ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
NULIDADE
SIMULAÇÃO
PROVA DE FACTOS
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário


I- No pressuposto de ser viável uma acção fundada no instituto do “enriquecimento sem causa” através da qual a Autora pretende que lhe seja pago o valor dos bens que, no pós-25 de abril, “colocou “em nome do irmão, ora R., para “fugir aos credores” e dos quais este não pagou o preço, o prazo de prescrição a que alude o art.º482 do Cód. Civil conta-se a partir da data da realização das respectivas escrituras pois logo aí teve conhecimento de todos os factos que determinaram o seu empobrecimento e a alegada falta de causa justificativa para o enriquecimento daquele.
II- Não é a circunstância da acção de declaração de nulidade, por simulação, que anteriormente propôs, ter improcedido, por falta de prova, que lhe abre o caminho a, com base nos mesmos factos, obter o mesmo efeito jurídico (restituição do valor dos bens ao seu património) por via do instituto do enriquecimento sem causa pois, como decorre do art.º 474º do mesmo código, o mesmo tem natureza subsidiária.
II- Por consequência, não seria jamais o conhecimento do desfecho dessa acção de declaração de nulidade que relevaria para efeitos do “conhecimento” a que se refere o citado art.º482 (sumário da relatora).

Texto Integral


ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO
1. D…, A. nos autos à margem identificados em que são Réus A… E M… inconformada com o despacho saneador que julgou procedente a excepção de prescrição por estes invocada e que condenou a Autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa de 5 UC’s e indemnização aos Réus no valor de 1.000,00€ (mil euros) dele veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. Por sentença datada de 28-01-2021 o tribunal “a quo” julgou procedente, por provada, a excepção perentória de prescrição do direito da Autora e em consequência absolveu os Réus do pedido e condenou a Autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa que se fixa em 5 UC’s e indemnização aos Réus que se fixa em 1.000,00€ (mil euros).

2. A Autora ora Recorrente não se conforma com a sentença recorrida em primeiro lugar porque não se compreende o motivo pelo qual o tribunal “a quo” considerou que estávamos perante uma situação de falta de pedido.

3. Sendo certo que apenas estamos perante uma situação de falta de pedido quando o autor não integrou na conclusão da sua petição inicial qualquer pedido de condenação, o que manifestamente não sucedeu in casu, tendo a Autora ora Recorrente peticionado a condenação dos Réus ora Recorridos.

4. Por outro lado, a sentença recorrida na fundamentação fáctica e de direito apenas deu como provados (atenta a prova documental junta aos autos e acordo das partes) os factos 1 a 10, não fazendo qualquer referência aos demais factos invocados pela Autora e pelos Réus em sede de articulados e bem assim quanto aos factos dados como não provados.

5. Pelo que se conclui que ou estamos perante uma omissão de pronúncia, o que consubstancia causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

6. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art. 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no art. 195.º, n.1, do CPC.

7. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

8. Sem prescindir, sempre se dirá que o tribunal “a quo” ao não realizar a audiência de discussão e julgamento e ao considerar que os presentes autos já continham elementos suficientes para proferir decisão sobre o mérito da acção violou o poder/dever de prosseguir o apuramento da verdade material.

9. Salvo o devido respeito por opinião diversa impunha-se a produção de prova testemunhal, nomeadamente quanto ao facto, que não foi dado como provado, nem como não provado, e que se afigura de extrema importância para a decisão dos presentes autos saber-se a partir de que data é que a Autora, ora Recorrente tomou conhecimento do seu direito à restituição, isto é a partir de que data tomou conhecimento dos pressupostos que indiciavam a responsabilidade dos Réus.

10. Com o novo Código de Processo Civil a prova dos factos da causa deixou de constituir monopólio das partes: de acordo com os artigos 6.º/1 e 411.º do Código de Processo Civil, e o juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade.

11. Violou assim o tribunal “a quo” o vertido no artigo 411.º do Código de Processo Civil, porquanto não foi produzida prova suficiente indispensável à boa aplicação da Justiça, em cumprimento do princípio do inquisitório que impõe ao julgador que realize ou ordene, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer (artigo 411.º Código Processo Civil).

12. Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 411.º Código Processo Civil e bem assim do princípio do inquisitório.

13. Sem prescindir, o tribunal “a quo” considerou que o direito invocado pela Autora, ora Recorrente na presente acção, seja pelo decurso do prazo extraordinário, seja pelo decurso do prazo ordinário encontra-se prescrito.

14. A Autora ora Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou que o direito invocado encontra-se prescrito, dado que só a partir de 25-10-2018 é que a Autora ora Recorrente tomou conhecimento do seu direito à restituição e dos pressupostos que indiciavam a responsabilidade dos Réus.

15. Só quando os Réus ora Recorridos deixaram de admitir os factos, é que a Autora aqui Recorrente tomou conhecimento do direito que lhe compete.

16. Dispõe o artigo 482.º do Código Civil que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete.

17. Sendo certo que a Autora ora Recorrente apresentou a presente acção em 18-03-2020, decorridos que estavam 1 ano e 4 meses desde a data que tomou conhecimento do direito que lhe compete, não se mostrando ultrapassado o prazo legal de prescrição de 3 anos, nem tão pouco o prazo legal ordinário.

18. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que não é verdade que não é verdade que os Réus sempre reconheceram que os bens em causa não eram seus e que apenas no dia 25-10-2018 em virtude da decisão proferida judicialmente é que passaram a dizer que era tudo deles, data em que a Autora tomou conhecimento do direito que lhe assiste.

19. Por outro lado, tais factos não constam dos factos dados como provados nem tão pouco dos factos dados como não provados.

20. Motivo pelo qual deveria o tribunal “a quo” ter dado como provado que a Autora apenas em 25-10-2018 tomou conhecimento do direito que lhe compete.

21. A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 482.º do Código Civil que estabelece que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e não abarca o período em que, com boa-fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído.

22. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 482.º do Código Civil, não se encontrando assim prescrito o direito invocado pela Autora ora Recorrente.

23. E em consequência deverá ser dado como provado que a Autora ora Recorrente apenas tomou conhecimento do direito invocado em 25-10-2018, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos.

24. A ora Recorrente também não se conforma com a condenação como litigante de má-fé, não tendo a Autora alegado que os Réus sempre reconheceram o seu direito de propriedade, muito pelo contrário o que a Autora alega é que foi a partir do momento em que houve uma decisão (25-10-2018) que os Réus ora Recorridos deixaram de reconhecer os factos.

25. Ao que acresce que a ora Recorrente não excedeu nenhum dos limites processualmente impostos, tendo apenas deduzido uma pretensão, uma acção declarativa de condenação em que a Autora peticiona a condenação dos Réus por enriquecimento sem causa, pretendendo apenas fazer valer um direito que é seu.

26. E contrariamente à sentença recorrida a Autora ora Recorrente não alterou a verdade dos factos, conforme resulta da prova documental já junta aos autos e conforme certamente se concluiria se tivesse sido produzida a produção de prova testemunhal indicada.

27. Ao que acresce que não estão verificadas as circunstâncias próprias relativas à litigância de má-fé.

28. A sentença recorrida viola o disposto no artigo 542.º e seguintes do Código de Processo Civil, não se encontrando verificados os pressupostos legalmente exigíveis da litigância de má-fé, motivo pelo qual deverá a ora Recorrente ser absolvida da condenação em multa e em indemnização a pagar à parte contrária.

29. Salvo o devido respeito, andou mal o tribunal “a quo” ao condenar a Autora como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização a favor dos Réus.

30. A Autora não se conforma com tal condenação pois apenas pretendeu exercer um direito que lhe é conferido por lei.

31. Andou mal o tribunal “a quo” ao condenar os Autores como litigantes de má-fé tendo violado o disposto no artigo 542.º e seguintes do Código de Processo Civil, porquanto não resulta provado que os Autores tenham actuado com dolo ou negligência grave.

32. Ao que acresce que tendo em conta a fase processual em que os autos terminam, sem que houvesse lugar à apreciação da veracidade dos factos alegados pelas partes, consideramos que não se mostram reunidos os necessários requisitos para que possa haver lugar à condenação de qualquer uma delas como litigante de má-fé.

33. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado por violação do disposto no artigo 542.º e seguintes do Código de Processo Civil e em consequência deverão os Autores serem absolvidos do pedido de condenação em litigância de má-fé.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente por provado e em consequência deverá a sentença recorrida ser revogada e deverão os autos seguir os seus ulteriores termos, com o que se fará Justiça!

2. Não houve contra-alegações.

3. OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que está pelas conclusões da recorrente (cfr. art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639º e 663º nº2, todos do CPC) são as seguintes as questões cuja apreciação as mesmas convocam:

- Se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia;

- Se o Tribunal podia conhecer da excepção de prescrição no despacho saneador e, em caso afirmativo, se ocorreu prescrição da obrigação sub judice;

- Se é infundada a condenação da ora apelante como litigante de má-fé.

II- FUNDAMENTAÇÃO

4. É o seguinte o quadro fáctico assente na 1ª instância :

1. Através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 15.05.1975, no Cartório Notarial de Vila Real de Santo António, a autora e seu falecido marido H…, declararam ter vendido ao réu A… o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Vila Nova de Cacela e este declarou comprar, pelo preço de 20.000$00 já recebidos.
2. Através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 17.01.1990, nas instalações da Caixa Geral de Depósitos de Almada, perante o Notário do Terceiro Cartório Notarial de Almada, Dr. Francisco Carreto Clamote, a sociedade comercial “M…, Lda.”, declarou vender à ré M…, que declarou comprar, a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra “Z”, segundo andar direito, que faz parte do prédio sito na Rua …, na Ramada, freguesia da Cova da Piedade, concelho de Almada, inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na 2.ª Conservatória de Registo Predial de Almada sob o n.º …, da freguesia da Cova da Piedade e uma arrecadação, designada pela letra “C”, na cave zero três, pelo preço total de 4.500.000$00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos).
3. Em 7 de dezembro de 2011, a autora intentou contra o réu A…, uma acção declarativa de condenação que veio a correr termos sob o n.º 944/11.4TBVRS, na Instância Local de Vila Real de Santo António, Secção de Competência Genérica do Tribunal da Comarca de Faro, na qual pediu o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião e a condenação do réu a reconhece-la como única proprietária do prédio de Santa Rita, descrito na Conservatória de Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o n.º … e inscrito sob o n.º …, da freguesia de Vila Nova de Cacela.
4. O réu A… contestou a acção, impugnado os factos articulados pela autora e arrogou-se dono do prédio em causa, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o mesmo.
5. No âmbito dessa ação foi proferida sentença, datada de 28 de janeiro de 2015, transitada em julgado em 9 de março de 2015, a julgar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, nessa sequência, absolveu-se o réu da instância.
6. Em 2016, a autora voltou a intentar uma acção declarativa de condenação contra os réus, no mesmo Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, tendo sido autuado com o n.º 297/16.4T8VRS, desta feita pedindo a nulidade da compra e venda da casa de Santa Rita, por simulação e o reconhecimento dessa qualidade.
7. Os réus contestaram.
8. Na sequência do que, a autora veio responder, acrescentando que, em 17 ou 18 de março de 2012, o réu marido tinha arrombado as portas da casa, entrado com violência e alterado o nome e morada do titular das contas de eletricidade, o que originou uma queixa apresentada pelo seu filho, na GNR de Vila Real de Santo António.
9. No âmbito desses autos, através de sentença proferida em 6 de dezembro de 2018, foi decidido julgar a ação totalmente improcedente e absolver os réus dos pedidos formulados contra os réus.
10. A presente ação foi instaurada no dia 18.03.2020.

5. Do mérito do recurso

5.1. Da nulidade da decisão recorrida

Refere a apelante que a sentença apenas deu como provados os factos 1 a 10, não fazendo qualquer referência aos demais factos invocados pela Autora e pelos Réus em sede de articulados e bem assim quanto aos factos dados como não provados e que, por isso, “estamos perante uma omissão de pronúncia, o que consubstancia causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

Vejamos então.

O vício colimado na alínea d) do nº1 do art.º 615º do CPC consiste na omissão de pronúncia sobre as questões que o tribunal devia conhecer ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento.

Tal norma está, por seu turno, interligada com o prescrito no nº2 do art.º 608º nos termos do qual "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…) " .

Porém, como alertava A. Reis[1] em comentário que mantém perfeita actualidade, não se pode confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões : "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Questões para efeitos dos citados normativos, são aquelas cujo conhecimento o objecto da causa – delimitado pelo pedido e conformado com determinada causa de pedir – convoca.
Sê-lo-ão igualmente, caso as haja, as atinentes às excepções invocadas pelo réu.

Ora, segundo a apelante não foram considerados na sentença outros factos, quer por si quer pelos apelados, alegados e que por isso a sentença é nula.

A ser correcta tal afirmação, nem por isso tal “omissão” se configuraria como uma causa de nulidade da sentença, já que, como vimos, para esse efeito o que releva é a omissão de questões jurídicas que o Tribunal devesse apreciar.

A omissão no plano dos factos, a ocorrer, poderá fundamentar a interposição de recurso com fundamento em erro de julgamento (de facto) mas não na nulidade da sentença.

A decisão recorrida não se mostra, pois, afetada das nulidades que lhe são imputadas, improcedendo nesta parte a apelação.

5.2. Do conhecimento da excepção de prescrição no despacho saneador. Da (im) procedência da mesma.

Entendeu-se na decisão recorrida que o estado dos autos comportava o conhecimento do mérito da acção no saneador, opção que a alínea b) do nº1 do art.º 595º do CPC contempla quando não haja necessidade de produzir mais provas.

Como proficientemente se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 21.1.2014 (proferido à luz do revogado CPC mas que neste conspecto mantém perfeita actualidade): “ O conhecimento do mérito em sede de despacho saneador pretende evitar o arrastamento de acções que logo nesta fase já contenham todos os elementos necessários a uma boa decisão - afinal quando as partes só discordem da solução jurídica da questão a dirimir -, mas não se coaduna com decisões que, em nome de pretensas celeridades – que, depois, dão em vagares –, não permita às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda não possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correcto nessa altura - apresentando-se a audiência de julgamento como o momento processual propício à clarificação da factualidade invocada.
Por isso, tal conhecimento só deve ocorrer se o processo contiver, seguros, todos os elementos que possibilitem decisões segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não somente aqueles que possibilitem a decisão de conformidade com o entendimento do juiz do processo.”.

Vejamos então.

Na decisão recorrida conheceu-se da excepção de prescrição suscitada pelos réus no sentido da sua procedência, consignando-se, para o efeito, os enunciados factos que se entendeu estarem provados por documentos e acordo das partes.

Percorrendo-os, não se vê que outros – nem a apelante esclarece- deveriam ter sido acrescentados com relevância para o conhecimento da excepção de prescrição .

Estamos em presença de uma acção alegadamente fundada no instituto do enriquecimento sem causa : através da mesma, pretende a Autora que lhe seja pago o valor dos bens que, no pós-25 de abril, “colocou “em nome do irmão, ora R., para “fugir aos credores”, ou seja, o prédio urbano sito em Santa Rita de que este não pagou o preço, que se cifrou em 20.000$00, ou seja, € 99,00 na moeda actual e que, portanto, se locupletou à sua custa.
Numa outra acção intentada em 2016, a autora havia pedido a nulidade da compra e venda da mesma casa de Santa Rita, por simulação. Tal acção veio a ser julgada improcedente por não provada.

Por conseguinte, ainda que fosse viável a propositura da actual acção com base no instituto do enriquecimento sem causa, a factualidade dada como provada é mais do que suficiente para se conhecer da prescrição porquanto, como bem se assinala na decisão recorrida, “o facto concreto gerador do alegado enriquecimento injustificado ocorreu em 15 de maio de 1975, data da celebração da escritura pública de compra e venda através da qual se transferiu o direito de propriedade sobre o referido imóvel.”.

Na perspectiva da apelante só a partir de 25-10-2018 (data da conclusão da sentença proferida no processo 297/16.4T8VRS ) é que a Autora ora Recorrente tomou conhecimento do seu direito à restituição e dos pressupostos que indiciavam a responsabilidade dos Réus.

Cumpre desde já notar que a apelante pretende obter por esta via o que lhe foi negado na pretérita acção de simulação, desiderato que a lei não permite, cfr. art. 474º do Código Civil.

Ou seja, havendo razões para a apelante obter a nulidade do negócio, com fundamento em simulação, é esse o caminho que deve ser trilhado.[2]

E não é a circunstância dessa acção de declaração de nulidade improceder, por falta de prova, que lhe abre o caminho a, com base nos mesmos factos, obter o mesmo efeito jurídico (restituição do valor dos bens ao seu património) por via do instituto do enriquecimento sem causa pois, como decorre do citado normativo, o mesmo tem natureza subsidiária.

É precisamente o carácter subsidiário do instituto em causa que impede que o empobrecido lance mão do instituto para obter a restituição que outro lhe confere ( v.g. responsabilidade civil, declaração de nulidade ou anulação etc).

No dizer do acórdão do S.T.J. de 26/05/2015, proferido no processo n.º 169/13.4TCGMR.G2.S1 : “(…) sempre que outro meio judicial for suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação não haverá lugar, por não verificada a subsidiariedade, à acção de enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia para decisões judiciais transitadas em julgado (e eventualmente, injustas ou apenas incompreendidas) ou até para eventuais negligências das partes na condução das respectivas posições jurídicas no processo.
A exclusão da acção fundada no enriquecimento sem causa basta-se, portanto, com a possibilidade abstracta de que o direito invocado pudesses ser, ou pudesse ter sido exercido, por outra via (…)”.

Por consequência, não seria jamais o conhecimento do desfecho dessa acção de declaração de nulidade que relevaria para efeitos do “conhecimento” a que alude o art.º482.º do Código Civil.

Quando o legislador se refere no mencionado art.º482 ao "conhecimento do direito" reporta-se, obviamente, ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito; conhecimento fáctico e não conhecimento jurídico.

Se a apelante alega na petição inicial que no pós-25 de abril “colocou “em nome do irmão, ora R., o referido prédio para “fugir aos credores” sem que o mesmo R. lhe tenha pago o respectivo preço, logo aí ficou ciente da diminuição do seu património por esse motivo e, por consequência, logo aí se iniciou o prazo para pedir o direito à restituição por enriquecimento (caso pudesse ter trilhado essa via, claro está).

Acompanhamos, por isso, a decisão recorrida quando refere que “a autora já tinha conhecimento de todos os factos que determinaram o seu empobrecimento e a alegada falta de causa justificativa para o enriquecimento dos réus na data da celebração das escrituras públicas em causa, donde a partir dessas datas a autora teve conhecimento dos fundamentos para exercer o seu direito”.

O que significa que caso pudesse recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa para obter a restituição do valor do prédio ao R. dispunha de três anos a contar da data de outorga das mesmas para o efeito, prazo esse há muito decorrido.

Concluímos, assim, ser acertada a decisão no sentido de que o direito que a apelante pretende exercer nesta acção seja pelo decurso do prazo extraordinário, seja pelo decurso do prazo ordinário, se encontra prescrito.

5.3. Da condenação da ora apelante como litigante de má-fé.

Insurge-se a apelante contra a sua condenação como litigante de má-fé “pois apenas pretendeu exercer um direito que lhe é conferido por lei”.

Como se disse, estamos em presença de uma acção em que a apelante pretende obter o mesmo efeito prático jurídico mediante a alegação de factos idênticos aos que alegou na acção que correu termos sob o n.º 297/16.4T8VRS, ( designadamente que “colocou “ bens em nome do irmão, ora R., para “fugir aos credores”) e que improcedeu totalmente, de facto e de direito.
Sem embargo de tais factos alegados na pretérita acção não terem resultado provados, voltou a alegá-los
Não podemos deixar de acolher o juízo de censura que a conduta da apelante mereceu da 1ª instância : “No caso concreto, tendo em conta a factualidade dada como provada, temos que a autora instaurou, em duas ocasiões distintas, ação destinadas a por em causa a validade do ato translativo da propriedade, sendo que, em ambas as ocasiões, pode tomar conhecimento da oposição dos réus às suas pretensões, jamais lhe reconhecendo a titularidade de qualquer direito de propriedade.
Portanto, ao alegar que os réus sempre haviam reconhecido o seu direito até ao momento em que foi proferida sentença judicial nos autos que correram termos sob o n.º 297/16.4TBVRS, a autora alegou factualidade que bem sabia não corresponder à verdade e que resulta flagrantemente contraditada no decorrer dos processos judiciais anteriores.”.

À míngua doutras qualidades, pelo menos o bom senso ditava que uma acção desta natureza fosse rodeada de cautelas atento o tempo decorrido desde a celebração dos negócios em causa e após o desenlace dos demais processos, evitando desnecessariamente um esforço acrescido da máquina judiciária e de todos os intervenientes processuais.

A sua conduta integra-se, sem margem para dúvidas, no disposto na alínea a) do nº2 do artigo 542.º do CPC .
A lei comina a litigância com multa fixada entre 2 UC e 100 UC ( cfr. artº 27º /3 do RCP) .
O Tribunal de 1ª instância fixou-a ponderadamente em 5 UCs, valor que de acordo com as circunstâncias enunciadas e com o prudente arbítrio se julga adequado.

III- DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente e em- manter o saneador-sentença recorrido.

Custas pela apelante.

Évora, 17 de Junho de 2021
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente
_______________________________________________
[1] In CPC anotado, Vol.V, pag.143.
[2] Ver neste sentido Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.I, pag.404.