RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INDEFERIMENTO
Sumário

I -   A revisão constitui um meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. Do carácter extraordinário deste recurso decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.
II - O recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou.
III - Factos novos” ou “meios de prova novos” são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste. É insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao requerente. Consubstanciaria uma afronta ao princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos, não obstante ter interior conhecimento no momento do julgamento da sua existência
IV - A lei penal e processual penal não define o caso julgado, não obstante se lhe referir em determinados preceitos. Contudo, faz parte do leque de garantias constitucionais o ne bis in idem, ou seja, a impossibilidade de «ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime» (art. 29.º, n.º 5, da CRP), garantia que também colhe protecção no art. 4.º do Protocolo n.º 7, adicional à CEDH, de 22/11/1984 e no art. 14.º, n.º 7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
V - O caso julgado como o efeito processual da sentença transitada em julgado, que a torna decisiva e vinculativa e impede que o que nela se decidiu seja modificado ou atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material).
VI - Os factos/meios de prova agora apresentados não têm qualquer virtualidade para pôr em causa o sedimento fáctico em que assentou a condenação da recorrente ou para afectar de forma relevante os fundamentos em que se estribou a convicção do Tribunal, como este Supremo Tribunal já declarou em decisão proferida no recurso de revisão que a recorrente interpôs anteriormente.
VII - No que concerne à medida concreta da pena de prisão aplicada, não pode a recorrente alcançar a sua alteração por via do presente mecanismo processual, atenta a conjugação da citada alínea d), do nº 1, com o n.º 3 do art. 449.º do CPP.
VIII -   Pelo exposto, o pedido de revisão da sentença, com suposto fundamento na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP mostra-se manifestamente sem qualquer viabilidade, pelo que é negado. O pedido agora formulado é manifestamente infundado pelo que a recorrente deve ser condenada, de acordo com o disposto no art 456.º, do CPP, no pagamento de uma quantia entre 6 e 30 UC. Atendendo à patente violação do dever de diligência, traduzido na repetição dos fundamentos invocados no anterior recurso de revisão e na desconsideração do disposto no art. 465.º, do CPP, entende-se dever fixar tal quantia em 15 UC.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


1. AA. vem interpor recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no processo n.º 569/15…. do Juízo Central Criminal de  - Juiz … – Tribunal Judicial da Comarca de …, alegando que:

«Por imperativo constitucional os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença, (artº 29º nº 6 da CRP)

O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como principal fundamento evitar uma sentença injusta.

Pelo que os recorrentes vem [sic] interpor recurso do douto acórdão proferido, que julgou os arguidos autores de um crime como coautora material, de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. f) todos do Código Penal, condenando a aqui recorrente na pena de prisão de 06 (seis) anos;

A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena, mas não o seu fundamento.

O modelo do CP é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º do CP determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

O modelo de prevenção acolhido - porque de protecção de bens jurídicos se trata - estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Quando o quadro circunstancial que foi apurado em concreto é suficientemente significativo dos propósitos da regeneração da arguida e revela que a censura do facto e da ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade e para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, justificando-se a suspensão da execução da pena de prisão imposta. "Ac. do STJ de 18/04/1990, BMJ p. 245, Proc n°- 40768".

É claro que a medida concreta da pena terá de ser encontrada dentro da moldura legal cominada para o crime e esta, por sua vez, pressupõe a prévia qualificação dos factos. Mas não é a precedência lógica entre as várias questões a resolver na sentença que constitui obstáculo à possibilidade de limitação do recurso a uma parte da decisão, como logo é mostrado pela enumeração exemplificativa feita no n.º 2 do citado art. 403.º.

A questão da medida concreta da pena pode perfeitamente ser discutida sem necessidade de qualquer intromissão na qualificação dos factos antes realizada e sem que o resultado alcançado seja susceptível de entrar em contradição com esse julgamento. Daí a sua autonomia em relação à questão precedente para efeitos da admissibilidade da limitação do recurso.

Na sequência do programa político-criminal sobre os fins das penas estabelecido no art. 40.º do CP, a pena é determinada em função de razões de prevenção, geral e de socialização, cabendo à culpa o papel, não de seu fundamento, por razões retributivas, mas antes o de seu limite inultrapassável, moderador de eventuais excessos preventivos atentatórios da dignidade humana do arguido. O modelo é, assim, um modelo de prevenção (e não de retribuição), razão por que os critérios da determinação da medida concreta da pena do art. 71.º terão de ser interpretados nessa perspectiva.

Tendo presente este programa a pena aplicada á arguida, haverá, então, que ponderar os factos efectivamente provados e cotejá-los com os critérios do art. 71.º.

Senão vejamos

De uma forma reduzida entendeu o Tribunal que decorrida a produção da prova em julgamento, resultaram provados:

"Na execução do plano previamente delineado, a arguida AA. encetou contactos com vista a angariar um potencial comprador, apresentando a proposta do negócio do tabaco. Em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do ano de 2015, o negócio da venda de tabaco foi proposto, na sequência dos contatos prévios realizados pela arguida AA., por terceiro, ao arguido BB. No dia … de março de 2015, o CC e o DD deslocaram-se à zona …., onde lhes foi entregue alguns maços de tabaco como amostras, os quais tinham selo da tabaqueira nacional. Nesse encontro, onde esteve presente a arguida AA, ficou acordado que o pagamento do valor da mercadoria seria efetuado em numerário, dando-se cumprimento à exigência do suposto vendedor transmitida pela arguida. No dia … de março de 2015, o arguido BB e o CC, depois de se terem encontrado em local não concretamente apurado de …., dirigiram-se ao parque de estacionamento do hipermercado "….", em …, …, para ultimarem os preparativos do negócio, tendo regressado algumas horas mais tarde.

O CC. e o DD. deslocaram-se então à Urbanização …, sita na rua …, em …., …., no veículo de matrícula …, seguindo o veículo … de matrícula …, conduzido pela arguida AA., onde chegaram por volta das 20h30. Depois de ter sido exibido o dinheiro destinado ao pagamento do tabaco à arguida AA e desta ter dito que só um poderia entrar na garagem, o DD entregou o seu casaco com o dinheiro ao CC que entrou, na companhia daquela arguida, na garagem do lote …. que dá acesso a quatro moradias geminadas situadas nesse lote, designadamente à casa …, com o n.º … .

Quando o CC entrou no interior da garagem, os arguidos EE e FF surgiram encapuzados e um deles desferiu naquele, com um objeto em tudo identifico a uma arma de fogo, do tipo caçadeira, uma pancada atingindo-o na face.

A aqui arguida apenas serviu de intermediária num negócio em que a sua participação não passou mais do que apresentar as pessoas intervenientes no negócio, nunca tendo participado na agressão ou tivesse conhecimento da arma de fogo no local.

Nunca esteve envolvida em qualquer outra situação relacionada com este tipo de crime, tem uma vida familiar organizada, com uma vida laboral activa.

A decisão final, foi na nossa perspectiva exagerada sendo manifestamente injusta, desadequada e desproporcionada face à matéria de facto dada como provada em sede de audiência;

Na presente sentença não foi tido em conta que o arguido fosse primário, não possui rendimentos, fortuna ou bens móveis ou imóveis de grande valor.

Segundo o Tribunal apenas que a arguida serviu apenas como intermediária no negócio resultando do seu papel a apresentação dos intervenientes, recebendo uma comissão por isso. Razão pela qual o tribunal a quo firmou a sua convicção apenas nos depoimentos prestados pelos restantes co-arguidos e assistente, bem como de uma testemunha de nome DD, interveniente no negócio dos autos, os quais se revelaram deveras contraditórios, portanto falsos na óptica da arguente.

Aliás, a arguida confessou por diversas vezes que aquando da prática dos factos, se encontrava ausente do local onde se praticava o crime.

Contudo, apesar de acompanhada de duas testemunhas que não foram sequer ouvidas em sede de audiência de julgamento, importantes para a descoberta da verdade material sobre os factos e cujo testemunho alteraria obrigatoriamente a pena aplicada, a qual passaria pela absolvição imediata da arguida.

O invocado pela recorrente integra-se na previsão da al. d) do n.º 1 do artigo 4499 do CPP, uma vez que, conforme vem sendo entendido pelo S.T.J, são considerados, para os efeitos do art. 449.º, n.º 1, al. d), do C.P.P., novos os factos ou meios de prova também os que não foram apresentados e apreciados no processo antes da decisão, mesmo que não fossem ignorados pelo arguido. É o que se verifica claramente no caso dos autos, pois que, embora a arguida tivesse conhecimento de que não se encontrava presente há data da prática dos factos, tal facto não foi conhecido do Tribunal antes da decisão. É assim manifesto que a decisão, por desconhecimento do referido facto, resultou injusta. Ainda assim, a recorrente procurou, pelos meios ordinários colocados à sua disposição, obter oportunidade processual para preparo e fundamento da sua defesa. Contudo, tal meio de defesa foi sempre negado pelos Tribunais superiores, em clara violação do artigo 32.º da Constituição que consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa da arguida. Considerando como fundamento a questão da dupla conforme relativamente a crimes em que a moldura penal não ultrapassaria os oito (8) anos de pena de prisão, em cumprimento do preceituado na al. f) do nº 1 do artigo 400º do CPP conjugado com a al. b) do nº 1 do artigo 432º do CPP.

Quando na verdade, a questão da dupla conforme em função do limite abstracto da moldura penal do crime não foi pacífica depois da revisão do Código de Processo Penal de 1998, sendo defendidas na doutrina e na jurisprudência teses diferentes a propósito da definição do que se deveria considerar "pena aplicável" (Sobre a interpretação da alínea f) do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, cf. Manuel da Costa Andrade, Maria João Antunes e Susana Aires de Sousa, em "Tempestividade e admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6de Fevereiro de 2003", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, N.º 3, Julho-Setembro 2003, págs. 424 e ss., e Maria João Antunes, Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, em "A reforma do sistema de recursos em processo penal à luz da jurisprudência constitucional", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, n.º 4, Outubro-Dezembro 2005, págs. 617 e segs. Assim, através da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador decidiu proceder a nova alteração da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, tendo como objectivo "restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal" (cf. exposição de motivos da proposta de lei n.º 109/X, que veio a dar origem à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), conferindo-lhe a actual redacção, nos termos da qual não admitem recurso os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que confirmem decisão da 1.ª instância e que apliquem pena de prisão não superior a oito anos. A proibição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça constante no disposto na al. f) do art.º 400.º do Código do Processo Penal é inconstitucional, por violação do direito ao recurso conjugado com o principio da igualdade (artigos 32.º, n.º 1 e 13.º, n.º 1 da Constituição), na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a pena concretamente aplicada ao arguido insuscetível de agravação por força da proibição da reformatio in pejus-tenha sido inferior a oito anos, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 628/2005 de 15 de Novembro de 2005 - Processo n.º 707/2005 -2.ª Secção (Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma). Não obstante, sempre se contenderá a admissibilidade do presente recurso, quer pelo cabimento de nova factualidade aduzida pela recorrente, correspondente com tanta outra já demonstrada e provada, o que junta para o efeito os competentes meios probatórios para comprovar tudo o quanto se alegará. Quer também pela reposição da legalidade que ao caso cabe, revogando a douta decisão proferida por uma outra que se contemple com a absolvição da arguida, em respeito pelo Princípio da Descoberta da Verdade conjugado com os demais princípios constitucionais que a decisão recorrida viola, cingindo-se concludentemente ao direito à liberdade e segurança da condenada, previsão dada pelo artigo 27º da Constituição da República Portuguesa. Como refere Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, notas ao art. 449.º, o princípio res judicata pro veritate habetur não pode obstar a um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O direito não pode querer e não quer a manutenção de uma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos. Resulta ainda claro a violação das garantias do processo criminal da condenada recorrente, porquanto não lhe foram admitidas todas as garantias de defesa fornecidas pelo Código de Processo Penal Português para comprovar o alegado em sede de recurso, para a qual contribuiu como violação do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. Ao instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico - vide a respeito Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.2012, com o número de processo 153/05.1PEAMD-A.S1, disponível em www.dgsi.pt Desse modo, pretende-se com o presente recurso extraordinário de revisão o ataque daquela decisão, já transitada em julgado, com fundamento na descoberta de novos factos e meios de prova que, combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, em respeito pela al. d) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal

Em conclusão, A RECORRENTE AGIU NA QUALIDADE DE INTERMEDIÁRIA NO NEGÓCIO QUE PRESUMIA LEGAL,

Deveríamos assim, ver que estamos perante uma ilicitude consideravelmente diminuída, porque a arguida …, não fazia do deste tipo de "esquemas" seu modo de vida, nem procurava obter proventos económicos, devendo ter-se em conta que o mesmo trabalhava, era de condição modesta, os seus rendimentos advinham do seu trabalho...

A aplicação de uma pena pressupõe a proteção jurídica dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, pretende-se também é a ressocialização do arguido, não traduzindo os atos assentes um dolo que justifique pena efetiva inferior a cinco anos, tendo em conta os princípios da adequação e proporcionalidade deve a mesma ser novamente modificada, por respeito à eminente dignidade da pessoa, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, n.º 2 do C. P), designadamente por razões de prevenção.

No cálculo da medida da pena deve atender-se ao necessário para a reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, de forma a aproximá-lo dos princípios dominantes na comunidade, pelo que, pena privativa da liberdade causará ao arguido um mal maior, pois ao invés de o aproximar dos princípios da comunidade, afasta-o, isto não olvidando que nas cadeias prolifera a droga e outros formadores de criminosos.

Deverão assim, Vª Exª, de quem se espera uma melhor e mais adequada aplicação de justiça, quer pela experiência, quer pelo seu reconhecimento, dar preferência fundamentada a uma pena não privativa da liberdade, mesmo sujeita a condição ou aplicação de meios eletrónicos de vigilância, pois que ela se mostra suficiente à recuperação social do arguido e satisfaz as exigências de recuperação e de prevenção do crime (Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 6.11.1984 (R.142/84), Boletim do Ministério da Justiça, 343, 396).

Considerando ainda que, nos termos do artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, as normas penais, hão-de ser estritamente necessárias, devendo os limites máximos da legislação Penal aferir-se pela sua necessidade, cremos assim, que o requerente deveria ser condenado em pena inferior mas suspensa na sua execução, é por deveras evidente que, o arguido reúne todas as condições para que lhe seja aplicada uma pena suspensa na sua execução e para a sua reintegração sociedade.

A suspensão da execução da pena de prisão é um poder-dever ao qual o julgador se encontra vinculado, deverá, obrigatoriamente, ponderar a respectiva suspensão, fundamentando quer a concessão, quer a denegação da suspensão, realizando, para tal efeito, um juízo de prognose do comportamento futuro do arguido, pesando as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis ao caso.

Por sua vez, um juízo de prognose social favorável ao arguido, a esperança de que sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime, deverá levar à suspensão da execução da respectiva pena de prisão, este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido (acórdãos do STJ, de 17/09/1997, in proc. n.º 423/97 da 3ª Secção e de 29/03/2001, in proc. n.º 261/01 da 5ª Secção)

Atendendo à filosofia que subjaz ao Código Penal, que aponta no sentido de, não se descurando o carácter sancionatório das penas, se procure humanizar o direito penal, não se esquecendo que por detrás do mais infame condenado, há sempre um ser humano.

Acrescendo ao que já foi dito acerca da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Requerente, também entendemos que existem razões ponderosas para que a mesma seja especialmente atenuada, nos termos do artigo 72ª do Código Penal ou, caso assim se não entenda e sem prescindir, que a medida concreta da pena seja revista e reduzida para o patamar do limite mínimo legal. Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518, pp. 342-343, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena - acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta - «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade».

E acrescentava: para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.

Em todo o caso, a alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal manda aferir do grau de ilicitude, seja qual for o tipo penal. Portanto, não se pode excluir o ilícito que surge logo em primeiro lugar no elenco da parte especial daquele compêndio normativo.

Já se colocam reservas quanto à noção de média: um critério meramente estatístico.

Assim, ao fixar a pena considerando que o grau de ilicitude é acima da média, o tribunal apenas afirma que, na maior parte dos casos, o grau de ilicitude é mais baixo. Não esclarece se, nesta situação, o grau de ilicitude é reduzido, moderado ou intenso.

Assim, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

Dos factos dados como provados, apenas se pode retirar que o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado.

Assim, para a determinação da medida concreta da pena, o tribunal apenas refere, "uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena", contudo aplicou as penas conhecidas.

Outro elemento foi as considerações sobre o relatório social, sendo que este não é propriamente um meio de prova. Contudo, aplicam-se algumas das regras atinentes às provas: nº 4 do 370º do CPP.

Os tribunais não aderem incondicionalmente ao que figura no relatório social. Adotam algumas das suas considerações e incluem-nas na matéria de facto dada como provada omitindo outras, situação familiar e profissional dos arguidos.

Portanto, o relatório social é elaborado para determinar a sanção: nº 1 do artigo 370º do CPP. Mas o tribunal só acolhe o que dele considerar que é suscetível de integrar os factos provados.

O demais não releva, como situação laboral dos arguidos e situação familiar,

No que respeita à medida concreta da pena, o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral.

Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

É o que resulta dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

Dito de muito melhor forma, por Anabela Rodrigues:

"Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida [...] pela exigência de prevenção geral.

"Depois, [...] a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial

"Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena".

(Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, p. 208).

Outro elemento em análise será a fundamentação, nesta tem de constar uma enumeração (dos factos provados e não provados) e uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão (a exposição terá também a indicação e exame critico das provas. Não basta enumerar, sendo, também necessário fazer um exame critico. Enumerar é mencionar os factos um a um e não fazer uma mera remissão para a acusação ou pronúncia. Não satisfaz a exigência legal a mera afirmação abstrata de que os restantes factos não se provaram, já que apenas se pode considerar como não provados os incompatíveis com os provados se houver a certeza de que foram investigados." Ver Código Anotado de Processo Penal Notas e Comentários de Vinicio Ribeiro, Coimbra Editora fls 1056 e ss

Esta exigência do exame crítico das provas foi introduzida pelo legislador através da Lei 59/98, de 25/8.

A alteração, ou melhor, a especificação feita, decorreu de uma série de artigos de doutrina e de decisões judiciais que afirmavam tal necessidade.

Os motivos de facto "que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras boa experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência" (...) A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz (...) - Dr Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina 1998, publicação das Jornadas do CEJ, pág. 229 e 230, cujo conteúdo literal colheu adesão dos Acórdãos da Relação do Porto, de 20.10.1993, in proc. 9310668, de 27.3.1996, in proc. 9610102, de 2.2.1994, proc. 9331013 e de 3.12.97, in proc. 9711004, de 27.9.1995, in proc. 9320894, de 29.11.95, in proc. 9420427, todos acessíveis na internet em WWW.DG5I.PT.

Há um sem número de Acórdãos sobre a exigência de explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, i.a. os deste mesmo Venerando Tribunal, de 7.11.2001, in proc. 0010954, "A fundamentação das decisões em matéria de facto não se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados, antes se exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal. (...) não sendo de sufragar o entendimento de que o exame crítico das provas se realiza na mera indicação dos meios de prova, da razão de ciência dos meios de prova pessoal, e no relato do teor dos depoimentos e declarações, por não estar presente na motivação uma verdadeira explicitação da formação da convicção do tribunal.", de 13.10.1999, in proc. 9910803, "O artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal, exige que o Meritíssimo Juiz, na fundamentação da sentença, proceda ao exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, isto é, a explicitação das razões que levaram o tribunal a dar como provados uns factos e a dar outros como não provados.", De 10.1.96, in proc. 9430094 "Também na fundamentação da sentença o juiz deverá proceder a uma análise crítica dos diversos meios de prova produzidos, para que possibilite a quem fizer a sua leitura o acesso ao exercício racional, lógico, seguido pelo julgador na formação da sua convicção. De igual modo, na indicação dos meios de prova que serviram para formar tal convicção não pode a sentença bastar-se com a mera enumeração das provas produzidas, sendo necessário que, ainda que sumariamente, se refiram, v.g., as razões de credibilidade conferida a determinados meios de prova em detrimento de outros, etc", de 20.10.93, in proc. 9310668 "A disciplina relativa à motivação fáctica da sentença não visa limitar o princípio da livre apreciação da prova, mas garantir maior credibilidade a esse princípio, não podendo limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal.", De 29.11.95, in proc. 9420427 "(...) haverá que concluir pela ausência da respectiva motivação fáctica se dela constar tão-somente que "o tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas inquiridas. Estas últimas revelaram idoneidade e conhecimento dos factos. Tomou-se ainda em consideração o teor dos documentos que constam de folhas..." Não é por se afirmar que a idoneidade das testemunhas e o seu conhecimento directo dos factos, sem qualquer especificação, que a exigência de motivação pode ficar cumprida.", todos em www.dgsi.pt; de 1.4.92, in proc. 138/92 "A sentença penal (...) tem de concretizar o meio probatório gerador da convicção do julgadora acerca de cada facto provado, devendo ainda, na medida do possível, indicar as razões de credibilidade, ou força decisiva, reconhecida aos meios de prova, transcrito nas anotações ao artº 374º do CPP no CPP Anotado pelo Procurador-Geral adjunto no STJ Simas Santos pelo Juiz Conselheiro M. Leal-Henriques, 2º ed. Rei dos Livros, 2000.

Refira-se a propósito de fundamentação fáctica, que, como diz o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Scientia Jurídica 1984, Tomo XXXIII, nºs 187 e 188, "Livre apreciação da prova" pág. 119: "A livre apreciação da prova importa, em concreto, a concessão ao tribunal do exercício de um poder não vinculado. Este poder não vinculado exige, correspondentemente, uma motivação racionalmente perceptível da apreciação probatória, destinada a demonstrar, internamente, a coerência do raciocínio de justificação e a argumentar, externamente, a probabilidade do juízo de fundamentação" cfr taruffo e Perelman-Olbrechts-Tyteca, e a pág. 134

"A racionalidade exigida na livre apreciação da prova impõe a existência de meios de fundamentação da convicção obtida pelo julgador. Esses motivos de justificação são constituídos por proposições empíricas derivadas de regras de experiência social, científica ou técnica e formadas por afirmações genéricas de probabilidade causal." cfr Nikisch, Blomeyer, Rosemberg-Schwab, Jauemig, Bruns, Carnelutti, Castro Mendes, Grunsky e Esser.

A dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

Por mais repugnante que seja o crime, por mais dramáticas que sejam os seus efeitos, por maiores que sejam as necessidades de prevenção, nunca pode ser infligida ao arguido uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa.

Nesta aceção, "a culpa é o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso" (Eduardo Correia, Direito Criminal, Coimbra, reimpressão, 1993 vol. I, pág. 316). A culpa afere-se pelas circunstâncias de facto que rodearam a conduta do arguido.

De acordo com a matéria de facto dada como provada, o arguido admitiu os factos, não os negando, mas explicando todos os pormenores de os terem praticado, sendo corrente

A medida da culpa do arguido impõe que a pena seja atenuada, devido aos factos anteriormente mencionados e á falta da procura pela verdade dos factos

Conforme consta da sentença recorrida, as necessidades de prevenção especial acentua-se pelos antecedentes criminais do arguido, que não existiam, mas que não foram tidos em conta.

Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso de revisão pelo que se apresenta a seguinte prova:

Prova testemunhal:

Para comprovar tudo o quanto alegado, a recorrente desde já requer que, nos termos e com os efeitos previstos no nº 1 do artigo 453º do Código de Processo Penal, se proceda à realização das diligências que considera indispensáveis para a descoberta da verdade, ficando a constar as mesmas de redução a auto.

l. Para tanto, se requer se digne a proceder a novo interrogatório do assistente CC, bem como da testemunha que alegadamente terá presenciado o ocorrido, o sr. DD e, caso seja necessário se recorra à produção de prova por ACAREAÇÃO entre estes e a arguida com vista à reposição da verdade e da legalidade da decisão.

2. Concomitantemente, se mande interrogar as seguintes testemunhas sobre os factos constantes dos autos, atento que as referidas possuem conhecimento directo do objecto da prova e não foram ouvidas no âmbito do presente processo, porque se encontravam impossibilitadas de depor por facto não imputável às mesmas,

1 - GG, portadora do cartão de cidadão nº …, contribuinte fiscal nº …, residente na Avenida … freguesia …, concelho …;

2 - HH, Rua …, Casa …, Lote …, ……;

3 - II, Rua …, Edifício ……, …;

4 - JJ, Rua …., Edifício …….., ……….

Mais se requer seja oficiada a operadora de rede móvel, …., para que proceda à junção do relatório de chamadas efetuadas através do n.º … propriedade de GG, no dia … .03.2015., assim como se requer que informem qual a localização do telemóvel da arguida.

Requer-se nova elaboração de relatório social do arguido, com os depoimentos dos seus familiares, ex-marido, filhas e pessoas amigas que possam ser indicadas á técnica.

Com a prova aqui pretendida pretende-se provar que o arguido aqui recorrente, não é a pessoa vertida nos factos mas sim um INOCENTE.

Os recorrentes requerem a realização de audiência, tendo em vista debater os pontos enunciados acima.»



2. O Ministério Público apresentou a seguinte resposta:

«I

Por Acórdão proferido nos autos, em 02.05.2017, confirmado pelo Tribunal da Relação …, foi a arguida AA. condenada pela prática, como co-autora material, de um crime de roubo, previsto e punível pelos arts. 210º, nºs 1 e 2, al., b), por referência ao art. 204º, nº 1, al. a) e nº 2, al. f), todos do C.P, na pena de prisão de 06 (seis) anos.

Veio agora a arguida, suscitar recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto na al. d), do n.º 1. do art. 449.º do C.P.P., pese embora as considerações expendidas quanto à graduação e natureza da pena aplicada, concluindo e pugnando a final, pela sua inocência.

Requer a arguida que sejam tomadas novas declarações ao assistente CC e reinquirida a testemunha DD, bem como, se necessário, a acareação de ambos.

Mais requer a arguida a inquirição, na qualidade de testemunhas, de GG, HH, II e JJ, alegando que estas têm conhecimento directo dos factos, não tendo sido ouvidas no âmbito do presente processo “porque se encontravam impossibilitadas de depor por facto não imputável às mesmas”.

Sucede que as “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, a que se alude na al. d), do n.º 1, do art. 449.º do C.P.P., têm que advir, necessariamente, de “novos factos ou meios de prova entretanto descobertos”.

Com efeito, para que esteja fundamentado o recurso de revisão é necessário que tenham surgido posteriormente novos factos (por referência à factualidade dada por assente na decisão a por em crise) e que tais novos factos ou meios de prova afectem a decisão proferida, de tal modo que se suscitem dúvidas sérias sobre o acerto e a justiça da condenação.

Acresce que tais factos ou meios de prova têm que ser novos também para o recorrente, ou porque anteriormente não os conhecia, ou porque estava impossibilitado de fazer prova sobre os mesmos, justificando no recurso essa impossibilidade.

No caso em apreço, a arguida limitou-se a requer a repetição meios de prova já produzidos (nova tomada de declarações ao assistente CC. e reinquirição da testemunha DD) e a produção de outros, que genericamente afirmou que não puderam ser produzidos antes (inquirição, na qualidade de testemunhas, de GG, HH, II e JJ), não indicando o motivo concreto do alegado impedimento.

Também não se enquadram no conceito de “novos meios de prova” o pedido da arguida para que se oficie à operadora de rede móvel, solicitando o envio do relatório das chamadas efectuadas através do telemóvel da arguida no dia 26.03.2015 e a sua localização celular, uma vez que tal já poderia ter sido requerido e obtido antes, caso a arguida entendesse ser útil à sua defesa.

Assim, em conclusão:

I - Inexistem quaisquer factos ou meios de prova novos para a arguida e que cumpra conhecer em sede de revisão.

II - Inexistem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

III - Inexiste fundamento legal para o recurso de revisão, pelo que deverá o mesmo ser julgado improcedente.

Pelo exposto, deverá o recurso interposto ser julgado improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.»


3. Foi prestada a seguinte informação sobre o mérito do pedido - artigo 454.º do Código de Processo Penal, doravante CPP.


«A arguida/recorrente AA., ao abrigo do disposto nos artigos 449º ss, do Código de Processo Penal (doravante, abreviadamente, CPP), veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido nos autos principais no dia 02 de Maio de 2017 (cfr. referência nº …) – transitado em julgado no dia 08 de Novembro de 2018 – que a condenou na pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática, como co-autora, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e nº 2, alínea b), do Código Penal (doravante, abreviadamente, CP), por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea f), do mesmo diploma legal.

Alega, em apertada síntese, que no dia 26 de Março de 2015, não estava presente no local onde se produziu a agressão sob censura nos autos principais, pelo que não tinha conhecimento da existência de uma arma de fogo, bem como do(s) propósito(s) perseguido(s) pelos co-arguidos EE. e FF., não podendo ter sido sua (co)autora. Mais sustenta que a medida concreta da pena de prisão em que foi condenada é manifestamente injusta, desadequada e desproporcionada (os fundamentos vindos de alinhar encontram-se descritos, de forma mais desenvolvida, no despacho proferido no dia 26 de Junho de 2020, a que alude a referência nº …., que, aqui, temos por integralmente reproduzidos, por brevidade de exposição).

Em cumprimento do disposto na 2ª parte, do nº 2, do artigo 451º, do CPP, a recorrente requereu a produção dos seguintes meios de prova: [i] nova tomada de declarações ao assistente CC.; [ii] nova inquirição da testemunha DD.; [iii] acareação entre o assistente, esta testemunha e a recorrente; [iv] inquirição das testemunhas GG., HH., II. e JJ., uma vez que (...) possuem conhecimento directo do objecto da prova e não foram ouvidas no âmbito do presente processo, porque se encontravam impossibilitadas de depor por facto não imputável às mesmas (...); [v] seja oficiado à operadora “…..” para que proceda à junção do relatório de chamadas efectuadas no dia … de Março de 2015, através do telefone móvel nº …… - pertença da testemunha GG - e informe qual a localização do telemóvel da recorrente; e [vi] elaboração de novo relatório social, contendo os depoimentos dos familiares, ex-marido, filhas e pessoas amigas da recorrente que possam ser indicadas à técnica social.


*


Na sequência da formulação do pedido, nos termos previstos no artigo 451º, do CPP, determinou-se a notificação dos interessados para, no prazo de 10 (dez) dias, querendo, exercerem o seu direito de resposta (cfr. despacho proferido no dia 01 de Junho de 2020, a que alude a referência nº …).

*


Nesse seguimento, a Digna Procuradora da República apresentou resposta (cfr. referência nº ….).

Nessa peça processual afirma que as graves dúvidas sobre a justiça da condenação, a que se alude na alínea d), do nº1, do artigo 499º, do CPP, têm que advir, necessariamente, de novos factos ou meios de prova.

Na verdade, o recurso de revisão, para que esteja fundamentado, implica que, tendo por referência a factualidade dada por assente na decisão a pôr em crise, tenham surgido novos factos ou meios de prova posteriormente e que tais novos factos ou meios de prova afectem a decisão proferida, de tal modo que se suscitem dúvidas sérias sobre o acerto e a justiça da condenação.

Acresce que tais factos ou meios de prova têm que ser novos também para o recorrente, ou porque anteriormente não os conhecia ou porque estava impossibilitado de fazer prova sobre os mesmos, justificando no recurso essa impossibilidade.

Sucede que no caso decidendo não se mostram observados os pressupostos supra enunciados.

Em face do exposto: (...) I- Inexistem quaisquer factos ou meios de prova novos para a arguida e que cumpra conhecer em sede de revisão. II- Inexistem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. III- Inexiste fundamento legal para o recurso de revisão, pelo que deverá o mesmo ser julgado improcedente.


*


Por despacho proferido no dia 26 de Junho de 2020, entendeu-se ser dispensável a renovação das diligências probatórias requeridas pela recorrente AA. por não revestirem a apontada característica da ‘novidade’ (cfr. referência nº ….).

Com efeito, a tomada de declarações ao assistente CC. e a inquirição da testemunha DD não constituem novos meios de prova pois que foram ouvidos em audiência de julgamento.

As testemunhas GG, HH, II e JJ, (alegadamente) possuindo conhecimento directo da ausência da recorrente do local onde ocorreram os factos dos autos principais, não foram arroladas no momento processual próprio (no prazo da contestação), nem posteriormente.

Aliás, a recorrente, a fls. 2145, dos autos principais, invocando o vertido no artigo 340º, nº 1, do CPP, pretendeu que fossem ouvidas testemunhas cuja identificação é distinta daquelas supra indicadas, sendo que essa sua pretensão foi indeferida (cfr. fls. 2251-2254).

Acresce que a aludida AA., apesar da indicação tardia dessas testemunhas no presente recurso extraordinário de revisão, não cuidou de dar observância ao disposto no nº 2, do artigo 453º, do CPP, pois que não justificou, isto é, não concretizou em factos, que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.

Quanto ao relatório contendo a listagem das chamadas telefónicas realizadas no dia … de Março de 2015, a sua obtenção apresenta-se manifestamente inviável.

Por fim, à elaboração de novo relatório social opõe-se o estipulado no artigo 449º, nº 3, do CPP (com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada).


*


Do (de)mérito do pedido

Estabelece o artigo 454º, do CPP, que no prazo de oito dias após ter expirado o prazo de resposta ou terem sido completadas as diligências, quando a elas houver lugar, o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido.

Preceitua o artigo 449º, nº 1, do CPP, que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça - sublinhado e destacado nossos.

Como se explicita no Acórdão do STJ, de 08 de Janeiro de 2015: I - O fundamento de revisão consagrado na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do art. 449.º). II - Quanto à «novidade» dos factos, hoje em dia pode considerar-se maioritária a jurisprudência do STJ que entende que “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. III - Algumas decisões, no entanto, não sendo tão restritivas, admitem a revisão quando, sendo embora o facto e/ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, o condenado justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, não dever apresentá-los. IV – Os “novos factos” ou as “novas provas” deverão revelar-se tão seguros e (ou) relevantes que o juízo rescidente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, o que reclama do requerente do pedido a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau do que aquela em que se fundamentou a decisão a rever - sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jstj, Processo nº19/10.3GCRDD-E.S1, relator RAUL BORGES).

A recorrente, no recurso de revisão interposto, ora em apreço, alega que no dia … de Março de 2015 não se encontrava no local onde foram cometidos os factos discutidos nos autos principais.

Como tal, desconhecia que na sua prática estivesse envolvida uma arma de fogo, bem como desconhecia o(s) objectivo(s) visado(s) pelos co-arguidos EE. e FF.

A mencionada AA enquadra esta sua defesa na citada alínea d), do nº 1, do artigo 449º, do CPP, sustentando estarmos perante novos factos.

No entanto, salvaguardando sempre o devido respeito por opinião distinta, consideramos que não nos debatemos com facto(s) novo(s), que fosse(m) desconhecido(s) pelo tribunal de condenação.

Com efeito, como a própria recorrente aponta na motivação do presente recurso, (…) aliás a arguida confessou por diversas vezes que aquando da prática dos factos, se encontrava ausente do local onde se praticava o crime (cfr. página 5, da motivação).

Portanto, a versão apresentada pela recorrente não é nova, foi defendida por esta em audiência de julgamento e foi conhecida pelo tribunal de condenação, como se alcança do acórdão condenatório, onde se escreve, entre o mais, que: (…) chegados à porta daquela casa, pelas 20h00, depois de lhe ter sido mostrado o dinheiro para pagar o tabaco, a arguida declarou ter-se dirigido à … do arguido EE., para lhe dar conta que existia o dinheiro, tendo este pedido ao arguido FF para ir buscar a carrinha onde se encontrava o tabaco. Quando o arguido FF foi buscar o tabaco, ela [a arguida/recorrente] ausentou-se do local para ir buscar as filhas a …., fazendo-se transportar num ….. - pertencente ao ex-companheiro-, tendo ficado o ….. estacionado junto de casa. Quando regressou cerca de 20 minutos mais tarde, a arguida referiu já não ter encontrado ninguém, tendo visto sangue na rampa da garagem - sublinhado nosso (cfr. página 20 - referência nº …).

Sucede que essa versão - a ausência do local da prática dos factos - não foi suficiente para absolver aquela AA, o que se compreende, pois que (...) [o] coautor tem um domínio sobre o sucesso total do facto. E este poder, decorrente da essencialidade da função que desempenha no plano, incide sobre a totalidade do facto, o que permite que o mesmo lhe seja integralmente imputado, apesar da sua execução por esse interveniente poder ser apenas parcial. É o chamado domínio funcional do facto, sendo que no caso decidendo (...) conforme ficou demonstrado e já foi salientado, os arguidos subtraíram uma quantia em dinheiro, que fizeram sua, pertencente ao DD, tendo, para esse efeito, agredido o CC com um objeto na face, lado esquerdo, provocando-lhe as lesões demonstradas, tudo na execução de um plano que previamente delinearam em que cada um deles desempenhou tarefas definidas e que todas elas contribuíram de forma determinante para o cometimento do ilícito criminal. Nestes termos, e tendo um domínio sobre o sucesso total do facto decorrente das tarefas (essenciais) que desempenharam, aos arguidos AA, EE e FF poderá ser imputado integralmente o cometimento do crime de roubo qualificado, devendo aqueles ser condenados como coautores do ilícito criminal - sublinhado nosso (assim o acórdão condenatório, a páginas 38-39 - referência nº …).

Inexistem, por isso, novos factos e tampouco existem novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Por último, no que concerne à medida concreta da pena de prisão aplicada, não pode a recorrente alcançar a sua alteração por via do presente mecanismo processual, atenta a conjugação da citada alínea d), do nº 1, com o nº 3, do artigo 449º, do CPP.

Em face do exposto, entendemos que o presente recurso extraordinário de revisão deverá improceder.

No entanto, Vossas Excelências, Exmos. Srs. Juízes Conselheiros, melhor decidirão, assim fazendo Justiça.

[…]».


4. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer (transcrição):


«Visto do art.° 455° n.° 1 do CPP:

1. Vem a condenada AA, com os sinais dos autos, interpor recurso extraordinário de revisão de sentença do douto acórdão do Tribunal da Relação … de 6.11.2017, transitado em julgado, que, na total improcedência do recurso (ordinário) que movera a acórdão do Tribunal Colectivo do Juiz …. do Juízo Central Criminal …. de 2.5.2018, a condenou, além do mais, na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelos art.os 210º n.os 1 e 2 al.ª b), por referência ao art.º 204º, n.os 1 al.ª a) e 2 al.ª f), todos do Código Penal.


O fundamento invocado do recurso de revisão é o da superveniência de «novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» - art.º 449º, n.º 1, al.ª d) do CPP -, traduzidos, os primeiros, na circunstância de, conforme já sustentara em audiência de julgamento, não ter estado presente no local onde se produziram os factos integrativos do mencionado crime - por isso que, e por também desconhecer os propósitos criminosos dos co-arguidos EE.e FF. não podendo ter sido autora, ou co-autora, deles -, e, os segundos, nos testemunhos, não produzidos naquela audiência, de quatro pessoas que identificou – GG, HH, II e JJ - sabedoras da ausência referida, e nas listagens de comunicações telefónicas a solicitar a uma operadora telefónica com referência a um número de telemóvel que, igualmente, demonstrariam a sempre referida ausência.


Requereu, para instrução do recurso, a tomada de novas declarações ao assistente/ofendido CC, a reinquirição da testemunha DD e a acareação dela própria com ambos; «[concomitantemente», a inquirição das testemunhas que arrolou no recurso; ainda, a requisição da listagem à operadora telefónica bem como informação sobre a localização do telemóvel no dia dos factos; e, por fim, novo relatório social.

Finalizou pedindo a realização de audiência «tendo em vista debater os pontos enunciados acima.».


2. Sucede, todavia, que o presente recurso extraordinário é uma repetição do interposto pela mesma condenada em 24.9.2018, que foi registado na ….ª Secção deste STJ sob o n.º 569/15… e julgado improcedente por acórdão, transitado, de 4.2.2019, que negou o pedido de revisão e considerou, mesmo, o recurso manifestamente infundado:

- A recorrente é a mesma, física e juridicamente - a condenada AA.;

- A decisão revidenda é a mesma - o acórdão Tribunal da Relação … de 6.11.2017 que confirmou o acórdão do Tribunal Colectivo do Juiz …. do Juízo Central Criminal … de 2.5.2018, que a condenou, além do mais, na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelos art.os 210º n.os 1 e 2 al.ª b) e 204º n.os 1 al.ª a) e 2 al.ª f), todos do Código Penal;

- Os fundamentos do recurso são os mesmos - a superveniência de novos factos e novos meios de prova que põem em grave dúvida a justiça de condenação (art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP), no caso, o facto novo de a condenada não ter estado presente no teatro dos factos nem comparticipado, por qualquer forma, neles, e os meios de prova novos dos depoimentos das testemunhas arroladas e das listagens telefónicas pretendidas;

- O pedido é o mesmo - a autorização da revisão do acórdão condenatório em ordem ao decretamento da absolvição da requerente no julgamento rescisório.


De resto, o próprio petitório ora apresentado, apesar de subscrito por diferente causídico do de 2018, constitui em largos passos mera reprodução deste último, como, designadamente, acontece entre o sexto parágrafo da página 5 e o primeiro de página 8 daquele e entre o terceiro parágrafo de fls. 4 e o último parágrafo de fls. 8 deste e, também, nos segmentos relativos ao rol das provas, coincidentes no seu mor.


3. Citando do acórdão de 23.6.2016, proferido no Habeas Corpus n.º 135/04.0IDAVR-E.S1, in www.dgsi.pt:

- «Como é sabido, o caso julgado constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa (arte.° 576.°, n.°s 1 e 2 e 577.°, alín. i), do CPC, aplicável, como os demais, ex vi art.° 4.° do CPP), é de conhecimento oficioso (art.° 578.° do CPC) e verifica-se quando se repete uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (art.° 580.°, n.° 1, do CPC), tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (art.° 580.°, n.° 2, do CPC).

Repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art.° 581.°, n.° 1, do CPC).

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (idem, n.° 2).

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (idem, n.º 3).

E há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (idem, n.º 4).»


4. Resulta assim de tudo o que precede que entre este procedimento de revisão de sentença e o registado sob o n.º 569/15… sempre referido se verifica a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir que caracteriza a excepção dilatória do caso julgado prevista nos art.os 576° n.os 1 e 2 e 577.º al.a i), do CPC - aplicáveis em processo penal por via do art.° 4.º do CPP - e que tem por efeito a impossibilidade de conhecimento da lide, nos termos do art.° 277° al.a e) do CPC[[1]].

Motivo por que, o Ministério Público se pronuncia pelo decretamento da mencionada excepção, não se conhecendo do recurso e extinguindo-se a instância recursiva.

E requer que, para instrução da decisão, se junte aos presentes autos, certidão do requerimento/motivação do recurso de revisão do Proc. n.º 569/15… e do acórdão de 4.2.2019 nele proferido, com nota do respectivo trânsito.»


5. Tendo sido deduzida a excepção do caso julgado, entendeu-se ser de notificar a recorrente nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

Nenhuma resposta foi apresentada.


6. Consta dos autos que, por acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, foi deliberado:

«Negar o pedido formulado por AA. de revisão do acórdão proferido em 2 de Maio de 2017 no processo n.º 569/15… do Juízo Central Criminal …. – Juiz …. – do Tribunal Judicial da comarca …, que a condenou pela prática de um crime de roubo agravado, conduta p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 204.º, n.º 1, alínea a),e n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão.»


7. Com dispensa de vistos, presente à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Enquadramento normativo

1.1. O recurso extraordinário de revisão constitui um direito fundamental com consagração no artigo 29.º da Constituição da República. O n.º 6 desse preceito, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, proclama que:

«6. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»

Garante-se, pois, o direito à revisão de sentença e o direito à indemnização por danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos no caso de condenações injustas, constituindo, como assinalam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença»[2].

Perante o conflito que se pode desenhar entre os valores da certeza e da segurança jurídica, que se apresentam como condição fundamental para a paz jurídica da comunidade que todo o sistema jurídico prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também, afirma-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14-03-2013, proferido no Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção[3],  «pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios».

Na verdade, como pondera FIGUEIREDO DIAS, a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, «o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania»[4].

A doutrina tem referenciado esse ponto de equilíbrio, essa concordância prática, entre o princípio da imutabilidade do caso julgado e os valores da verdade material e da justiça. Assim, consideram SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES que o legislador, «com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material», consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no art. 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[5].

Para estes Autores, o recurso extraordinário de revisão apresenta-se precisamente como «um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material»[6].

A propósito do equilíbrio que se pretende entre a segurança jurídica e a necessidade de realização de justiça material, pode convocar-se o que foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2016, proferido no processo n.º 87/07.5PFLRS-A.S1 – 5.ª Secção, também recentemente citado no acórdão de 11-01-2018, proferido no processo n.º 995/14.7JAPRT-C.S1 - 3.ª Secção (inédito), em que o ora relator interveio como adjunto:

«O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042.

O recurso de revisão, prevendo a quebra do caso julgado, contém na sua própria razão de ser um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo penal que é a descoberta da verdade e a realização da justiça. 

Com efeito, se se erigisse a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal, “ele entraria, então, constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania” Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p. 44.

“Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., p. 1043».

Em suma, o recurso de revisão é justificado, particularmente no processo penal, em nome da verdade material e para evitar o cumprimento de sentenças injustas. Na síntese de CONDE CORREIA, «nenhuma razão de Estado, nem mesmo as emergentes necessidades de segurança colectiva, justificam a manutenção e a execução de uma sanção injusta»[7].


Todavia, o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. 

Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”[8].


1.2. Na concretização da norma consagrada no citado artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, dispõem os artigos 449.º e 450.º do CPP, sobre os fundamentos e a admissibilidade da revisão e sobre a legitimidade, respectivamente.

É reconhecida legitimidade para requerer a revisão ao condenado ou seu defensor «relativamente a sentenças condenatórias» - artigo 450.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Os fundamentos e admissibilidade da revisão estão taxativamente enumerados no artigo 449.º do CPP.

A recorrente não invocou um concreto fundamento para a requerida revisão de sentença, dos que taxativamente se encontram enunciados no artigo 444.º, n.º, do CPP, tendo, aliás, sido notificada, por despacho de 13-03.2020, para dizer se «pretende discutir a medida concreta da pena ou, também, os factos que sustentam a sua condenação»

Entendeu-se que, o fundamento se traduzia na descoberta de novos factos ou novos elementos de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Ou seja, no fundamento inscrito na alínea d) daquele preceito legal.

Neste conspecto, a recorrente requereu a produção dos seguintes meios de prova: [i] nova tomada de declarações ao assistente CC.; [ii] nova inquirição da testemunha DD.; [iii] acareação entre o assistente, esta testemunha e a recorrente; [iv] inquirição das testemunhas GG, HH, II e JJ, uma vez que (...) possuem conhecimento directo do objecto da prova e não foram ouvidas no âmbito do presente processo, porque se encontravam impossibilitadas de depor por facto não imputável às mesmas (...); [v] seja oficiado à operadora “…..” para que proceda à junção do relatório de chamadas efectuadas no dia … de Março de 2015, através do telefone móvel nº …. - pertença da testemunha GG - e informe qual a localização do telemóvel da recorrente; e [vi] elaboração de novo relatório social, contendo os depoimentos dos familiares, ex-marido, filhas e pessoas amigas da recorrente que possam ser indicadas à técnica social.


De acordo com o citado artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

«d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.»

Este fundamento de revisão desdobra-se nos seguintes elementos:

(a) que, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, tenham sido descobertos factos ou elementos de prova novos; e

(b) que tais factos suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Quanto à novidade dos factos dos factos e/ou dos meios de prova, considera PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que «factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, não bastando que os factos sejam desconhecidos do tribunal, só esta interpretação fazendo jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado»[9].

Como se dá conta no acórdão deste Supremo Tribunal de 09-02-2012 (Proc. 795/05.5PJPRT-A.S2 – 3.ª Secção), constituiu entendimento deste Tribunal, vertido em alguns acórdãos aí citados, de que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

Esta jurisprudência foi sendo abandonada e actualmente encontra-se sedimentada uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais, sendo novos tão só os factos e/ou meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.

Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, sendo insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao recorrente (vide acórdão deste Supremo Tribunal de 10-11-2000, proferido no processo n.º 25/06.2GALRA-A.S1 – 3.ª Secção).

Neste sentido, também o acórdão do STJ de 25-02-2015 (Proc. n.º 2014/08.0PAPTM-D.S1 – 3.ª Secção[10], em cujo sumário se pode ler: «Factos novos” ou “meios de prova novos” são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste. É insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao requerente. Consubstanciaria uma afronta ao princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter interior conhecimento no momento do julgamento da sua existência».

Os factos ou meios de prova devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o arguido recorrente, sendo esta, como se afirma no já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 14-03-2013, «a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão.

Na verdade, essa excepcionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adopção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais.

Condição de procedência do recurso de revisão com fundamento na descoberta de novos factos ou novos meios de prova é, por um lado, a novidade desses factos ou meios de prova e, por outro, que tais factos ou meios de prova provoquem graves dúvidas (não apenas quaisquer dúvidas) sobre a justiça da condenação, o que significa que essas dúvidas devem ser de grau superior ao que é normalmente requerido para a absolvição do arguido em julgamento.

São novos apenas os factos que fossem ignorados ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes

Quanto ao momento do conhecimento dos factos novos, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 27.01.2010, proferido no processo n.º 543/08.8GBSSB-A.S1 - 3.ª Secção[11], em que se sumariou:

«I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente.

II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação.»


Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-04-2012, proferido no processo n.º 153/05.1PEAMD-A.S1 – 3.ª Secção, «a lei ao estabelecer que a revisão de sentença transitada em julgado só é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, impõe que os factos e os meios de prova fundamentadores da revisão só hajam sido conhecidos posteriormente (após o trânsito em julgado da decisão), designadamente por quem os invoca, ou seja, pelo requerente ou recorrente. Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a circunstância de (os novos) meios de prova não terem sido produzidos ou considerados no julgamento. Torna-se necessário, ainda, que (os novos) meios de prova, aquando da condenação fossem desconhecidos do requerente ou recorrente».

A novidade do meio de prova, lê-se ainda no mesmo acórdão, «não tem, pois, por referência apenas o processo, ou seja, não basta que o meio de prova não haja sido produzido ou considerado no julgamento para que se deva considerar novo. A novidade do meio de prova deve ser aferida, também, em função do seu desconhecimento pelos sujeitos processuais, designadamente pelo peticionante da revisão, a menos que, sendo conhecido, não fosse possível, aquando do julgamento, a sua apresentação ou a sua produção».

1.3. O artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação.

O conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão-de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.

Como se refere no citado acórdão de 09-02-2012, «não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável».


A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou meios de prova de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida.

Por estarmos perante um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado.

Como se acentua no acórdão do STJ de 01-06-2016, proferido no processo n.º  4262/00.5TDLSB-A – 3.ª Secção, «relativamente ao segundo pressuposto previsto no texto legal, certo é que graves dúvidas sobre a justiça da condenação são todas aquelas que são de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, sendo que as dúvidas terão de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido».

A revisão constitui um meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento. Do carácter extraordinário deste recurso decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

Cumprindo salientar que o recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou.


2. Apreciação


2.1. Suscita o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto a excepção dilatória do caso julgado sustentando que:

«[…] o presente recurso extraordinário é uma repetição do interposto pela mesma condenada em 24.9.2018, que foi registado na ….ª Secção deste STJ sob o n.º 569/15…. e julgado improcedente por acórdão, transitado, de 4.2.2019, que negou o pedido de revisão e considerou, mesmo, o recurso manifestamente infundado:

- A recorrente é a mesma, física e juridicamente - a condenada AA.;

- A decisão revidenda é a mesma - o acórdão Tribunal da Relação …. de 6.11.2017 que confirmou o acórdão do Tribunal Colectivo do Juiz … do Juízo Central Criminal …. de 2.5.2018, que a condenou, além do mais, na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelos art.os 210º n.os 1 e 2 al.ª b) e 204º n.os 1 al.ª a) e 2 al.ª f), todos do Código Penal;

- Os fundamentos do recurso são os mesmos - a superveniência de novos factos e novos meios de prova que põem em grave dúvida a justiça de condenação (art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP), no caso, o facto novo de a condenada não ter estado presente no teatro dos factos nem comparticipado, por qualquer forma, neles, e os meios de prova novos dos depoimentos das testemunhas arroladas e das listagens telefónicas pretendidas;

- O pedido é o mesmo - a autorização da revisão do acórdão condenatório em ordem ao decretamento da absolvição da requerente no julgamento rescisório.»


O caso julgado penal configura-se como um instrumento técnico-jurídico necessário para a obtenção de determinadas finalidades processuais associadas à necessidade de se garantir a certeza e a segurança do direito.


Assim o entende EDUARDO CORREIA ao afirmar que «o fundamento central do caso julgado penal radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», assegurando-se a paz jurídica dos cidadãos e prevenindo-se o perigo de decisões contraditórias, ainda que com eventual prejuízo para a justiça material[12].

Como já ensinava JOSÉ ALBERTO DOS REIS, em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribui à parte vencedora[13].

Convocando considerações tecidas no acórdão de 21-02-2018, proferido no processo de habeas corpus n.º 1980/17.2T8VRL-B.S1 – 3.ª Secção, relatado pelo agora relator, a lei penal e processual penal não define o caso julgado, não obstante se lhe referir em determinados preceitos. Contudo, faz parte do leque de garantias constitucionais o ne bis in idem, ou seja a impossibilidade de «ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime» (art. 29.°/5, da CRP), garantia que também colhe protecção no art° 4° do Protocolo n° 7, adicional à CEDH, de 22/11/1984 e no art° 14°/7, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Esta proibição de duplo julgamento não é mais do que a manifestação da dimensão substantiva da figura do caso julgado, que na sua vertente subjectiva confere ao cidadão o direito ao ne bis in idem e, na vertente objectiva, impõe ao Estado a obrigação de conformação legislativa com esse princípio.

E, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 15-03-2006, proferido no processo n.º 05P4403 (Relator: Conselheiro Oliveira Mendes):  

«É evidente que a circunstância de a lei adjectiva penal vigente não regular o caso julgado não significa que o processo penal prescinde daquele instituto, consabido que nesta concreta área do Direito se sente com muito maior intensidade e acuidade a necessidade de protecção do cidadão contra situações decorrentes da violação do caso julgado, instituto que também encontra fundamento num postulado axiológico, qual seja o da justiça da decisão do caso concreto, para além de outros, com destaque para a garantia da segurança e da paz jurídicas.

Aliás, a nossa Constituição Política consagra de forma irrefutável o caso julgado penal, ao dispor no seu artigo 29º, n.º 5, que: «Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo crime» [-].

A lei fundamental ao referir-se ao duplo julgamento e ao mesmo crime carece, contudo, de interpretação, a qual, conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira [[14]], deverá ter em especial atenção que os preceitos constitucionais não podem ser considerados isoladamente e interpretados a partir de si próprios, devendo assim considerar-se as conexões de sentido que se estabelecem entre os seus preceitos, bem como a “arquitectura sistemática” de cada divisão da Constituição. Por outro lado, certo é também que a tarefa interpretativa dos preceitos constitucionais não prescinde igualmente de uma visão global dos ramos de direito em que se projectam, e que ao fim e ao cabo pretendem nortear».


Podemos, pois, definir o caso julgado como o efeito processual da sentença transitada em julgado, que a torna decisiva e vinculativa e impede que o que nela se decidiu seja modificado ou atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material).

Reconduz-se esta figura jurídica ao princípio de que o objecto do processo não deve ter sido objecto de outro processo, distinguindo-se entre caso julgado formal, que respeita ao efeito da irrecorribilidade da decisão no próprio processo em que é proferida, determinando a sua definitividade e exequibilidade, e caso julgado material que, respeitando a decisões de mérito, consubstancia a eficácia da decisão anterior relativamente a qualquer outro processo ulterior com o mesmo objecto, impedindo a renovação da apreciação judicial sobre a mesma matéria.

Na falta de regulamentação no Código de Processo Penal, a questão deverá examinar-se mediante convocação das disposições pertinentes do Código de Processo Civil, a aplicar de acordo com as especificidades decorrentes da natureza e da finalidade do processo penal, assim as “harmonizando” com este, nos termos do disposto no artigo 4.º daquele diploma.

Releva, para o efeito, desde logo, o disposto nos artigos 619.º e 620.º daquele Código, que delimitam e dão conteúdo aos conceitos de caso julgado material – transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º – e de caso julgado formal – as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

  Acompanhando-se RUI PINTO:

«Numa das acepções do caso julgado, diz-se que «alcançada a qualidade de imutabilidade [[15]], o enunciado constante da decisão passa a ter “força obrigatóriadentro do processo […] e fora dele, quando julgue do mérito da causa».

Como se dá nota, «este diferente âmbito do caso julgado tem, pois, que ver com o objecto da decisão e corresponde. Respectivamente, ao caso julgado formal e ao caso julgado material.

Segundo o autor, a força obrigatória desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e por efeito positivo do caso julgado.           

 O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da excepção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem.

 O efeito positivo ou autoridade lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior [-] …

  Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão do poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão[16].

Ora, como bem refere o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, a agora recorrente reedita o recurso de revisão que requerera e que foi negada por acórdão de 04-04-2019 deste Supremo Tribunal.

 Na verdade, compulsando os fundamentos ali invocados e os que agora se apresentam, não há dúvidas de que se verifica a repetição do recurso, nas várias vertentes assinaladas: identidade da recorrente; identidade da decisão revidenda; identidade da causa de pedir ou dos fundamentos e a identidade do pedido.

Ainda que a figura do caso julgado não esteja aí expressamente mencionada, é inquestionável que o artigo 465.º do CPP a tem subjacente ao estatuir que «Tendo sido negada a revisão, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento».

 Daí que a excepção do caso julgado invocada deveria proceder, não se conhecendo do recurso interposto.


2.2. Não obstante, sempre se dirá, repetindo-se o já afirmado no citado acórdão de 4 de Abril de 2019, não existem novos factos de justifiquem a pretendida revisão.

           

Um tal pedido só poderia ter como fundamento a descoberta de novos meios de prova, situação que no caso também não se verifica porquanto as quatro testemunhas indicadas - uma amiga (GG.) e a filha (HH.) irmã (JJ.) e mãe (II.) da recorrente - não foram ouvidas em julgamento nem o seu depoimento foi para o efeito requerido, não podendo a recorrente ignorar a sua existência e o conhecimento que elas alegadamente tinham. Assim sendo, a sua inquirição só poderia ter lugar, de acordo com o disposto no artigo se a requerente tivesse invocado uma razão justificativa para a impossibilidade de prestação desse depoimento na audiência de julgamento, o que no caso também não se verificou. A alegação de que se «encontravam impossibilitadas de depor por facto não imputável às mesmas» não constitui justificação da impossibilidade de depor já que se trata de mera reprodução do teor do preceito legal.

Não existe qualquer fundamento, em sede de recurso de revisão, para renovar depoimentos ou declarações já prestados ou para produção da pretendida prova por acareação na medida em que é patente não constituírem elementos de prova novos e, por conseguinte, não constituírem fundamento da revisão.

O pedido da recorrente no sentido da obtenção pelo tribunal dos dados de tráfego de um telemóvel que ela ou a sua amiga a seu pedido teriam utilizado para ligar para a polícia, também fora requerido naquele recurso de revisão, tendo-se então considerado no citado acórdão que, de acordo com a lei, não podem ser conservados pelas operadoras por um tão largo período de tempo sem que antes tal tenha sido determinado.

Sendo que, mesmo que a indicada prova fosse produzida e obtida, não seria a mera ausência da recorrente do local em que a parte final da fase executiva do crime teve lugar que obstaria à sua condenação pela co-autoria do indicado crime de roubo qualificado.

Os factos/meios de prova agora apresentados não têm qualquer virtualidade para pôr em causa o sedimento fáctico em que assentou a condenação da recorrente ou para afectar de forma relevante os fundamentos em que se estribou a convicção do Tribunal, como, reafirma-se, este Supremo Tribunal já declarou em decisão proferida no recurso de revisão que a recorrente interpôs anteriormente.

Por último, como se lembra na informação prestada sobre o mérito do recurso, «no que concerne à medida concreta da pena de prisão aplicada, não pode a recorrente alcançar a sua alteração por via do presente mecanismo processual, atenta a conjugação da citada alínea d), do nº1, com o nº3, do artigo 449º, do CPP».

Pelo exposto, o pedido de revisão da sentença, com suposto fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP mostra-se manifestamente sem qualquer viabilidade, pelo que é negado.


2.3. Como também já fora considerado no acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido no anterior recurso de revisão interposto, o pedido agora formulado é manifestamente infundado pelo que a recorrente deve ser condenada, de acordo com o disposto no artigo 456.º do CPP, no pagamento de uma quantia entre 6 e 30 UC.

Atendendo à patente violação do dever de diligência, traduzido na repetição dos fundamentos invocados no anterior recurso de revisão e na desconsideração do disposto no artigo 465.º do CPP, entende-se dever fixar tal quantia em 15 UC.


III – DECISÃO

  Termos em que acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

1. Negar a revisão – artigo 456.º do CPP;

2. Condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

3. Por o recurso ser manifestamente infundado, condenar a recorrente no pagamento de uma quantia correspondente a 15 UC.


 (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP – que assina digitalmente)


Tem voto de conformidade da Ex.ma Conselheira Adjunta Conceição Gomes


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 18 de Novembro de 2020

Manuel Augusto de Matos (Relator)

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[1] Neste sentido e não no da absolvição da instância penal, veja-se o AcSTJ de 24.1.2018 - Proc. n.º 570/09.8TAVNF-C.P1-B, sumariado in SASTJ.
[2] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 498.
[3] Disponível, como os demais que se citarem sem outra indicação, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[4] Direito Processual Penal, I Volume, Coimbra Editora, 1974, p. 44.
[5] Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, p. 129.
[6] Código de Processo Penal Anotado, II volume, pp. 1042-1043.
[7] O “Mito do Caso Julgado” e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 559.
[8] Neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, anotação 12 ao artigo 449.º.
[9] Comentário do Código de Processo Penal, cit., p. 1212.
[10] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais, Janeiro-Dezembro 2015.
[11] Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Janeiro – Dezembro de 2010, Assessoria Criminal.
[12] A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Colecção teses, Almedina, Coimbra 1996, p. 302.
[13] Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, pp. 336-337.
[14] Constituição da República Portuguesa Anotada (1978), 21 e 55.
[15] A primeira acepção do caso julgado respeita à imutabilidade decisória.
[16] “Excepção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”. JULGAR online, Novembro de 2018.