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INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONTRADIÇÃO ENTRE O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR
SUPRIMENTO DE INSUFICIÊNCIAS OU IMPRECISÕES
Sumário
1. É consensual a nível jurisprudencial e doutrinário que é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada. 2. A actividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de mérito. 3. No actual enquadramento sistemático do Código revisto, a insupribilidade é hoje residual, respeitando tão só àquelas excepções que, pela sua natureza ou por via do seu regime, não consentem suprimento, oficioso ou mediante convite às partes. 4. A contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial, só ocorre quando se verifique uma incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente. 5. A existência de um quadro de contradição do objecto do processo por dedução de pedido substancialmente incompatível é sanável, por aplicação do regime vinculativo do dever de gestão processual estabelecido no n.º 2 do artigo 6.º e nos n.os 2 e 3 do artigo 590.º do Código de Processo Civil. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 112/20.4T8TNV-E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local de Competência Cível de Torres Novas – J1
* Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por (…) contra (...) e (…), a Autora veio interpor recurso do despacho saneador que julgou verificada a excepção de ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade entre um dos pedidos formulados e a causa de pedir.
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A Autora pede:
a) a declaração de constituição de uma servidão legal de passagem, em que os prédios dominantes são os prédios da Autora, os prédios rústicos designados E…, E…, E…, E… e E…, e o prédio serviente é o prédio dos Réus, o prédio designado E….
b) o reconhecimento do direito da Autora ao uso pleno de uma servidão de passagem, sem qualquer restrição que não seja a resultante da lei e dos bons costumes.
c) a condenação dos Réus a proceder à remoção do portão do local onde o colocaram.
d) a condenação dos Réus a repor o acesso aos prédios rústicos da Autora, que se fazia pela estrema poente do prédio rústico designado por E…, através de portão próprio para o efeito.
e) a condenação dos Réus a fechar, através de muro próprio para o efeito, o acesso que mandaram construir na estrema poente do prédio rústico da Autora E….
f) a condenação dos Réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam a passagem da Autora, ou de quem esteja ao seu serviço e por sua vontade, a pé, de carro, trator ou qualquer outro meio para os prédios dela.
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Para tanto, em síntese, a Autora alega que é proprietária de cinco prédios rústicos (inscritos na matriz sob os artigos matriciais … secção E, … secção E, … secção E, … secção E e … secção E da freguesia de …, concelho de Torres Novas) e que o primeiro Réu é dono de um prédio rústico (inscrito na matriz sob o artigo … secção E, da mesma freguesia).
Refere que, pelo menos há 80 anos, o acesso aos prédios rústicos da Autora se fez através de um caminho que atravessa a parte nordeste do prédio inscrito na matriz sob o artigo … secção E, por os mesmos estarem encravados.
Menciona ainda que, entre os meses de Janeiro e Julho de 2019, o primeiro Réu construiu um portão no caminho de acesso aos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … secção E e … secção E, vedando o acesso da Autora a estes dois imóveis pela referida passagem.
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Regularmente citados, os Réus deduziram contestação, por via da qual impugnam os factos alegados pela Autora e concluem pela improcedência dos pedidos formulados.
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Por despacho proferido em 28/09/2020, foi determinada a notificação da Autora e dos Réus para se pronunciarem sobre a possibilidade de se verificar a excepção de ineptidão da petição inicial, por contradição entre a causa de pedir alegada (constituição de uma servidão predial por usucapião) e o pedido formulado sob a aliena b) (constituição de uma servidão legal de passagem).
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A Autora defendeu que não se verificava a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e os Réus sustentaram que existia uma notória incompatibilidade entre a causa de pedir e o pedido formulado pela Autora. *
Em sede de despacho saneador, o Juízo de Competência Cível de Torres Novas julgou verificada a excepção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, declarou a nulidade de todo o processo, absolvendo os Réus da instância.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões:
«1. Com o presente recurso pretende a ora recorrente a revogação do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo que colocou termo à causa, datado de 01/12/2020, devidamente notificado à recorrente a fls…, por notificação electrónica via plataforma informática Citius, cuja data de elaboração foi 02/12/2020, e com a ref.ª n.º 85378882, e a decisão nele contida: “Pelo que, em face do exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julga-se procedente a exceção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, declara-se a nulidade de todo o processo e absolvem-se os réus da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 186.º, nºs 1 e 2, alínea b), 576.º, nºs. 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º, todos do Código de Processo Civil”.
2. O âmbito do presente recurso é assim o despacho saneador proferido, e a aplicação do direito realizada pelo Douto Tribunal a quo, e centra-se em quatro grandes temas/ impugnações do direito aplicado.
3. Desde logo, pelo facto que a recorrente, na sua PI alegou factos que consubstanciam e enformam, pelo menos, duas causas de pedir, a saber, o facto dos seus prédios serem prédios encravados nos termos do artigo 1550.º e ss. do Código Civil, e usucapião, e não apenas uma causa de pedir como vem amplamente referido no douto despacho saneador ora em crise.
4. Numa segunda dimensão do presente recurso, defendemos que os factos verificadores do instituto do usucapião alegados pela Autora, enquanto causa de pedir, não estão em contradição com os pedidos, tanto quanto ao pedido formulado na alínea b), como quanto ao pedido formulado na alínea c) do pedido da PI.
5. Continuando, defendemos ainda, sem conceder, que mesmo que houvesse uma desconexão entre a causa de pedir que a Mmª. Juiz a quo identifica como usucapião, essa desconexão nunca consubstanciaria a verificação dos requisitos previstos no artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
6. Finalmente, numa quarta vertente de impugnação do despacho saneador e da aplicação do direito nele contida, e mais uma vez sem conceder, a ser como defende o Douto Tribunal a quo no despacho ora em crise, sempre seria de aplicar os princípios do aproveitamento dos actos e da economia processual, e ser concedida à autora a possibilidade de aperfeiçoar a sua PI.
7. Pelo que supra ficou dito, começaremos então por referir que o Douto Tribunal a quo defende que a Autora apenas alegou uma causa de pedir na sua petição inicial, a saber, a “constituição de uma servidão predial por usucapião” (cfr., verbi gratia, pág. 4 e pág. 7 do despacho).
8. Com a devida vénia, não podemos partilhar de semelhante entendimento, uma vez que a recorrente, na sua petição inicial, alega factos que permitem identificar, pelo menos, mais uma causa de pedir – a constituição de uma servidão predial em consequência dos seus prédios estarem encravados.
9. A recorrente, o longo dos artigos 18.º, 35.º, 36.º, 52.º, 67.º e 68.º da PI alega factos e junta prova documental que comprovam que os seus prédios são prédios encravados nos termos e para os efeitos do artigo 1550.º do Código Civil.
10. Como se pode verificar pelo alegado nos referidos artigos da PI, o pedido não versa apenas na “constituição de um direito de servidão de passagem por usucapião” tal como a Mmª. Juiz a quo refere expressamente no despacho saneador, mas sim, e também, a constituição de um direito de servidão de passagem uma vez que os vários prédios da apelante, melhor identificados na PI, se encontram encravados.
11. Neste sentido, a Autora ora recorrente, na sua PI alegou inúmeros factos que permitem identificar os seus prédios como prédios encravados, factos alegados esses para os quais a apelante apresentou prova documental e testemunhal (esta ainda não produzida), e que consubstanciam e enformam uma causa de pedir legalmente admissível e facto constitutivo do direito potestativo à constituição de uma servidão legal de passagem, tal como se encontra previsto na nossa lei substantiva (cfr. artigo 1550.º do Código Civil).
12. Para tanto atente-se ainda no disposto no venerando aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 401/12.1TBAGN.C1, datado de 27-05-2014, no qual se defende que o ónus de alegar os factos referentes ao encravamento dos prédios pertence à Autora, de forma a se verificar e comprovar a existência do direito potestativo à constituição da servidão legal, o que sucedeu na PI dos presentes.
13. Apesar da Autora ter alegado e comprovado na sua PI que os seus prédios são prédios encravados, o douto despacho saneador a quo é totalmente silente nesta questão.
14. Termos em que resulta inequívoco que não existe qualquer contradição entre a causa de pedir alegada (os prédios da recorrente serem prédios encravados) e o pedido vertido na alínea b) da PI: “deve ser declarada a constituição de uma servidão legal de passagem […]”.
15. Ainda, a acumulação das causas de pedir alegadas nos autos não são substancialmente incompatíveis entre si, pelo que não geram, elas próprias, uma excepção de ineptidão da PI.
16. Prosseguindo, corresponde à verdade que a autora alegou, ao longo de toda a sua PI (cfr. artigos 13.º a 17.º, 30.º, 32.º, 33.º, 39.º, 42.º, 44.º, 55.º a 58.º e 64.º), que o caminho de acesso aos seus prédios E…, E…, E…, E…, E… se fazia pelo prédio dos réus, o que sucedeu durante sensivelmente 80 anos, isto porque estes prédios da recorrente estão encravados.
17. Assim, alegou e comprovou que os prazos e requisitos necessários para a verificação do instituto da usucapião estão preenchidos, e que a posse exercida é aparente, tudo nos termos e para os efeitos dos artigos 1295.º e 1296.º do Código Civil. Defendeu ainda que as servidões prediais podem ser constituídas por usucapião (cfr. art. 63.º da PI).
18. Pelo que se constata que a recorrente, na sua PI, alegou factos que consubstanciam e enformam duas causas de pedir e não apenas uma como a Mmª. Juiz a quo defende. Por um lado, o facto dos seus prédios estarem encravados, por outro lado, o facto de o acesso aos mesmos prédios fazer-se através de um caminho que atravessa a parte nordeste do prédio propriedade do réu 1.
19. Como se defendeu supra, a causa de pedir a que “designemos” de causa de pedir n.º 1 (os prédios da Autora serem prédios encravados) é compaginável e conexa com o pedido elaborado na alínea b) do pedido (a constituição de uma servidão legal de passagem), não se verificando aqui nenhuma contradição entre a causa de pedir e o pedido.
20. Por outro lado, a causa de pedir n.º 2 (usucapião) é conexa, não havendo aqui nenhum desvalor, com o pedido realizado na alínea c) do pedido formulado na PI: “deve ser reconhecido o direito da Autora ao uso pleno de uma servidão de passagem, sem qualquer restrição que não seja a resultante da lei e dos bons costumes”.
21. Termos em que, por esta via, se demonstra também não existir contradição entre as causas de pedir alegadas e os pedidos formulados.
22. Continuando, e sem conceder em tudo o que supra ficou dito, cumpre defender que a excepção dilatória de ineptidão da PI por contradição entre a causa de pedir e o pedido, tal como se encontra prevista no artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, não se encontra verificada nos presentes autos.
23. Como se viu, a Autora na sua PI alegou e comprovou factos que consubstanciam e enformam um objecto do processo com, pelo menos, duas causas de pedir.
24. A recorrente alegou e juntou prova documental e requereu a inquirição de testemunhas no sentido de provar que os seus prédios estão encravados (causa de pedir n.º 1), e que há mais de oitenta anos que o acesso a esses prédios encravados se fazia por determinado caminho (causa de pedir n.º 2).
25. Ora, atendendo aos factos alegados e comprovados vertidos na PI, às causas de pedir e pedidos formulados, defendemos não estar verificada a excepção dilatória de ineptidão da PI da Autora.
26. O douto Tribunal a quo aplica o desvalor máximo, ou seja, a excepção dilatória de ineptidão da PI, declarando em consequência a nulidade de todo o processo e absolvição dos Réus da instância.
27. Se atentarmos nas razões apresentadas pelo Douto Tribunal a quo no despacho saneador, bastaria mudar duas palavras no pedido vertido na alínea b), para que a PI já não padecesse de nenhum desvalor. Bastaria alterar “servidão legal de passagem” para “servidão predial voluntária”. Ora, com a devida vénia, não podemos concordar com esta interpretação jurídica realizada pela Mmª. Juiz.
28. Para que se verifique um desvalor de ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido, esta contradição deve ser de tal forma grave que quebre o nexo lógico entre fundamento invocado e efeito jurídico pretendido, tem de existir um verdadeiro antagonismo entre a(s) causa(s) de pedir e o(s) pedido(s). O que, no caso dos presentes autos, não existe nem se verifica.
29. Tal como se encontra referido no venerando acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 4180/18.0T8BRG.G1, datado de 31-10-2019: “IV- A contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial, só ocorre quando se verifique uma incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente. V- A incompatibilidade substancial de pedidos, geradora de ineptidão da petição inicial, verifica-se quando as pretensões se excluem mutuamente, sejam contrárias entre si de tal forma que uma impede o exercício da outra, que o juiz se veja impossibilitado de decidir face à ininteligibilidade do pensamento do autor”.
30. Se atendermos a tudo o alegado pela recorrente na PI, verificamos que, com a devida vénia por entendimento diverso, não existe uma absoluta falta de nexo entre as causas de pedir alegadas e os pedidos formulados, nem aquelas e estes se negam reciprocamente.
31. Ainda, verifica-se também que as pretensões não se excluem mutuamente, nem são contrárias entre si de tal forma que uma impede o exercício da outra, pelo que o juiz não se vê impossibilitado de decidir face à ininteligibilidade do pensamento do autor.
32. As causas de pedir (os prédios da autora serem encravados e usucapião), não são desconexas com os pedidos (“constituição de uma servidão legal de passagem” e “direito ao uso pleno de uma servidão de passagem”).
33. Por fim, e mais uma vez sem conceder em tudo o que supra ficou dito, mesmo que se considerasse que haveria uma eventual desconexão entre uma das causas de pedir e um dos pedidos, atendendo ao facto que a alegação de usucapião seria desconexa em referência ao pedido de declaração de uma servidão legal de passagem, será de defender que tal desconexão seria sempre de reduzido valor ou dimensão e que não preencheria os requisitos previstos no artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
34. O douto Tribunal a quo poderia e deveria ter emitido sim, um despacho a ordenar o aperfeiçoamento da PI, ao abrigo dos princípios do aproveitamento dos actos e da economia processual, com afloramentos legais nos artigos 590.º e 146.º do Código de Processo Civil.
35. Termos em que, atendendo a todas as razões expostas nestas alegações e suas conclusões, defendemos que não se verifica a excepção de ineptidão da PI por contradição entre as causas de pedir (os prédios da Autora serem prédios encravados e usucapião) e os pedidos formulados nas alíneas b) e c) do pedido, pelo que não se verifica igualmente o desvalor de nulidade do processo, nem a absolvição dos réus da instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea b) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.
36. Dando cumprimento ao disposto no artigo 639.º do Código de Processo Civil, o douto Tribunal a quo, com a devida vénia, ao decidir como decidiu, violou, pelo menos, os artigos 1547.º e 1550.º, ambos do Código Civil, e, bem assim, os artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea b), 578.º, 590.º e 146.º, todos do Código de Processo Civil, devendo estas normas legais terem sido interpretadas e aplicadas no sentido de não se verificar uma excepção dilatória de ineptidão da PI, e consequentemente a nulidade do processo e absolvição dos réus da instância, ao contrário do que foi decidido pela Mmª. Juiz a quo.
37. Pelo que, outra opção não resta que não seja peticionar aos Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação, a revogação do despacho saneador/ sentença que colocou termo ao litígio, proferido pelo douto Tribunal a quo. Assim, o douto despacho saneador deverá ser substituído por outro que julgue não procedente por não provada a excepção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, que não declare a nulidade de todo o processo e não absolva os Réus da instância, tudo nos termos e para os efeitos dos artigos 1547.º e 1550.º, ambos do Código Civil, e bem assim, os artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea b), 578.º, 590.º e 146.º, todos do Código de Processo Civil, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até final.
Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, peticionando-se a revogação do despacho saneador em crise, com as devidas e legais consequências.
Assim se fazendo Justiça!».
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Não houve lugar a resposta.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
* II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade entre um dos pedidos formulados e a causa de pedir. * III – Factos com interesse para a justa solução do recurso:
Os factos interesse para a justa resolução do recurso são aqueles que constam do relatório inicial.
* IV – Fundamentação:
O direito real pode definir-se como a afectação jurídico-privada de uma coisa corpórea aos fins das pessoas individualmente consideradas, caracterizando-se, assim, a relação de natureza real por um direito de domínio ou de soberania (total ou parcial) sobre a coisa em que incida, por um poder que todos os outros têm de respeitar [1][2][3][4].
A noção de servidão predial está depositada no artigo 1543.º do Código Civil e é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
O conteúdo das servidões está contemplado no artigo 1544.º[5] do Código Civil e modo de constituição das mesmas é regulado no artigo 1547.º[6] do mesmo diploma.
E é absolutamente indiscutível que a constituição de uma servidão de passagem por usucapião[7] difere do estabelecimento de uma servidão legal em benefício de prédio encravado[8]. No entanto, ao nível da instituição da servidão predial, o método de aquisição pode ser plural ou concorrente, podendo conviver na mesma pretensão as duas realidades jurídicas.
É no binómio relacional entre o pedido e a causa de pedir que importa solucionar a questão judicanda, à luz do enquadramento da ineptidão da petição inicial provisionado no artigo 186.º[9] do Código de Processo Civil.
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Do disposto no n.º 3 do artigo 581.º do Código de Processo Civil retira-se, em termos conceptuais, que o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção com eventual suprimento pelo Tribunal de manifestos erros de qualificação, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório[10].
Por seu turno, nos termos do n.º 4 do indicado artigo 581.º do Código de Processo Civil, a causa de pedir é definida como o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido.
A nossa lei processual aderiu à chamada teoria da substanciação, no que se refere ao objecto do processo, na valência da causa de pedir. Na perspectiva de Rita Lobo Xavier, esta é o acontecimento concreto a que o autor deve narrar e que terá de corresponder a uma qualquer facttispecies prevista por uma ou mais normas substantivas como geradoras do efeito pretendido. A afirmação da situação jurídica tem de se fundar em factos. Tais factos integração, juntamente com os factos alegados pelo Réu para basear as excepções que invoca e com os factos de conhecimento oficioso, a matéria de facto – os factos essenciais – sobre o qual o Tribunal pode fundar a sua decisão, de acordo com o princípio do dispositivo[11][12].
A causa de pedir desdobra-se, analiticamente, em duas vertentes: a) uma factualidade alegada, que constitui o respectivo substrato factual, também designada pela doutrina por causa de pedir remota; b) uma vertente normativa significante na perspectiva do pedido formulado, designada por causa de pedir próxima, não necessariamente adstrita à qualificação dada pelo autor, mas delineada no quadro das soluções de direito plausíveis em função do pedido formulado, aliás nos latos termos permitidos ao tribunal, em sede de enquadramento jurídico, ao abrigo do preceituado na 1ª parte do artigo 664.º do CPC [a que corresponde o actual artigo 5.º do NCPC]; é o que alguma doutrina designa por princípio da causa de pedir aberta[13].
Neste espectro lógico-jurídico, a causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos descritos processualmente que densificam a relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial e a partir dos quais se avalia se existe fundamento para prover o efeito jurídico por este pretendido.
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A ineptidão da petição inicial, embora seja uma excepção dilatória, gera a anulação de todo o processado e, entre outras hipóteses, este vício processual acontece quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.
Para Teixeira de Sousa a existência de contradição no objecto do processo constitui um pressuposto processual[14] e a ineptidão da petição inicial configura a falta deste pressuposto, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso[15][16], que, quando conhecida depois da citação do Réu, conduz à absolvição da instância[17].
Alberto dos Reis sublinha ainda que «o que interessa, no ponto de vista da apresentação da causa de pedir, é que o acto ou facto de que o autor quere derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição»[18], adiantando ainda que «a petição pode ser redundante e difusa, pode conter factos e razões de direito impertinentes e desnecessários para o conhecimento da acção, sem que isso resvale na ineptidão»[19].
Em sentido idêntico se pronuncia Abílio Neto que avaliza a tese que só a omissão total do pedido ou da causa de pedir ou a sua formulação em termos de tal modo obscuros que não se compreenda qual a tutela jurídica pretendida pelo autor ou o facto jurídico em que alicerça o pedido, que não a mera imperfeição, equivocidade, incorrecção ou deficiência, constitui vicio gerador de ineptidão[20].
De acordo com o ensino de Anselmo de Castro para que «a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei – artigo 193.º, n.º 2, alínea a)[21] – só declara inepta a petição quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento»[22].
A ineptidão sobrevém quando não pode saber-se «qual a causa de pedir, ou, por outras palavras, qual o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido»[23].
Por isso, é perfeitamente válido o apoio jurisprudencial a que a Autora faz alusão no articulado de recurso, quando pugna que a contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial, só ocorre quando se verifique uma incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir reveladora de uma absoluta falta de nexo lógico, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente[24].
É consensual a nível jurisprudencial e doutrinário que é por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haverá de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada.
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Na arquitectura da decisão, a Meritíssima Juíza de Direito assinala que a parte activa pede «a constituição de uma servidão legal de passagem, mas como fundamento desse pedido alega factos concernentes com a aquisição do direito de servidão (de passagem) por usucapião. E, conforme referido, uma servidão de passagem constituída por usucapião e uma servidão legal de passagem são realidades distintas que assentam em causas de pedir diferentes».
Ao construir o silogismo judiciário, o julgador «a quo» valoriza o princípio do dispositivo e entende que o pedido formulado na alínea b) do petitório conforma todo o objecto do processo e condiciona o conteúdo da decisão de mérito da causa.
E, em função disso, baseando-se na disciplina precipitada nos artigos 608.º, n.º 2[25] e 609.º, n.º 1[26] do Código de Processo Civil, conclui que «a causa de pedir alegada pela autora – aquisição do direito de servidão por usucapião – e o pedido formulado sob a alínea b) – a constituição de uma servidão legal de passagem – estão em manifesta contradição, o que gera a ineptidão da petição inicial».
Se é verdade que, na sua parte mais substancial, a petição inicial faz apelo ao instituto da prescrição aquisitiva e pede assim a constituição de uma servidão legal de passagem, numa leitura mais profunda da alegação contida no requerimento inicial são alegados factos inscritos na esfera de protecção do artigo 1550.º do Código Civil e também é descrita a realização das operações materiais que foram determinantes na suposta privação de acesso aos terrenos em discussão.
Com efeito, tal como é defendido pela recorrente, nos artigos 18º[27], 35º[28], 36º[29], 52º[30], 67º[31] e 68º[32] da petição inicial são convocados factos que permitem construir a solução jurídica da situação de encrave predial. A petição inicial funda-se assim numa duplicidade argumentativa: usucapião e encrave.
E, aliás, esta dupla causa de pedir está expressa ao longo dos articulados, culminando no artigo 69º do requerimento inicial em que claramente se invocou que estavam preenchidos os pressupostos para a constituição da servidão legal de passagem, caso não se considerasse que a mesma já se encontrava constituída (aqui por usucapião).
Isto é, o pedido de condenação de remoção do portão do local e de reposição da situação que existia antes poderia ser concretizado com base numa dessas duas causas de pedir.
É claro que poderá existir um vício ao nível do pedido, por não se tirar qualquer consequência da descrição efectuada ao nível da usucapião por via da formulação de uma pretensão associada a esse fundamento jurídico, mas não se trata aqui da existência de uma contradição insanável entre a causa de pedir e o pedido.
Gabriel Catarino afiança que «toda a decisão judicial deflui ou é gerada numa causa que tem na sua origem uma situação factual a que, conceptualmente, corresponderá uma hipótese suposta numa norma»[33].
Nesta equação, a sentença comporta um silogismo em que a premissa maior é a lei, a premissa menor corresponde aos factos apurados no caso concreto e a conclusão é a decisão. Num silogismo, as premissas são os juízos que precedem a conclusão e dos quais ela decorre como consequente necessário. No silogismo judiciário as premissas – ou juízos – são os fundamentos e a conclusão é a decisão propriamente dita, devendo esta inferir-se daqueles como seu corolário lógico.
Aquilo que está em causa aquando da elaboração da sentença é convocar os factos pertinentes à justa decisão do litígio. Porém, neste horizonte valorativo, existem elementos fácticos que permitam concluir no sentido proposto pela parte activa relativamente à procedência do pedido formulado, caso comprove a existência de uma situação predial de encrave.
Dito isto, cabe ao juiz indicar, interpretar e aplicar os factos, os quais constituem o antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado e, na situação vertente, é possível concluir em sentido diverso daquele que foi sentenciado em Primeira Instância.
Aquilo que se passa é uma vivência jurídica distinta e que corresponde à eventual incompletude do pedido, pois a Autora não tira consequências relacionais entre o decurso do tempo de utilização e a formulação de um pedido sustentado na usucapião. Todavia, para além de isto estar claramente na disponibilidade da parte, a existir algum vício o mesmo seria sanável.
Complementarmente, poderia colocar-se a hipótese de o pedido da constituição de servidão legal não estava apoiado nos factos suficientes para permitir a obtenção de uma decisão favorável. No entanto, este não é o fundamento decisório da anulação de todo o processado. E, mesmo que assim fosse, também por esta via, o eventual problema obteria solução através da convocação dos poderes de gestão processo inscritos nos artigos 6.º[34] e 590.º[35] do Código de Processo Civil.
Como regime regra, no actual cenário normativo, numa lógica da prevalência de decisões de mérito sobre veredictos de natureza meramente formal, ao juiz cabe providenciar, por iniciativa oficiosa se as partes não o requererem, o suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação ou de nulidades dos actos praticados, pois a existência do vício deixou de conduzir automaticamente à absolvição da instância. Esta sanção processual só tem lugar quando a sanação for impossível, bem como nos casos em que, dependendo de acto de vontade da parte, esta se mantiver inactiva.
No novo regime processual civil foi reforçada a ideia que sustentava que a actividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de meritis[36].
Abrantes Geraldes é apoiante desta ideia do máximo aproveitamento da posição expressa nos articulados[37]. Efectivamente, a generalidade das excepções dilatórias são supríveis, quer por iniciativa do autor, quer por determinação oficiosa do Tribunal. Certamente, por isso, utilizando as palavras do actual Juiz Conselheiro, a propósito da falta de requisitos dos pedidos, deve prevalecer o entendimento de «impor o aproveitamento da instância, em conjugação com todo um conjunto de princípios que sempre devem orientar o intérprete na busca das melhores soluções – (economia processual, prevalência da substância sobre a forma, eficiência do sistema, cooperação mútua) – exigem que a questão em análise seja resolvida de forma diversa daquela que deveria emergir do anterior CPC, ao nível do despacho saneador»[38].
Mesmo que a parte activa não tivesse descrito os factos acima convocados, após a mudança de paradigma promovida pela reforma do Código de Processo Civil, na jurisprudência nacional assiste-se a uma inflexão[39] e actualmente é admitida a solução que preconiza que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma, o Tribunal deve convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial.
O processo é uma organização normativa de actos (existência), com o sentido e alcance global da constituição do caminho tendente à solução de diferendos e à pacificação social e individual (essência)[40]. E, por isso, os fundamentos para a declaração da falta manifesta de certos pressupostos processuais ou nulidade de todo o processo implicam que se esteja perante um quadro de absoluta insupribilidade.
No actual enquadramento sistemático do código revisto, a insupribilidade «é hoje residual, respeitando tão só àquelas excepções que, pela sua natureza ou por via do seu regime, não consentem suprimento, oficioso ou mediante convite às partes»[41], de harmonia com o dever de gestão estatuído no n.º 2 do artigo 6.º do Código de Processo Civil.
E, assim fora desse quadro ali excepcionado (incompetência do Tribunal e erro na forma do processo), por via dos poderes vinculados de determinação oficiosa do suprimento de excepções dilatórias, fica aberto o caminho para a adopção de uma solução correctiva. E, com isso, consegue-se a regularização da objectiva da lide, sem necessidade de proposição de uma nova acção com objecto praticamente idêntico, valorizando-se assim os princípios da economia processual, da adequação formal, do máximo aproveitamento das pretensões apresentadas em juízo, aliados ao poder de direcção do processo, em detrimento de um veredicto formado em questões estritamente formais.
De tal forma que, mesmo que os factos contidos na petição inicial não tivessem essa virtualidade, a existência de um quadro de contradição do objecto do processo por incompatibilidade entre o pedido e a causa de pedir seria sanável, por aplicação do regime vinculativo do dever de gestão processual estabelecido no n.º 2 do artigo 6.º e nos n.º 2 e 3 do artigo 590.º do Código de Processo Civil.
Em síntese final, a parte faz apelo a factos que se inscrevem na esfera de protecção dos pressupostos constitutivos de uma servidão legal de passagem derivada da existência de um quadro de entrave e, por isso, não se está perante um quadro subsumível à disciplina da alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil.
No entanto, repete-se, mesmo que assim não entendesse, caso se verificasse um cenário de incompletude do pedido ou da descrição fáctica de apoio à pretensão deduzida, através do recurso aos poderes de gestão processual, ao invés de optar por decisão de declaração da nulidade do processo, por se tratar de um vício suprível, o julgador «a quo» estava vinculado a proferir um despacho de aperfeiçoamento e apenas na hipótese de não ocorrer a devida correcção dos articulados é que estava legitimada a decisão de absolvição da instância.
E, assim sendo, decide-se revogar a decisão recorrida, devendo ser reaberta a fase de saneamento para definição dos temas da prova e posterior julgamento, sem prejuízo da Primeira Instância optar por uma decisão aperfeiçoamento, caso entenda que, por carência de factos, a descrição efectuada na petição inicial se mostra incompleta ou ocorre qualquer outra imperfeição. * V – Sumário: (…)
* VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida, devendo ser reaberta a fase de saneamento para definição dos temas da prova e posterior julgamento.
Sem tributação, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 17/06/2021
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Pires de Lima, Lições de Direitos Reais.
[2] Menezes Cordeiro, Direitos Reais.
[3] Henrique Mesquita, Direitos Reais.
[4] Oliveira Ascensão, Direitos Reais.
[5] Artigo 1544.º (Conteúdo):
Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.
[6] Artigo 1547.º (Princípios gerais):
1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.
[7] Artigo 1548.º (Constituição por usucapião):
1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.
2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.
[8] Artigo 1550.º (Servidão em benefício de prédio encravado):
1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.
[9] Artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial):
1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.
[10] Sobre a noção do pedido como efeito prático-jurídico, pode consultar-se Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, Vol. 1º, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 203.
[11] Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral, Princípios e Pressupostos, 2ª edição, Universidade Católica Editora, Porto, 2018, pág. 108.
[12] Artigo 5.º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal):
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/06/2010, in www.dgsi.pt.
[14] Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lex, Lisboa, 1993, pág. 74.
[15] Artigo 196.º (Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente):
Das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e 187.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.
[16] Artigo 578.º (Conhecimento das exceções dilatórias):
O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º.
[17] Artigo 278.º (Casos de absolvição da instância):
1 - O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância:
a) Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal;
b) Quando anule todo o processo;
c) Quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada;
d) Quando considere ilegítima alguma das partes;
e) Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.
2 - Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou a irregularidade tenha sido sanada.
3 - As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
[18] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 371.
[19] José Albertos dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 369.
[20] Abílio Neto, Breves Notas ao Código de Processo Civil, 2005, pág. 61.
[21] A que corresponde o actual artigo 186.º do Código de Processo Civil.
[22] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 221.
[23] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1980, pág. 309.
[24] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31/10/2019, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Artigo 608.º (Questões a resolver - Ordem do julgamento):
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
[26] Artigo 609.º (Limites da condenação):
1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
3 - Se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.
[27] (18) Pelo que, os referidos prédios propriedade da autora (prédios rústicos E…, E…, E…, E… e E…) são prédios encravados.
[28] (35) Pelo que, com a construção do referido portão, os prédios rústicos E… e E… ficam sem acesso próprio, ou seja, ficam encravados.
[29] (36) E não se diga que como os prédios rústicos E… e E… são propriedade da autora e, como tal, são facilmente são acessíveis pelo prédio rústico E…, pois, verbi gratia, caso a autora decida, como é seu direito, vender os prédios E… e E…, o novo proprietário terá também os referidos prédios encravados.
[30] (52) Finalmente, a autora, mal a legalidade no acesso aos seus prédios rústicos seja reposta, pretende iniciar os processos administrativos necessários de maneira a poder construir edificações nos prédios E…, E… e E…, mais uma razão para que o caminho de acesso livre e desimpedido aos referidos prédios encravados seja reposto.
[31] (67) Igualmente, e como se constata pelos docs. n.º 15 a n.º 18, que se juntaram, os prédios da autora estão encravados, tal como se encontra previsto no artigo 1550.º do Código Civil.
[32] (68) Pelo que, salvo melhor e mais douto entendimento, nada obsta à constituição da servidão legal de passagem, em benefício dos prédios encravados da autora, prédios rústicos E…, E…, E…, E… e E.., e em sujeição ao prédio do réu 1, o prédio rústico E….
[33] Gabriel Catarino, Decisões Judiciais/Sentença. Aspectos da sua formação, A Reforma do Processo Civil, Revista do Ministério Público, Cadernos II, 2012, pág. 104.
[34] Artigo 6.º (Dever de gestão processual):
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
[35] Artigo 590.º (Gestão inicial do processo):
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos nºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.
[36] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/06/2010, publicado em www.dgsi.pt, que sustenta que o autor deve ser convidado a corrigir a petição inicial, mediante a formulação dos pedidos em regime de subsidiariedade.
[37] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, páginas 126, 132 e 147 a 150.
[38] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I (1 – Princípios Fundamentais. 2 – Fase inicial do processo declarativo), Almedina, Coimbra, 1997, pág. 158.
[39] De acordo com a posição expressa no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2010, disponível em www.dgsi.pt, «a ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir e de pedidos é insuprível».
[40] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/05/1994 [acórdão do Pleno para uniformização de jurisprudência], in www.dgsi.pt
[41] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 623.