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APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
CONSTITUIÇÃO DE MANDATARIO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
i. A interrupção do prazo para deduzir oposição e o benefício do prazo mais alargado em virtude de tal interrupção, pode subsistir mesmo nos casos em que o requerente da nomeação de patrono se apresenta a contestar sem que esta peça processual seja subscrita por patrono, mas sendo-o por mandatária constituída. ii. A interrupção do prazo prevista no artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, é uma interrupção tout court, não estando dependente da apresentação de requerimento pelo patrono nomeado. iii. A interrupção do prazo produz-se no momento do facto interruptivo – a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo - independentemente de ocorrências posteriores. iv. A lei não estabelece qualquer condição resolutiva, para a interrupção do prazo para apresentar articulado para que foi pedida a nomeação de patrono. Entender diversamente acarretaria fazer precludir o direito à interrupção do prazo que o pedido de nomeação de patrono concede, em momento posterior à sua interrupção, que assim retroagiria, gorando as legítimas expectativas do requerente do apoio judiciário. v. Estando em curso o prazo para apresentar oposição, tendo o requerente constituído mandatária outorgando procuração e simultaneamente requerido a nomeação de patrono, vindo aquela mandatária a subscrever a oposição beneficiando do prazo que se interrompeu com o pedido de nomeação de patrono, ocorre abuso de direito. vi. Na situação em apreço mostra-se verificada a utilização abusiva de um direito, desviando-o do fim a que se destina – tutelar o direito de acesso aos tribunais e de defesa por todos aqueles que por insuficiência económica carecem que lhes seja nomeado patrono oficioso, por incapacidade para suportar os honorários respetivos -, para obter uma vantagem ilícita consistente no alargamento do prazo para a prática de um ato processual. vii. O exercício da faculdade de apresentar uma oposição no prazo mais alargado, por virtude da interrupção do prazo por ter sido apresentado pedido de nomeação de patrono na pendência da ação, não se esgota em si mesmo. Antes, pressupõe uma atuação vinculada aos fins que fundamentam tal tutela. E, no caso, os mesmos mostram-se manifestamente ultrapassados, em exercício ilegítimo desse direito. viii. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, com tutela constitucional, não constituiu um direito absoluto. Limitar o seu abuso não configura vedar o seu exercício, mas apenas discipliná-lo, em consonância com outros princípios constitucionais, como o princípio da igualdade nesse acesso e do exercício das garantias processuais.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
A [Arlindo ….] foi citado em 30.04.2019, «na qualidade de Cônjuge do(a) executado(a) B [ Maria ….] para, querendo, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução mediante embargos e/ou à penhora, sem prejuízo de poder também requerer a separação de bens ou juntar certidão da pendência de outro processo em que aquela separação já tenha sido requerida, quando a penhora recaia sobre bens comuns do casal, sob pena de a execução contra o seu cônjuge prosseguir nos bens penhorados. Ao prazo, acresce uma dilação de: 5 dias.»
Apresentou requerimento em 20.05.2019, informando pretender deduzir oposição, efetuando a «junção aos autos de comprovativo do requerimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e de nomeação de patrono», o qual foi remetido aos autos por email de 20.05.2019, tendo como remetente «MCA [maria.da...©advogados.oa.pt]».
Tal pedido de apoio judiciário deu entrada no ISS em 20.05.2019, remetido por email cujo remetente é identificado como «MCA [maria.da...©advogados.oa.pt]».
Tal pretensão de apoio judiciário foi deferida e, em 30.07.2019, foi nomeado defensor o Senhor Advogado Drº RBP.
A veio deduzir OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO E À PENHORA, o que fez em 12.09.2019.
Juntou com a referida oposição, procuração datada de 20.05.2019, a favor da Senhora Advogada Drª MCA, bem como comprovativo de pagamento de taxa de justiça.
Em 18.09.2019 foi apresentado requerimento nos autos pelo Senhor Advogado Drº RBP nos seguintes termos:
«( …)patrono nomeado, a A , conjuge da Executada, B nos presentes autos, vem pelo presente informar V.Exa que apresentou "Vicissitude" mediante requerimento ao Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, nesta data, conforme documento comprovativo que junto envia em anexo.
Devem, considerar-se assim, interrompidos todos os prazos em curso nos autos.»
Do documento escrito consta: «Tipo de vicissitude: 'Falta de colaboração do Beneficiário'.»
Em 19.09.2019 foi proferido despacho que determinou a notificação de A para «que esclareça, porque tal não é perfeitamente líquido, se o bem que foi penhorado era do acervo patrimonial da herança de JJM, e foi por falecimento deste que o casal o recebeu, e em tal caso para apresentar, o documento que fundou a partilha dos bens. Prazo de 10 dias.»
Em 01.10.2019 foi proferido o seguinte despacho:
« A veio apresentar um requerimento a que chama de oposição à oposição e à penhora mas vem requerer a separação de meações.
Deverá assim, ser tal requerimento ser autuado por apenso, nos termos do disposto no artigo 740.°, n.° 2, do Código de Processo Civil., e notificado o exequente e a executada B.»
Veio o exequente, A, deduzir contestação em 03.10.2019, arguindo, designadamente, a extemporaneidade da oposição.
Em 13.10.2019, foi proferido despacho que conheceu, designadamente da arguida extemporaneidade, julgando-a improcedente, no qual se exarou:
«A, marido da executada B, apresentou uma execução à execução e à penhora realizada, alegando, em súmula, que:
a) A dívida que funda a presente execução é uma dívida pessoal da sua esposa, e o bem que foi penhorado é bem comum do casal, pelo que ele é parte ilegítima na mesma, requerendo, nesses termos a separação de meações;
b) À cautela, sempre refere que a si apenas lhe poderiam ser peticionados juros de mora sobre a quantia em dívida após a data de notificação da sentença, ou seja 30/04/2019. Conclui que o valor em dívida é de 10.375,52 euros.
O exequente apresentou contestação à aludida oposição, alegando, em síntese:
a) A oposição apresentada é intempestiva;
b) A separação de meações terá de ser requerida em processo perante cartório notarial.
c) O valor indicado no requerimento de oposição não é o valor pelo qual a executada foi condenada.
*
Cumpre apreciar e decidir:
Compulsados os autos verifica-se que C [ José ….] e B, são executados nos autos de execução, sendo que o primeiro foi substituído pelos seus herdeiros Maria da …., José ……, Carlos …… e de ……., após o seu falecimento.
Foi realizada penhora de um imóvel em 12-03-2019 - fls. 233/236 dos autos de execução -, tendo o requerente A , marido da executada B apresentado um requerimento em 20 de Maio de 2019 de que tinha pedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, e manifestando que pretendia apresentar oposição à penhora realizada.
Tal pedido foi deferido em 30/07/2019 e nomeado um defensor - vide fls. 241/242 do apenso de execução.
Em 12/09/2019 foi apresentado o requerimento chamado de oposição à execução e à penhora por parte do requerente A, patrocinado não pelo defensor que lhe foi nomeado, mas uma mandatária constituída.
De acordo com o disposto no artigo 24.°, n.° 4, da Lei 34/2004, de 29/07, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Vem o exequente alegar que tal interrupção do prazo apenas pode operar nos casos em que a defesa passe a ser assegurada pelo patrono nomeado.
Nos termos da Lei 34/2004, de 29 de Julho o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos - artigo 1º, n.° 1.
O requerente apresentou o seu pedido de apoio judiciário, que lhe foi concedido na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e de demais encargos com o processo e ainda de nomeação e pagamento faseado da compensação de defensor oficioso - fls. 242 do apenso da execução.
O requerente tem o direito de constituir mandatário em qualquer momento do processo e tem direito de substituir o mesmo quando entende, sendo que não se lhe pode ser imposto um patrono no qual o mesmo não confie, porque razão seja.
A lei não faz depender, em momento nenhum, que a interrupção do prazo seja condicionada à manutenção do patrono nomeado.
Assim, não se vislumbra que se possa comprimir o direito de constituição de mandatário escolhido pelo requerente nos casos em que o mesmo pretendeu fazer uso do instituto do apoio ao direito. Esse entendimento levaria ao aberrante entendimento que se o beneficio não fosse concedido também não poderia o requerente exercer o seu direito de defesa no processo porquanto o prazo não teria sido interrompido.
A lei determina expressamente que o prazo se interrompe com a apresentação do pedido de apoio judiciário e volta a correr novo prazo com a decisão. Assim, o prazo voltou a correr no dia 01/09/2019 e o requerente apresentou a sua oposição atempadamente.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de indeferimento do articulado por extemporaneidade. (…)».
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Veio a ser interposto recurso desta decisão, tendo o recorrente formulado as seguintes conclusões:
1ª Vem o presente recurso interposto do despacho de 13-09-2019[1] , que indeferiu o pedido de indeferimento do articulado denominado “oposição à execução e à penhora” apresentado pelo cônjuge da executada B, A , no qual este veio requerer a separação de meações.
2ª A única questão a apreciar no recurso é a de saber se aquele articulado foi ou não tempestivo.
3ª O oponente foi citado a 30-04-2019 para, no prazo de 20 dias, ao qual acrescia uma dilação de 5 dias, “deduzir oposição mediante embargos e/ou à penhora, sem prejuízo de poder também requerer a separação de bens ou juntar certidão da pendência de outro processo em que aquela separação já tenha sido requerida”.
4ª A 20-05-2019, a ilustre advogada Senhora Dra. MCA juntou aos autos comprovativo do requerimento de protecção jurídica apresentado pelo oponente, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos e de nomeação e pagamento da compensação de patrono.
5ª A 30-07-2019, foi concedido o apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e foi nomeado patrono o ilustre advogado Senhor Dr. RBP, decisões notificadas aos envolvidos.
6ª A 12-09-2019, foi apresentada a oposição à execução e à penhora, subscrita pela Senhora Dra. MCA, mandatária constituída a 20-05-2019, na qual o oponente veio requerer a separação da sua meação nos bens comuns do casal.
7ª De acordo com o nº 1 do art. 740º, conjugado com os nºs 1 e 2 do art. 787º, ambos do CPC, quando ocorra penhora de bens comuns em execução movida apenas contra um dos cônjuges, o cônjuge do executado pode, no prazo de 20 dias após a sua citação para o efeito, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, podendo no mesmo prazo deduzir oposição à penhora.
8ª Dispõem os nºs 4 e 5, alínea a), do art. 24º da Lei 34/2004 que “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento” de protecção jurídica, iniciando-se o prazo assim interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
9ª O prazo de que o citado dispunha foi interrompido a 20-05-2019 com a junção aos autos do comprovativo do seu pedido de protecção jurídica.
10ª Segundo a decisão recorrida, o prazo reiniciou-se a 01-09-2019, pelo que a peça processual apresentada a 12-09-2019 foi tempestiva, com o que não se pode concordar.
11ª De acordo com a melhor doutrina, “o referido regime de interrupção de prazo processual apenas colhe dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender (…) que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados ” (Acórdão da Relação de Coimbra de 25-06-2019, processo 156/18.6T8NZR-A.C1).
12ª Assim, ao apresentar peça subscrita por mandatária constituída na mesma data do pedido de apoio judiciário, o oponente agiu em abuso de direito, tal como este é configurado pelo art. 334º do Código Civil, e perdeu o benefício da interrupção do prazo de que dispunha, que assim terminou a 27-05-2019.
13ª O requerimento apresentado, de oposição à penhora e de separação de bens deveria, consequentemente, ter sido julgado extemporâneo e mandado desentranhar.
14ª Ao decidir em contrário, o despacho impugnado violou o disposto nos arts. 740º, nº 1, e 787º, nº 2, do CPC, 24º, nº 5, alínea a), da Lei 34/2004 e 334º do Código Civil.
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Não se mostram juntas contra-alegações.
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Apreciemos os fundamentos da apelação, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso, nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, identificando-se a questão a decidir nos seguintes termos:
Tendo sido formulado pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono,[2] em virtude do que se interrompeu o prazo para deduzir oposição, beneficia desta interrupção do prazo aquele que, citado para, querendo, apresentar articulado, vem a fazê-lo apresentando peça processual subscrita por mandatária constituída e não pelo patrono nomeado?
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OS ELEMENTOS PROCESSUAIS QUE RELEVAM PARA O CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO SÃO OS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO QUE ANTECEDE.
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O MÉRITO DO RECURSO
Nos presentes autos veio A , cônjuge da executada, citado em 30.04.2019 «para, querendo, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução mediante embargos e/ou à penhora, sem prejuízo de poder também requerer a separação de bens ou juntar certidão da pendência de outro processo em que aquela separação já tenha sido requerida, quando a penhora recaia sobre bens comuns do casal», prazo a que acrescia, nos termos da citação efetuada a dilação de 5 dias, apresentar requerimento, em 20.05.2019, informando pretender deduzir oposição, efetuando a junção aos autos de comprovativo do requerimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e de nomeação de patrono.
Com a junção do documento comprovativo da apresentação do requerimento que deu origem ao procedimento administrativo, tendente à concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, interrompeu-se o prazo em curso que lhe havia sido concedido para deduzir oposição ou requerer a separação de bens.
De facto, nos termos do artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho «4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. 5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.»
Tal prazo interrompido em 20.05.2019, iniciar-se-ia em 30.07.2019, com a notificação, de que lhe foi nomeado patrono, no caso o Senhor Drº RBP.
Nesta medida, estaria em prazo quando se apresentou, em 12.09.2019, a apresentar articulado.
Ocorre que o articulado foi apresentado por advogada constituída, a favor de quem A outorgara procuração.
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A questão que cabe aferir nestes autos é a de saber se, interrompendo-se o prazo em curso, em razão do requerimento de nomeação de patrono, é tempestiva a apresentação da oposição efetuada por mandatária constituída pelo requerente, tendo presente que se mostra documentalmente comprovado nos autos que:
- O requerente outorgou procuração em 20.05.2019 conferindo poderes forenses à Senhora Advogada Drª MCA;
- Na mesma data, 20.05.2019, a referida Senhora Advogada deu entrada nos autos, por email, do requerimento comprovativo de pedido de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e de nomeação de patrono;
- Igualmente em 20.05.2019 a Senhora Advogada, também por email, fez chegar à Segurança Social o requerimento de apoio judiciário;
- O pedido de concessão de apoio judiciário foi deferido, sendo nomeado patrono o Senhor Advogado Drº RBP, o que foi comunicado em 30.07.2019;
- Em 12.09.2019, foi apresentado por A requerimento de oposição à execução e separação de bens, subscrito pela Senhora Advogada Constituída, Drª MCA, sendo então junta a procuração datada de 20.05.2019;
- Em 18.09.2019, o patrono nomeado apresentou requerimento informando ter deduzido "Vicissitude" mediante requerimento ao Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados», do qual consta: «Tipo de vicissitude: 'Falta de colaboração do Beneficiário'.») .
Estes os factos a considerar para a questão a decidir.
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Sobre a questão de saber se beneficia da interrupção do prazo o requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono que se apresenta a deduzir articulado subscrito não pelo patrono nomeado, mas por mandatário constituído, a jurisprudência vem-se pronunciado nos termos que sumariamente aqui deixamos explanados, nos acórdãos que se enunciam:[3]
- «Nada impede que o executado, a quem foi concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, possa deduzir oposição à execução através de advogado a quem conferiu mandato forense aproveitando para o efeito a interrupção do prazo prevista no art.24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.7.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 5027/17.0T8MAI-A.P1 Relator RODRIGUES PIRES, Data do Acordão: 25-09-2018;
- «I. Tendo o beneficiário de nomeação de patrono, no âmbito de apoio judiciário, constituído advogado na causa para a qual tal nomeação fora concedida, tal benefício cessa de per si. II. É aplicável ao beneficiário de apoio judiciário na modalidade denomeação de patrono, que entretanto constituiu advogado, a interrupção do prazo para contestar desencadeada pelo pedido denomeação de patrono, sem prejuízo de, se for o caso, se fazer atuar os mecanismos legais de correção de eventual abuso de direito ou de repressão de litigância de má-fé.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 97/12.0TBVPV.L1-2, Relator JORGE LEAL, Data do Acordão: 09-07-2014;
- «I - A junção a processo pendente de documento comprovativo do requerimento de apoiojudiciário na modalidade de nomeação de patrono, interrompe o prazo que estiver em curso. II - Esta interrupção aproveita ao requerente que, não obstante ver deferido o pedido, abdicando do benefício, apresenta a sua defesa subscrita por advogado constituído, sem prejuízo de se demonstrar, nos termos gerais, a ilegitimidade do exercício do direito.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 3252/11.7TBGDM-B.P1 Relator FRANCISCO MATOS, Data do Acordão: 18-02-2014;
- « I - A interrupção do prazo em curso na sequência da apresentação na pendência da acção de pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, a que alude o art. 24ºnº 4 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, não está sujeita à condição resolutiva de o acto processual vir a ser praticado pelo patrono nomeado. II - Aproveita, assim, os efeitos da referida interrupção do prazo o réu que apresent econtestação através de mandatário a quem, entretanto, conferiu mandato forense.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 278/19.6T8FAF-A.G1, Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES, Data do Acordão: 13-02-2020;
- «I - Não decorre do artº 24º, nº 4 da Lei nº 34/2004, de 29.07 (LAJ) qualquer entrave ou condição resolutiva à interrupção do prazo em curso (no caso, da contestação), possibilitando, pois, oalargamento desse prazo sem mais, após a notificação ao patrono nomeado. II - Essa faculdade de alargamento, nesta caso para contestar, é conferida não só ao patrono nomeado, mas também ao mandatário entretanto constituído. III - Aproveita ao réu contestante, que constituiu mandatário (e subscreveu a contestação) após a nomeação de patrono oficioso, o alargamento do prazo para contestar por via desse pedido de nomeação de patrono.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 1428/12.9TBBCL-D.G1, Relator: ANTÓNIO SOBRINHO, Data do Acordão: 22-09-2016;
- «Interrompido o prazo para os Réus contestarem acção, em virtude de haverem nos autos comprovado terem requerido junto da Segurança Social nomeação de patrono, nada obsta que os mesmos contestem a acção através de advogado a quem entretanto conferiram mandato forense, aproveitando a interrupção decorrente da formulação do pedido de apoio judiciário.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 4502/16.9T8LOU-A.P1, Relatora: JUDITE PIRES, Data do Acordão: 14-12-2017;
- «I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário. II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 4550/11.5T2AGD.C1, Relator TELES PEREIRA, Data do Acordão: 01-10-2013;
- « (…) II - O referido regime de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, assenta nas normas referidas, das quais resulta que todas elas estão redigidas e direcionadas para a efetiva nomeação administrativa de um patrono oficioso, a quem caberá, na sequência da sua nomeação pela sua Ordem, dar andamento ao que processualmente cumprir ser observado, tendo em conta designadamente os prazos legais aplicáveis ao caso. III - O referido regime de interrupção de prazo processual apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender, assim se nos afigura, que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados. IV - Se o requerente dessa nomeação, dela fazendo descaso, constitui paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 156/18.6T8NZR-A.C1, Relator: JAIME CARLOS FERREIRA, Data do Acordão: 25-06-2019;
- «1 - Se a parte, quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual. 2 - Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo 1281/13.5TBTMR-A.E1, Relator BERNARDO DOMINGOS, Data do Acórdão: 22-10-2015;
- «1ª – O beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, que veja quebrada a relação de confiança com o patrono oficioso, goza da faculdade de requerer a substituição do causídico nomeado por outro, o que não impede de continuar a beneficiar do apoio judiciário na modalidade concedida, interrompendo-se o prazo para a prática do acto processual na acção em curso até à nomeação do novo patrono. 2ª – Também, nada impede que, tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, na aludida modalidade, o beneficiário possa constituir mandatário judicial, podendo este subscrever o aludido articulado. 3ª – Porém, se, depois de nomeado patrono oficioso, o mandatário constituído vier juntar procuração forense aos autos, cessa de imediato o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento dos seus honorários, que lhe havia sido concedido, deixando igualmente de lhe aproveitar a interrupção do prazo concedida. 5ª – Admitir a interrupção do prazo a favor do requerente do apoio judiciário, mesmo depois de vir a constituir mandatário judicial, constituiria uma ostensiva violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual, porquanto estar-se-ia a admitir que qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse mandatário judicial nos autos, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem mandatário judicial.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 9829/2008-6, Relator GRANJA DA FONSECA, Data do Acórdão: 17-12-2008.
Feito este cotejo de alguns dos acórdãos que se pronunciaram sobre a temática, ressalta desde logo dos fundamentos neles enunciados, que a resposta não é única e, sobretudo, não prescinde da análise das características do caso concreto.
A resposta a esta questão terá sempre que fazer-se, pois, à luz do caso concreto, e da indagação sobre se foi feito um uso anómalo do instituto do apoio judiciário.
Apreciemos.
O requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, não está impedido, por ter deduzido tal pedido, de vir a constituir mandatário, não perdendo o direito à sua constituição, por ter apresentado o requerimento em que pede a nomeação de patrono. Conseguem configurar-se, hipoteticamente, inúmeras razões para tal ocorrer, designadamente, ter passado a dispor de meios económicos que lhe permitam a pagamento dos honorários a mandatário, o patrocínio não satisfazer os propósitos pretendidos pelo requerente.
Assim, tendo o requerente deduzido pedido de nomeação de patrono, não lhe está vedada a constituição de mandatário, nem limitada às circunstâncias em que ocorreu indeferimento de tal pretensão de nomeação de patrono (artigo 24º, nº 5, b) da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho).
Importa equacionar se a interrupção do prazo para deduzir oposição pode subsistir mesmo nos casos em que o requerente da nomeação de patrono se apresenta a contestar sem que esta peça processual seja subscrita por patrono, mas sendo-o por mandatária constituída.
A resposta é afirmativa.
De facto, o artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, consagra uma interrupção tout court, sem mais, não estando dependente tal interrupção da apresentação em juízo da peça processual pelo patrono nomeado em consequência de procedimento administrativo da segurança social.
A interrupção do prazo produz-se no momento do facto interruptivo – a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo -, independentemente de ocorrências posteriores.
A lei não estabelece qualquer condição resolutiva para a interrupção do prazo para apresentar articulado para que foi pedida a nomeação de patrono. Entender diversamente acarretaria fazer precludir o direito à interrupção do prazo que o pedido de nomeação de patrono concede, em momento posterior à sua interrupção, que assim retroagiria, gorando as legítimas expectativas do requerente do apoio judiciário.
Assim, a interrupção do prazo para apresentar oposição ocorreu em 20.05.2019 (a citação efetuou-se em 30.04.2019 e o prazo de 20 dias acrescidos de dilação de 5 dias, terminaria em 27.05.2019).
Não estando tal interrupção do prazo sujeito à apresentação de articulado pelo patrono nomeado, o prazo para deduzir oposição reiniciar-se-ia em 01.09.2019.
Só assim não ocorrerá, se o requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, tiver perdido o direito à prática do ato com o benefício do prazo que se interrompeu com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário.
Vejamos, então, se se pode considerar perdido o direito a praticar o acto.
A interrupção do prazo consagrada no artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, justifica-se pela necessidade de a entidade administrativa conhecer e decidir o pedido de apoio judiciário, bem como pela necessidade de assegurar o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva ao requerente do mesmo, em consequência do pedido de nomeação de patrono.
Nesta medida, visa permitir ao patrono nomeado o tempo necessário à preparação da defesa do patrocinado, pelo que o prazo concedido ao requerente para deduzir oposição ou requerer a separação de bens, apenas correria quando estivesse efetivamente acompanhado por patrono que viesse a ser nomeado, fixando a lei o seu inicio no momento da notificação ao patrono da sua designação (artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004). Acautela-se, assim, que aquele que seja demandado numa ação ou aí chamado a intervir, não veja os seus direitos de ação e de defesa cortados em virtude da sua situação económica, que inviabiliza que possa suportar o pagamento de honorários a advogado.
Mostra-se manifestamente justificada a concessão deste prazo mais alargado para deduzir oposição, por virtude da interrupção, em benefício da efetiva defesa do requerente e do direito do mesmo a aceder à justiça e aos tribunais, independentemente das suas condições financeiras.
Considerando os desideratos da interrupção do prazo assinalados, bem como o que já se referiu sobre a interrupção do prazo não obstante a constituição de mandatário pelo requerente de nomeação de patrono, vejamos se lhe é permitido praticar o acto em 12.09.2019, mostrando-se o articulado subscrito por mandatária constituída.
O requerente constituiu mandatária na mesma data em que pediu a nomeação de patrono, o que não se compreende, a não ser que tal pretensão tivesse como único efeito obter a vantagem do prazo mais dilatado para apresentar articulado. Mesmo que assim não fosse e não tivesse subjacente esta deliberada pretensão de beneficio de um prazo em fraude à lei, o resultado traduz o exercício ilegítimo de um direito.
De facto, estando o requerente representado por mandatária em 20.05.2019, a qual interveio nessa data no processo, vindo a deduzir oposição em 12.09.2019, articulado subscrito pela referida mandatária, o exercício do direito ao beneficio do prazo alargado, que apenas ocorreu por via do pedido de nomeação de patrono, de que fez descaso, é ilegítimo.
Nos termos do artigo 31º, nº 2, da Lei nº 32/2004 «2 - A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado.».
É dever do requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, entrar de imediato em contacto com o patrono nomeado, que lhe prestará as informações necessárias. Do mesmo modo se estatuiu que o beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido (artigo 32º, n.º 1 Lei nº 32/2004).
Tal colaboração da banda do requerente inexistiu, como deu conta nos autos o patrono nomeado, comunicando a informação que prestara à Ordem dos Advogados.
O requerente perdeu o direito à prática do ato no prazo alargado que lhe foi concedido - o prazo sem interrupção terminaria em 27.05.2019 e a oposição é de 12.09.2019.
De facto, não pode tutelar-se um efeito processual, consistente num prazo mais alargado para apresentar articulado, quando o pressuposto da sua concessão, a nomeação de patrono, apenas encontra justificação na dilação do prazo em curso.
Reproduzimos aqui a fundamentação do citado Acórdão da Relação de Coimbra, em que foi relator Teles Pereira, por traduzir a melhor fundamentação para a situação factual que estes nossos autos comportam:
«Não se afirma aqui que, conscientemente, tenha sido isso o que pretenderam os RR., mas as coisas valem, neste contexto, objectivamente, pelo fruto bom ou mau que produzem, pelo efeito prático que desencadeiam, independentemente da intenção em que assentaram. Ora, seja como for –seja lá como tenha sido no caso dos RR. –, esse efeito sempre corresponde exactamente ao que por este mesmo meio teria decorrido de um propósito pré-concebido de obter ilegitimamente o prolongamento do prazo legal (normal) de contestar uma acção deste tipo.
Justifica-se, pois, a opção do Tribunal a quo de neutralizar o prazo alargado de contestação, concedido que fora esse alargamento em função de uma situação que, por opção dos RR., efectivamente não ocorreu – a necessidade de adjectivar o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono –, sendo totalmente relevante e adequado à presente situação o precedente jurisprudencial persuasivo indicado pela Senhora Juíza a quo no despacho ora impugnado [7] , que este Tribunal ora reitera.»
Tal atuação processual é suscetível de constituir litigância de má-fé (artigo 542º, nº 1, d), do CPC), o qual tem como efeitos, para além da condenação em multa e indemnização (artigo 542º, nº 1, do CPC), a « perda de todos os benefícios associados ao estatuto de parte que goza de protecção jurídica» [4] .
Independentemente da integração da conduta do requerente no instituto da litigância de má fé – a qual tem como pressuposto a verificação do dolo ou negligência grave nos termos enunciados no artigo 542º, nº 2, do CPC -, a mesma constituiu o exercício ilegítimo de um direito, nos termos previstos para o abuso de direito no artigo 334º do Código Civil.
Assim não se considerando, estar-se-ia a tutelar uma injustificada situação de privilégio, a qual foi criada pelo requerente de nomeação de patrono, pactuando-se com uma atuação processual ilegítima.
O instituto da litigância de má-fé não absorve todos os casos de abuso processual. Aquela pressupõe a prática de um comportamento processual abusivo, exigindo o preenchimento de um elemento subjetivo, dolo ou culpa grave, sem o qual não está verificada; O abuso de direito processual, prescinde daquele elemento subjetivo, bastando-lhe que objetivamente o exercício do direito se desvie do benefício para o qual a lei a concedeu.
Permitir-se que quem é citado, constitua mandatário, requeira pela mão deste a nomeação de patrono, para que aquele mandatário apresente articulado no prazo de que beneficiaria o patrono nomeado, é absolutamente indesejável e potenciador de determinar comportamentos desviantes que coloquem o instituto do apoio judiciário ao serviço de fins ilegítimos.
Não merece tutela o exercício de um direito que conduz a um resultado não pretendido pela lei e que excede os limites impostos pela boa fé.
Admitir o exercício do direito à interrupção do prazo a favor do requerente do apoio judiciário que constituiu mandatário e na mesma data requereu nomeação de patrono, que interveio no processo quando decorria o prazo para apresentar articulado, não o tendo feito, apresentando-se a deduzir oposição beneficiando da interrupção do prazo de nomeação de patrono, a que não deu colaboração, constituiria uma violação do princípio da igualdade, com previsão no artigo 13º da Constituição da República portuguesa e no Código de Processo Civil, com assento no artigo 4º do CPC.
De facto, estar-se-ia a permitir a concessão de prazos dilatados para apresentação de peças processuais àqueles que requeressem a nomeação de patrono mas que já tivessem constituído mandatário judicial, beneficiando de prazo que aqueles que ab initio tivessem constituído mandatário não disporiam.
Permitir que o requerente beneficie deste prazo seria tutelar que se desvirtuasse, sem consequências jurídicas no exercício do direito, o regime do acesso ao direito e aos tribunais, conferindo-se uma tutela em exercício em fraude à lei.
O desiderato do artigo 24º, nºs 4 e 5, da Lei nº 34/2004, não é o de conceder um prazo alargado de oposição a quem não tem esse direito.
O requerente cônjuge da executada, citado em 30.04.2019, constituiu mandatário na pendência da causa, o que fez em 20.05.2019, solicitando na mesma data apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Depois de lhe ser nomeado o patrono e disso ter sido notificado, apresentou a oposição à execução com pedido de separação de bens subscrita pela mandatária que havia já constituído anteriormente, que desde aquela data ( 20.05.2019) nunca deixou de o patrocinar nos autos ( a procuração junta com a articulado deduzido em 12.09.2019 mostra-se datada de 20.05.2019).
Na situação em apreço mostra-se verificada a utilização abusiva de um direito, desviando-o do fim a que se destina – tutelar o direito de acesso aos tribunais e de defesa por todos aqueles que por insuficiência económica carecem que lhes seja nomeado patrono oficioso, por incapacidade para suportar os honorários respetivos -, para obter uma vantagem ilícita consistente no alargamento do prazo para a prática de um ato processual.
Nos termos do artigo 334º do Código Civil «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
«I - De acordo com o disposto no art. 334.º do CC, a existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos: (i) a boa fé; (ii) os bons costumes; e (iii) o fim social ou económico do direito; porém, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto. II - A boa fé comporta dois sentidos principais: no primeiro, é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude; no segundo, apresenta-se como princípio de actuação, significando que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto e leal, nomeadamente no exercício de direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. III - Os bons costumes constituem o conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente. IV - O fim social e económico do direito é a função instrumental própria do direito, a justificação da respectiva atribuição pela lei ao seu titular. (…)
Como ensina o Prof. ALMEIDA COSTA (in Direito das Obrigações, 7ª ed. pag 68 ) o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais.» [5]
A situação em apreço configura manifestamente abuso de direito.
«a concepção adoptada de abuso de direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites.» [6]
A boa-fé apresenta-se como como um instituto comum aos vários ramos do saber jurídico, por ela se devendo reger todo o tipo de relações jurídicas, não apenas de natureza civil, como processual.
O exercício abusivo de um direito processual, ao arrepio do papel fundamental da boa fé na realização da finalidade processual, assume consequências processuais que, não se encontrando expressamente fixadas, deixa espaço à doutrina e jurisprudência para a aferição das mesmas.
«Ainda assim, verifica-se um genérico reconhecimento de que a existência de uma situação de abuso terá de determinar desde logo uma paralisação – ou, no limite e se se preferir, uma destruição – dos efeitos de tal actuação. Tal significa que, determinando-se em termos práticos que a acção ou omissão de certa actuação conduz a resultados contrários aos que estão pressupostos na estruturação do seu reconhecimento e tutela, deverá impor-se, como solução, a eliminação de tais efeitos e a recondução da concreta hipótese a uma composição de resultados que não contrarie tal reconhecimento ou tutela inicial.
Se assim é, pode afirmar-se que, em geral, a actuação abusiva não será apta à produção do efeito desejado, com a consequência de que tais efeitos deverão ( ou poderão ter de) ser neutralizados ou paralisados. Em que termos? Seja pela aplicação do regime geral da nulidade ( cf. Anot. Ao artigo 294º), pela legitimidade da oposição à actuação abusiva ou, no limite e segundo alguma doutrina, pela cessação daquele exercício ilegítimo do direito.(…)
Achamo-nos pois perante uma situação em que uma actuação ou abstenção de determinado comportamento, em si mesmo tutelado pela norma, conduz, pelo modo do seu exercício ou pelo seu efeito, a um resultado que repele ao fundamento de tal tutela jurídica – independentemente de se considerar que tal fundamento se evidencia na própria ratio do preceito, no confronto com outras posições juridicamente tuteladas, no sistema normativo ou nos valores que em última instância enformam manifestamente esse mesmo sistema» [7]
Face aos factos apurados, estão verificados todos os pressupostos do abuso de direito[8] :
- Titularidade do direito - de facto, só o seu titular pode exercê-lo abusivamente; assiste ao beneficiário do pedido de nomeação de patrono o direito a apresentar peça processual para que requereu patrocínio beneficiando do prazo mais dilatado conferido pela sua interrupção, por virtude o regime do artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho);
- Aparência de legalidade – é respeitada a estrutura formal da norma, sendo infringidos apenas os seus limites imanentes (a oposição mostra-se apresentada no prazo alargado e de que seria beneficiário o requerente por virtude do pedido de nomeação de patrono);
- Exercício do direito em contradição com o seu conteúdo. Nesta medida, exerce-se o direito a praticar o ato, num prazo com tutela legal, ao arrepio e em manifesta violação do desiderato para que foi previsto e que justificou a atribuição do direito ao seu titular.
O abuso de direito processual traduz o exercício de um direito ao arrepio da ratio para que foi concedido e em violação dos fins pretendidos prosseguir com a sua atribuição.
O exercício da faculdade de apresentar uma oposição no prazo mais alargado, por virtude da interrupção do prazo em consequência de pedido de nomeação de patrono na pendência da ação, não se esgota em si mesmo. Antes, pressupõe uma atuação vinculada aos fins que fundamentam a tutela de tal beneficio. E, no caso, os mesmos mostram-se manifestamente ultrapassados, em exercício ilegítimo desse direito.
A circunstância de o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva ter tutela constitucional (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), não significa tratar-se de um direito absoluto.
Limitar o seu abuso não configura vedar tal exercício, mas apenas discipliná-lo, em consonância com outros princípios constitucionais, como o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição) nesse acesso e do exercício das garantias processuais.
Concluindo se dirá que:
A apresentação de oposição pelo citado A , em 12.09.2019, muito para além do prazo para a sua apresentação, que findara em 27.05.2019, pretendendo beneficiar da interrupção do prazo por ter requerido nomeação de patrono, quando se encontrava, pelo menos desde 20.05.2019, representado por mandatário judicial, constituiu o exercício ilegítimo de um direito, que não é permitido pelo artigo 334º do Código Civil, razão porque não pode senão julgar-se extemporânea a apresentação da oposição apresentada, com pedido de separação de bens.
Nos termos expostos, julga-se procedente o recurso interposto.
***
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em:
i) julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida.
ii) Julgar extemporâneo o articulado de oposição/separação de bens deduzido pelo cônjuge da executada em 12.09.2019.
Custas pelo recorrido, que litiga com apoio judiciário.
Registe e Notifique.
Lisboa, 23.02.2021
Carla Câmara
José Capacete
Carlos Oliveira
_______________________________________________________
[1] Trata-se de lapso, porquanto a data do despacho é 13.10.2020
[2] Para o que ao caso interessa.
[3] Todos publicados na dgsi.
[4] Paula Costa e Silva, «A Litigância de Má Fé», Coimbra, 2008, pág. 691.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 309/07.2TBLMG.C1.S1, Relator NUNES RIBEIRO, Data do Acórdão: 17-05-2017 in www.dgsi.pt
[6] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, 4ª ed. Vol. I, pag 298.
[7] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica editora, anotação ao artigo 334º, pág. 788-789.
[8] Marta Alexandra Frias Borges, «Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé», Coimbra, 2014, pág. 27-28.