria agravado;
- Existe errada qualificação jurídica dos factos, com violação do preceituado no n.º 1 do art. 272º, do C. Penal, pois que o Tribunal tinha apenas e tão-só matéria probatória suficiente para requalificar o ilícito para o nº 3 do mesmo artigo: conduta praticada por negligência.
- Conclui, quanto às penas, pela sua absolvição da prática dos crimes de injúria e dano, ou pela sua condenação em pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução.
Vejamos:-
Como é sabido, qualquer dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº 2, do art. 410º, do CPP terão que resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou em sua conjugação com as regras da experiência comum, incumbindo ao Tribunal “ad quem”, também oficiosamente, o seu conhecimento (cfr. Ac. do STJ nº 7/95 – in DR I. S, de 28/12/95, em interpretação obrigatória).
Quanto á invocada contradição insanável da fundamentação:-
Ocorre o vício da contradição insanável da fundamentação (al. b), do nº 2, do art. 410º, do CPP), quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta, ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, atenta a colisão entre os fundamentos invocados.
Quanto à questão em apreço, deu-se como PROVADO que, não fora a rápida intervenção de alguns populares, seria possível que o fogo alastrasse e atingisse os edifícios próximos; ora, tal não implica obrigatoriamente a conclusão de que estava IMINENTE o perigo de o fogo alastrar a todos aqueles bens e atingir a vida ou a integridade física de muitas pessoas.
São factos diversos, a possibilidade real e a iminência; daí que se tenha (e bem) dado como NÃO PROVADO que havia o perigo de o fogo atingir as pessoas que residiam ou trabalhavam no local.
Insurge-se o Recorrente contra ao facto de o Tribunal “a quo” ter “preferido” não fazer uma inspecção ao local.
Embora o Recorrente tenha inscrito o suscitado no referenciado vício, tal suscitação poderia, isso sim, corporizar a existência do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão; isto é, o Tribunal “a quo”, podendo fazê-lo, teria deixado de investigar toda a matéria de facto relevante e, adentro do poder-dever de descoberta da verdade material imposto pelo preceituado no art. 340º, do CPP, o Tribunal teria deixado de investigar factualidade essencial à boa decisão da causa.
Como preceitua o art. 340º nº 1, do CPP o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Este preceito legal estriba-se em princípios processuais, designadamente, no princípio da necessidade.
Só que até em nome desse princípio, o Tribunal só deve ordenar tal diligência quando a mesma seja reputada necessária à boa decisão da causa e à descoberta daquela verdade.
Se, no caso dos autos, o Tribunal “a quo” não se decidiu pela inspecção ao local é porque se julgava habilitado, com as provas disponíveis, a bem julgar, designadamente, para apurar da configuração do terreno e suas confrontações, tal como as mesmas vêm descritas na matéria de facto.
E existindo dúvidas no pensamento do Recorrente, este, em sede própria (audiência de discussão e julgamento) poderia, sem dúvida, requerer tal inspecção, ou até, fazer juntar aos autos elementos fotográficos, ou outras provas tidas por idóneas.
Mais se deu como PROVADO que o terreno a que o arguido-recorrente ateou fogo confinava com várias moradias e prédios habitacionais e que do lado oposto da rua estão instaladas duas fábricas de confecções; e mais se deu como PROVADO que “todas estas edificações situam-se a menos de 50 metros do local em que o arguido fez deflagrar o incêndio e seria possível que o fogo alastrasse e atingisse os edifícios acima referidos”.
Como também acertadamente refere o Ilustre PGA, (...) com tal descrição não vemos razão para que o Recorrente conclua que se torna incompreensível todo o apanhado da situação e se interrogue sobre o que são menos de 50 metros.
Há que ter em conta que o Tribunal “a quo” logrou apurar que o arguido ateou fogos a arbustos e codessos, pelo menos, em três locais distintos dos lotes de terreno, com o propósito de provocar incêndio em toda a sua extensão.
Portanto e de acordo, até, com a interpretação mais favorável ao arguido, o que dali se poderá concluir é que, dos vários locais onde este ateou os fogos, até aos edifícios próximos, havia uma distância aproximada de 50 metros.
Improcede, pois, o alegado vício.
X
Quanto ao invocado vício de erro notório na apreciação da prova:-
Este vício da decisão (al. c), do n.º 2, do art. 410º, do CPP), devendo ser patente ao homem comum, verifica-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum; ou ainda, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
O Recorrente alega a existência deste vício, porque o Tribunal “a quo” concluiu que não era crível (até face às regras da experiência da vida) que o arguido pretendesse queimar um terreno para obter pasto para o gado.
Não tem razão o Recorrente.
Com efeito, o mesmo não apresentou contestação e remeteu-se ao silêncio, não esclarecendo, como podia, qual foi a sua intenção ao atear os fogos
Precisamente face às regras da experiência comum não é crível, nem tem cabimento que alguém pegue figo à vegetação de terreno que lhe não pertence, destinado à construção urbana, para conseguir, daí a meses, eventualmente, pasto para o gado.
Além de ser bem duvidoso que fosse alcançado tal objectivo a curto prazo – desde logo, face a provável e futura urbanização, só o arguido poderia explicar (o que não fez), porque razão, v. g., não procurou outros terrenos para apascentar o seu gado; se o seu silêncio o não pode prejudicar, era a si que competia prestar tais esclarecimentos.
X
Quanto à invocada nulidade do Acórdão por o Tribunal não se ter pronunciado “sobre questões relacionadas com o estado psíquico do arguido, através de perícia que não ordenou (art. 379º n.º 1, al. c), do CPP):-
Como preceitua o art. 351º n.º 1, do CPP, “Quando na audiência se suscitar fundadamente a questão da inimputabilidade do arguido, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, ordena a comparência de um perito para se pronunciar sobre o estado psíquico daquele”.
O arguido, embora o pudesse ter feito, não requereu, tempestivamente, no decurso da audiência de discussão e julgamento, qualquer exame ou perícia às suas faculdades mentais, apenas agora suscitando tal questão em sede de recurso (sibi imputat ...).
Acresce que se o Tribunal “a quo” não procedeu a tal diligência, foi porque entendeu que a mesma não era útil; aliás e como bem decorre da factualidade provada, o arguido-recorrente, conquanto desde cedo tenha revelado deficientes capacidades cognitivas (tal mais tendo a ver com o seu Q.I.), concluiu o 4º ano de escolaridade, desenvolveu a sua actividade profissional em áreas diversas e, no estabelecimento prisional, vem revelando conduta ajustada às norma vigentes.
Também nesta matéria falece razão ao Recorrente.
X
Quanto à nulidade do Acórdão por ausência de exame crítico da prova, no que toca ao crime de injúria:-
Também, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Com efeito, o que o recorrente pretende questionar é a matéria de facto dada por provada.
E da leitura da “Motivação” (acima transcrita) ali bem constam as provas (analisadas de forma concisa, como manda a lei adjectiva, mas suficientemente fundamentada) que serviram de base à convicção alcançada pelo Tribunal Colectivo.
Acresce que (como mais uma vez bem anota o Ilustre PGA) na motivação, não negando que tenha proferido a injúria, o recorrente se questiona como é que o Tribunal “a quo” apurou que não era verdade o conteúdo da mesma.
Isto sem ter na devida conta que impendia sobre o arguido o ónus de provar a verdade da imputação e que, desde que foi notificado da acusação teve tempo de sobra para o fazer (cfr. art. 181º n.º 2 e 180º n.º 2, al. b), do C. Penal).
X
ASSENTE a matéria de facto, vejamos então o Direito, no que concerne à alegada errónea qualificação jurídica (conduta negligente) e dosimetria das penas, parcelares e a resultante do cúmulo jurídico:-
Escreveu-se no Acórdão recorrido que:-
(...)”
O Direito
Vem o arguido acusado da prática de um crime de injúrias agravadas, de um crime de dano e de um crime de incêndio.
Recordemos, antes de mais, o teor das normas cuja violação é imputada ao arguido.
Artigo 272º do Código Penal (na parte que para os autos releva)
1-Quem:
a) provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara;
b) *******************
c) *******************
d) *******************
e) *******************
f) *******************
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
2- **********************
3- **********************
Artigo 181º do Código Penal
1- Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.
2- ********************
Artigo 184º do Código Penal
As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea j) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
Artigo 212º do Código Penal
1- Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2- ********************
3- ********************
4- ********************
Quanto ao crime de incêndio –
A norma supra transcrita tutela diferentes bens jurídicos (como consta do próprio teor literal da norma, a vida, a integridade física e bens patrimoniais de elevado valor) contra comportamentos que, na maioria das vezes, em si mesmos considerados, não conterão grande desvalor jurídico-penal, mas que encerram enorme potencial lesivo.
«O ponto crucial destes crimes (...) reside no facto de que condutas cujo desvalor de acção é de pequena monta se repercutem, amiúde, num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos» (ponto 31. preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro).
Antecipa-se a punição a um momento em que ainda não ocorreu lesão do bem jurídico protegido, atendendo às gravosas consequências que podem advir daquele concreto comportamento, por forma a permitir uma protecção eficaz.
Como elementos objectivos típicos possui:
a) a provocação de incêndio de relevo ...
b) ... causalmente ligado ...
c) ... à criação de perigo para os bens jurídicos acima mencionados.
A interpretação do tipo de ilícito, no plano objectivo, não é isenta de problemas.
Desde logo suscita-se a questão do que seja «incêndio de relevo».
Isto porque, face à distinção legal, em tese possível será a provocação de incêndio que não seja de considerar «de relevo», e que acarrete concreto perigo para os bens jurídicos supra mencionados, mas que, por não ser «de relevo», a conduta que o causou não será punível.
Na obra «Comentário Conimbricense do Código Penal» (Coimbra Editora, 1999 tomo II, páginas 870 e 871) entende-se que o preenchimento do conceito deverá ser burilado pela prática jurisprudêncial – fala-se em incêndio de relevo tomado «(...) não como um qualquer pequeno fogo, mas antes como um incêndio com uma extensão ou uma intensidade que se devam considerar, à luz das regras da experiência, como manifestas, indiscutíveis ou relevantes».
Ora, a este propósito começar-se-á por dizer que o elevado limite mínimo da pena aplicável (3 anos de prisão) constitui elemento interpretativo importante (no plano sistemático) para considerar que apenas deverá ser punida aquela conduta que provoca incêndio de proporções objectivamente graves.
Além disso, temos as várias concretizações legais do conceito indeterminado quanto ao objecto do incêndio (edifício, construção, meio de transporte, floresta, mata, arvoredo, seara), que permitirão considerar «de relevo» os incêndios cujos alvos se lhes equiparem.
Ora, no caso em apreço, temos que o arguido ateou fogo a um terreno repleto de arbustos e codessos, lançando as chamas em pelo menos 3 locais distintos, no pino do Verão (Agosto de 2003), do que resultou a queima de pelo menos 500 m2 de terreno, tendo as chamas atingido cerca de 3 metros de altura.
Se considerarmos que meio de transporte poderá ser, por exemplo, um veículo automóvel, entende-se que a queima de 500 m2 de terreno, a ponto de as chamas atingirem 3 metros de altura, em pleno mês de Agosto, deve ser considerado incêndio «de relevo» para efeitos da norma em análise.
Resta saber se de tal violação resultou perigo para quaisquer dos bens jurídicos mencionados na mora em análise.
O conceito de perigo em direito penal tem sofrido profunda evolução, sobretudo pelo esforço laborioso da doutrina.
Actualmente, distinguindo-se entre perigo abstracto e perigo concreto (para além da figura híbrida dos crimes de perigo abstracto/concreto), concebe-se o perigo concreto como um resultado juridicamente relevante, melhor, uma realidade fáctica apreensível pelos sentidos (cfr, neste sentido, “O Perigo em Direito Penal”; Prof. Dr. Faria Costa; Coimbra Editora; 1992; páginas 579 e ss – o núcleo essencial do conceito «(...) radica na ideia de que o perigo representa um estádio relativamente ao qual é legítimo prever como possível o desencadear de um dano/violação para com um bem jurídico-penalmente protegido»; e “O Dolo de Perigo”, Dr. Rui Carlos Pereira, editora Lex, 1995, páginas 33 e ss), em que se exige a criação de uma situação de concreto perigo para os bens jurídicos cuja protecção se pretende.
É certo que a densificação do que seja um perigo concreto (isto é, não meramente subjectivo) pressupõe considerações mais profundas.
Sem pretender elaborar longa exposição sobre a matéria (relativamente à qual doutrinadores ilustres tiveram oportunidade de brilhantemente se pronunciar), dir-se-á, antes de mais, que do âmbito da noção de perigo jurídico-penalmente relevante estarão excluídas, por um lado, as situações em que existe uma aleatoriedade total (por exemplo, na queda de um relâmpago sobre uma caixa de explosivos, que provoca um incêndio), por outro, as situações que em existe determinação absoluta (por exemplo, a imolação pelo fogo).
No intermédio restarão uma multiplicidade de situações cujo enquadramento no âmbito da presente questão se exige.
Ora, a determinação do critério material para definir uma situação de perigo, na medida em que trabalhamos com realidade que ainda não sucedeu e que poderá mesmo não ocorrer por força de facto totalmente inesperado e inverosímil, passará pela definição as probabilidades de ocorrência do resultado desvalioso, existindo «(...) situação de perigo concreto, jurídico-penalmente relevante, quando, relativamente aos resultados possíveis descritos na lei penal, a probabilidade do resultado desvalioso é superior à probabilidade da sua não produção, quer dizer, é superior à probabilidade da produção do resultado valioso» (Prof. Faria Costa, ob.cit. páginas 597 e 598).
Dado mais este passo, cumpre agora definir em que termos se calcularão tais probabilidades.
Nesse “cálculo” possuem relevância decisiva as regras da experiência - «Ao buscarmos as regras da experiência para constituírem o critério da determinação jurídico-penal do perigo fazemo-lo (...) como cânone de valoração que, embora assente em um transfundo de empiria, se transcende e se eleva a regra de captação do real, verdadeiro ou construído. (...) A reiterada captação de factos (indiscutivelmente valorados) e a sua constante interiorização faz com que se aceite, colectivamente, que a um determinado facto se segue certo e determinado efeito» (Prof. Faria Costa, ob. cit., páginas 613 e 614).
Ora, no caso em apreço, o arguido, em pleno mês de Agosto, pegou fogo a terreno repleto de mato e arbustos, ladeado por edifícios, fogo que consumiu pelo menos 500 m2 do terreno, e as chamas que originou atingiram a altura de 3 metros.
Dando de barato que o caso dos autos não se enquadra em qualquer das situações supra indicadas como excluindo a situação de perigo (a de determinação total e a de aleatoriedade absoluta), fácil igualmente será de concluir que as regras da experiência manifestamente permitem afirmar que existia particular perigo de as chamas se propagarem aos edifícios vizinhos caso não ocorresse a intervenção de terceiro (como acima se disse, havia maior probabilidade de o fogo propagar do que de tal não suceder).
As construções, destinadas à habitação, que ladeavam o terreno em que o arguido desenvolveu a sua conduta obviamente devem ser consideradas bens patrimoniais alheios de valor elevado (o valor de qualquer edifício destinado à habitação ascende a, pelo menos, e no mínimo dos mínimos, € 15 000,00 – valor claramente superior, por exemplo, à definição legal consagrada na alínea a) do artigo 202º do Código Penal quanto aos crimes contra o património, lugar paralelo do sistema)
E poderá afirmar-se que a conduta do arguido constituiu a causa jurídica do perigo?
Manifestamente que sim.
O perigo, recorde-se, constitui um elemento da realidade, algo que os sentidos apreendem.
Neste sentido, possui uma causa natural (ou um conjunto de causas); isto é, algo cuja não verificação implicaria a inexistência do perigo.
Juridicamente, afirmar-se-á como causa do perigo aquela conduta adequada a criar aquela situação potenciadora do resultado.
Ora, considerando qualquer uma das várias teorias de imputação objectiva do resultado (neste caso, perigo) à conduta propostas pela doutrina, não há dúvida que podemos afirmar que o acto de atear fogo foi a causa jurídica do perigo: um indivíduo médio, normalmente diligente, inteligente, sagaz e capaz, colocado na situação do arguido no momento em que o fogo deflagrou, admitiria a possibilidade de o fogo se propagar aos edifícios circundantes, e, assim, a verificação do perigo de (teoria da causalidade adequada); se o arguido se tivesse abstido de lançar fogo inexistiria o perigo (teoria do comportamento lícito alternativo); o arguido, ao actuar como actuou, aumentou intoleravelmente o risco de ocorrência do perigo de propagação do incêndio (teoria do incremento do risco); e, finalmente, é indiscutível que com a consagração da referida norma se pretendem evitar perigos como aquele em análise (teoria da esfera de protecção da norma).
Consequentemente, ao atear fogo em 3 locais distintos do mesmo terreno, afigura-se claro ter o arguido juridicamente causado a situação de perigo.
Os elementos objectos to tipo verificam-se.
No plano subjectivo, o tipo de ilícito exige a verificação do dolo (em qualquer das suas formas) quanto aos seus 3 requisitos, acima enunciados.
Ora, o arguido dirigiu a sua vontade à deflagração do incêndio (dolo directo quanto ao primeiro momento da conduta), e admitiu como possível que da sua conduta resultasse o perigo de lesão de património de terceiro (dolo eventual quanto ao perigo) o elemento subjectivo do tipo verifica-se na modalidade de dolo eventual (nº 3 do artigo 14º do Código Penal).
O arguido deve ser punido pela prática de um crime de incêndio previsto e punido pela alínea a) do nº 1 do artigo 272º do Código Penal).
Quanto ao crime de injúria agravada -
Com esta incriminação tutela-se uma dimensão da personalidade singular, a honra e consideração cada pessoa, numa dupla visão – de um lado, a estima a consideração pessoal que cada um tem de si; do outro, o reflexo social da personalidade, a imagem que cada indivíduo no conjunto de cidadãos que o rodeiam.
O seu tipo objectivo preenche-se com o simples dirigir de palavras ou imputação de factos, na presença do visado, que se devam considerar lesivos do bem jurídico tutelado (independentemente de, em concreto, o visado os entender assim).
A qualificação prevista no artigo 184º do Código Penal, na parte que agora releva, contempla ainda a sub-hipótese de a ofensa ser dirigida a agente de força pública no exercício das suas funções – hipótese, que, manifestamente, é a dos autos, já que o visado pelas expressões injuriosas foi um sargento da GNR que procurava tratar do expediente necessário à apresentação do arguido em tribunal
O tipo subjectivo basta-se com a actuação dolosa, em qualquer das suas formas (com a revisão do Código Penal/95, e atenta a nova redacção do preceito, caiu, pois, a velha polémica sobre a necessidade de um elemento subjectivo específico para o prática do crime - o animus injuriandi).
Ora, o arguido dirigiu a um sargento da G.N.R. uma expressão objectivamente ofensiva, isto é, que qualquer cidadão com normal entendimento, formação e educação compreenderia como lesiva da sua honra e consideração interiores, bem como da projecção destas nas pessoas das suas relações.
Porque o fez intencionalmente, com conhecimento da qualidade dos visados, praticou com dolo directo 1 crime de injúria agravada.
Quanto ao crime de dano –
Tutela-se aqui a propriedade contra actos de que possam resultar a destruição física, total ou parcial, ou impossibilidade de utilização de coisas não pertença do agente.
Constitui um crime de dano, sem forma de cometimento vinculado, já que a lesão do bem jurídico protegido é pressupostos do preenchimento do tipo.
No plano subjectivo, também apenas poderá ser cometido na forma dolosa, ainda que em qualquer das modalidades do dolo.
Analisada a matéria de facto provada, dúvidas não há que o arguido cometeu este crime – intencionalmente desferiu pontapés na porta da cela que lhe havia sido destinada, parcialmente a destruindo.
Deve ser condenado pela prática deste crime.
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Determinação da Medida Concreta da Pena
A aplicação da pena visa a protecção dos bens jurídicos violados (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a medida concreta da pena excede a culpa do agente (artigo 40º do Código Penal), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra e a favor do agente (nº 2 do artigo 72º do Código Penal).
Sempre que forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70º do Código Penal).
O arguido vem acusado como reincidente quanto aos 3 crimes que cometeu.
Estabelece o artigo 75º do referido diploma, na parte que aqui releva:
1- É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime
2- O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido (...) pena (...).
No caso dos autos o arguido cometeu crime doloso (incêndio) a que corresponde pena mínima de 3 anos de prisão efectiva.
Anteriormente, e por sentença já transitada em julgado, foi condenado na pena de 7 anos e 9 meses de prisão (que incluiu condenações em 7 e 10 meses de prisão pela prática de dois crimes de dano em 22 de Julho de 1996), que cumpriu parcialmente entre 15 de Julho de 1998 e 12 de Novembro de 2002, e cujo remanescente ainda hoje cumpre (pelo que os factos em análise nos autos, que se reportam a Agosto do ano de 2003, claramente se situam no período de 5 anos a que se refere o nº 2 do artigo 75º do Código Penal), sendo certo que aqui não relevará a aplicação do perdão de pena previsto na Lei nº 29/99, de 12 de Maio (nº 4 do artigo 75º do Código penal).
Todos os pressupostos formais da reincidência verificam-se, igualmente se detectando, salvo melhor opinião, o vulgarmente denominado pressuposto material quanto aos crimes de incêndio e de dano – ao cometer um novo crime o arguido atentou contra o mesmo bem jurídico (património alheio) que anteriormente violara.
Assim, se na base da reincidência se encontra a especial censura que deve ser feita ao agente por não ter interiorizado a condenação anterior enquanto afirmação da relevância de determinado bem jurídico, no caso existe fundamento para tal.
Verificam-se, pois, os pressupostos da reincidência (embora apenas, como se disse, quanto aos crimes de incêndio e de dano).
Quanto ao crime de incêndio -
Este crime é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Por força da reincidência, o limite mínimo abstracto deve ser agravado de 10 meses (pena mais grave aplicada na condenação anterior – 2ª parte do nº 1 do artigo 76º do Código Penal).
Considerando as reduzidas consequências da conduta do arguido, o bem jurídico que a sua conduta colocou em perigo, o modo de execução do crime, e ainda o dolo eventual com que actuou, afigura-se adequado fixar em 4 anos a pena concreta a aplicar.
Quanto ao crime de dano -
Este crime é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Atendendo aos antecedentes criminais do arguido, afigura-se que a aplicação de uma pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por força da reincidência, o limite mínimo da pena abstracta eleva-se para 40 dias de prisão.
Considerando as consequências da conduta do arguido, a natureza pública do bem danificado, e ainda o dolo directo com que actuou, afigura-se adequado fixar em 7 meses a concreta pena a aplicar.
Quanto ao crime de injúria agravada –
Por força da agravação (artigo 184º do Código Penal), este crime é punido com pena de prisão de 45 dias a 4 meses e 15 dias prisão, ou multa de 15 a 180 dias.
Considerando os antecedentes criminais do arguido, afigura-se que a aplicação de uma pena de multa não realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Atendendo à concreta injúria proferida, à patente do soldado da GNR visado, bem como ao dolo directo com que o arguido actuou, entende-se adequado fixar em 2 meses de prisão a pena concreta a aplicar.
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Segundo estabelece o nº 1 do artigo 77º do Código penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única.
Na medida da condenação são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo a pena única fixada tendo por limite mínimo a pena parcelar mais elevada das penas em concurso, e, como limite máximo, a soma material das penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos (nº 2 do artigo 77º do Código Penal).
Considerando os bens jurídicos violados, a circunstância de todos os factos terem ocorrido em momentos quase seguidos, e ainda os limites máximo (4 anos e 9 meses de prisão) e mínimo (4 anos de prisão) a considerar, entende-se adequado fixar em 4 anos e 4 meses de prisão a pena única a aplicar.
(...)”.
Concordamos inteiramente, quer com a subsunção jurídica levada a cabo, transcrita, como com a dosimetria das penas parcelares e a resultante do cúmulo jurídico.
Com efeito e no que tange à pretendida negligência é manifesto e fatal que não se prefigura no caso qualquer conduta negligente, mas sim dolosa:
Com efeito e como dispõe o art. 15º do C. Penal, “Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar som essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto”.
Como vem acertada e devidamente explanado no Acórdão recorrido o arguido agiu com dolo e não negligentemente, sendo redundante algo mais referir quanto à questão.
X
Quanto às penas e sua dosimetria:-
Para além do que consta do Acórdão quanto à matéria, apenas nos ocorre referir o seguinte:-
Como se destaca no Ac. do STJ, de 25/11/2004 (proferido no P. C. n.º 1753/03 – do 2º Juízo do T. J. de Valongo), “A medida da pena há-se ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva, vindo a ser definitiva e concretamente estabelecida em função das exigências e prevenção especial, nomeadamente, de prevenção especial positiva ou de socialização. Será assim o próprio conceito de prevenção geral (protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada que justifica que se fale de uma moldura de prevenção, pois que a prevenção, tendencialmente proporcional à gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade; a satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite (máximo) definido pela medida da pena que a comunidade entende necessário à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade”.
No caso dos autos as penas parcelares (também tendo em conta a circunstância da reincidência que o Recorrente nem sequer questionou), bem como o cúmulo jurídico, para além da medida da culpa, obedecem a estes requisitos, sendo devidamente doseadas e justas.
Não merecem censura.
XXX
X
Do expendido resulta que nenhuma censura merece o Acórdão recorrido, o que implica a total improcedência do recurso.
XXXXX
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente, o douto Acórdão recorrido.
O Recorrente pagará 8 Ucs de taxa de justiça.
Honorários: legais.
PORTO, 26 de Abril de 2006
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes
Alice Fernanda Nascimentos dos Santos
Arlindo Manuel Teixeira Pinto