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ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
Sumário
I- No âmbito de uma acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato é processualmente admissível que o requerido venha arguir a compensação de créditos, a qual nos termos do art. 266º, 2, c) CPC, tem de ser introduzida sob a forma de pedido reconvencional, sendo que o funcionamento do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes em processo civil não só permitem como impõem que a parte contrária possa responder, seguindo depois os respectivos trâmites até final.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Sumário: No âmbito de uma acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato é processualmente admissível que o requerido venha arguir a compensação de créditos, a qual nos termos do art. 266º,2,c CPC, tem de ser introduzida sob a forma de pedido reconvencional, sendo que o funcionamento do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes em processo civil não só permitem como impõem que a parte contrária possa responder, seguindo depois os respectivos trâmites até final. I- Relatório
M. P. Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Guimarães, intentou injunção que seguiu os termos da acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra X Desenvolvimento Têxtil Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em Santo Tirso, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.537,15 de capital acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 85,50 e vincendos até integral e efectivo pagamento, além de taxa de justiça e €200,00 de despesas com as tentativas de cobrança e honorários de advogada.
Citada pessoalmente, a Ré veio deduzir oposição, reconhecendo a relação comercial alegada, acrescentou que o montante não foi pago por não ser devido, alegando a compensação com factura anterior correspondente a uma indemnização por incumprimento.
Ou seja, não tendo a Ré contestado o contrato e as facturas peticionadas, invocou, no entanto, a compensação.
O tribunal notificou as partes para se pronunciarem sobre a admissibilidade da mesma, tendo a Ré respondido que a mesma tem de ser admitida.
Foi então proferida sentença, que não admitiu a compensação oposta pela ré, julgou procedente o pedido da Autora e condenou a Ré a pagar o capital peticionado, acrescido de juros de mora peticionados e o montante de 40 € de despesas.
Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito meramente devolutivo (artigos 644º,1, 645º e 647º CPC).
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1- A lei permite a dedução da excepção de compensação em processo que não comporte pedido reconvencional. 2- A al. c) do nº. 2 do art. 266º do C.P.C. apenas diz que a compensação é admissível como fundamento de reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio. 3- Tal disposição deve, pois, ser interpretada restritivamente. 4- O crédito invocado pelo Requerente em compensação reúne os requisitos materiais exigidos pelo art. 847º, não carecendo de “estar judicialmente reconhecido”. 5- A compensação opera por mera declaração de uma parte á outra (artº. 848º. do C.P.C.). 6- A sentença recorrida viola o disposto nos arts. 266º nº 2, al. c), 847º. e 848º. do C.P.C.
Não houve contra-alegações.
II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se na forma de processo em causa nestes autos é possível ao réu arguir a excepção de compensação de créditos.
III Ocorrências processuais com relevo para a decisão:
1. A requerente deu entrada de injunção contra a requerida, pretendendo que lhe seja paga a quantia de € 5.924,65, alegando em síntese que no âmbito da sua actividade comercial prestou à requerida vários serviços, constantes das facturas que enumera, designadamente peças de roupa embaladas, no valor global de € 6.580,50. Tais peças foram recebidas e não houve da parte da requerida qualquer reclamação. Até à data a requerida apenas pagou a quantia de € 407,32, e a autora emitiu uma nota de crédito no valor de € 636,03. 2. A requerida deduziu oposição na qual reconhece que não pagou o capital que vem peticionado. Mas alega que não o fez porque é credora da requerente por igual valor, pelo que nada tinha a pagar. Invoca assim um seu crédito sobre a requerente, em compensação. Conclui dizendo que nada deve à requerente, e que deve ser recusada a aposição da fórmula executória. 3. A argumentação da decisão recorrida é do seguinte teor:
“Esta questão coloca-se agora atendendo à nova redacção do artigo 266.º, n.º 2 alínea c) do actual Código de Processo Civil, que dispõe que «a reconvenção é admissível (…) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.» A questão divide a doutrina e jurisprudência (vide, citações no Ac. RP de 12-05-2015, p. 143043/14.5YIPRT.P1, www.dgsi.pt), no entanto, principalmente no caso dos autos, em que estamos perante uma acção especial, que comporta dois articulados e não pode ser deduzida reconvenção, entendemos que uma excepção de compensação como a que foi alegada nos autos, não poderá ser admitida, em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito deve ser interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, maxime quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Além da questão da alteração legislativa, nestes casos, a obtenção da compensação pressupõe o reconhecimento de um crédito, que tem a natureza de demanda judicial, implicando uma nova causa de pedir (não só uma nova prestação de serviços, como no caso em concreto, uma indemnização resultante do incumprimento). Perante esta invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as excepções de direito substantivo pertinentes, desde logo, a caducidade do direito. Ora, a estrutura da forma de processo especial, não permite o exercício do direito de resposta às excepções deduzidas no início da audiência. Permitir que a Ré, nesta situação possa ver reconhecido um contra crédito, resultante de uma eventual indemnização por incumprimento de um contrato, totalmente alheio à relação invocada na petição, seria abrir caminho para entorpecer a acção especial que se pretende célere (cf. Ac. STJ proferido, em 27/11/2003 no recurso 7520/03, e Ac. STJ de 14/12/2006, relator João Camilo, www.dgsi.pt). De resto, a Ré pode fazer valer o seu direito em acção autónoma, obstando até à execução de qualquer quantia, nos termos do artigo 729.º, alínea h) do Código de Processo Civil. Sem prejuízo, e por fim, neste caso, ainda se coloca a questão material da própria verificação dos requisitos da compensação, pois que, o crédito invocado para a compensação tem de ser exigível em juízo, tem de estar judicialmente reconhecido, o que, em nosso entender não se verifica. O crédito é judicialmente exigível quando, no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coactiva do seu crédito. Neste caso, este direito da Ré, pelo menos o direito à indemnização, ainda não está definido, pretendendo-o ver reconhecido precisamente nesta acção. Resulta, assim do exposto que também por esta razão não poder ser oposta a excepção da compensação à Autora. Nas obrigações pecuniárias, nos termos previstos no artigo 806º, n.º 1 do Código Civil, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia de constituição em mora, in casu, desde a data de vencimento da factura (artigos 804º,2 e 805º,2,a do Código Civil), devendo a Ré responder pela indemnização moratória, correspondente aos juros legais comerciais supletivos, até efectivo e integral pagamento. Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, a Autora tem ainda direito a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, no montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, relativamente a outras despesas e taxa de justiça deverão ser os mesmos requeridos em sede de custas de parte. Nestes termos, e não sendo a compensação admitida, não se verificando qualquer outra excepção dilatória, julgo procedente o pedido da Autora e condeno a Ré X Desenvolvimento Têxtil Unipessoal, Lda. no capital peticionado, acrescido de juros de mora peticionados e o montante de 40 € de despesas”.
IV Conhecendo do recurso.
A figura da compensação está prevista e descrita no art. 847º CC, nos seguintes termos: “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. E se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. E ainda, a iliquidez da dívida não impede a compensação.
Quanto à questão de saber como se torna efectiva a compensação responde o art. 848º: “torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”.
Processualmente, a compensação opera via pedido reconvencional (art. 266º,2,c CPC), ou, dizendo melhor, o legislador permite que o réu deduza pedido reconvencional contra o autor, quando pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
Tudo isto é agora claro e não suscita grandes dúvidas.
Porém, antes do CPC de 2013 correram rios de tinta sobre qual a maneira processualmente correcta de exercer o direito à compensação de créditos. Escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao art. 266º (CPC anotado, 2ª edição), que “com a actual redacção da al. c), pretendeu o legislador tomar posição numa polémica jurisprudencial e doutrinal acerca do instrumento processual adequado para efeitos de invocação do contra-crédito pelo réu. Sendo anteriormente discutido se tal invocação deveria ser sempre operada através de reconvenção ou se esta apenas era dedutível na parte em que o montante do contra-crédito excedesse o valor do crédito do autor e o réu visasse a condenação daquele no pagamento do remanescente (tese que prevalecia na jurisprudência e também na doutrina), parece ter ficado claro que com a nova redacção se pretendeu adoptar a primeira solução”.
Neste momento não há dúvidas que quem quiser exercer o seu direito de compensação de créditos, tem de deduzir pedido reconvencional.
O presente recurso surgiu porque o Tribunal recorrido não admitiu que a ré invocasse a compensação, no confronto com a autora, com o argumento de que a estrutura simplificada do processo especial não o permitiria, sob pena de se estar a subverter uma forma processual que o legislador quis que fosse célere.
Vejamos.
Se consultarmos o Regime Relativo aos Atrasos de Pagamento em Transacções Comerciais (RRAPTC), aprovado pelo DL 62/2013 de 10 de Maio, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, veremos, logo no art. 2º1, que tal diploma se aplica a todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais, sendo certo que de acordo com o nº 2,a) do mesmo artigo, são excluídos do âmbito de aplicação desse diploma os contratos celebrados com consumidores.
Ora, no próprio requerimento de injunção se pode ver que a requerente indicou que a sua pretensão não emergia de um contrato com um consumidor. Pelo contrário, indicou, e bem, que se tratava de obrigação emergente de transacção comercial, nos termos do DL 62/2013 de 10/5.
O art. 10º,1 de tal regime estabelece que “o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.
Foi o que fez a requerente.
Em termos de procedimento aplicável, diz o nº 2 que “para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.
E, finalmente, dispõe o nº 4 que “as acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”.
No caso, o valor da acção é de € 5.822,65. Tal valor fica abaixo de metade da alçada da Relação, que é de € 15.000,00 (art. 44º LOSJ), e mesmo que lhe somássemos o valor do alegado contracrédito da requerida ainda assim ficaria abaixo desse valor, pelo que tendo havido oposição, devem seguir-se os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Essa forma processual foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo DL 269/98, de 1 de Setembro, que, no seu preâmbulo, refere: ”o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, previu a possibilidade da criação de processos com tramitação própria no âmbito da competência daqueles tribunais. É oportuno concretizar esse propósito, mas generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado. Paralelamente, a injunção, instituída pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, no intuito de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo, no mesmo triénio mereceu uma aceitação inexpressiva, que se cifra, em todo o País, em cerca de 2500 providências por ano. Procura-se agora incentivar o recurso à injunção, em especial pelas possibilidades abertas pelas modernas tecnologias ao seu tratamento informatizado e pela remoção de obstáculos de natureza processual que a doutrina opôs ao Decreto-Lei n.º 404/93, nomeadamente no difícil, senão impraticável, enlace entre a providência e certas questões incidentais nela suscitadas, a exigirem decisão judicial, caso em que a injunção passará a seguir como acção”.
Tal procedimento simplificado inicia-se com a petição inicial, o réu é citado para contestar no prazo de 15 dias se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de primeira instância, ou no prazo de 20 dias, nos restantes casos (art. 1º,1,2). No nº 4 estabelece-se que o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento”. Daqui resulta que não está prevista a possibilidade de poder existir qualquer outro articulado, nomeadamente, réplica.
Da leitura de todo o regime em causa ressalta evidente a preocupação com a celeridade, que o legislador quis incutir a esta forma processual.
Daí que haja quem argumente que permitir que o réu viesse arguir a compensação nesta forma de processo, o que seria feito mediante a formulação de pedido reconvencional, significaria que o autor teria necessariamente de poder pronunciar-se quanto a esta, oferecendo a sua defesa, nomeadamente defendendo-se por excepção dilatória ou peremptória, o que por sua vez implicaria que o réu tivesse oportunidade de se pronunciar sobre essa excepção, pois os princípios nesta matéria são os estabelecidos pelos arts. 574º, 583º e 584º CPC.
Seria, no fundo desvirtuar esta forma processual que se quis rápida e descomplicada.
E acrescentam, tal como se escreve na decisão recorrida, que o réu em nada fica prejudicado por não poder nesta sede oferecer o seu contra-crédito, pois sempre poderá fazer valer o seu direito em acção autónoma, obstando até à execução de qualquer quantia, nos termos do artigo 729º,h CPC.
Na jurisprudência encontramos decisões desencontradas sobre esta mesma questão.
De acordo com a orientação perfilhada pelo Acórdão do STJ de 24.09.2015, “seguindo o procedimento de injunção, os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos, não é admissível reconvenção”.
Também o acórdão do TRE de 23/4/2020 (Francisco Matos) vai no mesmo sentido, e cita o entendimento expresso pelo Conselheiro Salvador da Costa, segundo o qual “é manifesto o propósito do legislador de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da relativa reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver. Com efeito, a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a acção em causa, cuja particular especificidade se centra na celeridade derivada da simplificação, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional. Não se vê que esta solução afecte o direito de defesa do réu, certo que pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em acção própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na acção”.
Já em sentido diverso decidiu o Acórdão deste TRG de 5.3.2020 (Alexandra Viana Lopes).
Aí se argumenta, citando Rui Pinto, que “São, pelo menos, duas as razões pelas quais esta acção especial não admite reconvenção. Por um lado, a reconvenção “pede” um articulado de resposta, o que o regime especial afasta; por outro lado, a reconvenção postula um pedido de condenação do autor ou, pelo menos, de reconhecimento do direito do devedor, o que está fora do escopo da acção especial: formar título executivo contra o devedor, nos termos do artigo 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro”.
E acrescenta-se que “também na particular situação da enorme controvérsia jurídica sobre a admissibilidade da invocação da compensação pelo réu nas acções especiais, não existem razões de justiça material que exijam a admissibilidade da dedução excepcional do pedido reconvencional, nos termos do art. 266º/2-c) do CPC, por a compensação poder ser invocada como excepção peremptória que permite ao réu defender-se por via extintiva contra o pedido e o direito invocado pelo autor, assegurando os seus direitos constitucionais de defesa, nos termos do art.20º/1 da Constituição da República Portuguesa”.
Mais uma vez citando Rui Pinto, “o ponto de partida, inquestionável, é o de que a compensação constitui um dos factos extintivos das obrigações além do cumprimento, como decorre do artigo 395º CC, da sua arrumação no Capítulo do Código Civil com essa epígrafe e do teor do artigo 847º,1 CC. Em consequência, o devedor que dela faça uso, como provoca a extinção total ou parcial da dívida, há de querer invocar aquele facto extintivo no processo civil”. E mais adiante: “entre os que têm entendido que o art. 266º/2-c) do CPC exigiu a dedução da compensação por reconvenção (tomando partido quanto à polémica jurisprudencial sobre a invocação da compensação como excepção ou por reconvenção), tem sido defendido, de forma que se considera adequada e correcta, que nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, em que não é admissível a dedução da reconvenção, deve ser admissível a dedução da compensação por via de excepção peremptória, nos termos do art. 342º/2 do CC e 571º/2- 2ª parte do CPC, em harmonização das exigências substantivas e processuais. E, dando de novo a palavra a Rui Pinto: “o que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por excepção peremptória. Em qualquer caso, o que nenhum processo – e muito menos os processos especiais - tem de assegurar é que o réu devedor possa obter a condenação do autor credor na parte do crédito não compensada.”
Defende-se assim uma interpretação restritiva do art. 266º,2,c CPC, nas acções em que não é possível a dedução da reconvenção.
Também o acórdão do TRP de 4 de Junho de 2019 (Maria Cecília Agante) adere a esse entendimento que confere ao Requerido a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção, argumentando que assim se evita um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, e se determina a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico.
Escreve-se aí que “aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do actual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a tingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional. Sabemos que esta resolução não colhe unanimidade, designadamente jurisprudencial, havendo arestos no sentido da inadmissibilidade da reconvenção nas injunções de valor não superior à alçada da Relação. Salvaguardando o muito respeito devido por essa posição, não a sufragamos e antes aderimos à tese da admissibilidade da reconvenção, em consonância com o expendido por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, no sentido de dar ao demandado a possibilidade de, no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional”.
Com efeito, na Doutrina, Miguel Teixeira de Sousa, no citado “blog”, sob o título:
“AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples ?”, escreve:
“1. Dois recentes acórdãos (Ac. 1: RG 5/3/2020 (104469/18.2YIPRT.G1); Ac. 2: RG 5/3/2020 (3298/16.9T9VCT-B.G1)) voltaram a tratar do tema da dedução da compensação nas AECOPs e voltaram a defender que nestas acções a compensação não pode ser deduzida por via de reconvenção. Dos respectivos sumários transcreve-se o seguinte: -- Ac. 1: I. Nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória. -- Ac. 2: 2. Nestas acções especiais não pode vir a ser admitida a reconvenção, também: nem pela via da norma remissiva do art.549º/1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da acção especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts.6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas acções especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º/2 do CPC. 3. Nestas acções especiais, em que não é admissível a reconvenção, o réu que pretenda invocar a compensação de créditos, pode defender-se por via de excepção peremptória contra o pedido e o direito invocado pelo autor, pois: a compensação dos arts. 847º ss do CC é uma excepção extintiva, nos termos dos arts. 395º e 342º/2 do CC e do art. 571º/2- 2ª parte do CPC; a excepção assegura os direitos constitucionais de defesa do réu, nos termos do art. 20º/1 da Constituição da República Portuguesa, e conduz ao equilíbrio entre os dois direitos em discussão (o direito do autor em obter a celeridade na discussão e decisão sobre o crédito por si invocado, o direito do réu se defender contra o crédito invocado pelo autor). Volta-se ao tema, porque, como aliás resulta dos referidos acórdãos, se tem procurado justificar a solução da via da excepção com um enorme aparato dogmático, quando afinal há uma solução que não só é muito mais simples, como é a única que é constitucional. 2. A proposta que, dentro de um espírito de back to the basics, agora se deixa é simplificar o que é simples. Em concreto, o que se propõe é que a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que o devido contraditório do autor pode ser feito em articulado próprio. Para se chegar a esta solução basta aplicar a lei (nomeadamente, os art. 266.º, n.º 2, al. c), e 584.º, n.º 1, CPC, ex vi do art. 549.º, n.º 1, CPC) e respeitar o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC). É simples por isto mesmo: resulta da lei. Não precisa de nenhuma argumentação destinada a demonstrar que afinal o que decorre do CPC não é aplicável”.
Confessamos que a interpretação defendida por este Ilustre Professor nos convence.
Com efeito, porque somos e sempre seremos defensores da substância em detrimento da forma, não há como negar que a substância aqui é o direito, emergente da lei civil, que o devedor tem de se opor à condenação no pagamento de um crédito que terceiro detém sobre si, compensando com um crédito que ele próprio detém sobre esse terceiro. Trata-se de direito substantivo, que não pode ser postergado por razões processuais.
Os defensores da tese oposta argumentam (e com efeito tal argumento surge esgrimido na sentença recorrida) que o réu em nada fica prejudicado por não poder nesta sede oferecer o seu contra-crédito, pois sempre poderá fazer valer o seu direito em acção autónoma, obstando até à execução de qualquer quantia, nos termos do artigo 729º,h CPC.
E é verdade que assim é.
Mas cumpre perguntar: e será que assim se obtém a tão pretendida maior celeridade ?
Não cremos. É verdade que assim o credor fica mais rapidamente na posse de um título executivo. Mas, mais uma vez, do ponto de vista da substância, ter um título executivo na mão não é o objectivo último do credor; o que o credor quer é receber a quantia em dívida. E para esse objectivo, é mais ou menos irrelevante que o contra-crédito do devedor seja esgrimido perante o credor logo na acção de natureza declarativa, ou em sede de embargos na subsequente acção executiva (art. 729º,h CPC), ou paralelamente em acção declarativa autónoma.
Acresce que não conseguimos afastar a ideia de que qualquer solução processual que introduza um hiato temporal entre o reconhecimento do direito do credor e o oferecimento de um contra-crédito por via da compensação, está a desvirtuar e a esvaziar a própria figura da compensação, que, salvo melhor opinião, pela sua própria natureza exige ser imediatamente exercida. É no momento em que A é confrontado com o pedido de cobrança de um crédito por parte de C que faz sentido opor-lhe o direito a compensação com um crédito que por sua vez tem sobre ele.
Por outro lado, a economia processual sai sempre a perder com a solução oposta à que defendemos, pois em vez de a questão ficar logo resolvida na acção declarativa inicial, ainda vai ter de ser arrastar por outra acção declarativa ou por um enxerto declarativo em acção executiva. A diferença é ter dois ou três processos judiciais até resolver a questão, em vez de ter só um. A economia processual deve ser vista globalmente, e não atomisticamente.
Assim, nesta parte, não podemos concordar com a interpretação feita na sentença recorrida, devendo a compensação ser admitida por via reconvencional, e, por força do princípio do contraditório, respeitando os artigos 266º,2,c, 584º,1 CPC, ex vi do art. 549º,1 CPC) e sobretudo o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC), deve o Juiz da causa dar oportunidade à requerente se de opor à alegada compensação, decidindo a final do mérito (existência e exigibilidade do crédito).
Mas a sentença recorrida avança com um segundo argumento, este de ordem substantiva, para não aceitar a compensação.
Recordemos: “sem prejuízo, e por fim, neste caso, ainda se coloca a questão material da própria verificação dos requisitos da compensação, pois que, o crédito invocado para a compensação tem de ser exigível em juízo, tem de estar judicialmente reconhecido, o que, em nosso entender não se verifica. O crédito é judicialmente exigível quando, no momento em que pretende operar a compensação, o compensante esteja em condições de opor ao devedor a realização coactiva do seu crédito. Neste caso, este direito da Ré, pelo menos o direito à indemnização, ainda não está definido, pretendendo-o ver reconhecido precisamente nesta acção. Resulta, assim do exposto que também por esta razão não poder ser oposta a excepção da compensação à Autora”.
Em primeiro lugar, dogmaticamente, depois de decidir que não podia conhecer da questão da compensação por impedimento processual, a sentença acabou por se pronunciar sobre a substância da mesma. O que não deixa de ser contraditório. Porém, de um ponto de vista prático, compreendemos a necessidade sentida de deixar claro que, de uma forma ou de outra, a compensação não poderia proceder.
Mas será assim ?
A sentença recorrida afirma expressis verbis que “o crédito invocado para a compensação tem de ser exigível em juízo, tem de estar judicialmente reconhecido (1), o que, em nosso entender não se verifica.
Ora, não é isso que resulta da lei. Dispõe o art. 847º CC o seguinte:
1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.
Antunes Varela, em Das Obrigações em geral, vol. 2º, 5ª edição, fls. 202, explica assim o regime legal: “para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do nº 1 do artigo 847º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorre: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material. Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º), requisito que não se verifica nas obrigações naturais (art. 402º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda não se tenha verificado ou o prazo ainda não se tenha vencido, por outra”.
Ora, já se vê que a sentença recorrida entendeu menos bem o imperativo legal.
A sentença recorrida afirma expressis verbis que “o crédito invocado para a compensação tem de ser exigível em juízo, tem de estar judicialmente reconhecido, o que, em nosso entender não se verifica”.
Ora, o crédito “ser exigível judicialmente” é de facto o requisito imposto por lei. Já o “estar judicialmente reconhecido”, como bem se entende, não o é, de todo, sendo que são realidades totalmente diferentes. Estar judicialmente reconhecido significa ter sido declarado por sentença transitada em julgado. O que manifestamente não é o que está na lei. Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art. 817º). Ora, a obrigação que a requerida pretende compensar com o crédito da requerente é manifestamente deste tipo, ou seja, é uma obrigação de indemnização, que pode ser judicialmente declarada, em caso de vencimento de causa, e dar direito à execução do património do devedor.
Também esta razão, manifestamente, não procede.
Assim, importa julgar procedente o recurso e determinar que a primeira instância admita a arguição da compensação, facultando o contraditório sobre a mesma, e, após produção de prova, decida.
V- DECISÃO
Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente procedente, e em consequência, revoga a sentença recorrida e determina que após baixa dos autos, a instância retome o seu andamento, com o exercício do contraditório por parte da requerente, nos termos supra apontados. Custas pela parte vencida a final (art. 527º,1,2 CPC).
2º Adjunto (Joaquim Boavida)
«Revendo a posição expressa no acórdão de 13.06.2019, proferido no processo 107776/18.0YIPRT-C.G1, desta Relação, no qual tive intervenção como adjunto».
Voto de vencido.
Voto vencido um dos fundamentos da decisão, mais concretamente na parte em que se considerou que a compensação deve ser admitida por via reconvencional.
Para o efeito da indicação das razões da minha discordância remeto e dou aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos explicitados no ponto V.2 do acórdão desta Relação de 13 de junho de 2019, processo n.º 107776/18.0YIPRT-C.G1, de que fui relator e que se encontra publicado no sítio www.dgsi.pt., no qual se decidiu que, no âmbito da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.0000,00 (arts. 3.º a 5.º do Dec. Lei n.º 269/98 e art. 10.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 62/2013), a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a referida ação não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional, nomeadamente para fazer atuar a compensação-reconvenção.
Não sendo admissível reconvenção, seria, no entanto, de admitir a defesa por invocação da exceção perentória de compensação, a fim de não coartar ao réu um meio de defesa importante e eficaz.
Em reforço dos argumentos ali expendidos acrescentaria o seguinte:
Como refere Miguel Mesquita, in Nota Prévia ao Código de Processo Civil, 39ª ed. Almedina, 2020, p. 6, foi dado conhecimento de um Projeto de Lei (de 27/12/2018), que, para além de alterar o «Regime do Processo de Inventário» (alterações que vieram a concretizar-se na Lei n.º 117/2019, de 13/09), tentava resolver, a latere, outras questões processuais e que têm gerado jurisprudência contraditória, nomeadamente (no que aqui releva) a questão atinente à admissibilidade da dedução, no processo, da compensação de créditos, prevendo-se nesse Projeto de Lei a possibilidade de o réu exercer o direito de compensação no domínio da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos. O aludido Projeto alterava, portanto, o art. 3º do Regime Anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1/09, determinando expressamente a possibilidade de o réu, no domínio dessa ação especial, invocar um crédito para compensação, tendo o autor a possibilidade de responder dentro de certo prazo.
A verdade é que as referidas soluções do Projeto para a compensação processual não foram (pelo menos até à data) aprovadas (tendo sido, isso sim, alterados e/ou aditados os arts. 10º, 13º e 14-Aº ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/09).
Por conseguinte, não se verificando essa condição legal, entendo, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, ser de manter inalterada a posição propugnada no referido acórdão de 13 de junho de 2019, no sentido de, no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, não ser admissível a dedução de reconvenção, nomeadamente para fazer operar a compensação de créditos.
Consequentemente, no caso só admitiria a invocação da compensação de créditos por via de exceção perentória.