EXECUÇÃO
PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
Sumário

Inexistindo bens próprios do cônjuge devedor e não havendo bens comuns dos mencionados no nº 2 do citado artº 1696º, resta o recurso à indicação de bens da meação do executado nos bens comuns do casal, entre os quais se inclui o salário do cônjuge não executado.

Texto Integral

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

No decurso da instrução do processo de execução ordinária movido pela exequente B………., S.A., ao executado C………., veio aquela nomear à penhora o automóvel ..-..-NN, encontrado na titularidade do executado e uma terça parte do salário da mulher do executado, D………., auferido ao serviço da E………., S.A., com sede na ………., ………., notificando-se esta empresa para proceder ao desconto no salário e ao seu depósito na Caixa Geral de Depósitos à ordem do Tribunal, nos termos do artº 824°do CPC.
Pediu ainda a exequente, nos termos do art. 825º do C.P.C. (na redacção anterior à vigente), a citação da cônjuge do executado, a indicada D………., para requerer, querendo, a separação de bens.

Alegou o exequente nesse requerimento que não encontrou bens ao executado e por isso entende poder pedir penhora em bens comuns do casal (salário do cônjuge não executado), pois que apesar de no título executivo apenas constar o cônjuge marido, a dívida é comum dado que foi contraída no exercício do comércio e em proveito comum do casal, situação que contudo não é aferível no tipo de processo executivo em causa, o que não aconteceria se se tratasse aqui de uma execução comum, onde teria sido possível alegar e provar a comunicabilidade da dívida.

Este requerimento foi indeferido nos seguintes termos:
“Embora compreendendo a indignação da exequente pelo facto do executado embora tendo o nível de vida que aparenta ter não possuir em seu nome quaisquer bens passíveis de penhora, não pode este tribunal pautar-se por outros critérios que não sejam os de decidir de acordo com as leis de que dispõe.
Ora estas, como aliás já se deixou claro na decisão proferida a fls. 69 dos autos, que decidiu precisamente acerca dum requerimento da exequente visando a penhora do salário da esposa do executado, são no sentido de considerar uma tal penhora inadmissível.
Não vejo pois razão para o tribunal alterar uma tal decisão, pese embora, e reitera-se, compreender o sentimento de impotência da exequente.
Indefiro pois. e pelas razões já expostas na decisão constante de fls. 69 dos autos, que aqui se reproduz, o requerido. Notifique”.

Discordou a exequente desta decisão e dela interpôs recurso tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:

1- A exequente nomeou à penhora uma terça parte do salário da mulher do executado, D………., auferido ao serviço da E………., S.A. e requereu a citação daquela, nos termos do art. 8250 do C.P.C. para requerer, querendo, a separação de bens.
2- A Sra. Juiz considerou inadmissível esta penhora por entender que nas situações em que só se tem título contra um dos cônjuges, apenas é lícito ao credor nomear à penhora os bens próprios do executado e, ao mesmo tempo, os bens comuns indicados nas alíneas do n° 2 do art. 1696° acima citado.
3- Arvorou-se o mesmo douto despacho no art. 824° n° 1, alínea a) do C.P.C..
4- A douta decisão interpretou a norma invocada de forma incorrecta, pois o art. 1696° do C.C. referindo-se às dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges (que a exequente entende não ser o caso dos autos, mas como efectivamente só o cônjuge marido aí consta como executado resolveu, por comodidade de exposição, não explorar essa circunstância, a qual, de resto é perfeitamente irrelevante para a questão em causa no presente recurso) impõe, no seu n°1, ao credor o respeito por uma subsidiariedade entre bens próprios do devedor/bens comuns, só lhe permitindo recorrer aos segundos depois de esgotar os primeiros, acrescentando e excepcionando no n° 2 que porém, ao lado dos bens próprios do devedor, isto é, em simultâneo, sem necessidade de observar a acima referida subsidiariedade, se permite a penhora do produto do trabalho do cônjuge devedor.
5- O que emerge da referida norma, no que ao produto do trabalho do cônjuge não devedor respeita, é que quanto a esse, o credor terá que aceitar e respeitar a regra da subsidiariedade, só lançando mão do mesmo depois de verificada a inexistência ou insuficiência dos bens próprios do devedor.
6- Foi o que fez a exequente, ora recorrente.
7- A outra norma invocada no douto despacho recorrido - o art. 824°, nº 1 do C.P.C. - não é relevante para a questão que nos ocupa, porque aquele artigo visa somente definir os limites quantitativos da penhorabilidade e não responder à questão de saber quais os bens passíveis de penhora em execução movida apenas contra um dos cônjuges.
8- A doutrina e a Jurisprudência têm acolhido igualmente a interpretação aqui exposta pela exequente.
PELO EXPOSTO, POR TER INTERPRETADO ERRADAMENTE O ARTIGO 1.696° do CÓDIGO CIVIL E O ART. 824°, N°1, ALÍNEA A) DO C.P.C. (NA REDACÇÃO ANTERIOR À VIGENTE), DEVE REVOGAR-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE ORDENE A PENHORA NOS TERMOS REQUERIDOS.
DECIDINDO DESTA FORMA SERÁ FEITA JUSTIÇA!

Não houve contra alegações.

O despacho recorrido foi sustentado.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
a)- A matéria de facto provada a considerar para esta decisão é a que consta do relatório acima elaborado, sendo que as partes reconhecem que não se encontraram bens próprios do executado o qual é casado em regime de comunhão de adquiridos com D………., a quem se pretende penhora 1/3 do seu vencimento (sendo que foi efectuada prova do regime de bens por junção da certidão de casamento a fls. 68 dos autos).

b)-O recurso de agravo.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.

1-A questão que importa decidir é a de saber se é possível em execução movida contra um dos cônjuges, nomear à penhora 1/3 do salário auferido pelo outro cônjuge.

Antes de enfrentarmos a questão importa ter presentes o enquadramento legal que se aplica ao caso dos autos, uma vez que estamos em presença de execução (fls.2) instaurada em 2-07-2003.

As disposições legais então em vigor e que nos permitirão alcançar a solução para esta questão são as dos artºs 1696º e 1724º do CC (redacção do DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro) e do artº 825º do CPC (na redacção anterior ao DL nº 38/2003 de 8 de Março).

O artº 1696º do CC, como sinteticamente refere Rodrigues Bastos-CPC –Notas ao CC, Vol VI, pág.143, na sua redacção primitiva dispunha que no caso de serem insuficientes os bens próprios do cônjuge devedor, responderia pela dívida a meação daquele nos bens comuns, mas que o cumprimento só era exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bem ou a simples separação judicial de bens. Este regime, embora vindo já do Código anterior e sendo motivado por razões, especialmente atinentes a assegurar a estabilidade económica da família, deu origem a muitas dificuldades de aplicação, além de que era claramente injusto para com os compradores.
Foi com o DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro (que através do aditamento do artº 27º operado pelo DL nº 180/96 de 25/9) que se acabou com a moratória forçada exigida para se prosseguir execução na meação dos bens comuns.
Portanto na actual redacção do artº 1696 º do CC, no que diz respeito a bens que respondem pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, deixou de ser exigida a moratória, impondo-se apenas a observação do principio da subsidiariedade, assim:
“1. Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.
2. Respondem, todavia, ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor:
a) Os bens por ele levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como os respectivos rendimentos;
b) O produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor;
c) Os bens sub-rogados no lugar dos referidos na alínea a).

Por outro lado convém ter presente que no regime de bens adquiridos (regime de casamento aplicável ao executado) o artº1724º do CC considera como bens integrados na comunhão:
“a) O produto do trabalho dos cônjuges;
b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei”.

3-A exequente nesta execução que moveu apenas contra o cônjuge marido por dívida própria deste nomeou em penhora uma parte do produto do trabalho do cônjuge do executado que face à lei substantiva faz parte dos bens que integram os bens comuns do casal.
E fez essa nomeação depois de no processo estar demonstrada a inexistência de bens do executado.

No despacho recorrido sustentou-se (remetendo para anterior fundamentação que se mostra junta a fls.15/16 destes autos) que “quando a execução é movida apenas contra um dos cônjuges, a regra geral é a de que só poderão ser penhorados bens próprios do executado, com exclusão dos bens comuns do casal, uma vez que estes últimos são pertença dos dois, do executado e do não executado.
Resulta isto do disposto nos artigos 821° n.° 1 do Código de Processo Civil e 1696° do Código de Processo Civil. Assim, e conforme decorre do n.° 1 do preceito por último citado, pelas dívidas de exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns: neste caso porém. o cumprimento só é exigível depois de dissolvido, declarado nulo, ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens.
Todavia, nos termos do n.° 2 de um tal preceito, estabelece-se que ao mesmo tempo que os bens do cônjuge devedor respondem determinados bens, integrados na categoria de bens comuns, tais como o produto do salário do cônjuge devedor - artigo 1724° alínea b) do Código Civil.
Ou seja, conjugando tudo aquilo que fica dito. Creio poder concluir-se o seguinte: nas situações, nas quais se insere a presente, em que só se tem título contra um dos cônjuges, apenas é lícito ao credor nomear à penhora os bens próprios do executado e, ao mesmo tempo, os bens comuns indicados nas alíneas do n.° 2 do artigo 1696° acima citado.
Daí que seja lícito ao exequente a nomeação à penhora o produto do trabalho do cônjuge devedor mas já não a nomeação à penhora do produto do trabalho do cônjuge do devedor.
Aliás só assim se compreende a redacção do próprio artigo 824° n.° 1 do Código de Processo Civil, ao referir-se de modo expresso apenas aos vencimentos ou salários auferidos pelo executado. Quer isto dizer que o próprio legislador nunca pensou como possível, nos casos de execução movida apenas contra um dos cônjuges, a penhora do salário auferido pelo cônjuge do executado, uma vez que se assim acontecesse não redigiria o n.° 1 alínea a) do citado artigo 824° nos moldes restritivos em que o fez.
Com efeito, a permitir-se a nomeação ora feita, todo o salário auferido pelo cônjuge do executado poderia ser objecto de penhora, coisa que a meu ver resultaria impensável face à própria lógica do sistema”.

Ora neste despacho começa por reconhecer-se nos seus fundamentos a afirmação do princípio da patrimonialidade expresso no artº 601º do CC e com concretização processual no artº 821º do CPC, o que merece também o nosso acolhimento.
Porém quando se tratou de fazer aplicação do nº 1 do artº 1696º do CC, já não se associou a possibilidade de subsidiariamente se nomearem bens em penhora pertencentes à meação do executado nos bens comuns, por força do artº 1724º do mesmo diploma.
Fixou-se tão só o despacho na interpretação do nº 2-a) do mesmo artigo 1696º, como respeitando ao cônjuge devedor/executado, o que é um facto.

Mas como se verifica o artº 1696º do CC no seu nº 2-a) alude ao produto do trabalho do cônjuge devedor como bem comum para responder ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor e não resolve a questão da possibilidade de serem nomeados subsidiariamente bens da meação nos bens comuns, tal como previsto no nº 1 do mesmo artigo.
Acontece que, como está apurado nos autos, tal invocação da disposição do nº2-a) do artº 1696º mostra-se aqui inconsequente pois o executado/cônjuge devedor não tem quaisquer bens próprios ou comuns resultante do produto do seu trabalho.
Essa norma do nº 2 –a) do artº 1696º pretende apenas evidenciar que respondem, pelas dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges, ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor ,também o produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor.
Trata-se de uma possibilidade de responsabilização por dívidas autónoma a acrescer à que está prevista na segunda parte do nº 1 do artº 1696º do CC.

4-Daí que quando a exequente requer a penhora em 1/3 do salário do cônjuge do executado está a invocar a norma do artº 1724º ex- vi artº 1696º nº 1 ambos do CC, pois só assim é possível prosseguir com a execução na meação dos bens comuns do casal tal como resulta da conjugação desses diplomas legais.
Falhando os mecanismos de responsabilização pelas dívidas de um dos cônjuges ao abrigo da 1ª parte do nº 1 e nº2- do artº 1696º do CC, resta o recurso do disposto na 2ª parte do nº 1 do mesmo artigo.
Ou seja, Inexistindo bens próprios do cônjuge devedor e não havendo bens comuns dos mencionados no nº 2 do citado artº 1696º, resta o recurso à indicação de bens da meação do executado nos bens comuns do casal, entre os quais se inclui o salário do cônjuge não executado.
É, pois, licito avançar para a regra da subsidiariedade no sentido de poder indicar em penhora bens comuns da meação do executado (como o salário do cônjuge não executado) diferentes daqueles que estão previstos no nº 2 do artº 1696º do CC (bens que demonstra não existirem).
(cfr. sobre esta matéria Lebre de Freitas-CPC anotado, volume 3º, pág. 364 e Acção Executiva, p2ª edição, pág. 182/188 e Amâncio Ferreira-Curso de Processo de Execução, pág.119).

É claro que nestas circunstâncias haverá que cumprir o disposto no artº 825º nº 1 do CPC, ou seja, pedir a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens.
Mas nesta parte a exequente no seu requerimento também cumpriu esta formalidade.

5-Resta fazer uma referência ao artº 824º nº 1-a) do CPC também invocado no despacho recorrido.
Neste aspecto entendemos também que a questão da impenhorabilidade parcial consagrada neste artigo não se coloca de momento, já que foi apenas indicado 1/3 do salário do cônjuge do executado e será a este que no processo competirá tomar posição em relação ao que isso representa tendo em conta o salário mínimo nacional.
Da mesma forma caberá ao cônjuge do executado a reacção à indicação do seu salário em penhora na percentagem de 1/3,em termos de ultrapassar ou não a fracção ideal de cada cônjuge na meação dos bens comuns do casal.

Concluímos, pois, que nas circunstâncias dos autos é possível a indicação, subsidiariamente, de penhora na meação de bens comuns (resultantes do produto do trabalho do cônjuge executado) consistente numa fracção de vencimento que não ultrapassa os limites previstos no nº1-a) do artº 824º do CPC (cfr também Ac. STJ de 2-12-2004-nº Convencional: JSTJ000 –ITIJ/NET-Relator: NEVES RIBEIRO; Ac. RL de 8-10-2002-Processo: 0038651 -Nº Convencional: JTRL00044383 -Relator: ANA GRÁCIO -Nº do Documento: RL200210080038651-ITIJ/NET e AC. RC de 15-11-2005- Processo: 2680/05 -Nº Convencional: JTRC -Relator: HELDER ROQUE-ITIJ/NET.

Nestes termos assiste razão à agravante.

III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em dar provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que admita a nomeação de 1/3 do salário do cônjuge executado e ordene a citação deste nos termos do nº 1 do artº 825º do CPC.
Sem custas-artº 2º nº 1-g) do CCJ.
Porto, 25 de Maio de 2006
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo