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PROCESSO DE INVENTÁRIO
MODELO PROCEDIMENTAL
MEIOS DE DEFESA
PRINCÍPIO DE AUTO RESPONSABILIDADE DAS PARTES
Sumário
Sumário (da relatora):
I - Com a Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro procurou-se instituir um novo paradigma do processo de inventário, com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação. II - O novo modelo procedimental adotado parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte. III - Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, saindo reforçado o princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo, cometendo-se simultaneamente ao juiz um maior e poder/dever de direção processual. IV - O processo de inventário é hoje uma verdadeira ação, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - RELATÓRIO
Os interessados M. R., E. R. e P. R. vieram requerer que seja solicitada à Caixa ... informação sobre a existência de contas bancárias em nome da cabeça-de-casal, alegando como fundamento o facto de o falecido e a cabeça-de-casal terem sido casados no regime da comunhão geral de bens.
A cabeça de casal opôs-se a tal pretensão por estar em causa apenas a partilha de bens do inventariado.
O tribunal indeferiu o requerido com o fundamento de que «entendendo os interessados que da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal não constam bens que, na sua óptica, deveriam constar, por constituírem crédito da herança, cabia-lhes reclamar da mesma, em momento próprio, alegando e provando a sua existência (pois que tal ónus cabe aos herdeiros que se sintam lesados). Ademais tal diligência não foi requerida pelos reclamantes aquando da sua reclamação, sendo esse o momento processualmente oportuno para o fazer se assim o entendessem (cfr. artigo 1105º nº 2 do CPC)».
Inconformados com este despacho os requerentes vieram interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
1 – No seu requerimento com a referência 2385725, de 01.10.2020, vieram os requerentes solicitar que fosse oficiado à Caixa ..., no sentido de obter informações sobre o saldo das contas bancárias existente à data do óbito do inventariado em Agosto de 2000 em nome da cabeça de casal.
2 – Relativamente ao dito requerimento proferiu A Exmª Juiz a quo o seguinte Despacho:
“Ora, entendendo os interessados que da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal não constam bens que, na sua óptica, deveriam constar, por constituírem crédito da herança, cabia-lhes reclamar da mesma, em momento próprio, alegando e provando a sua existência (pois que tal ónus cabe aos herdeiros que se sintam lesados). Ademais tal diligência não foi requerida pelos reclamantes aquando da sua reclamação, sendo esse o momento processualmente oportuno para o fazer se assim o entendessem (cfr. artigo 1105º nº 2 do CPC) pelo que se indefere o requerido”.
3 – O presente recurso versa sobre o Despacho referido no número anterior, pelas seguintes razões:
4 – Oportunamente, na reclamação contra a Relação de Bens (ponto 6), os requerentes acusaram a falta de direitos de crédito traduzidos em contas bancárias e, solicitaram à Senhora Notária que efetuasse as diligências necessárias para apurar os saldos bancários em nome do inventariado pelo menos desde 25.07.2000, 15 dias antes do seu óbito porque durante esse tempo o inventariado já se encontrava acamado, impugnando assim o valor declarado pela cabeça de casal no que aos direitos de crédito diz respeito.
5 – Os recorrentes solicitaram ao Tribunal as diligências de apuramento dos saldos de eventuais contas bancárias, porque as entidades bancárias não o fazem directamente aos interessados, levantando toda a sorte de problemas e despesas, alegando inclusive que as informações por serem antigas já não se encontram disponíveis, fazendo-o só quando são intimados pelos tribunais, não deixando por isso de cobrar despesas como o fez a Caixa ... ao próprio tribunal. Por outro lado,
6 – Os recorrentes apresentaram o requerimento que mereceu o despacho de que se recorre porque o inventariado e a cabeça de casal eram casados sob o regime da comunhão geral de bens e nos termos do artigo 1732º do Código Civil “ o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei», sendo certo que as contas bancárias não fazem parte dos bens incomunicáveis previstos no artigo 1733º do CC. E porque,
7 – A postura da cabeça de casal face às contas bancárias do inventariado tem sido, para além do que declarou na relação de bens, silêncio absoluto ou ameaças com processos crime relativamente a todas as provas carreadas para os autos pelos recorrentes, a saber:
a) € 7.083,80 – Banco …;
b) € 14.894,51 – Caixa ...;
c) € 24.307,95 – Banque …;
d) € 21.150,00 – Banque …;
e) Total - € 67.436,26.
Cujos documentos já se encontram no processo mas por mera facilidade os recorrentes voltam a juntar. E também
8 – Como nunca conseguiu justificar as avultadas somas que movimentou poucos anos após a morte do inventariado – Documento B.
9 – Os recorrentes estão plenamente convencidos da intenção da cabeça de casal de os prejudicar na partilha por morte do inventariado e o despacho da Exmª. Juiz a quo não contribui minimamente para a justa composição do litígio.
10– Os interessados pretendem tão só apurar a verdade com o máximo rigor sobre o verdadeiro património do inventário ao nível dos ativos bancários, na medida em que dele eram filha e netos e devem concorrer à sucessão em termos igualitários aos dos outos sucessores.
11– Pensam os interessados que também deveria ser essa a intenção da Srª. Juiz a quo até porque assim o impõe o artigo 411º do Código de Processo Civil (antigo artigo 265, nº 3 do CPC anterior) e também, entre outros Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 217/10.0TBFZZ-B.C1, disponível em www.dgsi.pt: “I – O juiz do processo é quem está colocado na melhor posição para verificar se as provas requeridas em sede de audiência de julgamento, face às provas já indicadas e às já produzidas, são necessárias para a formação da sua convicção e apuramento da verdade: se concluir que sim, ordena a diligência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 265.º do Código de Processo Civil; se concluir que não, não a ordena, por se tratar de uma diligência com carácter dilatório, na medida em que prolonga temporal e desnecessariamente a vida do processo.”
12 – E ainda Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 08.09.2020, proferido no Processo 2856/15.3T8AVR – D-P1, disponível em www.dgsi.pt que dispôs o seguinte:
“ I – A dinâmica evolutiva do processo civil tem-se afirmado no confronto dialético entre dois princípios que na aparência se contradizem – dispositivo e inquisitório – com sucessivas cedências do primeiro e prevalência do segundo, com vista à realização do verdadeiro desiderato do processo a afirmado nos artigos 8º e 411º do CPC: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
II – O artigo 411º do CPC estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativas aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que o necessário apuramento da verdade e a justa composição do litígio, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade”
13 – Violou assim o despacho da Exmª Juiz a quo os artigos 1732º e 2162º do Código Civil e ainda o artigo 411º do CPC.
Pugnam os Recorrentes pela revogação do despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro que ordene a notificação da entidade bancária para prestar as informações pretendidas.
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A cabeça de casal contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se deve ser ordenada à entidade bancária a prestação das informações requeridas.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO:
Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.
São ainda relevantes os seguintes factos:
- Apresentada a relação de bens pela cabeça de casal, os interessados M. R., E. R. e P. R., da mesma vieram reclamar reportando-se a:
a) “Bens em falta” – que identificaram;
b) “Bens cujo valor se impugna” - aí referindo expressamente que:
«Encontra-se relacionada a quantia de € 7.049,33 depositada na conta nº 1844051284 do Banco …, balcão de Chaves. Os interessados ora reclamantes sabem que o inventariado era titular de várias contas bancárias com saldo muito superior ao relacionado pela cabeça de casal. Mais sabem que o inventariado esteve internado pelo menos 15 dias antes de falecer e que nesse período a cabeça de casal fez levantamentos maciços das contas do casal.(…) A Exmª Senhora Notária pode requerer ao Banco de Portugal informações sobre as contas bancárias existentes à data do falecimento e em nome do falecido R. E. e também dos respetivos saldos em 06 de Agosto de 2000, data do óbito do inventariado. Considera-se todavia importante para a justa composição do inventário que seja apurado o saldo das contas bancárias com pelo menos 15 dias de antecedência face ao óbito, ou seja a partir de 25/07/2000; sempre se obterá assim informação mais credível e isenta que os interessados ora requerentes, pretendem efetivamente obter»;
- Foi solicitada informação junto do Banco de Portugal relativa às contas bancárias de que o inventariado era titular à data do seu óbito e no seu seguimento, notificados os Bancos e a Autoridade de Supervisão de Seguros;
- Os Reclamantes vieram entretanto juntar documentos relativos a extratos de três bancos.
- Após a remessa do processo ao Tribunal, com data de 04.06.2020, foi proferido despacho adequando processualmente os autos e, entre o mais, foi ordenada a notificação da Caixa ... a fim de informar os autos no prazo de 10 dias sobre a existência de contas do inventariado existentes à data da sua morte (06/08/2000) e respetivo saldo bancário.
- A Caixa ... prestou as informações solicitadas.
- Os Reclamantes apresentaram novo requerimento em que consideram que a questão que deve ser colocada à Caixa ... é a de existência de contas bancárias, quer em nome do inventariado, quer em nome da cabeça de casal, e que deve ainda ser perguntado à Caixa ... e com referência ao documento 34330042, de 28.03.2019 que diz respeito à conta nº 0035 ……..30, no sentido de se apurar se os titulares dessa conta são o inventariado ou a cabeça de casal.
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DE DIREITO:
A questão a apreciar insere-se no âmbito da tramitação do processo de inventário e dentro desta do direito à prova e oportunidade da sua apresentação.
O presente processo de inventário foi instaurado no cartório notarial na vigência da Lei 23/2013.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro, o processo foi remetido a tribunal, passando a aplicar-se-lhe as disposições da nova lei, de acordo com o art. 11º, das disposições transitórias, que rege sobre a aplicação no tempo.
Decorre do disposto no art. 13º, das disposições transitórias, que no prazo de 15 dias, contados do despacho a ordenar a remessa, podem os interessados deduzir as impugnações contra decisões proferidas pelo notário, sendo aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil, determinando o juiz, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.
Deste normativo dimana o aproveitamento dos atos já praticados perante o notário, fazendo-se um apelo decisivo ao poder de gestão e adequação processual do juiz, de modo a conciliar os efeitos de procedimentos heterogéneos, respeitando os efeitos já produzidos de decisões tomadas no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.
Com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, procurou-se instituir um novo paradigma do processo de inventário, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação que – note-se – sempre produziu resultados insatisfatórios, quer na excessivamente morosa tramitação perante o tribunal judicial, até 2013, quer posteriormente (agravando-se ainda o problema) perante os cartórios notariais (1).
Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte.
Afirma, a propósito, Lopes do Rego que “Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição”. (2)
Tendo presente o quadro fáctico-processual exposto, em obediência às medidas de adequação e gestão processual operadas, impõe-se considerar que a faculdade de reclamar da relação de bens está precludida. Os elementos probatórios de índole documental (bancário) pretendidos extravasam o teor da reclamação oportunamente apresentada, que não suscitou a questão da existência de quantias em dinheiro pertença do inventariado em contas tituladas pela cabeça de casal.
O processo de inventário é hoje uma verdadeira ação, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” na reclamação que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova.
As provas são indicadas com a reclamação, seguindo-se a fase de instrução na qual o juiz exerce o inquisitório, ordenando a produção das provas que considere necessárias. O juiz não está limitado pelos meios de prova indicados, mas, por outro lado, também não está vinculado a realizar todas as diligências probatórias que tenham sido requeridas, bastando aquelas que, em concreto, se revelem necessárias para cumprir a função do inventário, qual seja, fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (art. 1082º, al. a), do CPC).
Os Recorrentes fazem apelo ao princípio da cooperação e do inquisitório, prescrito pelo art. 411º do CPC adiantando que “os interessados pretendem tão só apurar a verdade com o máximo rigor sobre o verdadeiro património do inventário ao nível dos ativos bancários, na medida em que dele eram filha e netos e devem concorrer à sucessão em termos igualitários aos dos outos sucessores”, acrescentando que deveria ser essa a intenção do tribunal a quo até porque assim o impõe o artigo 411º do Código de Processo Civil.
Vejamos se têm aplicação ao caso os princípios invocados.
O processo é constituído por uma série de atos dirigidos a um fim - fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens -, devendo obedecer a formas e requisitos adequados a esse escopo. Sem regras o processo fica sujeito à indisciplina das partes e cria insegurança, e presta-se a manobras que prejudicam a obtenção da decisão em tempo razoável e útil.
Tem portanto o processo exigências técnicas, designadamente sujeitando as partes a um tecido de ónus necessários à boa administração da justiça (3).
Um dos princípios do processo civil é precisamente o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco.
O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão subordinada de trabalhos, dominante em matéria probatória, entre o juiz e as partes (estas num primeiro plano).
Recebeu consagração legal no art. 411.º ao dispor que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
O princípio do inquisitório exerce atualmente, é certo, um importante papel no processo civil português mas, a nosso ver, funciona subordinado ao princípio do dispositivo, parecendo-nos excessiva a sua configuração como um sistema processual híbrido, que se coaduna em par em torno dos dois princípios (4).
O nosso sistema processual civil é norteado pelo princípio do dispositivo, competindo-lhe o “monopólio” dos factos e dos meios de prova.
Como escreve Mariana França Gouveia esteirada nos ensinamentos dos mais ilustres processualistas, “O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal. O interesse público, neste âmbito, limita-se à correta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas. Assim, o exato limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a ação (e de se defender), como delimitam o seu objeto. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.”
Compreende-se, assim, por que o princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.
Defende Nuno Lemos Jorge que se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse”. (5)
Afigura-se-nos claro que o juiz não se encontra obrigado a determinar a junção de um documento só porque a parte, que não o apresentou oportunamente, invoca a importância daquele para a descoberta da verdade. A não se entender assim, perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois restaria sempre à parte a possibilidade de invocar a sua essencialidade. (6)
Não pode, pois, o juiz ao abrigo do inquisitório e da cooperação suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permitir o atropelo de normas legais e postergar o princípio da auto responsabilização das partes.
O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.
Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.
A nova lei que veio regulamentar o processo de inventário procurou instituir um novo paradigma com o objetivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, introduzindo um principio de concentração associado a um principio de preclusão.
Nas palavras de Lopes do Rego, “Do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão (…). Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal” (7).
Da imposição deste modelo procedimental resulta que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase da oposição, com indicação de toda a prova.
Por outro lado, como afirma o autor, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão (8).
Com esta tramitação pretendeu-se dar resposta às questões processuais que, no anterior regime, constituíam um verdadeiro “convite ao entorpecimento”, impondo-se agora uma rígida disciplina processual, de molde a acabar com a tramitação sinuosa e permissiva do processo de inventário.
Foi a consciência de que uma significativa responsabilidade pela morosidade do processo de inventário “cabia” à própria tramitação, que motivou a necessidade imperiosa de se procurar dotar o processo de uma tramitação que permitisse que o mesmo fluísse e não proporcionasse um uso menos apropriado por parte dos interessados (9).
Com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último (10).
Dito isto, não vindo invocada a superveniência, nenhuma justificação se prefigura como atendível, no sentido da admissibilidade do requerimento apresentado pelos reclamantes, tendo sido bem decidido o seu indeferimento.
Termos em que improcede a apelação.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
1. Neste sentido, Carlos Lopes do Rego, A recapitulação do inventário, Julgar Online, dezembro de 2019, pag. 9.
2. Ob. cit. pag. 11.
3. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 12.11.2002, disponível em www.dgsi.pt.
4. Como defende Téssia Matias Correia, A Prova no Processo Civil, Reflexões sobre o problema da (in)admissibilidade da prova ilícita, Dissertação de Mestrado em Direito, na Área de Especialização de Ciências Jurídico - Civilísticas, Coimbra, 2015, pag. 62 e Francisco Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 2010, pag. 243.
5. “Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, nº 3, pág. 70.
6. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães de 4.3.2013 (Proc. 293/12.0TBVCT-J.G.l), disponível em www.dgsi.pt.
7. Ob. cit. pag. 12.
8. Ob. cit. pag. 13.
9. Neste sentido, Pedro Pinheiro Torres, Notas breves de apresentação do processo de inventário na redação dada pela Lei n.º 117/2019 de 13 de setembro, pag. 14, CEJ, eb-inventario, 2020.
10. Lopes do Rego, ob. cit. pag. 14.