SUB-ROGAÇÃO DE CRÉDITOS
PAGAMENTO
TRANSMISSÃO DE CRÉDITO
PRESTAÇÃO
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
Sumário


I. A sub-rogação é uma forma de transmissão de créditos, consistindo na substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.
II. O terceiro que cumpra obrigação alheia só beneficia da sub-rogação se lhe for atribuído esse direito por vontade expressa do credor ou do devedor, ou quando a lei lhe reconheça esse direito, quer por ter garantido, previamente, o cumprimento da obrigação, quer por ter um interesse patrimonial e próprio na satisfação do crédito.
III. Não beneficia do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor o terceiro que, apesar de não ter um interesse “directo e próprio” no cumprimento, assume a dívida e realiza a prestação alheia, valendo, antes, a regra geral do artigo 767º, n.º 1 do Código Civil, segundo a qual a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, e verificando-se, nestas circunstâncias, a extinção da obrigação. (sumário do relator)

Texto Integral


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. T…, SA., apresentou requerimento de injunção contra S…, SA., para pagamento da quantia de € 176.220,02, sendo € 94.000,00 relativos a capital, € 82.067,02 a juros de mora de mora, e € 153,00 relativos à taxa de justiça paga.

2. Para tanto, invocou como origem do crédito, que a R. adquiriu 2 autocarros, em 2007, à T…, Lda., pelo valor global de € 109.600,00, do qual apenas pagou a quantia de € 15.600,00, e que foi a A. que pagou a quantia de € 94.000,00 à vendedora, em 21 de Setembro de 2009, por conta da dívida da R., ficando assim sub-rogada na posição de credora e titular de um crédito sobre esta.

3. A R. deduziu oposição ao requerimento injuntivo apresentado, pelo que os autos passaram a seguir a forma do processo comum,
Na oposição, a R. aceitou que fez a compra dos autocarros, mas invocou o pagamento, por compensação de serviços prestados a várias empresas do grupo, e a prescrição dos juros de mora peticionados.
A A., notificada para se pronunciar acerca das excepções peremptórias do pagamento e da prescrição dos juros, pugnou pela improcedência das mesmas, considerando que não houve pagamento e que apenas em finais de 2016 teve conhecimento do crédito em causa nos autos, na sequência de uma auditora às suas contas, alegando ainda haver abuso de direito na invocação da excepção da prescrição.

4. Teve lugar a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, que relegou o conhecimento das excepções peremptórias para final, fixou o valor da acção e procedeu à identificação do objecto do litígio e à indicação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
«… julga-se improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, decide-se absolver a Ré S…, SA do pedido deduzido pela Autora T…, SA.»

5. Inconformada interpôs a A. o presente recurso, o qual fundamenta nas 86 conclusões que apresenta, as quais condensa a final, pedindo a alteração da matéria de facto e da decisão de direito.
5.1. Quanto à alteração da matéria de facto, sustenta a recorrente que deve:
1. REVOGAR-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO DE DAR COMO NÃO PROVADO O FACTO DE QUE A “Autora apenas teve conhecimento da falta de pagamento da quantia de € 94.000,00 após a realização da auditoria financeira à sua contabilidade em 2016” E SUBSTITUÍA-LA POR UMA OUTRA QUE O JULGUE COMO INTEGRALMENTE PROVADO.
2. ADITAR-SE À MATÉRIA DE FACTO PROVADA O ALEGADO NOS ARTIGOS 41.º, 42.º, 58.º, 59.º DA RESPOSTA ÀS EXCEÇÕES, ISTO É, QUE:
i. Na sequência de uma denúncia acerca de alegados actos ilícitos praticados pela anterior gestão, foi efectuada uma auditoria através da D… entre 29 de Março a 29 de Setembro de 2016 (cfr. por exemplo, Doc. 6 junto com a resposta às excepções da Recorrente e declarações das testemunhas P… e V…);
ii. Em 29 de Setembro de 2016, a D… emanou um relatório de auditoria forense, através do qual constatou que a dívida de € 94.000,00 tinha sido eliminada do sistema contabilístico da TUIP [ora Recorrente] e permanecia por liquidar (cfr. por exemplo, Doc. 6 junto com a resposta às excepções da Recorrente e declarações da testemunha P…); e
iii. Na sequência do relatório de auditoria forense da D… de 29 de Setembro de 2016, a Recorrente apresentou uma queixa-crime contra os Senhores D… e R….
3. ADITAR-SE À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA OS SEGUINTES FACTOS:
i. Entre 1998 e até Julho de 2015, o Senhor D… foi gerente da T… (cfr. Docs. 3 e 4, juntos com a resposta às excepções apresentadas pela Recorrente);
ii. O Senhor D… tornou a ser administrador da Recorrida a partir de 20 de Janeiro de 2016, situação que se mantém.
4. ADITAR-SE À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA OS SEGUINTES FACTOS:
i. Em 28 de Junho de 2017, a Recorrente enviou nova carta à Recorrida através da qual afirmou o seguinte: “…constatamos que V.as Ex.as foram incapazes de identificar, concretamente, qual foi o alegado «meio alternativo» de extinção das dívidas invocadas pela T…, S.A. (“TUIP”) nas cartas de interpelação de 29 de Maio de 2017. Na verdade, V.as Ex.as limitam-se a afirmar que as «aquisições mencionadas nas Vossas Cartas em resposta, datadas de 29 de Maio de 2017, foram integral e atempadamente satisfeitas, ainda que por meios alternativos de extinção das respectivas obrigações».
Naturalmente que V.as Ex.as não poderiam concretizar o meio da alegada extinção das dívidas em causa, pois, efectivamente, a S…, S.A. («S…») ainda não as liquidou.
Em todo o caso, e dado que afirmam ter «cristalina certeza» de que as dívidas teriam sido liquidadas (o que não se concede), vimos pela presente interpelar V.as Ex.as para procederem, no prazo de dez dias úteis a contar da recepção da presente missiva, à comprovação documental (designadamente, contabilística) da alegada forma de extinção dessas mesmas dívidas.
(ii) Em segundo lugar, registamos que V.as Ex.as sugerem que a TUIP colabore com a S… «no sentido de apurar detalhadamente se a T… e a T… liquidaram à S… a totalidade da aludida dívida global superior a 7.456.509€.
Desde logo, a TUIP não reconhece – nem aceita – que a S… lhe tenha facturado o valor total de € 7.456.509,00 a título da alegada prestação de serviços e muito menos que alguma vez tenha existido uma tal «dívida global».
Ademais, e com excepção da dívida corrente relativa aos serviços recentemente prestados e ainda não vencidos, a TUIP sempre cumpriu os seus compromissos para com a S… de forma pontual e transparente.
Por fim, não queremos deixar de realçar que a TUIP reserva todos os seus direitos, designadamente o de reclamar judicialmente o pagamento das quantias de que se considera credora, caso não sejam prestados – de forma pontual e cabal – os esclarecimentos solicitados” (cfr. Doc. 3, junto com a oposição à injunção).
ii. Em 11 de Setembro de 2017, a Recorrente e a própria T…, entidade dominada a 100% pela Recorrente, enviaram nova carta conjunta para a Recorrida com o seguinte teor:
“Na sequência da vossa carta de 13 de Julho de 2017, vimos pela presente chamar a vossa melhor atenção para o seguinte.
Antes de mais, não compreendemos – nem aceitamos – o tom ofensivo e vexatório que V.as Ex.as utilizaram na vossa missiva, especialmente tendo em consideração a relação comercial existente entre a T…, LDA. («T…») e a S…, S.A. («S…»).
Constatamos, uma vez mais, que V.as Ex.as foram incapazes de responder a um pedido directo e claro da nossa parte, na medida em que, até à presente data, não identificaram qual foi o alegado «meio alternativo» de extinção das dívidas invocadas pela T…, S.A. (“TUIP”) e T… nas cartas de interpelação de 29 de Maio de 2017.
E, como é evidente, V.as Ex.as não identificaram o alegado meio de extinção das dívidas em causa – nem poderiam fazê-lo – pois, efectivamente, a S… ainda não as liquidou.
De resto, a TUIP e a T… rejeitam a existência de qualquer dívida para com a S…, com excepção da dívida corrente relativa aos serviços recentemente prestados à T….
Por fim, a TUIP e a T… reservam todos os seus direitos e posição sobre esta matéria para discussão em sede e momento oportunos, sendo certo que a T… não deixará de reequacionar a continuidade da relação comercial com a S… em face do comportamento que esta última assumiu e tem vindo a assumir quanto a esta matéria” (cfr. Doc. 5, junto com a oposição à injunção apresentada pela Recorrida).

5.2. Quanto à questão de direito, diz a Recorrente nas suas conclusões que aceitou a confissão da Recorrida relativamente à existência do direito de crédito da recorrente, que ocorreu violação do caso julgado formal relativamente à matéria da sub-rogação, que foi proferida decisão surpresa, em violação do contraditório, que, ao contrário do decidido, a Recorrente ficou sub-rogada na posição creditícia da T…, que são devidos os juros de mora, não sendo de aplicar o prazo da prescrição previsto na alínea d) do artigo 310º do Código Civil, e, subsidiariamente invoca ter direito ao pagamento da quantia peticionada com base nas regras do enriquecimento sem causa.

6. A Recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da impugnação da matéria de facto;
(ii) Apurar se o Tribunal podia ter conhecido da matéria da sub-rogação, em face da alegada confissão da dívida pela Recorrida e da aceitação da confissão pela Recorrente, e do alegado caso julgado relativamente a esta matéria;
(iii) Da verificação dos requisitos da sub-rogação;
(iv) Do enriquecimento sem causa;
(v) Do direito aos juros moratórios; e
(vi) A prescrição dos juros.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A Autora T…, SA., tem como objecto social o exercício da actividade de agência de viagens e turismo e o da indústria de aluguer de veículos automóveis de passageiros sem condutor, bem como o exercício de actividades acessórias ou complementares desta. A sociedade exerce ainda, como objecto secundário, actividades de arrendamento e de gestão e exploração de bens imobiliários próprios (artigo 1º do requerimento de injunção).
2. Entre 28 de Novembro de 1997 e Julho de 2015, a Autora foi administrada por D… (artigo 2º do requerimento de injunção).
3. A Ré S…, SA., tem como actividade agência de viagens e turismo, rent-a-car e transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros e pesados (artigo 3º do requerimento de injunção).
4. Entre 15 de Outubro de 2008 e 12 de Março de 2009 a Ré foi igualmente administrada por D… (artigo 4º do requerimento de injunção).
5. Em 2007, a Ré adquiriu à T…, Lda sociedade integrada no Grupo T… dois autocarros identificados com as matrículas 82-76… e 61-21…, pelo valor global de € 109.600,00 (artigo 5º do requerimento de injunção).
6. Os veículos automóveis objecto do contrato de compra e venda foram entregues à Ré, juntamente com toda a documentação relativa aos mesmos, para efeitos de transferência do registo de propriedade (artigo 5º do requerimento de 5º do requerimento de injunção).
7. Pela aquisição do autocarro identificado com a matrícula 82-76…, a Ré acordou pagar à T…, Lda., a quantia de € 40.000,00 (IVA incluído), quantia esta devida em 26 de Janeiro de 2008 e desse montante a Ré pagou a quantia a quantia de € 15.600,00 (artigo 7º do requerimento de injunção).
8. Por sua vez, pela aquisição do autocarro identificado com a matrícula 61-21-…, a Ré acordou pagar à T…, Lda., a quantia de € 69.600,00 (IVA incluído), quantia esta devida em 30 de Outubro de 2008 (artigo 6º do requerimento de injunção).
9. Em 21 de Setembro de 2009, a Autora pagou à T…, Lda., a quantia total de € 94.000,00, por conta da dívida da Ré (artigo 9º do requerimento de injunção).
10. Em 29 de Maio de 2017, a Autora interpelou a Ré, por carta registada com aviso de recepção, para proceder ao pagamento do capital em dívida 94.000,00), acrescido dos juros vencidos e vincendos que, à data da interpelação, perfaziam já a quantia de € 54.669,23, em virtude do pagamento desse montante pela Autora à T… por conta da dívida da Ré àquela, tal como resulta de fls. 9 vº e 10, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo s 11º e 12º do requerimento de injunção).
11. Entre 1998 e até Julho de 2015, D… foi gerente da firma T…, Lda. (aditado)
12. A T…, é detentora da totalidade do capital social da T…, Lda.. (aditado)
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A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
a) A Ré pagou, até 13-07-2017, à T…, Lda., ou à Autora a quantia de € 94.000,00 agora peticionada relativa ao preço de compra de 2 autocarros (artigos 14º a 31º da oposição).
b) A Autora apenas teve conhecimento da falta de pagamento da quantia de € 94.000,00 após a realização da auditoria financeira à sua contabilidade em 2016 (articulado de resposta às excepções).
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B) – O Direito
1. Da impugnação da matéria de facto
1.1. A R. discorda da decisão da matéria de facto, começando por impugnar a matéria constante da alínea b) dos factos não provados, considerando que tal facto deve ser dado como provado, pois, diz resultar da prova documental e testemunhal que a A. só tomou conhecimento da dívida em causa nos autos em 29 de Setembro de 2016, porque a dívida da R. foi ocultada da contabilidade da A. num período temporal em que a Requerente e a T… eram administradas por D…, que desde 3 de Outubro de 2016 é também administrador da Requerida, e que só com o Relatório da D…, de 29 de Setembro de 2019, é que tomou conhecimento da dívida em questão. E convoca os depoimentos das testemunhas V… e P…, para comprovar que a dívida foi “limpa”, ou “desapareceu” da contabilidade da R..
A respeito desta questão diz-se na sentença o seguinte:
«Quanto ao facto b), o desconhecimento pela Autora da falta de pagamento da quantia de € 94.000,00 relativa aos autocarros por parte da Ré até ser feita uma auditoria em 2016 não pode ser considerado provado dado que está em causa um facto interno da empresa, e se foi camuflado contabilisticamente fazendo desaparecer a verba como débito, foi por alguém que exercia funções na mesma e logo não se pode dizer que a sociedade o desconhece (o facto não foi feito por ninguém externo dado que a Autora invoca que foi escondido na sua contabilidade e até invoca que durante um dado período o gerente da Autora e da Ré foi comum), pelo que a alegada camuflagem contabilística só pode ter ocorrido com o conhecimento de funcionários ou representantes da empresa e logo a Autora tem de assumir as consequências, sendo certo que, caso e apure que houve facto ilícito por parte de representante ou funcionário, poderá sempre pedir indemnização por responsabilidade extracontratual caso seja privada dos juros, mas não se pode concluir que a Autora desconhecia esse facto interno da sua própria empresa.
De facto, os representantes da Autora à data da alegada camuflagem contabilística relativa à falta de pagamento da quantia de € 94.000,00 vinculam a sociedade comercial mesmo que deixem de exercer funções na mesma ou até deixem de ser sócios, sendo certo que a sua conduta vincula a sociedade em causa, concorde ou não a actual administração com a mesma.
Efectivamente, “Por força da representação orgânica, a vontade manifestada pelos administradores é a vontade da sociedade e não a deles próprios, como representantes da sociedade; logo, tal vontade subsiste válida, eficaz e regular, ainda que eles cessem, por qualquer motivo, as respectivas funções”.
Assim, há que ter em consideração que «(…) a representação subjacente à relação ou contrato de administração não é uma representação em sentido técnico-jurídico, mas sim numa representação orgânica. Segundo esta, "considera-se que a pessoa colectiva, como um ente abstracto, embora juridicamente real, não tem uma existência físico-psíquica, e, por isso, só pode agir no mundo do direito na medida em que pessoas físicas ponham ao serviço dela a sua vontade actante. (...) O órgão faz parte integrante da pessoa colectiva, do seu modo de ser. A vontade do órgão é atribuída à pessoa colectiva: é a vontade da pessoa colectiva. Não se trata de pessoas físicas que agem para o ente colectivo, mas é o próprio ente que quer e age. (...) Deste modo a vontade do órgão não substitui a vontade da pessoa colectiva. A vontade do órgão, expressa pelas pessoas físicas nele providas no exercício das suas funções, é atribuída, em si mesma à pessoa colectiva, vale como vontade desta" (Cfr. Luís Brito Correia, Os Administradores das Sociedades Anónimas, 1993, p. 202). (…)
(…) Entendimento diverso conduziria a resultados absurdos: pense-se, por exemplo, num contrato de eficácia diferida no tempo: será possível sustentar a sua caducidade por os administradores que nele intervieram haverem deixado de o ser?» [Ac. RE de 25-09-2008, que tem como Relator Fernando Bento, com texto integral disponível em www.dgsi.pt].
Pelo exposto, em face da alteração da administração, a actual administração não pode alegar que desconhece a falta de pagamento da quantia de € 94.000,00, sob pena de se desvirtuar toda a segurança no giro comercial, bastando uma sociedade mudar de gerência para a negar o desconhecimento do negócio anterior, sendo certo que a sociedade, enquanto pessoa colectiva, continua a responder pelas suas obrigações, motivo pelo qual se dá tal facto como não provado.»
E esta conclusão mostra-se acertada.
De facto, não obstante as testemunhas indicadas terem referido que a A., em 2009, pagou, por transferência bancária, à T… o remanescente do preço da venda dos autocarros pela T… à R., no valor de € 94.000 (pagamento este que foi dado como provado no ponto 9), e até terem explicado o modo como foi “camuflada” ou “ocultada” esta dívida da R. para com a A., certo é que, como se diz na sentença, tais actos foram praticados na regência da anterior administração da A., que necessariamente teve conhecimento dos mesmos. E tanto assim é que a A., agora pela sua nova administração, na sequência do relatório da D…, de 29 de Setembro de 2016, alegou ter apresentado queixa crime, por “diversos comportamentos irregulares”, contra D… (e R…), que foi seu administrador entre 28/11/1997 e Julho/2015 (cf. ponto 2 dos factos provados), bem como da T…, e também administrador da R. entre 15/10/2008 e 12/03/2009 (cf. ponto 4 dos factos provados).
O pagamento e a não cobrança do crédito em causa foi do conhecimento da então administração e/ou dos responsáveis da A., pelo que não pode deixar de se concluir, que, sendo a A. representada pela sua administração, teve conhecimento da situação em causa.
É certo que, tendo sido “camuflada” a dívida, a actual administração só terá tido conhecimento da mesma com o relatório da D…, de 29/09/2016, mas não é isso que se pretende saber com o facto ora impugnado.
E, como se salienta na sentença, os representantes da A. à data da alegada camuflagem contabilística relativa à falta de pagamento da quantia de € 94.000,00, vincularam a sociedade comercial, não relevando o facto de, entretanto, terem deixado de exercer funções na mesma ou até de deixarem de ser sócios. Ou seja, a actuação dos mesmos vinculou a sociedade em causa, concorde ou não a actual administração com a mesma, sem prejuízo de poder demandar civil e criminalmente os seus representantes, pelos factos ilícitos praticados, se for caso disso.
Por isso, não se pode dizer que a A. só com o relatório da auditoria da D…, a que se reporta o doc. n.º 6, junto com a resposta às excepções, é que teve conhecimento da falta de pagamento da quantia em causa.
Assim, não ocorre fundamento para alteração da factualidade impugnada.

1.2. Pretende a Recorrente que se adite à matéria de facto que:
“i. Entre 1998 e até Julho de 2015, o Senhor D… foi gerente da T… (cfr. Docs. 3 e 4, juntos com a resposta às excepções apresentadas pela Recorrente)” e
“ii. O Senhor D… tornou a ser administrador da Recorrida a partir de 20 de Janeiro de 2016, situação que se mantém.”
Tais factos foram alegados para justificar a matéria relativa à conduta da anterior administração, em relação à divida peticionada nos autos e o alegado conhecimento superveniente da mesma.
O primeiro facto resulta da prova documental junta.
O segundo é totalmente irrelevante, pois é posterior à situação debatida nos autos, e o exercício de funções de administrador na R., do referido D…, para o que poderá relevar, já consta do ponto 4 dos factos provados.
Assim, deve aditar-se à matéria de facto provada aquele primeiro facto, ou seja:
«Entre 1998 e até Julho de 2015, D… foi gerente da firma T…, Lda.»

1.3. Pretende ainda a Recorrente que sejam aditados os factos constantes dos artigos 41º, 42º, 58º e 59º, ou seja, que:
i. Na sequência de uma denúncia acerca de alegados actos ilícitos praticados pela anterior gestão, foi efectuada uma auditoria através da D… entre 29 de Março a 29 de Setembro de 2016 (cfr. por exemplo, Doc. 6 junto com a resposta às excepções da Recorrente e declarações das testemunhas P… e V…);
ii. Em 29 de Setembro de 2016, a D… emanou um relatório de auditoria forense, através do qual constatou que a dívida de € 94.000,00 tinha sido eliminada do sistema contabilístico da TUIP [ora Recorrente] e permanecia por liquidar (cfr. por exemplo, Doc. 6 junto com a resposta às excepções da Recorrente e declarações da testemunha P…); e
iii. Na sequência do relatório de auditoria forense da D… de 29 de Setembro de 2016, a Recorrente apresentou uma queixa-crime contra os Senhores D… e R….
Tais factos dizem, pois, respeito à invocada denúncia da alegada actuação ilícita da anterior administração e à realização da auditoria da D…, a que se reporta o doc. n.º 6, junto com a resposta às excepções (cf. fls. 144 a 150).
Porém, o dito documento, bem como a factualidade com ele relacionada, relatada pelas testemunhas que a Recorrente indica, apenas poderiam ter interesse para resposta à matéria da alínea b) dos factos não provados, mas, como se vê da fundamentação dada, não relevaram para a resposta em causa.
Assim, não obstante estar provada a existência do documento, o mesmo já foi considerado na resposta ao facto não provado impugnado, e a demais factualidade alegada é inútil em função da decisão de direito a proferir, pelo que, em face do disposto no artigo 130º do Código de Processo Civil, não se determina o seu aditamento à matéria de facto.
1.4. Refere também a Recorrente que deve aditar-se à matéria de facto provada que “a T… é totalmente detida pela T…”, com base no doc. n.º 3, junto com a resposta às excepções.
Efectivamente, verifica-se, pela análise da certidão junta aos autos, que, com a aquisição da quota pertencente a D…, a T… passou em 04/11/2008 a deter a totalidade das quotas do capital da T….
Assim, e invocando a Recorrente a relevância deste facto para efeitos de enquadramento jurídico, no que à matéria da sub-rogação legal diz respeito, e estando o mesmo comprovado documentalmente deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte:
«A T…, SA., é detentora da totalidade do capital social da T…, Lda.»

1.5. Em relação ao teor dos documentos que a Recorrente pretende ver aditados à matéria de facto – carta de 28/06/2017 e carta de 11/09/2017 –, embora esteja provado o seu envio à R., os mesmos constituem meios de prova, pelo que não devem, em regra, ser reproduzidos na matéria de facto, pois esta é integrada pelos factos alegados para sustentar a posição das partes e não pelo teor dos documentos que visam provar os factos alegados.
E, no caso, a sua reprodução na matéria de facto afigura-se-nos inútil, porquanto, tais documentos foram oferecidos como contraprova da matéria da excepção de pagamento invocada pela R., e não tendo sido dado como provado o pagamento, não se mostra necessário o aditamento à matéria de facto das ditas cartas.

1.6. Deste modo, procede parcialmente o recurso da matéria de facto, quanto ao aditamento dos factos acima indicados, que se integraram no elenco dos factos provados.

2. Da apreciação das questões relativas ao conhecimento da matéria da sub-rogação.
2.1. Com a presente acção pretendia a A. obter o pagamento da quantia de € 94.000, correspondente ao valor que pagou à T…, Lda., “por conta da dívida da S…”, acrescida dos juros moratórios, com fundamento na sub-rogação.
Na sentença julgou-se a acção improcedente, por se haver concluído que “a obrigação cujo cumprimento a Autora veio exigir da Ré já se extinguiu pelo pagamento feito por si, dado que esse pagamento não configurou uma sub-rogação voluntária ou legal, mas sim um propósito do terceiro de extinguir a relação obrigacional.”
A A./Recorrente discorda, começando por afirmar que a sentença constitui decisão surpresa, pois foi violado o contraditório e o caso julgado formal relativamente à matéria da sub-rogação.
Diz a Recorrente que a Recorrida não impugnou a sub-rogação do crédito, antes aceitou esse facto, pelo que se cristalizou a existência do crédito invocado por sub-rogação, e que dirigiu a sua defesa com base neste pressuposto.
Na verdade, lida a oposição não vemos que a R. tenha questionado a existência da figura da sub-rogação, mas também não tinha necessariamente que o fazer.
O que a R. tinha que fazer era tomar posição sobre os factos alegados pela A., que fundamentam a pretensão formulada em juízo, sob pena de os mesmos serem considerados admitidos por acordo, mas não tinha necessariamente que impugnar as regras de direito invocadas pela A., assim como o Tribunal não está vinculado à aplicação das concretas normas indicadas pelas partes, nem à interpretação por elas dada.
Daí que, do facto de a R. não ter impugnado a figura da sub-rogação invocada, não decorra a “confissão” do direito da A., com fundamento neste instituto jurídico.

2.2. Diz também a Recorrente, que a Recorrida confessou a dívida e que a Recorrente aceitou a confissão.
É verdade que, em resposta às excepções, a Recorrente disse aceitar a confissão da dívida feita pela Recorrida.
Porém, a Recorrida não confessou propriamente a dívida, e embora no artigo 34º invoque o pagamento como factor extintivo da dívida à ora Recorrente, do contexto da oposição facilmente se apura que entende que nada deve, pelas razões que indica, designadamente, nos artigos 15º a 17e 16º, onde disse, que “… recebeu, com surpresa, um ofício datado de 29-05-2017, remetido pela Requerente T... a solicitar o pagamento de um valor €94.000,00 alegadamente em dívida à T…, a que fez acrescer juros, fazendo “referência aos identificados autocarros com as matrículas 82-76… e 61-2… que a sociedade S… S.A. (“S…”) adquiriu em 2008, à sociedade T…l, S.A.”, conforme DOC. 1 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos” (15º), que “[p]rocedeu a Requerida, de imediato, a responder à Requente T… em 14-06-2017, mencionando que esta estaria equivocada e que relativamente ao contrato em causa, a Requerida não tinha quaisquer valores em dívida, existindo antes sim valores a receber em virtude de ser a Requerida “uma sociedade que presta serviços de aluguer de autocarros com motorista e aluguer de viaturas sem condutor à T…, à T… e à H…, todas sociedades do universo T….”, conforme DOC. 2 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos” (16º), e que “…, havendo uma relação comercial continuada, prestando a Requerida à Requerente T… e às empresas do seu grupo serviços de aluguer de autocarros com motorista e aluguer de viaturas ligeiras sem condutor (rent-a-car), várias compensações de serviços entre as partes haviam sido efectuadas.” (17º).
Daí que tenha alegado no artigo 26º da oposição que “… resta senão concluir que a obrigação, que sobre si recaía na sequência do contrato de compra e venda outorgado entre a Requerida e a T…, se encontra integralmente extinta.”
Por conseguinte, não há qualquer confissão da dívida por parte da Recorrida, como pretende fazer valer a Recorrente.

2.3. E também não há a violação de qualquer caso julgado formal decorrente do despacho saneador, no que se refere à identificação do objecto do litígio, onde se consignou o seguinte:
“a) Apurar se a Ré pagou à credora originária ou à Autora a quantia peticionada relativa ao preço de 2 autocarros que adquiriu mediante 2 contratos de compra e venda, na sequência da sub-rogação do crédito à Autora;
b) Caso se conclua que a Ré não pagou a quantia relativa ao preço, apurar se parte dos juros de mora se encontram prescritos ou se houve suspensão do prazo de prescrição ou se há abuso de direito na invocação dessa prescrição.”
Salvo o devido respeito, em função do alegado pela A. e pela R. quanto à matéria de excepção, afigura-se-nos inequívoco que com a identificação do objecto do litígio, indicado em a) se diz que importa apurar se a R. pagou à credora originária ou à Autora a quantia peticionada relativa ao preço de 2 autocarros que adquiriu mediante 2 contratos de compra e venda, e se o pagamento à A. foi na sequência da sub-rogação do crédito.
Não vemos que tal propósito tenha outro sentido útil.
Assim, e não se surpreendendo no saneador qualquer pronúncia quanto à questão da sub-rogação não faz sequer sentido a invocação da existência de caso julgado formal quanto a esta matéria, ao abrigo dos artigos 596º e 620º do Código de Processo Civil, como invoca a Recorrente.

2.4. E também é destituída de fundamento a alegação de que a decisão recorrida, ao pronunciar-se sobre a matéria da sub-rogação constitui decisão surpresa, porque violadora do contraditório, previsto no n.º 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, pelo simples facto de que o instituto da sub-rogação foi invocado pela própria A./Recorrente e o Tribunal tinha que apreciar o direito invocado, concretamente, saber se a A. tinha direito ao crédito reclamada por ter ficado sub-rogada nos direitos que o credor originário detinha sobre a R. devedora.

3. Dos requisitos da sub-rogação
3.1. Quando à verificação dos requisitos da sub-rogação, entendeu-se na sentença recorrida o seguinte:
«(…), da factualidade apurada resulta que a T…, Lda., forneceu à Ré, em 2007, tal como esta lhe havia solicitado, 2 autocarros de matrículas 82-76… e 61-21… ficando, em contrapartida investida no direito de receber da Ré o preço acordado, pelo valor global de € 109.600,00.
Por seu turno, ficou a Ré obrigada a pagar à T…, Lda o preço correspondente ao valor dos produtos que comprou.
O pagamento do preço foi estabelecido, por acordo entre as partes, que seria paga a quantia de € 40.000,00 (IVA incluído) em 26 de Janeiro de 2008 quanto ao autocarro de matrícula 82-76… e em 30 de Outubro de 2008 a quantia de € 69.600,00 (IVA incluído) relativamente ao autocarro de matrícula 61-21…, sendo tal cláusula perfeitamente válida tal como resulta do artigo 405º, n.º 1 do Código Civil.
A Ré pagou à T…, SA a quantia de € 15.600,00 relativa a parte do preço do autocarro de matrícula 82-76…, tal como resulta dos factos provados.
Nos autos apurou-se ainda que que a Autora, em 21 de Setembro de 2009, pagou a quantia do preço ainda em dívida relativa aos 2 autocarros no montante total de € 94.000.00 à compradora T…, Unipessoal, Lda, invocando que o fez “por conta da dívida da Ré, ficando assim a requerente sub-rogada na posição de credora e titular de um crédito sobre a REQUERIDA no montante de € 94.000,00, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos”.
A Autora invoca, assim, que houve uma sub-rogação de créditos, importando apurar quais as consequências da conduta assumida pela Autora.
O artigo 589º do Código Civil consagra que “O credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação”.
Por sua vez, o artigo 590º do Código Civil estabelece que “1- O terceiro que cumpre a obrigação pode igualmente ser sub-rogado pelo devedor até ao momento do cumprimento, sem necessidade de consentimento do credor.
2- A vontade de sub-rogar deve ser expressamente manifestada”.
A sub-rogação é uma forma de transmissão da obrigação e não uma forma de extinção a obrigação que tem por base o pagamento ou o cumprimento da obrigação por terceiro enquanto a cessão de créditos tem por base o contrato celebrado entre o transmitente e o adquirente do crédito.
A sub-rogação pressupõe o cumprimento da obrigação, podendo ser voluntária (proveniente de um contrato celebrado entre o credor e terceiro ou entre o devedor e terceiro) ou legal (resultante do pagamento feito por terceiro interessado na satisfação do crédito e só se produz directamente por força da lei, só existindo na medida em que esta o permita).
De facto, a sub-rogação pode definir-se, num critério puramente descritivo, como “a substituição do credor, na titularidade do crédito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” [ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, Coimbra, 7ª edição, 1997, pp. 335 e 336], tratando-se de um fenómeno de transferência de créditos, medindo-se os direitos do sub-rogado sempre em função do cumprimento, atento o disposto no artigo 593º, n.º 1 do Código Civil, o qual estabelece que “O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam”.
A sub-rogação pelo credor prevista no artigo 589º do Código Civil “tem que ser expressa (…) pois é de presumir, quando assim não seja, que se quis, simplesmente, extinguir a dívida e não substituir-lhe o sujeito activo. É ainda em consequência desta presunção que a sub-rogação não pode verificar-se depois do cumprimento: a dívida já está extinta. Mas por ser expressa, não quer dizer que tenha que ser outorgada por escrito; pode ser verbal nos termos gerais do artigo 219º” [PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 4ª edição, 1987, p. 605].
Ora, nos autos a Autora, apesar de invocar e ter provado que pagou a quantia de € 94.000,00 à T…, SA., por conta da divida que a Ré tinha com esta, o certo é que não invoca em momento algum que, até ao momento em que cumpriu a obrigação da Ré, expressamente tomou o lugar do credor anterior, nem que deu conhecimento dessa situação à Ré, só assim podendo haver sub-rogação, dado que, apesar de não depender do consentimento da Ré, esta necessariamente teria que ter conhecimento de que a dívida iria ser transferida para a Autora a quem deveria pagar a mesma, o que não foi alegado e constitui facto essencial para a procedência da acção, nos termos do artigo 589º do Código Civil e do artigo 5º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Refira-se que é irrelevante o facto da Autora deter a 100% as quotas da T…, SA, dado que independentemente de tal situação, estão em causa 2 sociedades distintas e com autonomia jurídica.
Assim, outra conclusão não se pode extrair do pagamento da quantia de € 94.000,00 por parte da Autora de que esse pagamento extinguiu a dívida da Ré dado que o pagamento pode ser feito pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação, atento o disposto no artigo 767º, n.º 1 do Código Civil [Neste sentido, v.g., Ac. STJ de 07-03-2017, proferido no processo n.º 20/2001.L2.S1 e Ac. RC de 03-10-2006, proferido no processo n.º 684/03.8TBMGL.C1, ambos com texto integral disponível em www.dgsi.pt].»

3.2. A Recorrente discorda deste entendimento, sustentando que a Recorrida aceitou que a Recorrente se sub-rogou na posição creditícia da T…, que aceitou que fosse titular do direito de crédito, que alegou que se sub-rogou no direito de crédito da T… sobre a Recorrida, que não é verdade que não tenha dado conhecimento da sub-rogação à Recorrida, e que a questão da notificação da sub-rogação da Recorrente na posição creditícia da T… é uma falsa questão, pois a Recorrida aceitou a sub-rogação, aduzindo ainda que com o pagamento não teve o propósito de extinguir a relação obrigacional da Recorrente.

3.3. Como já antes se disse a respeito da impugnação da matéria de facto, nem a Requerida aceitou a dívida, nem releva o facto de a Requerida não ter expressamente impugnado a alegação da Recorrente relativa à sub-rogação. A sub-rogação foi o instituto jurídico invocado pela A. em fundamento da sua pretensão e, sendo uma questão de direito, tinha o Tribunal que verificar se, em face dos factos alegados e provados, a A. estava sub-rogada nos direitos que o credor detinha sobre a R..
E, no caso, embora a A. tenha pago a dívida por conta da R., concordamos que não logrou demonstrar a existência da sub-rogação.
Senão vejamos:
Como ensina Antunes Varela, a sub-rogação é uma forma de transmissão de créditos, definindo-se, como sendo «a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento» (Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, p. 324).
É o que resulta do artigo 593º do Código Civil, onde se dispõe que:
«1. O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
2. No caso da satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada.
3. (…)».
A lei admite duas espécies de sub-rogação: a sub-rogação convencional e a sub-rogação legal.
A sub-rogação convencional ou voluntária resulta de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor primitivo, a quem é feito o pagamento, ou entre o terceiro e o devedor. A lei prevê três modalidades de sub-rogação voluntária: uma delas efectuada pelo credor e as duas restantes pelo devedor.
No que se reporta à sub-rogação pelo credor, estabelece o artigo 589º do Código Civil que “[o] credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.”
Portanto, a validade da sub-rogação pelo credor exige uma declaração expressa de vontade nesse sentido, manifestada no acto do cumprimento da obrigação ou anteriormente. De contrário, entende-se que houve o propósito de extinguir a relação obrigacional e não o de transmiti-la pelo lado activo (cf. neste sentido Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12º Edição Revista e actualizada, pág. 822).
Mas, como também refere este Autor, a sub-rogação expressa não tem de ser necessariamente feita por escrito (cf. artigo 219º do Código Civil).
Quanto à sub-rogação pelo devedor, determina o artigo 590.° do Código Civil que “[o] terceiro que cumpre a obrigação pode ser igualmente sub­rogado pelo devedor até ao momento do cumprimento, sem necessidade do consentimento do credor” (n.º 1); e que “[a] vontade de sub-rogar deve ser expressamente manifestada” (n.º 2).
Ou seja, a declaração de sub-rogação pelo devedor tem que ocorrer até ao momento do cumprimento pelo terceiro e tem que ser expressa.
A sub-rogação pelo devedor poderá ainda ocorrer em consequência de um empréstimo de dinheiro ou de outra coisa fungível com que ele próprio, e não o terceiro, cumpre a obrigação, nos termos previstos no artigo 591º do Código Civil.
No que se reporta à sub-rogação legal, estipula-se no n.º 1 artigo 592º do Código Civil que: “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.” E, acrescenta-se no n.º 2 que “[a]o cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.”

3.4. No caso concreto, e não sendo de aplicar a norma do artigo 591º do Código Civil, é manifesto que não ocorreu a sub-rogação pelo devedor, como previsto no artigo 590º, pois não foi alegado, nem se mostra provado que tenha havido qualquer declaração do devedor expressa nesse sentido, até ao momento do cumprimento, ou seja até ao pagamento da dívida pelo A..
Aliás, tendo em conta as alegadas circunstâncias em que ocorreu o pagamento da dívida e a sua “ocultação”, é evidente que tal declaração não existiu.
E também não ocorreu a sub-rogação pelo credor, pois não foram alegados, nem provados, factos que a demonstrem. Não há qualquer acto expresso do credor até ao momento do cumprimento da obrigação, no sentido de sub-rogar o terceiro (no caso a A.) nos seus direitos.
Aliás, o que a A. alegou foi que pagou à T… a quantia total de € 94.000,00 “por conta da dívida da Requerida”, ficando assim a Requerente sub-rogada na posição da credora. E foi esse pagamento “por conta da dívida” que logrou demonstrar, e não mais do isso (cf. ponto 9 dos factos provados).
E, não se diga que ocorreu a sub-rogação legal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 592º do Código Civil, como agora a Recorrente invoca nas alegações, com sustento no facto de o credor originário (a firma T…) ser empresa do “Grupo T…” detida integralmente pela A..
Ora, não obstante a Recorrente ter alegado a relação de domínio na resposta à matéria da excepção de pagamento, não invocou nos articulados tal facto como fundamento da sub-rogação, nem sequer alegou factos de onde se possa concluir que dessa relação de domínio decorra interesse no cumprimento da obrigação a que o devedor estava adstrito.
É que a sub-rogação no âmbito da aplicação do n.º 1 do artigo 592º do Código Civil está restringida aos terceiros que tenham “interesse próprio”, na extinção do crédito, tanto para evitar a perda ou limitação, como a consistência prática de um seu direito (cf. Almeida Costa, ob. cit. pág. 824).
E não se concebe qual é o interesse próprio que tem a empresa dominante (a A.) que justifique o pagamento da dívida de um terceiro (a R.) a outra empresa do grupo (a Transfar), pelo que não faz qualquer sentido a invocação da norma do n.º 1 do artigo 501º do Código das Sociedades Comerciais (aplicável por força do artigo 491º), que se reporta à responsabilidade da sociedade directora pelas obrigações da sociedade subordinada. No caso, a A. não solveu qualquer dívida, nem extinguiu qualquer obrigação, da sociedade sua subordinada ou detida, pela qual pudesse vir a ser responsabilizada, no âmbito de aplicação da citada norma do n.º 1 do artigo 501º do CSC, antes solveu uma dívida de uma outra empresa terceira ao grupo.

3.5. Por fim, quanto à matéria da sub-rogação, diz a Recorrente que a interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 592.º do Código Civil, no sentido de que uma sociedade dominante não teria um interesse directo na satisfação de um crédito de uma sociedade dominada, em domínio total, para efeitos de sub-rogação legal, sempre seria inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica e da confiança previsto, desde logo, no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa.
Porém, na interpretação que fizemos da norma, esta exige a demonstração efectiva da existência do concreto interesse directo no pagamento da dívida, que no caso não existe.
Ou seja, para que a sociedade dominante tivesse interesse directo da satisfação do crédito da dominada era necessário que tivesse alegado e demonstrado factos de onde se pudesse inferir esse interesse, e não invocado apenas a relação de domínio.
Deste modo, não vemos como é que podem ser, sequer, beliscados os princípios da segurança jurídica e da confiança, num caso em que os requisitos de aplicação da norma de direito ordinário não se verificam.

3.6. Em síntese, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/03/2019 (proc. n.º 281648/11.7YIPRT.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt:
«(…) VIII. Não é qualquer terceiro que cumpra obrigação alheia que beneficia da sub-rogação, mas apenas aquele a quem foi atribuído esse direito, por vontade expressa do credor ou do devedor, ou aquele a quem a lei reconhece esse direito, quer por ter garantido, previamente, o cumprimento da obrigação, quer por ter um interesse patrimonial e próprio na satisfação do crédito.
IX. Não beneficia do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor o terceiro que, apesar de não ter um interesse “directo e próprio” no cumprimento, assume a dívida e realiza a prestação alheia, valendo, antes, a regra geral do artigo 767º, n.º 1 do Código Civil, segundo a qual a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, e verificando-se, nestas circunstâncias, a extinção da obrigação.»

4. Do enriquecimento sem causa
Subsidiariamente, para a hipótese de não se ter por verificada a sub-rogação, vem a Recorrente invocar as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473º do Código Civil, para obter a condenação da R. a liquidar a quantia de € 94.000, que pagou à Transfar.
Porém, a A./Recorrente não fundou a sua pretensão nas regras do enriquecimento sem causa (esta não integrava a causa de pedir na acção), mas sim na existência da sub-rogação, pelo que se trata de questão nova, que, como tal, não pode ser apreciada no recurso.
Efectivamente, os recursos, por natureza, visam a reapreciação de decisões judiciais, visam uma alteração do decidido, não podem ser um meio de introduzir questões novas e assim obter decisões diferentes com base numa fundamentação que não podia ter sido considerada na instância recorrida.
Como diz Ribeiro Mendes, em Portugal, os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação da decisão recorrida, não de reexame; o objecto do recurso é constituído por um pedido que tem por objecto a decisão recorrida. A questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada não é, ao menos de forma imediata, objecto do recurso (Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, Abril de 2009, págs. 50 e 81),
Consequência disto é que “os tribunais de recurso não podem apreciar ou criar soluções sobre ‘matéria nova’” (ainda Ribeiro Mendes, ob. cit, pág. 51).
Ou, como dizem Lebres de Freitas e Ribeiro Mendes, “[é], por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.” (Código de Processo Civil, anotado, vol. 3º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 81).
Deste modo, não se pode apreciar tal questão.

5. Em face do decidido fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Recorrente.
Assim, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Custas a cargo da Apelante.
*
Évora, 17 de Junho de 2021
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)