RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
Sumário

Texto Integral


O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:


A - RELATÓRIO:

No processo identificado em epigrafe[1], que se encontrava na fase preliminar de inquérito, efetuaram-se buscas e pesquisa informática de que foi alvo o arguido:

- AA,

O qual, reagindo, requereu à Juiz de Instrução Criminal competente para os atos jurisdicionais naquele inquérito, a declaração de nulidade das mesmas diligências.

Pretensão que a JIC, por despacho, indeferiu.

O arguido, discordando, recorreu para a 2ª instância.

O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 30/09/2020, negou provimento ao recurso.

1. o recurso extraordinário:

O arguido, renitente, insurgindo-se contra o julgado naquele acórdão da Relação de Coimbra, convocando o disposto nos artigos 437.º, n.ºs 2 e 3 (parte final, a contrario) e 438.º, ambos do CPP, interpôs, em 2/11/2020, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Alega que a solução aí adotada sobre a não “existência de reserva judicial relativa à busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico e similares”, está em oposição com a solução de direito que para a mesma questão foi preconizada no Acórdão do Relação de Lisboa, de 06.02.2018, transitado em julgado em 12.03.2018, tirado no processo n.º 1950/17.0T9LSB-A.L1, apenso de inquérito que da … Secção do DIAP de …. que, para efeitos de atos jurisdicionais, correu termos no Juízo de Instrução Criminal …..

Junta cópia e indica a pagina oficial onde foi publicado - www.dgsi.pt -, (onde se consultou)[2].

Fundamenta o pedido de resolução do alegado dissídio, reclamando a fixação de jurisprudência no sentido preconizado no acórdão fundamento.

Resume a motivação nas seguintes conclusões:

A. Resulta do Acórdão fundamento a existência de uma reserva de competência judicial para a emissão de mandado de busca e apreensão de correio eletrónico, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 17.° da Lei do Cibercrime e 179.°, n.°s 1 e 3 do CPP;

B. Resulta do Acórdão recorrido a interpretação do artigo 17.° da Lei do Cibercrime no sentido em que esta remete apenas para o n.° 3 do artigo 179.° do CPP, com a consequente infirmação da existência de reserva de competência judicial para a emissão de mandado de busca e apreensão de correio eletrónico, estando este em oposição ao decidido no Acórdão fundamento;

C. Existem Arestos vários, de vários Tribunais da Relação, que decidem a questão (e temas dependentes da resposta à mesma) em sentido favorável ao plasmado no Acórdão fundamento, tal como existem outros Arestos (em particular o que acima se identificou do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa) no mesmo sentido do Acórdão recorrido, prolatado nestes autos, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o que atesta a relevância do tema e a existência de uma real divergência na interpretação e aplicação das disposições conjugadas do artigos 17.° da Lei do Cibercrime e as constantes do artigo 179.° do CPP;

D. Pelos motivos acima melhor plasmados mas que merecerão, em fase subsequente deste recurso, melhor e mais aprofundado desenvolvimento (i.e., em sede de alegações), existem fundamentos que mais do que sustentar parecem impor a Fixação de Jurisprudência no sentido de que, das disposições legais acima melhor identificadas, resulta a existência de uma reserva judicial relativa à busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico e similares.

Nestes termos, se requer seja o presente Recurso admitido prosseguindo a sua ulterior tramitação, fixando-se a final Jurisprudência Uniforme nos moldes atrás requeridos.

2. resposta do Ministério Público:

O Digno Procurador-Geral Adjunto no Tribunal recorrido respondeu, pugnando pela rejeição do recurso com o argumento de que não verificando oposição de julgado, resumindo que:

a) em ambos os inquéritos (fundamento e recorrido) foi proferido acórdão respetivamente pelo TRL e pelo TRC sufragando a legalidade dos procedimentos do Mº Pº para ordenar a pesquisa informática no decurso da qual, sendo localizada correspondência electrónica, que foi guardada em suporte informático autónomo e selado, ser a Mmª JIC a primeira a tomar conhecimento do seu conteúdo, ordenando a sua apreensão, por revelar interesse para a matéria em discussão.

c) em ambas as decisões é sufragado o mesmo entendimento [relativamente à interpretação das disposições conjugadas dos artºs 17º da Lei 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime e 179º do CPP], inexistindo, pois, oposição de soluções sobre a mesma questão de direito.

3. parecer do Ministério Público:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, em douto parecer, pronuncia-se pela rejeição do recurso “nos termos do disposto nos artigos 440, n.ºs 3 e 4 e 441, n.º 1, do Código de Processo Penal”, com o fundamento de “não estar preenchido o pressuposto substantivo de oposição de julgados, previsto no artigo 437, nº 1, do CPP”, porquanto, “confrontando o segmento decisório de ambos os acórdãos – recorrido e fundamento – não pode retirar-se a conclusão pretendida pelo recorrente e tem de concluir-se que a questão objecto de um e outro recurso foi resolvida no mesmo sentido e às normas em causa não foram dadas interpretações nem aplicações opostas”.


****


Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre verificar da admissibilidade e, vencidos os pressupostos formais, ajuizar da invocada existência –ou não -, de oposição entre o julgado nos acórdãos recorrido e fundamento – art. 440º n.º 3 do CPP – e, consequentemente, decidir.

B - FUNDAMENTAÇÃO:

1. O direito:

a) pressupostos:

O artigo 437.º do CPP, estabelece os “fundamentos do recurso” extraordinário para fixação de jurisprudência, dispondo:

1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5. O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

São, assim, pressupostos substantivos deste recurso extraordinário:

(i) inexistência de jurisprudência fixada sobre a mesma questão de direito;

(ii) dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes;

(iii) ou um acórdão da Relação que não admite recurso ordinário e que não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ;

(iv) proferidos no domínio da mesma legislação;

(v) assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos materiais ocorrem quando:

- as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

- as decisões em oposição sejam expressas;

- as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões[3].

A contradição das decisões definitivas (transitadas em julgado) tem de ser efetiva e explícita, não apenas tácita.

Os julgados contraditórios têm de incidir sobre a mesma questão de direito. Isto é, a mesma norma ou segmento normativo foi aplicada/o com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes.

Entende-se que assim sucede quando em ambos os acórdãos foi decidida uma mesma matéria de direito, “ou quando esta matéria constar de fundamentos que condicionam, de forma essencial e determinante, a decisão proferida[4].

Têm de aplicar a mesma legislação, o que sucede sempre que, entre os momentos do seu proferimento, não se tenha verificado qualquer modificação legislativa com relevância para a resolução da questão de direito apreciada. Esta identidade mantém-se ainda que não seja o mesmo o diploma legal do qual consta a legislação aplicada[5].

E julgar situações de facto idênticas. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de tratar-se de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspeto jurídico do caso[6].

E o artigo 438º (interposição e efeito) do CPP estabelecendo os requisitos de forma, dispõe:

1. O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2. No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

São pressupostos formais[7]:

(i) a legitimidade do recorrente;

(ii) o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes;

(iii) interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido;

(iv) a invocação, e junção de cópia, do acórdão fundamento;

(v) justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência.

Exigia-se ainda que o recorrente propusesse o sentido da jurisprudência a fixar –cfr.  Assento n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27.05.2000. Exigência que foi eliminada pela jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º 5/2006, de 20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de 6.06.2006, no qual, reexaminando e reputando ultrapassada a jurisprudência daquele Assento, estabeleceu-se:

No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo 442.º, n.º 2).

Assim, nesta fase do presente recurso, o recorrente não tinha de indicar o sentido da jurisprudência a fixar.

b) finalidade:

A finalidade da uniformização da jurisprudência não é prioritariamente dirigida à justiça do caso concreto, mas sim ao objetivo latitudinário de evitar a propagação do erro de direito judiciário pela ordem jurídica[8]. Visa a uniformização da resposta jurisprudencial, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, a igualdade, a certeza e a segurança jurídica no momento de aplicar o mesmo direito a situações da vida que são idênticas.

Trata-se de um recurso de carácter normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

Não está em causa a reapreciação da bondade da decisão (da aplicação do direito ao caso) proferida no acórdão recorrido (já transitado em julgado). Trata-se apenas de verificar, partindo evidentemente de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa. 

Por outro lado e como se assinala no Acórdão de 19/04/2017[9] deste Supremo Tribunal: “o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, tendo como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando o conflito originado por duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.

Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”, obstando a que possa transformar-se em mais um recurso ordinário, contra decisões transitadas em julgado.

Exigência que se repercute com intensidade especial na verificação dos dois pressupostos nucleares: a oposição dos julgados; e a identidade das questões decididas. Entendendo-se que são insuscetíveis de «adaptação», que poderia por em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei[10].

Mas também se repercute na constatação dos demais pressupostos substantivos e bem assim dos requisitos formais.

Como se referiu e é entendimento jurisprudencial uniforme[11], a oposição, expressa, tem de aferir-se pelo julgado e não pelos fundamentos em que assentou a decisão.

E a questão de direito só será a mesma se houver identidade das situações de facto contemplados nas duas decisões[12].

c) no caso:

Vejamos se no vertente recurso estão preenchidos os pressupostos para que possa ser concedida a pretendida fixação de jurisprudência:

i. quanto aos pressupostos formais:

Da legitimidade: ao recorrente, em razão da sua qualidade de arguido no processo penal em que foi proferido o acórdão recorrido, assiste o direito de interpor os recursos legalmente admitidos, entre os quais se inclui, como vimos, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência – art. 437º n.º 5 do CPP.

Acórdão transitado: o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em recurso interposto de despacho da Juíza de Instrução Criminal competente para os atos jurisdicionais naquele processo em fase preliminar de inquérito, está datado de 30/09/2020 e, não admitia outro recurso ordinário – art. 400º n.º 1 al.ª c) e 432º n.º 1 al.ª b) do CPP.

Não admitindo recurso, todavia, podia ser visado com a arguição de nulidades, admitia pedido de correção de erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade que não importasse modificação essencial da decisão (ao abrigo do art. 380.º, n.º 1, al.ª b) aplicável por força do art. 425.º, n.º 4) e poderia, eventualmente, interpor-se recurso para o Tribunal Constitucional.

Não prescrevendo a lei prazo especial para o pedido de arguição de nulidades ou do pedido de correção a que alude a norma do art. 380º citado, vem a jurisprudência deste Supremo Tribunal entendendo que o prazo para tal efeito é o prazo geral de 10 dias, estabelecido no art. 105.º, n.° 1 do CPP.

O prazo para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é também de 10 dias, nos termos do art. 75.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15-11.

Como em tal prazo o recorrente não lançou mão de nenhuma dessas vias procedimentais, o acórdão recorrido transitou em julgado decorrido o referido prazo de 10 dias, conforme estabelece o art. 628.º do CPC (aqui aplicável por força do art. 4.º do CPP), o que ocorreu em 16 de outubro de 2020 (foi notificado ao Ministério Publico e, eletronicamente, aos mandatários do recorrente no próprio dia em que foi proferido 30/09/2020).

Prazo: o vertente recurso foi interposto em 2/11/2020, portanto, no 17º dia posterior ao da data do trânsito em julgado e, assim, dentro do prazo legalmente estabelecido - que é de 30 dias –art. 438º n.º 1 do CPP.

Acórdão fundamento: o recorrente alega que o decidido no acórdão recorrido está em oposição com o decidido sobre a mesma questão de direito no acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 8/09/2019, proferido no Proc. n.º 58/11.7MAOLH-A.E1.

Com a petição de recurso junta cópia do acórdão fundamento, indicando o sítio da web onde pode ser consultado. Alega o recorrente que transitou em julgado sem que certifique esse facto. Todavia, estando publicado no site oficial da justiça, aceita-se a afirmação de é firme e definitivo.

Motivação: O requerimento de interposição de recurso inclui motivação, na qual o recorrente expõe as razões de facto e de direito que, no seu entendimento, demonstram a contradição do julgado nos acórdãos recorrido e fundamento.

Estão, assim, reunidos os pressupostos formais para a admissão do vertente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, interposto pelo arguido.

ii. quanto aos pressupostos substanciais:

Vejamos se o mesmo sucede com os pressupostos substantivos.

Definindo a questão jurídica que pretendem ver uniformizada (“se das disposições conjugadas do artigos 17.° da Lei do Cibercrime e as constantes do artigo 179.° do CPP do  resulta a existência de uma reserva judicial relativa à busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico e similares”).

Ainda que o recorrente não alega, não está fixada jurisprudência sobre a mesma questão de direito. Efetivamente, este Supremo Tribunal, em Plenário das secções criminais, não tirou acórdão que tenha fixado jurisprudência sobre a interpretação e aplicação daquelas normas e, concretamente, sobre se a busca e apreensão de ficheiros eletrónicos é – ou não – um ato reservado ao juiz.

Dois acórdãos de diferentes tribunais superiores: o arguido, ademais de identificar o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo em epígrafe, fundamenta a pretensão uniformizadora de jurisprudência na oposição do ali decidido com o preconizado num acórdão anterior proferido pela Relação de Lisboa no processo n.º 1950/17.0T9LSB-A.L1.

No domínio da mesma legislação: as normas em que o recorrente ampara a pretensão uniformizadora de jurisprudência – arts. 17.º (Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante) da Lei do Cibercrime Lei n.º 109/2009 de 15 de setembro e 179.º (Apreensão de correspondência) do CPP mantêm a versão original dos respetivos diplomas, não tendo, pois, sido no período temporal sobre que incidiram os despachos ali impugnados e reexaminados, respetivamente, nos acórdãos recorrido e indicado como fundamento.

Identidade da questão jurídica: exige-se que a questão jurídica nuclear apreciada e decidida nos dois acórdãos conflituantes tenha a mesma incidência fáctico-normativa.

Ao pressuposto da identidade da questão jurídica, a jurisprudência deste Supremo Tribunal aditou a identidade de factos, entendida esta, “não como uma identidade absoluta entre dois acontecimentos históricos mas que eles se equivalham para efeitos de subsunção jurídica a ponto de se poder dizer que, pese embora a solução jurídica encontrada num dos processos assente numa factualidade que não coincide exatamente com a do outro processo, esta solução jurídica continuaria a impor-se para o subscritor mesmo que a factualidade fosse a do outro processo”[13].

Como sustenta Baptista Machado, “não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, simultânea, às questões de direito e às situações da vida[14].

Efetivamente, salienta a jurisprudência, não poder haver oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respetivas decisões.

Oposição de julgados: exige-se que as decisões em oposição, tiradas no domínio de vigência da mesma legislação sejam expressas e tendo por objeto idêntico núcleo factual, se contrariem ou colidam entre si, na decisão sobre a mesma questão fundamental de direito.

Oposição que tem de ser expressa, sendo irrelevante a divergência da fundamentação.

iii. não oposição de julgados:

Sendo estes os parâmetros, impõe-se verificar se também há identidade da questão jurídica e similitude ou igualdade da questão de facto apreciada num e no outro dos referidos arestos, e se foi antiteticamente decidida.

Para tanto é indispensável cotejar comparativamente, colocando lada a lado os arestos em referência de modo a contrastar se incidiram sobre idêntica questão de direito versando sobre semelhante questão de facto e, na hipótese de assim ter sucedido, se as decisões são antagónicas. Exame e apreciação que haverá de resultar do confronto do texto, essencialmente do dispositivo, dos arestos em causa.

ª. a decisão fundamento:

No acórdão fundamento, do Tribunal da Relação de Lisboa, a questão em julgamento era a seguinte (conforme ali descrita):

Naquele inquérito, o Ministério Público, por despacho, “ordenou a realização de buscas não domiciliárias e concedeu autorização para pesquisa, em suportes informáticos, com vista à apreensão de documentação guardada em suporte digital e armazenada em sistema informático”.

“(…) realizadas as buscas ordenadas durante as quais foi efectuada apreensão de variado material informático, dentre ele, computadores, tablets, discos externos e efectuada pesquisa informática em equipamentos portáteis, discos e pen’s.

Foi efectuada cópia desses ficheiros com a reserva/advertência explícita de que, caso fossem encontradas mensagens de correio electrónico em tais suportes, as mesmas deveriam ser gravadas em suporte autónomo sem qualquer acesso ou visualização do respectivo conteúdo, em consonância com o que havia sido judicialmente determinado nos mandados de buscas domiciliárias autorizadas pelo Mmo. JIC.

A (…), foram copiadas mensagens de correio electrónico, através de ficheiros encapsulados, para disco rígido autónomo, sem qualquer visionamento do respectivo conteúdo, selado para posterior apreciação judicial.

O Ministério Público, a (…), determinou a apresentação de todos os elementos de correio electrónico colocado em suporte autónomo e revelados pelos exames, para que o Mmo. JIC deles tomasse conhecimento em primeiro lugar “dos e-mails apreendidos e eventualmente não lidos, devidamente encapsulados e comunicações – art.º 17º e 18º da Lei do Cibercrime (lei 1109/2009 de 15.09).”

 O Juiz de Instrução a quem os elementos apreendidos foram, assim, presentes proferiu o seguinte despacho:

“Tendo sido os e-mails apreendidos na sequência de busca realizada por determinação do Ministério Público tal não significa, por razões de coerência sistemática, que os mesmos tenham de ser visualizados em primeiro lugar pelo Juiz de Instrução Criminal.

(…) caso os mesmos tivessem sido objecto de intercepção nos termos dos arts. 187.° n° 1 al. a) e 189.° do CPP, poderiam ter sido visualizados pelo OPC e pelo Ministério Público em primeiro lugar, sendo apresentados já após selecção ao Juiz de Instrução Criminal para ulterior validação em conformidade com o art. 188.° n°s 4 e 6 do CPP.

Assim sendo não se vislumbra fundamento de ordem interpretativa ou sistemática para que os e-mails apreendidos nos termos do art. 17.° da Lei 109/2009 de 15.09 sejam objecto de tratamento diverso, mais garantístico do que o relativo à apreensão directa de telecomunicações, por aplicação estrita do regime do art. 179.° do CPP, remissão que deve ser entendida apenas garante do sigilo profissional, designadamente de Advogado.

Pelo exposto, deverá o OPC proceder à visualização dos e-mails e demais dados apreendidos, devendo apresentar relatório para validação após tal diligência, nos termos e para os efeitos do art. 188.° n°s 4 e 6 do CPP.”

O Ministério Público recorreu, alegando que o entendimento sufragado no despacho recorrido “viola as prescrições legais do art. 17.º da Lei do Cibercrime e do art. 179.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, aplicáveis por remissão do primeiro” além do mais porque “a remissão operada pelo art. 17.º não poderá significar outra coisa que não a aplicação dos procedimentos para a apreensão de correspondência para a obtenção de prova válida no que respeita ao correio electrónico”.

“E exige, nos termos do art. 179.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, que o juiz seja o primeiro a tomar conhecimento do correio electrónico copiado, a fim de expurgar dos autos todos os elementos cujo conhecimento esteja vedado aos demais sujeitos processuais, designadamente, correspondência a que se refere o art. 179.º, n.º 2 do mesmo diploma”.

O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão fundamento, julgou e decidiu conceder “provimento ao recurso interposto pelo M.º P.º, revogando o despacho recorrido e, ordenando-se a sua substituição por outro que determine o cumprimento do art.º 179º n.º 3 do CPP, aplicável por força do art.º 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), que impõe que o JIC seja a pessoa a tomar conhecimento “em primeiro lugar” do correio electrónico apreendido, disponível, copiado pelo perito, em ficheiros legíveis”.

Decidiu assim por ter interpretado que é esse o sentido da remissão expressa que o art.º 17º da Lei do Cibercrime faz para a norma do art. 179º n.º 3 do CPP.

Em suma, o acórdão invocado como fundamento, revogou o despacho do JIC que se recusava a tomar conhecimento, em primeiro lugar, “[d]os e-mails apreendidos na sequência de busca realizada por determinação do Ministério Público”, por ter entendido que na decisão recorrido interpretou e aplicou erradamente aquele regime legal, limitando-se “a estabelecer um paralelismo/dependência entre os requisitos e competências para determinar a realização das buscas onde vieram a ser efectuadas as apreensões dos suportes informáticos que continham essa correspondência e os requisitos e competência para o respectivo “primeiro” conhecimento”.

b. a decisão recorrida

No acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Coimbra a situação fáctico-processual que esteve sob judicio era a seguinte (conforme ali se descreve):

No Inquérito a correr termos no DIAP…., - de que estes autos são apenso -, a Procuradora da República titular, por despacho, ordenou, (no que releva para a economia do vertente recurso extraordinário), as seguintes diligências de descoberta e recolha de provas (aqui sumariamente descritas) relativamente ao arguido, ora recorrente:

“2.- Tendo em vista a apreensão de documentos e elementos de prova relacionados com os factos em investigação, (…) a realização de buscas às viaturas (…);

3. Mais autorizo (…) a realização de revistas (…);

4. Autorizo ainda, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 15.°, 16.° e 17.° da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro,

4.1. a pesquisa e apreensão de documentos e dados informáticos armazenados nos computadores e servidores das residências, empresas e gabinetes abaixo indicadas ou noutros sistemas aos quais seja possível aceder através destes, incluindo comunicações de correio electrónico e lista de contactos, salvaguardando-se desde já que caso seja detectado correio electrónico ou registos de comunicação de natureza semelhante, tais elementos deverão ser primeiramente do conhecimento do JIC que, nos termos do aludido artigo 17°, ordenará a sua junção aos autos, caso entenda ser relevante para o esclarecimento dos factos:

f. na residência de AA, sita na Rua ..., ..., …, no ...;

4.2. a pesquisa, leitura e apreensão dos telemóveis que estejam na posse ou sejam utilizados pelas pessoas abaixo identificados, salvaguardando-se desde já que caso seja detectado correio electrónico ou registos de comunicação de natureza semelhante, tais elementos deverão ser primeiramente do conhecimento do JIC que, nos termos do aludido artigo 17°, ordenará a sua junção aos autos, caso entenda ser relevante para o esclarecimento dos factos investigados:

4. AA (...);

Passe os mandados de busca e pesquisa informática com o prazo de 30 dias.

Remeta o inquérito ao Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu com a nossa promoção de que, pelos factos supra mencionados:

- nos termos do disposto nos artigos 174°, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 176°, 177°, n.º 1, 178.º, e 269º, n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, se emitam mandados de busca e apreensão dos objectos relacionados com os ilícitos aqui investigados que se encontrem nas residências, anexos, arrecadações, garagens e outras dependências das mesmas, autorizando-se que o acesso a esses domicílios seja feito, caso haja necessidade, através de escalamento ou arrombamento de portas. Se autorize ainda que caso no decurso da realização das buscas autorizadas venham a recair fundadas suspeitas de que os indivíduos aí presentes ocultem na sua posse objectos ou documentos relacionados com os crimes em investigação, sejam os mesmos revistados. Os mandados de busca domiciliária que se pretendem sejam autorizadas têm por objecto os domicílios de:

6. AA, sito na Rua ..., ..., .., no ...;”

As buscas domiciliárias assim requeridas pelo Ministério Público foram autorizadas pela Mmª JIC.

Mandado de busca e apreensão (datado de 4-6-2019) e, o mandado de pesquisa informática, (datado de 3-6-2019) que foram cumpridos.

Reagiu o arguido AA, através de escrito endereçado à Juíza no Juízo Central Criminal  ...– Juiz …, requerendo a declaração de “nulidade das diligências de busca/pesquisa informática tendente à apreensão de correspondência eletrónica, SMS ou outras formas de comunicação similares, por levadas a cabo sem despacho e mandado judicial para o efeito necessário, com a consequente nulidade da prova que assim possa ter sido obtida e proibição da valoração da mesma, tudo nos termos das disposições conjugadas do artigo 17.° da Lei do Cibercrime, articulado com o artigo 179.°, n. ° 1, e com os artigos 268. °, n. °1, alínea d) e 269. °, alínea d), do CPP, todas interpretadas conforme os artigos 18.°, n.°s 1 e 2, 34.°, n.°s 1 e 4, 32.°, n.°8 e 202°, n.°2 da Constituição da República Portuguesa e artigos 6°, n.° 2, 8.°, n.°s 1 e 2, e 17° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem."

A Juiz de Instrução, apreciando a pretensão do arguido, por despacho proferido nos autos em 16-9-2019, indeferiu "as nulidades requeridas”.

Delimitando concisamente a arguição, resumiu-se naquele despacho:

O arguido invoca, ainda, a nulidade das buscas, pesquisa informática e apreensão sem mandado judicial, pelo facto da competência ser do juiz.

A questão que se coloca é a de saber se a pesquisa informática com a apreensão de computadores e telemóveis, poderia ser feita sem ordem expressa do Juiz.”

Motivando a decisão, expende-se (em síntese):

“na situação concreta o MP é a autoridade judiciária competente, tendo competência quer para autorizar a pesquisa em causa, quer para ordenar a apreensão de dados informáticos”.

“No caso em análise foi ordenada a pesquisa informática, por parte da autoridade competente, sendo que nessa pesquisa verificou-se existir correio eletrónico, do qual tivemos conhecimento e ordenamos a sua apreensão, por ser relevante para a investigação, precisamente nos termos do mencionado artigo 17º, como consta de despachos proferidos nos autos”.

“Sem dúvida que, tendo em conta o citado artigo 17° é necessário um despacho do Juiz no sentido de ordenar a apreensão de correio eletrónico.

Contudo, não se exige que tal despacho seja prévio à pesquisa, podendo surgir a necessidade do mesmo no decurso de uma pesquisa autorizada pelo MP.

Mesmo, que se entendesse que, na situação concreta, o MP ordenou a apreensão de dados informáticos, sem competência para tal (sendo certo que a senhora Procuradora apenas ordena a realização de pesquisa informática, para, eventual, apreensão de dados informáticos), tal estaria sanado na medida em que foi cumprido o artigo 17º da Lei Cibercrime.

Logo, inexiste qualquer violação da lei, nomeadamente do artigo 17º da Lei do Cibercrime, na medida em que tivemos conhecimento do correio em causa e ordenamos a sua apreensão, e como tal qualquer nulidade ou proibição de prova.”

O arguido, discordando, recorreu para a 2ª instância, suscitando a reapreciação, além do mais, da seguinte questão:

“se as diligências de busca/pesquisa informática, tendente à apreensão da correspondência electrónica, SMS ou outras formas de comunicação similares, determinadas pelo Ministério Público exige despacho (…) prévio do juiz.

O Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão recorrido, julgou improcedente o recurso do arguido

Motivando o julgado, expende-se. “a apreensão de correio electrónico e registos de natureza semelhante só acontece no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, pesquisa que na fase de inquérito é ordenada pelo Ministério Público.

Acresce que, efectuada a pesquisa informática e, encontrando-se correio electrónico ou registos de natureza semelhante, importa recolher e preservar tais dados, através da respectiva cópia e exportação para suportes adequados, para posteriormente serem apresentados ao juiz, para que seja o primeiro a tomar conhecimento do respectivo conteúdo, o qual decidirá sobre a sua apreensão ao processo, se considerar relevante para a descoberta da verdade ou para a prova”.

“tendo a correspondência electrónica sido guardada em suporte autónomo e selado e, tendo a Mmª JIC sido a primeira pessoa a tomar conhecimento do seu conteúdo, tendo ordenado a sua apreensão, por revelar interesse para a matéria em discussão -, foram observadas as disposições conjugadas do artigo 17.º da Lei do Cibercrime e do artigo 179.º do CPP.”

c. coincidência dos julgados:

Não cabe no âmbito do vertente recurso extraordinário discorrer sobre a categoria da nulidade cominada no art.º 17º da Lei do Cibercrime, não sendo essa a questão de direito para a qual se demanda uniformização de jurisprudência.

Ao objeto da pretensão de justiça penal que aqui foi apresentada interessa somente apurar se no acórdão fundamento e no acórdão recorrido se decidiu contraditoriamente a mesma questão de direito. Isto é, se no julgamento de questão jurídica idêntica, os tribunais da Relação aplicaram antiteticamente o mesmo quadro normativo. E concretamente, se se debruçaram, e decidiram em oposição, a questão de saber “se a busca/pesquisa informática, tendente à apreensão da correspondência electrónica, SMS ou outras formas de comunicação similares, determinadas pelo Ministério Público exige despacho (…) prévio do juiz”.

Confrontados os dois arestos logo se conclui que versaram sobre questão de direito que, no seu cerne, comporta alguma identidade e que se resume em saber qual a autoridade judiciária competente para conhecer, em primeiro lugar, dos suportes com o material recolhido em pesquisa efetuada no decurso de buscas.

Todavia, confrontados os dois arestos, no respetivo dispositivo (sem olvidar a motivação que o sustenta) logo se conclui que o decidido no acórdão recorrido não está em oposição com o julgado no acórdão indicado como fundamento.

Como se viu, nos dois inquéritos, foi Ministério Público que determinou a busca não domiciliária e autorizou a pesquisa informática, com vista à apreensão de documentação guardada em suporte digital e armazenada em sistemas informáticos ou noutros sistemas aos quais seja possível aceder através destes, incluindo comunicações de correio eletrónico.

É evidente que no recurso sobre que versou o acórdão fundamento não foi arguida a nulidade da busca e pesquisa do correio eletrónico efetuada por determinação do Ministério Público. Nem no acórdão fundamento se questionou a validade da referida busca e pesquisa, sob qualquer pretexto e designadamente – e para o que aqui tem relevância – com o fundamento de ter sido determinada pelo Ministério Público.

A questão ali colocada pelo Ministério Público e decidida pelo Tribunal da Relação consistiu em saber se a lei - concretamente o disposto nos artigos 17º da Lei do Cibercrime e 179º n.º 3 do CPP -, impõe que seja o JIC a tomar conhecimento, em primeiro lugar, do correio eletrónico apreendido em pesquisa informática determinada pelo Procurador da República titular do inquérito.

O Ministério Público, notificado da decisão do JIC que lhe atribuía competência para, por si ou através dos OPC, tomar conhecimento, selecionar e lhe apresentar e-mails para que determinasse a apreensão para os autos, insurgiu-se requerendo ao Tribunal imediatamente superior que impusesse ao JIC tomar conhecimento em primeiro lugar das mensagens de correio eletrónico que lhe apresentou, através de ficheiros encapsulados, para disco rígido autónomo, sem qualquer visionamento do respetivo conteúdo, selado para posterior apreciação judicial.

Foi essa concreta questão que o Tribunal da Relação ali decidiu nos exatos termos transcritos.

No acórdão recorrido essa questão não se colocou – nem podia colocar-se -, porque a JIC teve conhecimento, em primeiro lugar, do correio eletrónico que, nos termos acima referidos, lhe foi apresentado pelo Ministério Público, ordenando a apreensão por ter concluído pela sua relevância para a investigação.

Juíza de Instrução que foi muito clara e bem clarividente, afirmando: “sem dúvida que, tendo em conta o citado artigo 17° é necessário um despacho do Juiz no sentido de ordenar a apreensão de correio eletrónico.

Contudo, não se exige que tal despacho seja prévio à pesquisa, podendo surgir a necessidade do mesmo no decurso de uma pesquisa autorizada pelo MP.”

A pretensão apresentada pelo arguido ao Tribunal da Relação visava, neste segmento, a revogação do despacho que indeferiu as nulidades arguidas, aduzindo que a pesquisa informática carecia de prévia autorização judicial.

O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, apreciando a concreta questão apresentada pelo arguido, confirmou o despacho judicial impugnado, por ter concluído que não foi cometida a nulidade arguida, uma vez a correspondência eletrónica guardada em suporte autónomo e selado foi apresentada a JIC que foi a primeira a tomar conhecimento do seu conteúdo, tendo ordenado a sua apreensão, por revelar interesse para a matéria investigada no inquérito.

Em nenhum dos dois acórdãos se decidiu (e rememora-se que a oposição tem de ser expressa, sendo irrelevante a divergência da fundamentação) que tem - ou que não tem - de ser judicialmente autorizada, previamente, a pesquisa informática efetuada no decurso de busca domiciliária decretada pelo juiz ou de busca não domiciliária autorizada pelo Ministério Público.

Como assinalam o Digno Procurador-Geral Adjunto no Tribunal recorrido e a Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, conclui-se que a decisão proferida nos dois acórdãos colocados em confronto, coincidem totalmente na obrigatoriedade de ser o Juiz de Instrução a tomar conhecimento, em primeiro lugar, dos suportes com o material da pesquisa eletrónica efetuada no decurso de busca autorizada pela autoridade judiciária competente e a determinar a sua apreensão para os autos.

Conclui-se, assim, pela não oposição de julgados, que é um dos requisitos substanciais do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência – art. 437º n.º 2 do CPP.

Em consonância com o exposto impõe-se rejeitar o vertente recurso, nos termos do art 441º nº 1 do CPP.

C. DECISÃO:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção criminal, acorda em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo recorrente – art. 437º n.º 1 al.ª b) e 441º n.º 1, ambos do CPP.


*


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs – arts. 513º n.º 1 do CPP, 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

*


Lisboa, 20 de janeiro de 2021


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

(Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[15]

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

______

[1] Sem os anexos os quais correspondem as letras e números.
[2] Acórdão sumariado na Lei do Cibercrime, publicada na pagina web da PGDL.
[3] Ac. STJ de 9-10-2013, 3ª sec., proc. 272/03.9TASX, www.dgsi.pt/jstj.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a constitucionalidade da conversão do valor dos assentos - apontamentos para uma discussão, 1996, pag. 56.
[5] M. Teixeira de Sousa, ob. e loc. cit.
[6] Ac. STJ de 28-05-2015, 5ª sec. proc. 6495/12.2TBBRG.G1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[7][7] Atinentes ao tempo e ao modo.
[8] Ac. STJ de 23/07/2016, proc n.º 2023/13.0TJLSB.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[9] 3ª secção, proc. 175/14.1GTBRG.G1-A.S1, www.dgsi.pt.
[10] Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 521/11.0TASCR.L1-A.S1
[11] Ac. STJ de 11/01/2017, proc. 133/14.6T9VIS.C1-A.S1, www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido Ac. STJ de 12/1/2017, proc. 427/13.GAARC.P1-A.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[13] Ac. STJ de 26.06.2014, proc. n.º 1714/11.5GACSC.L1.S2.
[14] Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis, p. 224.
[15]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.