I. Via de regra, quando a Relação adita oficiosamente à factualidade considerada como provada outra matéria, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, não tendo nenhuma das partes impugnado esta parte da decisão da matéria de facto nas alegações dos respetivos recursos de apelação, conformando-se com a mesma, o acórdão é nulo, nessa parte, por excesso de pronúncia.
II. Cabendo ao STJ suprir o vício em apreço, deve ter-se por não escrita essa parte do acórdão recorrido, eliminando-se da matéria de facto provada o ponto aditado pela Relação (arts. 615.º, n.º 1, al d), in fine, e 684.º, n.º 1, do CPC).
III. O condutor do conjunto trator + reboque, ao violar o disposto no art. 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, deu causa, em termos de causalidade adequada (art. 563° do CC), à eclosão do acidente produtor dos danos sofridos pelo Autor.
IV. A jurisprudência do STJ tem, predominantemente, atribuído um grau de responsabilidade maior ao condutor de veículo que realize manobra de mudança de via de trânsito sem se assegurar que o faz em local e por forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, do que ao condutor de veículo que, por circular com velocidade excessiva para o local e circunstâncias da via, não consegue evitar o embate.
V. No que respeita ao valor das indemnizações fixadas pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer dos danos patrimoniais, quer dos não patrimoniais, o Tribunal da Relação estava impedida de o reduzir. Com efeito, formou-se sobre eles caso julgado, atento o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo de o poder aumentar em virtude do recurso de apelação do Autor.
VI. A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses.
I – Relatório
1. AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A. (ulteriormente substituída, nos termos do art. 354.°, n.º 3, do CPC, na posição processual de Ré, pela Seguradoras Unidas, S.A.[1]), pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de capital de € 180.713,00 a título de indemnização por danos patrimoniais (€ 140.713,00) e não patrimoniais (€ 40.000,00), acrescida de juros de mora, e no pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas em que venha a incorrer, com base na responsabilidade civil extracontratual.
2. Para tanto, alegou, em síntese, que foi interveniente num acidente de viação que se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do trator agrícola em que embateu, trator esse que tinha atrelado um reboque, ambos segurados na Ré, pelo que esta se constituiu na obrigação de o indemnizar dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
3. A Ré contestou, por exceção e por impugnação: por exceção, alegou que o contrato de seguro relativo ao atrelado caducara por força da alienação do bem em data anterior à data do sinistro; por impugnação, impugnou a generalidade dos factos alegados pelo Autor no que respeita quer à dinâmica do acidente de viação, quer à ocorrência dos danos sofridos (opondo-se ainda aos valores peticionados), pugnando ainda pela culpa exclusiva do último na produção do resultado.
4. Acautelando a hipótese de procedência da exceção perentória invocada pela Ré, o Autor deduziu o incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel (enquanto legal garante da satisfação da indemnização peticionada) - deduzindo contra o mesmo idêntico pedido -, de BB (enquanto condutor do veículo segurado na Ré) e de Ferreira & Ferreira Pecuária, Lda. (enquanto proprietária do atrelado), incidente este que foi julgado procedente, tendo sido determinado o chamamento dos três Intervenientes, para intervirem nos autos, do lado passivo.
5. Os Intervenientes Principais BB e Ferreira & Ferreira Pecuária, Lda. contestaram a ação, por exceção - sustentando serem partes ilegítimas (porquanto, à data do acidente, o atrelado pertencia à sociedade segurada na Ré, não tendo ocorrido a invocada caducidade do contrato de seguro) - e por impugnação no que respeita quer à dinâmica do acidente de viação, quer à verificação dos danos, pugnando ainda pela culpa exclusiva do Autor na produção do resultado.
6. O Interveniente Principal Fundo de Garantia Automóvel contestou a ação por impugnação motivada (relativamente à matéria relativa à dinâmica do acidente de viação e aos danos), defendendo ainda não só que a responsabilidade civil deve recair exclusivamente sobre a Ré (enquanto seguradora do trator), inexistindo, pois, qualquer responsabilidade autónoma relativa ao atrelado, mas também que os valores peticionados são manifestamente exagerados, sendo certo que a eventual reparação terá de observar os limites especiais previstos na lei.
7. Antes da audiência prévia, procedeu-se à instrução da causa mediante a realização de uma perícia médico-legal para a avaliação do dano corporal em direito civil, pelo Gabinete Médico-Legal e Forense dos Açores Oriental do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.
8. Findos os articulados, teve lugar uma audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido o despacho saneador - no qual se considerou que as exceções invocadas pelos Intervenientes Principais BB e Ferreira & Ferreira não são dilatórias, prendendo-se antes com o mérito da causa, pelo que o respetivo conhecimento foi relegado para final -, tendo ainda sido proferido o despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
9. Subsequentemente, a causa foi instruída com a realização de uma perícia técnico-científica de reconstituição do acidente, após vicissitudes várias, neste domínio, espelhadas nos autos.
10. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual, a 14 de maio de 2019, foi proferida a seguinte sentença:
“Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
I. condeno a Ré Seguradores Unidas, S.A. a pagar ao Autor AA a quantia global de € 56.753,88 (cinquenta e seis mil, setecentos e cinquenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente ao somatório da quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais e da quantia de € 78.507,76 (setenta e oito mil, quinhentos e sete euros e setenta e seis cêntimos) a título de indemnização por danos patrimoniais, reduzido à proporção de metade, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal prevista para os juros civis, absolvendo-a do remanescente peticionado;
II. absolvo o Interveniente Principal Fundo de Garantia Automóvel do pedido contra o mesmo deduzido pelo Autor AA;
III. julgo verificada a ausência de qualquer responsabilidade sobre o acidente de viação a que se reportam os autos por parte dos Intervenientes Principais BB e Ferreira & Ferreira Agro Pecuária, Lda.;
IV. condeno o Autor AA e a Ré Seguradores Unidas, S.A. nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao primeiro”.
11. Inconformados, tanto o Autor como a Ré interpuseram recurso da sentença - ambos admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
12. Não houve contra-alegações.
13. Segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
“Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação da Ré SEGURADORES UNIDAS, S.A. e em conceder parcial provimento à Apelação do Autor, alterando a sentença recorrida e condenando a Ré SEGURADORES UNIDAS, S.A. a pagar ao Autor a quantia global de € 79.005,16 (setenta e nove mil e cinco euros e dezasseis cêntimos) - correspondente a 2/3 da quantia de € 78.507,76 (setenta e oito mil, quinhentos e sete euros e setenta e seis cêntimos), atribuída a título de indemnização por danos patrimoniais, e a 2/3 da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), arbitrada a título de indemnização por danos não patrimoniais -, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal prevista para os juros civis, e absolvendo-a do remanescente peticionado.
No mais, confirma-se a sentença recorrida”.
14. Irresignada, a Ré interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:
“I - Da Decisão da alteração da Matéria de Facto Assente ao abrigo do disposto no art.º. 5 n. 2 alínea b) do CPC pelo douto tribunal da Relação:
1 - No que concerne à matéria de facto entende a recorrente que não podia o douto Tribunal da Relação de Lisboa ter aditado a matéria constante do art.º 17-23 A dos factos assentes, atendendo a que a mesma não foi posta em causa por qualquer das partes;
2 - Por diversas vezes o supremo tribunal de justiça já se pronunciou sobre esta questão concluindo “As modificações a introduzir na matéria de facto pela Relação devem, em princípio e em consonância com o princípio do dispositivo, respeitar o conteúdo da impugnação do recorrente, dado que é a respetiva síntese conclusiva que baliza e traça o objeto do recurso; só assim não será nos casos em que, independentemente da referida impugnação, tenha sido desrespeitada prova tarifada ou vinculada ou a Relação tenha de proceder à harmonização dos factos modificados com outros não impugnados com a finalidade de evitar contradições (arts. 662.º, n.º 1, e 635.º do CPC). V - Ao ter eliminado um facto sem que o mesmo tivesse sido impugnado e sem que tal eliminação se apresentasse como necessária numa perspetiva de harmonização com a restante materialidade provada, incorreu a Relação em excesso de pronúncia, sendo o acórdão recorrido, nesse segmento, nulo (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC). Acórdão stj de 22-02-2017 - Revista n.º 1512/07.0TBCSC.L1.S1 - 7.ª Secção -Fernanda Isabel Pereira (Relatora) - Olindo Geraldes -Nunes Ribeiro
Ora, o douto tribunal recorrido não respeitou os princípios insertos nos artgs 635º e 662º do C. P. Civil.
3 - Nenhuma das partes nem A. nem R. impugnaram esta parte da matéria assente tendo-se conformado com a mesma.
4 - Esta decisão do douto Tribunal da Relação constitui uma surpresa para as partes.
5 - Na verdade, para além da fotografia em que o douto tribunal da relação se alicerçou para determinar a inserção desse facto e que, manifestamente, se refere a uma data muito posterior ao acidente, não foi prestada qualquer outra prova do mesmo;
6 - Sendo certo que não consta dos autos qualquer referência quanto à data da fotografia. Aliás, se a visualizarmos é fácil perceber que a mesma não foi tirada no dia do acidente, ou seja no local do acidente nem tão pouco antes deste;
7 - Por outro lado, o douto Tribunal da Relação insere nos factos provados (17-A) uma conclusão que não constitui um facto.
8 - Assim, a conclusão tirada pelo douto acórdão, ou seja, “17 A- No momento do acidente, o sistema de iluminação de reboque não estava em funcionamento, pelo que este apenas podia ser identificado durante a noite através das placas retrofectoras traseiras “pode não corresponder à verdade,
9 - Ao contrário do que conclui o perito em causa à data do acidente o atrelado não estava obrigado a cumprir o disposto no DL 11/2010 de 12 fevereiro, porquanto ainda não tinha entrado em vigor no que diz respeito aquele tipo de veículos;
10 - Daqui decorre que o atrelado, à data do acidente, não era obrigado a ter em funcionamento quaisquer sinais de pisca ao contrário, por exemplo, do que acontecia com o trator:
11 - De qualquer modo não resulta assente que o veículo trator (diferente do reboque) não tivesse feito sinal de pisca;
12 - Sabemos que em princípio e por regra o douto Supremo Tribunal de Justiça não sindica a matéria de facto;
13 - No entanto, neste caso poderá fazê-lo, já que o douto Tribunal recorrido baseou-se apenas num documento (fotografia) para o fazer; desacompanhada de quaisquer outros elementos de prova.
14 - O STJ pode intervir na decisão da matéria de facto desde que limitada aos casos previstos nos art.s 674º, nº 3 (violação expressa da lei) e 682º, nº 3, do CPC. Não está, porém, vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.
15 - Pelo supra exposto, deverá ser eliminado o facto aditado pelo tribunal da
relação e que consta de 17 A da matéria assente e provada, por ser nulo nesse segundo o douto acórdão.
16 - Com a prova produzida em juízo deve a mesma ser alterada no cumprimento do disposto no artº 607 do código de processo civil;
II - Quanto à responsabilidade e da medida da culpa
17 - Ora, entende a recorrente que o Autor contribui exclusivamente para a ocorrência do acidente, já que conforme alegado não existiu qualquer facto repentino, súbito que justificasse o facto do autor ter-se enfaixado na traseira do veiculo seguro na R., tanto mais que este encontrava-se com o pirilampo acesso e com faixas refletores e que o próprio autor reconhece que já o tinha avistado ao longe, pelo menos a cerca de 500 metros de distância .
18 - Ou seja, o autor apesar de avistar um veiculo daquelas dimensões que pela sua condição tinha necessariamente que ocupar pelo menos a totalidade de uma faixa de rodagem, e até alguma parte da faixa mais à esquerda, não adequa a velocidade aquele perigo, não sinaliza a sua presença com um apito, com sinais de luz ou até mesmo com sinal de ultrapassagem e, pelo contrário, esbarra na traseira do veículo a uma velocidade que era superior à permitida para o local e sem sequer ter tempo de esboçar qualquer travagem;
19 - O condutor do veículo tractor circulava a cerca de 25km/hora.
20 - Ora, um do prossuposte da responsabilidade civil é a causalidade da adequada (Art.º386 do C. C.) e parece-me evidentes causalidade adequada nesta causa é de facto a velocidade já que antes comprova ter avistado o veículo tractor a bastante distancia.
21 - A verdade é que o autor apesar de se aproximar de um veículo daquela dimensão do dever circular o mais à direita possível, (o que não acertava) circula pela faixa da esquerda não reduz a velocidade e enfaixa-se na traseira do reboque.
22 - Nos termos do disposto no art.º 38 do Código de Estrada o condutor não deve iniciar uma manobra de ultrapassagem sem certificar-se que o autor conduzia o seu veiculo de tal forma displicente, animado de velocidade, que quiçá alguma quanto á iluminação do trator e do reboque 1 - O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário. 2 - O condutor deve, especialmente, certificar-se de que:
a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança;
3 - Para a realização da manobra, o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado. …”
23 - Ainda, e conforme o descrito no Artigo 24.º do código de estrada; “1 – O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente;
24 - Estava nas mãos do autor ter evitado aquele acidente, bastando para dar adequar a velocidade, chegar-se mais à esquerda, ou até mesmo emitir um sinal sonoro para sinalizar a sua presença e ultrapassar o veículo sem qualquer constrangimento.
25 - Foi o autor o único causador do acidente.
26 - Não ter qualquer destes comportamentos o autor infringiu aquelas disposições legais, pelo que a culpa no acidente deverá ser-lhe assacada na totalidade nos termos do disposto no art.º 563 do código civil.
27 - Devendo a R. ser absolvida do pedido.
III - Quanto ao montante indemnizatório a título de danos patrimoniais e não patrimoniais:
28 - O douto acordão da relação altera o montante da indemnização peticionada a título de danos morais de 35.000,00 euros para 40.000,00 euros.
29 - Ao mesmo tempo que refere que a indemnização a título de lucros cessantes e dano biológico arbitrada pela 1ª instância ultrapassava os montantes normalmente arbitrados pela jurisprudência;
30 - Ora, como boa pratica da justiça e devendo o pedido deduzido pelo autor ser considerado na sua globalidade deveria o tribunal recorrido ter tido em consideração esse facto e não ter alterado o montante global da indemnização arbitrada em sede de 1ª instância, ao invés de aumentar o montante de indemnização dos danos morais.
31 - “II. Os limites da condenação, ditados pelo princípio do dispositivo, reportam-se ao pedido global e não às parcelas em que, para determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano.”
32 - O montante de 40.000,00 euros arbitrado a título de danos morais é deveras exagerado e elevado considerando os danos sofridos pelo autor e a actual jurisprudência e doutrina atentas as circunstâncias.
33 - Pelo que, deverá ser reduzido aos limites constantes da primeira instância;
Deverá assim revogar-se a decisão ora recorrida, e absolver a R. do montante do pedido.
COMO É DE JUSTIÇA”.
15. AA contra-alegou, expondo as seguintes Conclusões:
“1. O Recurso apresentado pela Recorrente nos presentes autos é inadmissível, dada a circunstância de existir uma situação jurídica de “Dupla conforme”.
2. Na realidade, o Tribunal da Relação …, apesar da concreta alteração factual que determinou, seguiu a mesma solução de Direito sustentada pelo Tribunal de 1ª Instância.
3. Deste modo, inscrevendo-se ambas as decisões no mesmo quadro normativo, verifica-se que estamos perante uma limitação objectiva à admissão do Recurso Revista apresentado pela Recorrente, conforme, aliás, tem sido defendido pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça – Ac. do STJ de 08/02/2018 – Processo n.º 2639/13.5TBVCT.G1.S1 in www.dgsi.pt, o que desde já aqui se invoca.
4. Assim deve o “Recurso de Revista” apresentado pela Recorrente ser declarado inadmissível, e o “Recurso de Revista Excepcional” igualmente apresentado ser rejeitado, pelo facto do mesmo não ter o enquadramento previsto no artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil, nem a Recorrente ter cumprido com o ónus que lhe é imposto pelas alíneas a), b) e c) d9 artigo 672.º n.º 2 do mesmo Código.
5. Sem prescindir, e com o devido respeito, importa referir que a Recorrente limita-se a discordar da decisão recorrida, sem apontar um único facto concreto que tivesse escapado à ponderada análise dos Juízes que proferiram o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que impusesse indubitavelmente uma decisão de Direito diversa da ora proferida.
6. Fixada a matéria de facto nos presentes autos, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantida na íntegra.
Termos em que, deve o Recurso apresentado pela Recorrente ser rejeitado ou, caso V. Exas. Assim não o entendam, ser julgado manifestamente improcedente, mantendo-se na íntegra o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por assim ser de Direito e Justiça!”
II – Questões a decidir
Sem embargo das questões de que possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
Efetivamente, embora na falta de especificação logo no requerimento de interposição o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.°, n.º 3, do CPC), o seu objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (art. 635.º, n.º 4, do CPC). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, não podem ser conhecidas pelo Tribunal de recurso.
Por outro lado, enquanto mecanismo de impugnação de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius nouarum, id est, decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Ademais, também o Tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos alegados, mas apenas - e com liberdade no que toca “à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.°, n° 3, do CPC) - de todas as "questões" suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.°, n.º 2 ex vi do art. 663.°, n.º 2, do CPC).
No caso sub judice, estão em causa as seguintes questões:
a) se o acórdão recorrido se encontra ou não ferido de nulidade na parte em que o Tribunal da Relação aditou oficiosamente à factualidade considerada como provada a matéria constante do ponto 17-A, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC atendendo a que nenhuma das partes impugnou esta parte da decisão da matéria de facto nos respetivos recursos de apelação;
b) se foi o Autor que contribuiu de forma exclusiva para a ocorrência do acidente de viação;
c) se, havendo o Tribunal da Relação aumentado o montante da compensação peticionada a título de danos não patrimoniais de € 35.000,00 para € 40.000,00, de um lado e, de outo, reconhecido que a indemnização devida a título de danos patrimoniais arbitrada pelo Tribunal de 1.ª Instância ultrapassava os montantes normalmente conferidos pela jurisprudência, o pedido do Autor deve ser considerado na sua globalidade, não devendo o Tribunal recorrido ter aumentado o montante global da indemnização arbitrada pelo Tribunal de 1.ª Instância;
d) se, no caso de o fundamento de recurso por último invocado não proceder, o montante da compensação por danos não patrimoniais arbitrado pelo Tribunal da Relação (€ 40.000,00) se afigura excessivo, atendendo aos danos sofridos pelo Autor e à jurisprudência, devendo ser reduzido ao montante fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância.
III – Fundamentação
A) De Facto
Após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação ..., foram considerados como provados os seguintes factos:
“1. Em … .10.2013 a responsabilidade civil emergente de acidente de viação provocado pelo veículo trator agrícola de matrícula …-IN-… (doravante indicado apenas como "trator" por melhor facilidade de exposição), propriedade da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira Agro Pecuária, Lda., mostrava-se transferida para a Ré mediante a apólice n° ....37 [artigos 3° e 4° da petição inicial];
2. Em … .10.2013 o reboque de matrícula A-…61 (doravante indicado apenas como "reboque" por melhor facilidade de exposição) pertencia à sociedade "Irmãos Inácio Serviços Agrícolas e Transportes, Lda." [artigo 3° da petição inicial, artigo 2° da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira Agro Pecuária, Lda. e artigo 2° da contestação do Interveniente Principal BB];
3. Em … .10.2013 a responsabilidade civil emergente de acidente de viação provocado pelo reboque mostrava-se transferida para a Ré mediante a apólice n° .....41 [artigo 4° da petição inicial, artigo 2° da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira Agro Pecuária, Lda. e artigo 3° da contestação do Interveniente Principal BB];
4. Em … .10.2013 o Autor era o legítimo proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-ZI, da marca e modelo Renault …. (doravante indicado apenas como "automóvel" por melhor facilidade de exposição) [artigo 1° da petição inicial];
5. No … .10.2013, pelas 20:40h., na Estrada Regional n° .. — ..', ao Km. …, freguesia da ...., concelho de ...., o automóvel, conduzido pelo Autor, embateu no reboque, que estava atrelado ao trator, conduzido pelo Interveniente Principal BB [artigo 2° da petição inicial];
6. A dita Estrada Regional n° .. — .., ao Km. …, apresenta dois sentidos de circulação, delimitados por sinalização longitudinal do tipo Ml (linha contínua), sendo que no sentido de P… - R…. existe apenas uma faixa de rodagem de sentido único e, no sentido R…. - P...., existem duas hemifaixas de rodagem de sentido único, delimitadas entre si por sinalização longitudinal do tipo M2 (linha descontínua), que acabam por se fundir numa só, o que se encontra devidamente sinalizado por intermédio de placa sinalizadora com indicação de supressão de hemifaixa de rodagem (Sinal de Transito H32) e cedência de passagem (sinal de trânsito BI) [artigos 5° e 6° da petição inicial, artigo 9° da contestação da Ré e artigo 10° da contestação do Interveniente Principal BB];
7. Toda a faixa de rodagem tinha uma largura de 10 metros e cada uma das hemifaixas de rodagem no sentido R… — P… tinha 3,50 metros [artigo 18° da contestação da Ré e artigo 19° da contestação do Interveniente Principal BB];
8. A velocidade máxima permitida no local é de 80 Km/h [parte do artigo 7° da petição inicial];
9. O tempo encontrava-se bom, o piso betuminoso seco e em bom estado e não existia qualquer iluminação pública [parte do artigo 7° e artigo 8°, ambos da petição inicial];
10. Quer o Autor, quer o Interveniente Principal BB, conduziam o automóvel e o trator, respetivamente, no sentido R… - P… [parte do artigo 9° da petição inicial, artigo 8° da contestação da Ré, artigo 7° da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira e parte do artigo 9° da contestação do Interveniente Principal BB];
11. O Autor conduzia o automóvel na hemifaixa de rodagem da esquerda [parte do artigo 9° da petição inicial];
12. A largura do automóvel é de cerca de 1,50 metros [artigo 20° da contestação da Ré e parte do artigo 21° da contestação do Interveniente Principal BB];
13. O Autor conduzia a uma velocidade de cerca de 93 Km/ h. [artigo 11° da contestação da Interveniente Ferreira & Ferreira e parte do artigo 14° da contestação do interveniente BB];
14. Nas mesmas circunstâncias, o reboque encontrava-se atrelado ao tractor que, por seu turno, circulava a uma velocidade de cerca de 25 km/h., mas na faixa de rodagem da direita, tendo o conjunto tractor + reboque invadido, em 0,75 metros, a hemifaixa da esquerda [parte do artigo 10° e parte do artigo 22°, ambos da petição inicial];
15. O reboque tinha 6,80 metros de comprimento e 2,46 metros de largura [artigo 15° da contestação da Ré, parte do artigo 12° da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira e artigo 16° da contestação do Interveniente Principal BB];
16. O reboque encontrava-se carregado de areia [parte do artigo 8° da contestação da Ré e parte do artigo 9° da contestação do Interveniente Principal BB];
17. O trator tinha em funcionamento uma lâmpada rotativa e o reboque tinha painéis refletores [parte do artigo 16° da contestação da Ré, do artigo 13° da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira e dos artigos 17° e 18° da contestação do Interveniente Principal BB];
17-A - No momento do acidente, o sistema de iluminação do reboque não estava em funcionamento, pelo que este apenas podia ser identificado durante a noite através das placas retrorrefletoras traseiras.
18. O Autor, sem que tenha tido tempo para travar, não logrou evitar o embate do automóvel na traseira do reboque, tendo de seguida capotado sobre si mesmo, acabando por se imobilizar na via de trânsito de sentido contrário [parte do artigo 11° da petição inicial];
19. O embate deu-se no canto esquerdo traseiro do reboque [artigo 11° da contestação da Ré];
20. Em resultado, o Autor sofreu traumatismo do membro superior esquerdo (lado passivo) com esfacelo grave da face posterior do antebraço esquerdo, tendo sido prontamente transportado de ambulância para os Serviços de Urgência do Hospital ..., E.P.E., onde foi assistido medicamente [artigos 26° a 28° e 77°, todos da petição inicial];
21. O Autor foi então submetido a anestesia dissociativa, tendo sido feita a limpeza de esfacelo da face posterior do antebraço esquerdo, com remoção de vidros e penso de pressão negativa e tendo, no dia 7 de Outubro de 2013, sido submetido a anestesia geral para efetuar desbridamento e penso de pressão negativa [artigos 29° e 30° da petição inicial].
22. No dia 6 de novembro de 2013 o Autor foi novamente submetido a anestesia geral para efetuar enxerto livre de pele parcial para cobertura de esfacelo da face posterior do antebraço esquerdo, pele esta que foi colhida na face anterior da coxa homolateral [artigo 231° da petição inicial];
23. O Autor permaneceu imobilizado parcialmente durante quatro semanas consecutivas, tendo tido alta a 12 de novembro de 2013, sujeito a medicação [parte do artigo 32° e artigo 79°, ambos da petição inicial];
24. Consta o seguinte do exame de observação em consulta de Medicina Física e de Reabilitação de 26.11.2013:enxerto cutâneo no antebraço esquerdo ainda com área cruenta na região central (em cicatrização por segunda intenção); amplitude de movimentos completa a nível do ombro esquerdo; cotovelo com limitação de mobilidade activa - flexão 135° e extensão com défice de cerca de 40°; força muscular a nível do cotovelo (flexão/extensão) grau 4; punho com amplitudes articulares passivas completas mas com dor nos últimos graus de movimento, diminuição da flexão activa (40°) e diminuição da força muscular (grau 4 na escala MRC de O a 5); mão esquerda com diminuição da flexão dos dedos (não conseguia flexão completa das MCF ¬cerca de 80° de flexão); força muscular a nível de flexão dos dedos grau 3, encontrando-se o Autor a cumprir programa de reabilitação (cinesiterapia, fortalecimento muscular, treino de atividades de vida diária e destreza manual) [artigo 33° da petição inicial];
25. Em observação clínica de 28.01.2014, o Autor apresentava o cotovelo esquerdo com amplitude de 0-135°. Força muscular grau 4/5; punho esquerdo: amplitude de movimentos com dedo em flexão: E-35; F-30°; com dedos em extensão: E-45'; F-45°; Força muscular - grau 4+/5, com indicação para avaliação pela cirurgia plástica e reconstrutiva e manter fisioterapia [artigo 34° da petição inicial];
26. Em observação clínica de 31.12.2013, o Autor apresentava um quadro de perturbação Pós stress traumático na sequência do evento: "Os sintomas incluem uma reexperimelitação persistente do evento traumático, evitamento de estímulos associados ao trauma, embotamento emocional e sintomas persistentes de ativação psicofisiológica. A perturbação causa prejuízo significativo a nível social e ocupacional." [artigo 35° da petição inicial];
27. O Autor frequentou mais de 30 sessões de fisioterapia [artigo 36° da petição inicial];
28. O Autor queixa-se de dores e fraqueza no membro superior esquerdo [artigo 37° da petição inicial];
29. O Autor encontra-se impossibilitado de efetuar esforços com o braço esquerdo [artigo 38° da petição inicial];
30. O Autor exercia, até pouco antes do embate, as funções de pintor e bate chapa de automóveis [artigo 40° da petição inicial];
31. O grau de Incapacidade Permanente Geral é de 19 pontos [parte do artigo 47° da petição inicial];
32. O Autor padeceu de um período de incapacidade geral total, de 04.10.2013, data do internamento, a 12.11.2013, data da alta hospitalar, de 40 dias [artigos 48° e 78° da petição inicial];
33. O Autor padeceu de um período de incapacidade geral parcial de 13.11.2013 a 16.05.2014, data da consolidação das lesões, de 185 dias [artigo 49° da petição inicial];
34. O Autor sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7 [artigo 50° da petição inicial];
35. O Autor sofre de um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7 [artigo 51° da petição inicial];
36. O Autor nasceu a 09.05.1987 [parte do artigo 53° da petição inicial];
37. À data do embate o Autor era alegre, divertido, saudável, não apresentava queixas de saúde e desenvolvia sem limitação a sua atividade profissional [parte do artigo 53° e artigos 54°, 75° e 76°, todos da petição inicial];
38. Em resultado do embate, o automóvel ficou destruído, sendo que, à data, tinha o valor de EUR 13.228,00 [artigos 67° e 69°, ambos da petição inicial];
39. No âmbito da assistência clínica, o Autor suportou as seguintes despesas: a) L….. — EUR 62,00; b) A…, Lda. - EUR 65,00; c) Clinica …, S.A. - EUR 85,00; d) Centro de Reabilitação…., Lda. - EUR 600,00; e) Centro médico…, Lda. - EUR 305,00; e f) Transportes - EUR 1.368,00 [artigos 71° e 72°, ambos da petição inicial].
40. Após a alta o Autor teve de permanecer acamado, com vista à sua recuperação, o que lhe causou incómodos e dores no corpo [artigo 80° da petição inicial];
41. O Autor passou a sofrer de dores e mal-estar, o que o deixa triste e revoltado [parte do artigo 82° e artigo 83°, ambos da petição inicial];
42. O Autor tem cuidado com o braço de modo a evitar qualquer choque com uma qualquer superfície, com o intuito de evitar o agravamento do seu estado de saúde, o que lhe provoca nervosismo, angústia, tristeza, choro, revolta e insegurança quanto à sua saúde futura, temendo o agravamento do seu estado [artigos 86° a 88° da petição inicial]”.
Factos Considerados Não Provados:
“a) Em … .10.2013 o reboque pertencia, desde há mais de seis meses, ou ao Interveniente Principal BB ou à Interveniente Principal Ferreira & Ferreira [artigos 3° e 4° da contestação da Ré];
b) A supressão da hemifaixa de rodagem referida no ponto 6. dá-se no local do embate [parte do artigo 6° da petição inicial];
c) Sem prejuízo da prova da matéria constante do ponto 13., o Autor conduzia a uma velocidade de cerca de 80 km/h. [parte do artigo 9° da petição inicial];
d) Sem prejuízo da prova da matéria constante do ponto 14., o conjunto trator -reboque circulava a uma velocidade de cerca de 10 Km/h. e invadiu a hemifaixa esquerda em 1 metro [parte do artigo 10° da petição inicial e artigo 10° da contestação da Ré];
e) A invasão da hemifaixa da esquerda, por parte do trator, foi súbita e inesperada e surpreendeu o Autor [parte do artigo 10° da petição inicial];
f) O reboque circulava sem qualquer sinalização luminosa na sua traseira [parte do artigo 11° da petição inicial];
g) O trator tinha uma outra lâmpada rotativa amarela, espelhos laterais e retrovisores e faróis e piscas operacionais [parte do artigo 16° da contestação da Ré, parte do artigo 13° da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira e parte do artigo 17° da contestação do Interveniente Principal BB];
h) Os dois painéis refletores traseiros e faróis do reboque partiram-se na sequência do embate [parte do artigo 17° da contestação da Ré e parte do artigo 18° da contestação do Interveniente Principal BB];
i) O embate deu-se dentro da hemifaixa de rodagem do lado direito no sentido R… — P… [artigo 19° da contestação da Ré e artigo 20° da contestação do Interveniente Principal BB];
j) Ao embater no reboque, o automóvel foi projetado uns metros para trás [artigo 13° da contestação da Ré e artigo 15° da contestação do Interveniente BB];
k) O Autor foi ainda alvo de diversos procedimentos cirúrgicos e ficou sujeito a recomendações médicas após a alta [parte do artigo 32° da petição inicial];
1) As lesões no braço esquerdo impossibilitam o Autor de exercer as suas funções profissionais de pintor e bate chapa de automóveis [artigos 39° e 41°, ambos da petição inicial];
m) Sem prejuízo da prova do referido no ponto 31., o grau de Incapacidade Permanente Geral é reconduzível a 30 pontos [parte do artigo 47° da petição inicial];
n) O grau de dano estético referido no ponto 34. é de intensidade crescente [parte do artigo 51° da petição inicial];
o) O Autor irá necessitar, no futuro, de sessões de fisioterapia, tratamentos cutâneos que podem ser permanentes e administração de medicamentos, bem como novas cirurgias para colmatar eventuais lesões decorrentes do enxerto de pele realizado no braço esquerdo [artigo 65° da petição inicial]; e
p) Atentas as lesões, o Autor encontra-se impedido de exercer qualquer atividade física como, entre outras, correr, jogar futebol ou nadar, dado que não pode molhar, nem apanhar Sol no braço esquerdo, o que o impede de se deslocará praia [artigo 85° da petição inicial]”.
B) De Direito
Tipo e objeto de recurso
1. Está em causa o recurso de revista interposto pela Ré Seguradoras Unidas, S.A. do acórdão do Tribunal da Relação … que negou provimento ao seu recurso de apelação e julgou parcialmente procedente a apelação do Autor, alterando a sentença recorrida e condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 79 005,16, correspondente a 2/3 da quantia de € 78 507,76, atribuída a título de indemnização por danos patrimoniais, e a 2/3 da quantia de € 40 000,00, arbitrada a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal prevista para os juros civis.
2. O Tribunal de 1.ª Instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré Seguradoras Unidas, S.A. a pagar ao Autor a quantia global de € 56 753,88, -correspondente à soma do montante de € 35 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e do valor de € 78 507,76, a título de compensação por danos patrimoniais, reduzido à proporção de metade, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal prevista para os juros civis, absolvendo a Ré do restante peticionado.
3. Foram igualmente absolvidos do pedido os Intervenientes Principais Fundo de Garantia Automóvel, BB e Ferreira & Ferreira Agro Pecuária, Lda..
4. A Ré/Recorrente interpõe recurso de revista-regra ou normal, pugnando pela inexistência de dupla conforme, ao abrigo do art. 671.º, n.º 1, do CPC, “ou revista excepcional”, à luz do art. 672.º, n.º 1, embora não tenha referido em qual das normas do n.º 1 do art. 672.º fundamenta o recurso de revista excecional, nem cumprido, minime que seja, o ónus de alegação previsto no n.º 2 do mesmo preceito.
(In)admissibilidade do recurso
1. Nas contra-alegações, o Autor/Recorrido vem pugnar pela inadmissibilidade do recurso de revista com base na existência de dupla conforme.
2. No entanto, estando em causa na presente ação um acidente de viação de que resultaram danos para o Autor, o Tribunal da Relação … fixou em 2/3 a responsabilidade do condutor do veículo segurado na Ré/Recorrente, em lugar da medida de 1/2 anteriormente fixada na sentença do Tribunal de 1 ª Instância, e aumentou o valor da indemnização devida ao Autor como consequência quer desse agravamento da responsabilidade do condutor do veículo segurado na Ré/Recorrente, quer do acréscimo do valor da compensação por danos não patrimoniais.
3. O Tribunal da Relação de Lisboa modificou também a decisão da matéria de facto, o que teve repercussão na fundamentação de direito respeitante à concorrência de culpas dos condutores intervenientes no acidente.
4. Assim, não só a decisão do Tribunal da Relação não confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, alterando os segmentos decisórios relativos a cada parcela da indemnização devida ao Autor - id est, quer em relação aos danos patrimoniais, quer em relação aos danos não patrimoniais -, como a fundamentação das decisões das instâncias é essencialmente diferente no que respeita à responsabilidade de cada condutor na produção do evento lesivo e dos danos.
5. Torna-se, assim, evidente, que não se verifica dupla conforme, não havendo obstáculos à admissibilidade do recurso de revista-regra ou normal.
Nulidade ou não do acórdão recorrido
1. A Ré/Recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido na parte em que o Tribunal da Relação … aditou oficiosamente à factualidade considerada como provada a matéria constante do ponto 17-A, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, atendendo a que nenhuma das partes impugnou esta parte da decisão da matéria de facto nas alegações dos respetivos recursos de apelação, conformando-se com a mesma.
2. Apesar de não ter identificado a causa da nulidade em apreço, estará em causa a nulidade por excesso de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
3. A este propósito, segundo o acórdão recorrido (pp. 22-23):
“Dito isto, consta do mencionado relatório de peritagem técnico-científica de acidente rodoviário um facto relevante que, apesar de ser a concretização da alegada imprevisibilidade da manobra executada pelo tripulante do tractor (ao invadir, em 0,75 cm, a hemifaixa da esquerda, deixando assim de circular integralmente na hemifaixa de rodagem da direita, onde anteriormente circulava) e de resultar da instrução da causa (por constar dum relatório pericial sobre o qual as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar), não foi considerado pelo juiz "a quo" ao enunciar na sentença os factos que teve por provado (nos termos e ao abrigo do art. 5.º, nº 2, al. b), do C.P.C.):
(...) a reportagem fotográfica do reboque, nomeadamente ao nível do sistema de iluminação traseiro, apresenta uma condição de estado danificado que configura uma condição de não funcionamento. Sendo esta condição demonstrada fotograficamente correspondente ao do dia do acidente, verifica-se que os sistemas de iluminação traseira do reboque não cumpriam a adequada iluminação e retro-reflecção conforme exigido no Regulamento UNECE 48 transposto para o decreto-lei 11/2010 de 12 de Fevereiro.
Acrescenta-se ainda que, a considerar-se que o sistema de iluminação do reboque não estava em funcionamento no momento do acidente, este apenas pode ser identificável durante a noite através das placas retrorrefletoras traseiras.
Assim sendo, esta Relação decide aditar ao elenco dos factos considerados provados estoutro facto complementar:
17-A - No momento do acidente, o sistema de iluminação do reboque não estava em funcionamento, pelo que este apenas podia ser identificado durante a noite através das placas retrorrefletoras traseiras.
Sobre o sistema de iluminação do reboque, a 1.ª instância considerou provado apenas que:
16. O trator tinha em funcionamento uma lâmpada rotativa e o reboque tinha painéis refletores [parte do artigo 16º da contestação da Ré, do artigo 13º da contestação da Interveniente Principal Ferreira & Ferreira e dos artigos 17º e 18º da contestação do Interveniente Principal BB]”.
17. Decorre do exposto supra que o Tribunal da Relação … decidiu considerar como provado que o sistema de iluminação do reboque não estava em funcionamento, facto que o Tribunal de 1.ª Instância não deu como provado.
18. Compulsados os recursos de apelação interpostos por ambas as partes, em nenhum deles se requer o referido aditamento de factos, nem sequer se colocando em causa a parte da decisão sobre a matéria de facto relativa ao sistema de iluminação do reboque.
19. A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que o Tribunal da Relação extravasa os seus poderes se introduzir alterações a pontos de facto não impugnados pelos Recorrentes, exceto nos casos em que houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ou ainda se, existindo essa prova no processo, a mesma tiver sido desconsiderada. Ressalvam-se ainda as hipóteses em que o Tribunal da Relação tenha de proceder à harmonização dos factos modificados com outros não impugnados em ordem a evitar contradições[2].
20. No caso dos autos, o Tribunal da Relação fundamentou a decisão de aditar o ponto 17-A no teor de um relatório pericial sujeito à livre apreciação do julgador (art. 389.º do CC) e, concretamente, no conteúdo de uma reportagem fotográfica do reboque interveniente no acidente de viação apreciada nessa perícia. Não se trata, assim, de qualquer prova tarifada ou vinculada, nem o aditamento dos referido se destinou à harmonização dos factos modificados com outros não impugnados com vista a evitar contradições (arts. 662.º, n.º 1, e 635.º do CPC).
21. De acordo com a jurisprudência mencionada supra, pode concluir-se que o Tribunal da Relação ultrapassou os seus poderes ao aditar factualidade em matéria não impugnada, incorrendo, por isso, em excesso de pronúncia. Por conseguinte, nessa parte, o acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade, nos termos do 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC[3].
22. Procede, nesta parte, o recurso de revista interposto pela Ré. Cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça suprir o vício em apreço, deve ter-se por não escrita essa parte do acórdão recorrido, eliminando-se da matéria de facto provada o ponto 17-A aditado pela Tribunal da Relação (arts. 615.º, n.º 1, al d), in fine, e 684.º, n.º 1, do CPC).
23. Por outro lado, não tendo nenhuma das partes impugnado a matéria factual em causa, respeitante ao sistema de iluminação do reboque, a sentença do Tribunal de 1.ª Instância, nessa parte, transitou em julgado. Consequentemente, a decisão do Tribunal da Relação traduz-se numa violação do princípio da reformatio in pejus, pondo em causa os efeitos do julgado com o referido aditamento factual – art. 635.º, n.º 5, do CPC.
Determinação da responsabilidade pela ocorrência do acidente e da medida da contribuição de cada um dos condutores para o sinistro
1. A Ré/Recorrente alega que o acidente se ficou a dever exclusivamente ao Autor/Recorrido, “uma vez que não existiu qualquer facto repentino, súbito que justificasse o facto do autor ter-se enfaixado na traseira do veículo seguro na ré, tanto mais que este se encontrava com o pirilampo aceso e com faixas refletores, e que o próprio autor reconhece que já o tinha avistado ao longe, pelo menos a cerca de 500 metros de distância”.
2. Defende que o Autor, apesar de enxergar um veículo daquelas dimensões que, pela sua condição, tinha necessariamente que ocupar pelo menos a totalidade de uma faixa de rodagem, e até alguma parte da faixa mais à esquerda, não adequou a velocidade àquele perigo, não sinalizou a sua presença com um apito, com sinais de luz ou até mesmo com sinal de ultrapassagem. Muito diferentemente, esbarrou na traseira do veículo a uma velocidade que era superior à permitida no local, nem tendo sequer tempo para ensaiar qualquer travagem.
3. Conclui a Ré/Recorrente que estava no poder do Autor evitar o acidente, bastando adequar a velocidade, chegar-se mais à esquerda, ou até mesmo emitir um sinal sonoro para assinalar a sua presença e ultrapassar o veículo sem qualquer constrangimento.
4. Na sentença, o Tribunal de 1.ª Instância concluiu que “o conjunto trator – atrelado circulava nas duas hemifaixas de rodagem sem fundamento (não realizava manobra de ultrapassagem ou mudança de direção, sendo certo que não resultou provado que no local do embate houvesse a supressão da hemifaixa mais à direita), ou seja, tendo 2,46 metros de largura, ocupava em 0,75 metros a hemifaixa da esquerda, abrangendo precisamente o local onde o Autor (que circulava apenas na hemifaixa esquerda) embateu, acidente este que veio a provocar os apurados danos em termos causais (de acordo com o preceituado no art. 563º do CC). Não obstante, consideramos também que o comportamento do Autor terá concorrido – e maioritariamente – para a produção do resultado, posto que circulava em excesso de velocidade (cerca de 93 Km./ h quando o limite no local é de 80 Km./h), em violação do disposto no art. 28º nº 1 al. al. b) do CE, e, embora estivesse escuro, pelo menos o trator dispunha de uma lâmpada rotativa e o reboque tinha painéis refletores (não se tendo apurado a existência ou a inexistência de outros materiais refletores ou luzes), circunstâncias estas que necessariamente se refletem, quer no plano da imputação objetiva (assente num nexo de causalidade fáctica, naturalística, entre a ação dos intervenientes e o resultado dano), quer no plano da imputação subjetiva (tinha todas as condições para adequar a velocidade e para prever o perigo, fosse ele qual fosse, da violação da norma”.
5. Segundo o Tribunal de 1.ª Instância, “também o excesso de velocidade do Autor terá concorrido para o acidente de viação, sendo que, pela respetiva preponderância e gravidade da violação dos deveres, entendemos fixar a proporção de contribuição para o resultado danoso em metade para cada um”.
6. Por seu turno, o Tribunal da Relação, citando abundante jurisprudência, concluiu que “à luz da orientação segundo a qual, na graduação ou proporção das culpas concorrentes, deve ser conferida bastante mais gravidade à culpa do condutor cujo comportamento contravencional originou, em primeira linha, a colisão entre dois veículos e ponderando o facto de, no caso dos autos, ter sido a conduta contravencional do tripulante do conjunto tractor + reboque aquela que, em primeira linha, originou o embate verificado entre o veículo conduzido pelo Autor e o referido conjunto, tem-se por adequado fixar a contribuição de culpas entre o condutor do tractor e respectivo reboque e o Autor na proporção de 2/3 e de 1 /3 respectivamente".
7. Expurgando-se os factos dados como provados sob o ponto 17-A, nos termos referidos supra, está em causa a seguinte factualidade dada como provada pelo Tribunal da Relação:
a) “No dia … .10.2013, pelas 20:40h., na Estrada Regional nº ..--…, ao Km. 0,6, freguesia da ......, concelho de ......, o automóvel, conduzido pelo Autor, embateu no reboque, que estava atrelado ao trator, conduzido pelo Interveniente Principal BB;
b) A dita Estrada Regional n° .. – ...a, ao Km. 0,6, apresenta dois sentidos de circulação, delimitados por sinalização longitudinal do tipo Ml (linha contínua), sendo que no sentido de P… - R…. existe apenas uma faixa de rodagem de sentido único e, no sentido R…. - P....., existem duas hemifaixas de rodagem de sentido único, delimitadas entre si por sinalização longitudinal do tipo M2 (linha descontínua), que acabam por se fundir numa só, o que se encontra devidamente sinalizado por intermédio de placa sinalizadora com indicação de supressão de hemifaixa de rodagem (Sinal de Transito H32) e cedência de passagem (sinal de trânsito BI);
c) Toda a faixa de rodagem tinha uma largura de 10 metros e cada uma das hemifaixas de rodagem no sentido R… - P…. tinha 3,50 metros;
d) Quer o Autor, quer o Interveniente Principal BB, conduziam o automóvel e o trator, respetivamente, no sentido R…. – P…;
e) A velocidade máxima permitida no local é de 80 Km/h;
f) O tempo encontrava-se bom, o piso betuminoso seco e em bom estado e não existia qualquer iluminação pública;
g) O Autor conduzia o automóvel na hemifaixa de rodagem da esquerda;
h) O Autor conduzia a uma velocidade de cerca de 93 Km/ h;
i) Nas mesmas circunstâncias, o reboque encontrava-se atrelado ao tractor que, por seu turno, circulava a uma velocidade de cerca de 25 km/h., mas na faixa de rodagem da direita, tendo o conjunto tractor + reboque invadido, em 0,75 metros, a hemifaixa da esquerda;
j) O reboque tinha 6,80 metros de comprimento e 2,46 metros de largura;
k) O reboque encontrava-se carregado de areia;
l) O trator tinha em funcionamento uma lâmpada rotativa e o reboque tinha painéis refletores;
m) O Autor, sem que tenha tido tempo para travar, não logrou evitar o embate do automóvel na traseira do reboque, tendo de seguida capotado sobre si mesmo, acabando por se imobilizar na via de trânsito de sentido contrário;
n) O embate deu-se no canto esquerdo traseiro do reboque”.
8. Nesta sede, importa, desde logo, levar em devida linha de conta que a Ré/Recorrente se baseia, parcialmente, em factualidade que não resultou provada. Alega que o Autor reconhece que já tinha avistado o conjunto trator + reboque ao longe, pelo menos a cerca de 500 metros de distância. Porém, tais factos não foram considerados como provados, tendo improcedido, nessa parte, a impugnação da matéria de facto contida no recurso de apelação.
9. Referindo-se ao conjunto trator + reboque, invoca também a Ré/Recorrente que um veículo daquelas dimensões “pela sua condição tinha necessariamente que ocupar pelo menos a totalidade de uma faixa de rodagem, e até alguma parte da faixa mais à esquerda”.
10. Todavia, resultou provado que no sentido R… - P…., no qual ambos os veículos intervenientes no acidente circulavam, existiam duas hemifaixas de rodagem de sentido único, delimitadas entre si por sinalização longitudinal do tipo M2 (linha descontínua), que acabam por se fundir numa só, o que se encontra devidamente sinalizado por placa sinalizadora com indicação de supressão de hemifaixa de rodagem (Sinal de Transito H32) e cedência de passagem (sinal de trânsito BI).
11. Provou-se ainda que o Autor conduzia o automóvel na hemifaixa de rodagem da esquerda e que o conjunto trator + reboque circulava na faixa de rodagem da direita, tendo invadido, em 0,75 metros, a hemifaixa da esquerda.
12. Havendo-se provado que o reboque tinha 6,80 metros de comprimento e 2,46 metros de largura e que cada uma das hemifaixas de rodagem no sentido R… - P… tinha 3,50 metros de largura, não existe fundamento a conclusão da Ré/Recorrente de que o conjunto trator + reboque, “pela sua condição tinha necessariamente que ocupar pelo menos a totalidade de uma faixa de rodagem, e até alguma parte da faixa mais à esquerda”. Na verdade, a largura do reboque, de 2,46 m, no qual embateu o veículo conduzido pelo Autor, é bastante inferior à largura total da hemifaixa da direita, de 3,50 metros, pelo que não existe qualquer justificação para que o referido conjunto trator + reboque circulasse em ambas as hemifaixas de rodagem.
13. Com efeito, conforme refere o acórdão recorrido, dos factos provados resulta que “o conjunto tractor-atrelado, que vinha circulando na hemifaixa de rodagem da direita, invadiu, em 0,75 metros, a hemifaixa da esquerda, deixando assim de circular integralmente na hemifaixa direita, onde anteriormente circulava, passando assim a circular nas duas hemifaixas de rodagem, no sentido R…-P… . Como as duas hemifaixas de rodagem existentes no sentido R…-P…., delimitadas entre si por sinalização longitudinal do tipo M2 (linha descontínua), acabam por se fundir numa só - o que se encontrava devidamente sinalizado por intermédio de placa sinalizadora com indicação de supressão de hemifaixa de rodagem (Sinal de Transito H32) e cedência de passagem (sinal de trânsito BI) -, a manobra realizada pelo condutor do tractor + atrelado visou (provavelmente) antecipar-se à próxima supressão da hemifaixa direita em que circulava. Em todo o caso, esta manobra foi realizada num local em que a hemifaixa da direita ainda não estava suprimida, pelo que o tractor e respectivo atrelado ainda não careciam absolutamente de invadir a hemifaixa esquerda de rodagem.”
14. Como também se refere no acórdão recorrido, ainda que o condutor do trator + atrelado tivesse que passar a circular na hemifaixa da esquerda - o que, mais uma vez, se recorda não resultar da matéria de facto provada -, é evidente que só poderia realizar tal manobra de mudança de via de trânsito em local e por forma a que da sua realização não resultasse perigo ou embaraço para o trânsito (art. 35.º, n.º 1, do Código da Estrada), ou seja, caso não circulasse outro veículo, de modo a evitar qualquer colisão, como veio efetivamente a suceder no caso dos autos.
15. Assim, independentemente dos factos mencionados sob o ponto 17-A que, conforme referido supra, devem ser expurgados da matéria de facto dada como provada, dos restantes factos provados resulta de forma clara que o condutor do conjunto trator + reboque, ao violar o disposto no art. 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, deu causa, em termos de causalidade adequada (art. 563° do CC), à eclosão do acidente produtor dos danos sofridos pelo Autor. Improcede, consequentemente, a argumentação da Ré/Recorrente no sentido de o acidente se ter ficado a dever única e exclusivamente à atuação negligente do Autor.
16. O Tribunal da Relação considerou haver também culpa do Autor na produção do acidente, reputando que o comportamento deste, “ao circular a uma velocidade de cerca de 93 Km/ h, num local onde a velocidade máxima permitida é de 80 Km/h, em violação do disposto no art. 28° n° 1 aí. al. b) do Código da Estrada, também concorreu para a eclosão do acidente de viação. Só assim não seria se o Autor tivesse logrado provar que, ainda mesmo que o veículo por si tripulado circulasse a velocidade igual ou inferior a 80 Km/h, nem por isso teria tido tempo para travar e assim lograr evitar o embate do automóvel na traseira do reboque - coisa que ele nem sequer ousou alegar. Acresce que - como certeiramente observa a sentença recorrida -, embora estivesse escuro, o trator dispunha, pelo menos, de uma lâmpada rotativa e o reboque tinha painéis reflectores, pelo que o Autor não pode ter deixado de o avistar e, assim, teve todas as condições para antever o perigo (caso o tractor, ante a aproximação da já assinalada supressão da hemifaixa direita em que circulava, invadisse a hemifaixa esquerda, deixando assim de circular integralmente na hemifaixa direita) e, deste modo, adequar a sua velocidade (reduzindo-a), chegar-se mais à esquerda ou até mesmo emitir um sinal sonoro para sinalizar a sua presença - o que não fez, tendo prosseguido a sua marcha à mesma velocidade de que vinha animado, não se desviando para a esquerda, nem fazendo uso de sinais sonoros para advertir o tripulante do tractor da sua presença”.
17. Porém, o Tribunal da Relação, aumentou a medida da contribuição do condutor do conjunto trator + reboque para o resultado danoso de 1/2 para 2/3. Apoiou-se, para o efeito, em jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça concluindo que “à luz da orientação segundo a qual, na graduação ou proporção das culpas concorrentes, deve ser conferida bastante mais gravidade à culpa do condutor cujo comportamento contravencional originou, em primeira linha, a colisão entre dois veículos e ponderando o facto de, no caso dos autos, ter sido a conduta contravencional do tripulante do conjunto tractor + reboque aquela que, em primeira linha, originou o embate verificado entre o veículo conduzido pelo Autor e o referido conjunto, tem-se por adequado fixar a contribuição de culpas entre o condutor do tractor e respectivo reboque e o Autor na proporção de 2/3 e de 1 /3, respectivamente”.
18. predominantemente, mantido o critério referido no acórdão recorrido que, todavia, se baseou em jurisprudência mais antiga, atribuindo um grau de responsabilidade maior ao condutor de veículo que realize manobra de mudança de via de trânsito sem se assegurar que o faz em local e por forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, do que ao condutor de veículo que, por circular com velocidade excessiva para o local e circunstâncias da via, não consegue evitar o embate.
19. Assim, nos termos expostos, seguindo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, atendendo aos factos provados, considera-se que não se justifica qualquer redução do grau de responsabilidade do condutor do veículo segurado na Ré/Recorrente (fixada pelo Tribunal da Relação em 2/3), sendo adequada a repartição da responsabilidade arbitrada no acórdão recorrido.
20. Improcede, nesta parte, o recurso de revista.
Indemnização peticionada a título de danos não patrimoniais
1. De acordo com a Ré/Recorrente, tendo incrementado o montante da compensação peticionada a título de danos não patrimoniais de € 35. 000,00 para € 40.000,00, e considerado, simultaneamente, que a indemnização devida a título de danos patrimoniais arbitrada pela 1.ª Instância ultrapassava os montantes normalmente conferidos pela jurisprudência, o Tribunal da Relação, uma vez que o pedido do autor deve ser considerado na sua globalidade, não deveria ter alterado o montante global da indemnização atribuída pelo Tribunal de 1.ª Instância mediante o aumento do valor da compensação dos danos não patrimoniais.
2. O alegado pela Ré/Recorrente viola o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no art. 635.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
3. Muito diferentemente do que a Ré/Recorrente preconiza, nos termos do art. 635.º, n.º 5, do CPC, o caso julgado pode formar-se sobre um segmento decisório e não somente sobre a decisão no seu conjunto ou totalidade[4].
4. É verdade que o Tribunal da Relação considerou que a indemnização devida a título de danos patrimoniais, arbitrada pelo Tribunal de 1ª Instância - € 60.000,00 - ultrapassava os montantes normalmente atribuídos pela jurisprudência. Porém, quanto a esta parte da sentença da 1.ª Instância, apenas o Autor recorreu, pugnando pela fixação de um montante superior. Analisado o teor do recurso de apelação interposto pela Ré, aqui Recorrente, verifica-se que esta não incluiu tal questão nas conclusões das suas alegações. Na verdade, o recurso de apelação da Ré não abrangeu o montante das indemnizações, conformando-se com os valores conferidos pelo Tribunal de 1.ª Instância.
5. Assim, quanto ao valor das indemnizações fixadas pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer dos danos patrimoniais, quer dos não patrimoniais, o Tribunal da Relação estava impedida de o reduzir. Com efeito, formou-se sobre eles caso julgado, atento o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo de o poder aumentar em virtude do recurso de apelação do Autor.
6. Foi justamente o que sucedeu no caso sub judice. O Tribunal da Relação considerou que a compensação devida a título de danos não patrimoniais deveria ser elevada para o montante de € 40.000,00.
7. Improcede, assim, nesta parte o recurso de revista.
8. A Ré/Recorrente alega ainda que, considerando os danos sofridos pelo Autor, assim como a jurisprudência e doutrina atuais, o montante da compensação por danos não patrimoniais arbitrada pelo Tribunal da Relação (€ 40.000,00) se afigura excessivo, devendo ser reduzido ao montante fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância (€ 35.000,00).
9. Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do CC, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. De acordo com o n.º 4 da mesma disposição legal, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º. Por sua vez, nos termos deste preceito, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
10. “IX - A conceptualização do dano não patrimonial, a partir da concreta situação em que se encontra a pessoa lesada, conduz ao reconhecimento de várias subcategorias consoante o aspecto da vida ou da personalidade que ficou afectado: o dano existencial (afecta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera intima da pessoa); o dano estético (afecta o aspecto físico e a beleza corporal, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a própria pessoa e perante os outros); o dano biológico (traduz-se na diminuição psicossomática da pessoa, compreendendo factores susceptíveis de afectar as actividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, assumindo um caracter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou dano patrimonial); o dano de perda de autonomia (afecta a liberdade de iniciativa, a auto-realização e a auto-estima); o dano da perda da alegria de viver (que altera a forma como a pessoa vê e sente o mundo no seu quotidiano); o dano da afirmação pessoal (que altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros); o dano da incapacidade laboral (que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, retira à pessoa a sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de auto-estima e do sentido da vida; o dano da perda de esperança de vida ou de diminuição da longevidade; o dano da perda de possibilidade de gozar os anos da juventude”[5].
11. Importa, agora, apreciar o montante da compensação por danos não patrimoniais. De acordo com o art. 496.º, n.º 4, do CC, “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”. O Tribunal decide, pois, segundo a equidade.
12. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso”[6].
13. De modo particularmente claro e impressivo, “escreveu-se no acórdão de 7 de Junho de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1: “Mais do que discutir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis (…)”.”[7].
14. A equidade traduz-se, pois, no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos não patrimoniais. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). O julgamento segundo a equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”[8].
15. Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. “O que ocorre é que as analogias de que o julgador inevitavelmente se socorre se encontram, na equidade, desvinculadas da autoridade do sistema. O recurso à analogia na equidade mostra, portanto, a suscetibilidade de generalização do critério de decisão que também possui a sentença de equidade” [9].
16. Pode, assim, concluir-se que a equidade não remete, de forma alguma, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, e, também por isso, afasta-se o puro arbítrio judicial. Não está igualmente em causa, na decisão segundo a equidade, uma apreciação intuitiva e puramente individual, mas antes racional e objetivável[10].
17. Impõe-se, por conseguinte, ter em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
18. Nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma consolidada, que “na avaliação e ponderação do montante dos danos não patrimoniais, o juízo de equidade levada a cabo pelas instâncias é sindicável pelo STJ em termos muito limitados, incidindo apenas sobre a verificação dos pressupostos da fixação equitativa da indemnização, em determinar se a relevância dos danos é legalmente admitida e se essa avaliação segue os critérios legais e/ou jurisprudenciais que para tal deveriam ser considerados (proporcionalidade na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo STJ, em casos análogos)”[11].
19. No caso concreto dos autos, o Tribunal da Relação levou em devida linha de conta os seguintes factos considerados como provados:
1. Em resultado, o Autor sofreu traumatismo do membro superior esquerdo (lado passivo) com esfacelo grave da face posterior do antebraço esquerdo, tendo sido prontamente transportado de ambulância para os Serviços de Urgência do Hospital ...., E.P.E., onde foi assistido medicamente;
2. O Autor foi então submetido a anestesia dissociativa, tendo sido feita a limpeza de esfacelo da face posterior do antebraço esquerdo, com remoção de vidros e penso de pressão negativa e tendo, no dia 7 de Outubro de 2013, sido submetido a anestesia geral para efetuar desbridamento e penso de pressão negativa;
3. No dia 6 de novembro de 2013 o Autor foi novamente submetido a anestesia geral para efetuar enxerto livre de pele parcial para cobertura de esfacelo da face posterior do antebraço esquerdo, pele esta que foi colhida na face anterior da coxa homolateral;
4. O Autor permaneceu imobilizado parcialmente durante quatro semanas consecutivas, tendo tido alta a 12 de novembro de 2013, sujeito a medicação;
5. Consta o seguinte do exame de observação em consulta de Medicina Física e de Reabilitação de 26.11.2013:enxerto cutâneo no antebraço esquerdo ainda com área cruenta na região central (em cicatrização por segunda intenção); amplitude de movimentos completa a nível do ombro esquerdo; cotovelo com limitação de mobilidade activa - flexão 135° e extensão com défice de cerca de 40°; força muscular a nível do cotovelo (flexão/extensão) grau 4; punho com amplitudes articulares passivas completas mas com dor nos últimos graus de movimento, diminuição da flexão activa (40°) e diminuição da força muscular (grau 4 na escala MRC de 0 a 5); mão esquerda com diminuição da flexão dos dedos (não conseguia flexão completa das MCF - cerca de 80° de flexão); força muscular a nível de flexão dos dedos grau 3, encontrando-se o Autor a cumprir programa de reabilitação (cinesiterapia, fortalecimento muscular, treino de atividades de vida diária e destreza manual);
6. Em observação clínica de 28.01.2014, o Autor apresentava o cotovelo esquerdo com amplitude de 0-13?° Força muscular grau 4/5; punho esquerdo: amplitude de movimentos com dedo em flexão: E-35; F-30°; com dedos em extensão: E-45°; F-45°; Força muscular - grau 4+/5, com indicação para avaliação pela cirurgia plástica e reconstrutiva e manter fisioterapia;
7. Em observação clínica de 31.12.2013, o Autor apresentava um quadro de perturbação Pós stress traumático na sequência do evento: "Os sintomas incluem uma reexperimentação persistente do evento traumático, evitamento de estímulos associados ao trauma, embotamento emocional e sintomas persistentes de ativação psicofisiológica. A perturbação causa prejuízo significativo a nível social e ocupacional";
8. O Autor frequentou mais de 30 sessões de fisioterapia;
9. O Autor queixa-se de dores e fraqueza no membro superior esquerdo;
10. O Autor encontra-se impossibilitado de efetuar esforços com o braço esquerdo;
11. O grau de Incapacidade Permanente Geral é de 19 pontos;
12. O Autor padeceu de um período de incapacidade geral total, de 04.10.2013, data do internamento, a 12.11.2013, data da alta hospitalar, de 40 dias;
13. O Autor padeceu de um período de incapacidade geral parcial de 13.11.2013 a 16.05.2014, data da consolidação das lesões, de 185 dias;
14. O Autor sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7;
15. O Autor sofre de um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7;
16. À data do embate o Autor era alegre, divertido, saudável, não apresentava queixas de saúde e desenvolvia sem limitação a sua atividade profissional;
17. Após a alta o Autor teve de permanecer acamado, com vista à sua recuperação, o que lhe causou incómodos e dores no corpo;
18. O Autor passou a sofrer de dores e mal-estar, o que o deixa triste e revoltado;
19. O Autor tem cuidado com o braço de modo a evitar qualquer choque com uma qualquer superfície, com o intuito de evitar o agravamento do seu estado de saúde, o que lhe provoca nervosismo, angústia, tristeza, choro, revolta e insegurança quanto à sua saúde futura, temendo o agravamento do seu estado.
20. Verifica-se que o Tribunal da Relação respeitou os critérios previstos no artigo 494.º, aplicável ex vi do art. 496.º, n.º 4, do CC. Considerou, pois, a natureza e extensão das lesões sofridas pelo Autor, o tratamento e respetiva duração, o quantum doloris de grau quatro numa escala de um a sete, o dano estético de grau quatro numa escala de um a sete, os períodos de incapacidade até à data da consolidação das lesões, as dores regulares e persistentes que ainda se mantêm e as sequelas permanentes (determinantes de uma incapacidade permanente geral de 19 pontos), o que, em conjunto, se traduziram numa diminuição da qualidade de vida do Autor.
21. Ponderou ainda que o grau de culpabilidade do agente foi muito elevado, traduzido em negligência grave, já que o acidente, nas circunstâncias descritas, ficou a dever-se sobretudo à conduta contraordenacional do segurado da Ré causal do acidente e das consequentes lesões sofridas pelo Autor.
22. Atendeu também ao caráter bastante modesto da situação económica do Autor, já que este exercia, até pouco antes do embate, as funções de pintor e bate chapa de automóveis, de um lado e, de outro, à situação económico-financeira da Ré, suja robustez, sendo uma companhia seguradora, não oferece quaisquer dúvidas, constituindo facto notório, não carecido, por isso, nem de alegação e nem de prova.
23. O Tribunal da Relação recorreu ainda aos padrões normalmente utilizados pelos Tribunais em casos análogos, concluindo que “tendo em conta os padrões desta jurisprudência mais recente, esta Relação entende ser adequada e equitativa uma indemnização de € 40.000,00 (quarenta e cinco mil euros) para compensar o dano biológico infligido ao Autor, traduzido num défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica equivalente a 19 (dezassete) pontos, numa altura em que ela contava apenas 26 anos de idade, bem como aqueloutros danos não patrimoniais consubstanciados nas dores e fraqueza no membro superior esquerdo e na impossibilidade em que o Autor se encontra de efectuar esforços com o braço esquerdo”.
24. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, atendendo à idade e grau de incapacidade do lesado e demais circunstâncias do caso, destacam-se os seguintes acórdãos proferidos em casos similares ao dos presentes autos, de que se transcrevem os trechos relevantes dos respetivos sumários:
- No acórdão de 29 de outubro de 2019 (Henrique Araújo), proc. n.º 7614/15.2T8GMR.G1.S1[12] : “III - Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional, mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de € 36 000,00 para indemnizar tal dano futuro. IV - Considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto, considera-se adequado compensar estes danos não patrimoniais no montante de € 30 000,00, reduzindo-se, assim, a indemnização fixada pela Relação”;
- No acórdão de 14 de dezembro de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. º 589/13.4TBFLG.P1.S1[13]: “III - Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu diversas fracturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2 010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000. IV - Ficando, ainda, provado que o autor: (i) teve ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; (ii) permaneceu diversos períodos internado; (iii), apresenta um dano estético de grau 3, o quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); (iv) antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; (v) sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas, jogar futebol e andar de bicicleta; (vi) aquando do internamento, e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, tem-se por adequada e quantitativa a indemnização fixada pela Relação a título de danos não patrimoniais no valor de € 30 000”;
- No acórdão de 25 de maio de 2017 (Tomé Gomes), proc. n.º 394/09.2TVPRT.P1.S1: “V - Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu lesões no membro inferior direito e no membro inferior e pé esquerdos, com limitações de mobilidade várias; (ii) ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física de 16 pontos, sendo de perspectivar a existência de dano futuro em mais 3 pontos; (iii) as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas da sua atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional; (iv) contava 30 anos à data do acidente; (v) tinha o 11.º ano de escolaridade, tendo, entretanto, completado o 12.º ano nas Novas Oportunidades; (vi) exercia a profissão de vigilante auferindo por mês a retribuição total de € 797,82, sem que a sua entidade patronal tenha renovado o contrato devido ao acidente, mostra-se equilibrada a fixação da indemnização no valor de € 280 000 a título de perda da capacidade de ganho. VI - Tendo ainda em conta a natureza das lesões sofridas, os internamentos, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 5 pontos e o dano estético em 3 pontos, ambos na escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se com a idade, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo e o tempo entretanto decorrido desde a propositura da acção e a data da sentença final, mostra-se ajustada a fixação da indemnização no valor de € 40 000 a título de danos não patrimoniais”;
- No acórdão de 24 de novembro de 2016 (Salazar Casanova), proc. n.º 2696/13.4TBVIS.C1.S: “I - Afigura-se equitativa a indemnização pelo dano patrimonial biológico no montante de € 18 000 considerando que, quando do acidente em 2001, a lesada tinha 52 anos de vida, não exercia atividade profissional, tinha uma esperança de 83 anos de vida e passou a sofrer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos que é compatível com o exercício da atividade habitual, mas implica esforço suplementar. II - Afigura-se equitativa a aludida indemnização calculada multiplicando a prestação perdida anualmente, atento o salário mínimo nacional (582, estimando apenas 12 meses) pelo número de anos de vida (31), e, à semelhança da jurisprudência francesa, deduzindo ¼ para evitar o enriquecimento injusto, sendo certo que se consideraram as circunstâncias do caso para efeito de não dedução integral dessa percentagem de ¼. III - De igual modo é equitativa a indemnização a título de danos morais no montante de € 55 000, próxima da atribuída a uma jovem de 27 anos de idade, que sofreu um défice permanente de integridade de 16 pontos e um dano estético de 2 graus, considerando que, no caso vertente, a autora (apesar de ter 52 anos à data do acidente e de ter ficado com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de apenas 10 pontos) ficou a claudicar na marcha (mercê de encurtamento da perna esquerda e da amiotrofia da coxa e da perna) e a ostentar um elevado número de cicatrizes em zonas visíveis (o que se revela gravoso e sensível para qualquer mulher como a autora, que se sentia bonita e atraente, vestia saias curtas e prestava atenção ao aspeto físico) – e, por isso, o dano estético foi fixado no grau 4”;
- No acórdão de 7 de abril de 2016 (Salazar Casanova), proc. n.º 55/12.1TBOFR.C1.S1: : “I - A indemnização por danos morais deve ser fixada equitativamente conforme resulta do disposto no art. 496.º, n.º 4, do CC; equidade, no entanto, não significa discricionariedade. A indemnização deve ter em atenção os casos similares de que a jurisprudência do STJ dá notícia, procurando-se, assim, uma harmonização tanto quanto possível efetiva sem se perder de vista as singularidades dos casos concretos. II - No caso vertente, estando em causa indemnização por danos morais, tem-se por ajustado o montante de €60 000, considerando que o lesado, com 22 anos de idade, apresenta como sequelas permanentes do acidente, pé pendente, com os dedos do pé em garra, por paralisia do ciático poplíteo externo; marcha claudicante e alteração da sensibilidade, com dores permanentes na perna e no pé; uma cicatriz que se estende da anca esquerda até à cintura; concavidade acentuada junto ao joelho esquerdo e várias cicatrizes na testa e cabeça, o que traduz um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos, padecendo de dano estético permanente de 5 pontos (num total de 7) e impossibilidade de práticas desportivas físicas (futebol e motocrosse) e de profissões que exijam esforço de permanência em pé”;
- No acórdão de 2 de junho de 2016 (Tomé Gomes), proc. n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1[14]: “II - Estando a autora totalmente impedida de exercer a sua profissão habitual, não obstante a compatibilidade do seu défice funcional com outras atividades da sua preparação técnico-profissional, que, aliás, nem se encontram especificadas, e não se divisando que possua idade e habilitações para lograr uma condizente reconversão profissional noutra atividade desse tipo e muito menos de outra natureza, é forçoso concluir que a situação em presença corresponde, na prática, a uma perda total da sua capacidade de ganho. (…) IV - Além disso, o défice funcional da autora, fixado em 18 pontos com possibilidade de agravamento até 23 pontos, implica ainda o impedimento de a autora auferir qualquer outro rendimento económico fora desse âmbito profissional, bem como maior onerosidade com a execução de tarefas materiais de índole pessoal, mormente no âmbito das suas lides domésticas, a qual representará, para além da respetiva penosidade anímica, uma diminuição da capacidade geral de ganho fora do âmbito profissional, o que justifica um complemento indemnizatório de € 15 000, em sede do chamado dano biológico. V - A indemnização a título de danos não patrimoniais, embora tendo por escopo central a respetiva compensação económica, em termos de proporcionar ao lesado uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão, serve ainda para sancionar a conduta do agente. VI - Considerando, por um lado, a idade da autora (47 anos à data do acidente), as espécies de lesões sofridas, as intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter, os dias, ainda que poucos, de internamento, o período de défice temporal temporário, as sequelas irreversíveis nos membros inferior e superior esquerdos, em especial, a rigidez articular e dolorosa do membro superior esquerdo com tendência para se agravar com a idade; o quantum doloris de grau 5 e o dano estético de grau 2, numa escala máxima de 7 pontos, a angústia pela perda da sua atividade profissional, a perda de auto-estima e da alegria de viver ou desgosto inerentes a tais padecimentos e, por outro lado, que tais consequências decorrem de um acidente de trânsito cuja responsabilidade é imputada, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo atropelante, dentro dos padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do STJ, tem-se por mais condizente e ajustado a esses padrões elevar a respetiva indemnização compensatória de € 25 000 para € 35 000”;
- No acórdão de 21 de janeiro de 2016 (Lopes do Rego), proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1[15]: ”I - O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade. II - Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de € 50 000, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos (traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito), envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7, envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou”;
- No acórdão de 24 de fevereiro de 2015 (Gregório Silva Jesus), proc. n.º 2147/07.3TVLSB.L1.S1: “I - A indemnização pelos danos não patrimoniais, insusceptíveis de avaliação pecuniária, visa oferecer ao lesado uma compensação que lhe faculte algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária, em cuja fixação se devem ponderar os arts. 483.º, 494.º, 486.º, n.º s 1 e 3, 562.º e 566.º, n.º s 1 e 2, todos do CC, sendo o critério da sua determinação a equidade – art. 496.º, n.º 4, do CC –, devendo ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. II - Tal compensação deverá ser significativa e não meramente simbólica, acentuando o STJ, cada vez mais, a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas, importando vincar que indemnização significativa não se confunde com indemnização arbitrária. III - É ajustada uma indemnização de € 70 000, a título de danos não patrimoniais, se o lesado, sem qualquer culpa da sua parte, viu a viatura automóvel por si tripulada embatida por uma outra, e, como causa necessária e directa do acidente, sofreu traumatismo craniano frontal com ferida incisa frontal, fractura sub-trocantérica do fémur esquerdo, do 1/3 distal do cúbito esquerdo, fractura da rótula direita e fractura da tíbia társica, calcâneo e astrágalo, tendo tido um quantum doloris de grau 5, prejuízo de afirmação pessoal de grau 2, dano estético permanente de grau 2 (todos numa escala de 7), e uma IPP de 16 pontos, tendo, igualmente, sido submetido a um elevado número de intervenções cirúrgicas, tratamentos, consultas, lesões com anos de dores intensas, sofrimento, também psicológico, e dependência de terceiros, ficando permanentemente com uma marcha claudicante”.
25. Pode retirar-se da jurisprudência mencionada que, em hipóteses similares àquela em apreço, o montante arbitrado pelo Supremo Tribunal de Justiça oscilou entre € 30.000,00 e € 70.000,00, conforme as circunstâncias concretas do caso. No acórdão de 24 de fevereiro de 2015 (proc. n.º 2147/07.3TVLSB.L1.S1), em que a incapacidade permanente geral do lesado era inferior à conferida ao aqui Autor, assim como também era inferior a gravidade do dano estético (grau 2, enquanto nos presente autos é de grau 4), sendo, todavia, ligeiramente superior o quantum doloris (grau 5, enquanto no caso em apreço é de grau 4), o Supremo Tribunal de Justiça determinou uma indemnização no valor de € 70.000,00. Também no acórdão de 21 de janeiro de 2016 (proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1), em que a idade do lesado era equivalente à do aqui Autor, o deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica era inferior (16 pontos) ao do ora Autor (19 pontos), a gravidade do dano estético era inferior (grau 2, enquanto nos presente autos é de grau 4), sendo ligeiramente superior o quantum doloris (grau 5, enquanto no caso sub judice é de grau 4), foi fixada uma indemnização pelos danos não patrimoniais no montante de € 50.000,00. Por seu turno, no acórdão de 24 de novembro de 2016 (proc. n.º 2696/13.4TBVIS.C1.S1), em que era inferior o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (10 pontos, enquanto a do ora Autor corresponde a 19 pontos), sendo idêntica a gravidade do dano estético (grau 4), foi fixada uma indemnização no montante de € 55.000,00. Por último, no acórdão de 25 de maio de 2017 (proc. n.º 394/09.2TVPRT.P1.S1), em que era inferior o défice funcional permanente da integridade física do lesado (16 pontos, enquanto a do ora Autor é 19 pontos), mas sendo previsível a existência de dano futuro em mais 3 pontos, a gravidade do dano estético era ligeiramente inferior (grau 3, enquanto nos presente autos é de grau 4), sendo, no entanto, superior o quantum doloris (grau 5, enquanto no caso em apreço é de grau 4), foi atribuída uma indemnização no montante de € 40.000,00, que corresponde à quantia arbitrada no acórdão recorrido nos presentes autos.
26. Comparando a situação dos presentes autos com outros casos apreciados pelo Supremo Tribunal de Justiça, assim como os montantes arbitrados por este Tribunal, considera-se adequada decisão do Tribunal da Relação que aumentou o montante indemnizatório devido ao Autor de € 35. 000,00 para € 40. 000,00.
27. Improcede, assim, nesta parte, o recurso de revista.
IV - Decisão
Nos termos expostos, acorda-se que, apesar de se decidir pela procedência da impugnação da matéria de facto relativa ao aditamento factual feito pela Tribunal da Relação no que respeita ao ponto 17-A dos factos provados, em confirmar o acórdão recorrido, negando-se a revista.
Custas pela Recorrente na proporção do decaimento.
Lisboa, 12 de janeiro de 2021.
Sumário: I. Via de regra, quando a Relação adita oficiosamente à factualidade considerada como provada outra matéria, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, al. b), do CPC, não tendo nenhuma das partes impugnado esta parte da decisão da matéria de facto nas alegações dos respetivos recursos de apelação, conformando-se com a mesma, o acórdão é nulo, nessa parte, por excesso de pronúncia. II. Cabendo ao STJ suprir o vício em apreço, deve ter-se por não escrita essa parte do acórdão recorrido, eliminando-se da matéria de facto provada o ponto aditado pela Relação (arts. 615.º, n.º 1, al d), in fine, e 684.º, n.º 1, do CPC). III. O condutor do conjunto trator + reboque, ao violar o disposto no art. 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, deu causa, em termos de causalidade adequada (art. 563° do CC), à eclosão do acidente produtor dos danos sofridos pelo Autor. IV. A jurisprudência do STJ tem, predominantemente, atribuído um grau de responsabilidade maior ao condutor de veículo que realize manobra de mudança de via de trânsito sem se assegurar que o faz em local e por forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, do que ao condutor de veículo que, por circular com velocidade excessiva para o local e circunstâncias da via, não consegue evitar o embate. V. No que respeita ao valor das indemnizações fixadas pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer dos danos patrimoniais, quer dos não patrimoniais, o Tribunal da Relação estava impedida de o reduzir. Com efeito, formou-se sobre eles caso julgado, atento o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo de o poder aumentar em virtude do recurso de apelação do Autor. VI. A decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses.
Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Jorge Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).
Maria João Vaz Tomé (Relatora)
__________
[1] A Seguradoras Unidas, S.A. é uma companhia de seguros resultante da fusão por incorporação na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., das companhias de seguros T-Vida, Companhia de Seguros, S.A., a Seguros LOGO, S.A. e a Açoreana Seguros, S.A..
[2] Cf. Acórdão dos Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 1512/07.0TBCSC.L1.S1 (“IV - As modificações a introduzir na matéria de facto pela Relação devem, em princípio e em consonância com o princípio do dispositivo, respeitar o conteúdo da impugnação do recorrente, dado que é a respectiva síntese conclusiva que baliza e traça o objecto do recurso; só assim não será nos casos em que, independentemente da referida impugnação, tenha sido desrespeitada prova tarifada ou vinculada ou a Relação tenha de proceder à harmonização dos factos modificados com outros não impugnados com a finalidade de evitar contradições (arts. 662.º, n.º 1, e 635.º do CPC). V - Ao ter eliminado um facto sem que o mesmo tivesse sido impugnado e sem que tal eliminação se apresentasse como necessária numa perspectiva de harmonização com a restante materialidade provada, incorreu a Relação em excesso de pronúncia, sendo o acórdão recorrido, nesse segmento, nulo (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC)”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/99d141311eeafc84802580cf00613f53?OpenDocument; de 2 de dezembro de 2013 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 34/11.0TBPNI.L1.S1 (“IV - O art. 712.º, n.º 1, al. a), do CPC, impõe a obrigatoriedade da indicação expressa da factualidade a pôr em crise pelo Recorrente o que afasta, à partida, qualquer possibilidade de o segundo grau, oficiosamente, poder efectuar um reexame das provas produzidas e, quiçá, um segundo julgamento a seu belo prazer, o que nos é explicitado pelo que vem consignado no n.º 2 do mesmo ínsito legal. V - Estando, como estava, inibido de proceder a qualquer alteração a um ponto de facto não impugnado pelos recorrentes, o Tribunal da Relação excedeu os seus poderes, o que conduz a ter-se por não escrita a sobredita alteração”) – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/47543e674b8543f280257c37005a32a7?OpenDocument; de 18 de dezembro de 2012 (Orlando Afonso), proc. n.º 1965/07.7TBPNF.P1.S1 (“III - Verifica-se excesso de pronúncia quando a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. IV - Tendo a Relação, na sua reapreciação da matéria de facto, ido além do peticionado nas conclusões das alegações da apelação – pelo facto de ter considerado não provados os factos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º, quando a apelante apenas suscitou a questão da eliminação da referência ao veículo NX – não se está, em rigor, perante um excesso de pronúncia, mas apenas perante um uso indevido dos poderes da Relação conferidos pelo art. 712.º do CPC. V - O uso da faculdade de alteração das respostas dadas aos quesitos é passível de sindicância pelo STJ, no que tange à verificação dos pressupostos legais na actuação da Relação. VI - Não tendo a apelante impugnado a totalidade dos factos apreciados na 1.ª instância, relativamente aos quesitos postos em crise, não tinha a Relação poderes para alterar de afirmativa para a negativa as respostas dadas, pelo que violou o disposto no art. 712.º, n.º 4, do CPC. VII - Assim, devem os autos baixar o Tribunal da Relação para reapreciação, apenas, da matéria de facto em questão”).
[3] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de dezembro de 2012 (Orlando Afonso), proc. n.º 1965/07.7TBPNF.P1.S1), apesar de se haver sustentado que a situação em apreço não configura uma nulidade do acórdão (por o excesso de pronúncia se reportar unicamente a questões de direito e não a factos), concluiu-se no sentido de um uso indevido dos poderes do Tribunal da Relação.
[4] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020, p. 138.
[5] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2015 (Maria Clara Sottomayor), Proc. n.º 1988/05.0TBOVR.P1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[6] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument. Conforme este acórdão, importa “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”
[7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de junho de 2017 (Maria dos Prazeres Beleza), Proc. n.º 2104/05.4TBPVZ.P1.S2 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6ec438b8e346c658025813900593730?OpenDocument.
[8] Cf. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, Ano 122, 1990, abril-junho, p.272.
[9] Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pp.140-141.
[10] Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou a justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, p.143; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de janeiro de 2012 (Nuno Cameira), Proc. n.º 875/05.7TBILH.C1.S1 - disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8780a8e82ded7968025799c00562411?OpenDocument -, segundo o qual “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”.
[11] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2020 (Graça Amaral), proc. n.º 3015/06.1TBVNG.P1.S1.
A título meramente exemplificativo, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2020 (Fernando Samões), proc. n.º 376/15.5T8VFR.P1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:376.15.5T8VFR.P1.S1; de 3 de março de 2020 (Fernando Samões), proc. n.º 3936/17.6T8PRT.P1.S1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:3936.17.6T8PRT.P1.S1), de; de 20 de fevereiro de 2020 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 298/17.5T8BRG.G1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:298.17.5T8BRG.G1.S1;, de 04-02-2020 (Pedro Lima Gonçalves), proc. n.º 46/08.0TBVVD.1.G1.S1 – disponível para consulta in, ECLI:PT:STJ:2020:46.08.0TBVVD.1.G1.S1; de 5 de fevereiro de 2020 (Oliveira Abreu), proc. n.º 10529/17.6T8LRS.L1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:10529.17.6T8LRS.L1.S1; de 14 de janeiro de 2020 (Fátima Gomes), proc. n.º 5173/15.5T8BRG.G1.S2 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:5173.15.5T8BRG.G1.S2.
[12] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/50a641fe66948c8c802584a300346689?OpenDocument.
[13] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8982cc158de705f1802581f7003b0148?OpenDocument.
[14] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d1e6d59584c4ff5680257fc70035992e?OpenDocument.
[15] Disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/235ff0a5995079ac80257f4100513651?OpenDocument.