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CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
RECONVENÇÃO
LIQUIDAÇÃO
Sumário
I. Em empreitada em que se convencionou o preço com inclusão de IVA, a emissão e apresentação de factura pela empreiteira ao dono da obra é condição de exigibilidade da quantia ainda em dívida. II. A invocação da Lei de Defesa do Consumidor em recurso, para legitimar uma resolução de contrato de empreitada fora das condições previstas no Código Civil, impunha que a condição de consumidor dos Autores tivesse sido alegada em primeira instância e que também perante a primeira instância tivesse sido indicada a referida Lei como razão de direito fundamentadora do pedido. III. Sem invocação da excepção de não cumprimento, não poderia sequer discutir-se se o não acabamento culposo da empreitada pelo empreiteiro gerava a dispensa de pagamento da totalidade do preço acordado além do direito à indemnização pelos prejuízos causados. IV. A condenação da empreiteira a pagar o custo suportado pelo dono da obra com o acabamento dela e com a correcção de defeitos, em valor a apurar em liquidação de sentença, por falta de elementos, nos termos do artigo 609º nº 2 do CPC, e a condenação do dono da obra, reconvindo, a pagar a parte do preço em falta, operam com a autonomia jurídica e jurídico processual que resulta da circunstância factual que determina a possibilidade da condenação líquida ou da condenação naquilo que se apurar em liquidação de sentença. A condenação líquida não fica em suspenso ou condicionada pela liquidação da condenação ilíquida, ainda que o resultado prático venha a ser um reembolso ao obrigado à condenação líquida que a satisfaça voluntariamente em cumprimento da decisão.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório[1]
E… e marido, O…, nos autos m.id., vieram instaurar a presente acção declarativa com processo comum contra “D… – Arquitectura e Construção, Ldª”, também nos autos m.id., peticionando a final a condenação desta a pagar-lhes os custos que suportaram com a reparação dos defeitos do imóvel, no valor de €47.601,00, e juros de mora de acordo com a taxa legal em vigor sobre todas as quantias em que venha a ser condenada, contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Em síntese, alegaram ter celebrado com a R. um contrato de empreitada que previa a demolição e construção de novo edifício, bem como o reforço/reconstrução dos muros de separação do lote onde o mesmo seria implantado. Acontece que o edifício construído pela R. padece de vícios que o desvalorizam seriamente e o tornam insusceptível de utilização nos termos acordados pelas partes e para os fins a que se destina. Não tendo a R. dado qualquer resposta às comunicações efetuadas pelos AA. a denunciar os defeitos e a exigir a reparação, não procedendo à eliminação dos defeitos da obra apontados pelos mesmos, os autores não tiveram outra alternativa senão a de resolverem o contrato celebrado, o que fizeram através de carta registada datada de 07/07/2015. Pretendem ser indemnizados pelo custo acrescido da obra, e que se traduz no valor de 38.700,00€, a que acresce IVA, o qual foi orçamentado para a reparação e eliminação dos defeitos existentes.
Contestou a Ré, excepcionando a incompetência territorial por violação da competência convencional, e impugnando no sentido de que o edifício não padece de todos os vícios apontados e de que não tem qualquer responsabilidade em alguns que se verificaram, pois parte dos trabalhos acabou a ser, pelos AA., retirada do contrato, e atribuída e efectuada por outros empreiteiros, de tal modo que o valor passou de €169.000,00 para €123.402,23.
Por outro lado, não só os AA. não pagaram a totalidade do preço acordado para a empreitada como contrataram extra a realização dos muros de contenção, valores que a Ré reclama, deduzindo reconvenção por €18.362,32, acrescida de juros de mora.
Replicaram os AA., impugnando a reconvenção, e alegando que o valor quanto a muros foi pago.
A excepção de incompetência em razão do território foi julgada improcedente. Em função da fixação do valor da causa em €65.963,32 foi o processo remetido para o Juízo Central Cível.
Realizou-se a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador tabelar sendo ainda enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento foi seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Face ao exposto, decide-se: a) Julgar o pedido formulado pelos autores parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré a pagar aos autores a quantia necessária à realização dos trabalhos de instalação do quadro geral de eletricidade, colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra em causa nos autos, a determinar por via de liquidação, nos termos do artº 609º/2 do CPC, absolvendo a ré do pedido quanto a tudo o mais que contra ela vinha peticionado. b) Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condenar os autores a pagar à ré a quantia de 13.002€, acrescida de juros de mora desde 22.10.2015 e até integral e efetivo pagamento, absolvendo os autores do pedido quanto ao restante que contra eles vinha peticionado. Custas: quanto ao pedido principal, ficam a cargo dos autores e da ré na proporção de 3/4 e 1/4, respetivamente, e quanto ao pedido reconvencional ficam a cargo dos autores e da ré na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente”.
Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1.- Questão Prévia: Os Autores/Recorrentes não podiam, nem podem, ser condenados no pagamento de uma qualquer importância à Ré/Reconvinte/Recorrida, não titulada por factura;
2.- A emissão obrigatória de fatura funciona como uma “implícita” condição legal (cfr. art. 270.º do C. Civil), que, enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação;
3.- Os Autores/Reconvindos/Recorrentes não podem ser condenados num saldo, apurado entre os valores cobrados e em falta, pois que os serviços prestados na empreitada, e a serem reclamados, carecem de ser faturados e devidamente descriminados, e, além do mais, os Autores são credores, e a Ré devedora, de € 22.093,60, liquidados a título de IVA (€ 96.059,20 x IVA a 23% = € 22.093,60, num total de € 118.152,81) de que a Ré não comprovou ter emitido as faturas correspondentes e entregue o respectivo imposto ao Estado;
4.- O Tribunal não pode ser cúmplice de uma fraude fiscal e/ou ao Estado, condenando os Autores/Reconvindos, sem exigir previamente que a Ré junte aos autos e comprove ter emitido faturas, e cobrado a respetiva taxa de IVA de 23%, sobre as quantias entregues (já que o valor cobrado incluía IVA);
5.- Do mesmo modo que os Autores/Recorrentes não podem ser penalizados, nas suas declarações de impostos, pela ausência de tais documentos, cujo montante fossem judicialmente condenados a pagar, sem que lhes fosse entregue a correspondente fatura, o que torna tais valores inexigíveis pela Ré aos Autores;
Sem prescindir:
6.- Os Recorrentes não se conformam, nem aceitam, que tenha sido declarada PROVADA a matéria de facto, constante dos seguintes pontos da decisão:
“8. A ré realizou a obra mencionada em 2, com exceção de vários trabalhos que foram realizados por outras empresas o que aconteceu por vontade dos autores. 9. Relativamente à obra que a ré se obrigou a fazer, faltou instalar o quadro geral de eletricidade, concluir a colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra.”
7.- Existem meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida;
8.- Recorrendo-se aos seguintes documentos constantes dos autos: a) DOC. n.º3 da P.I.: Contrato de empreitada; b) DOC. n.º3 da P.I. Caderno de encargos e orçamento; c) DOC. n.º 8 da P.I. – email de 20 de maio de 2014 d) Relatório do Eng.º AC…, - ordenado juntar aos autos em julgamento 19/02/2019 e) DOC. n.º16 da P.I.: Email de 02/09/2019
Deveria ter sido declarada provada a seguinte factualidade:
A.- Na sequência da vistoria do ponto 4 da matéria de facto provada, requerida pelos Autores, a obra não foi recebida, pois que estava inacabada e com vícios que impediam tal receção, sendo que os Autores elaboraram auto com a listagem das desconformidades que dirigiram à Ré através de email com data de 20 de maio de 2014.
B.- O alvará de licença de construção havia caducado em 05 de abril de 2014.
C.- O imóvel, à data da vistoria, possuía todos os vícios constantes da carta de 19 de agosto de 2014 e do relatório que foi elaborado pelo Eng.º AC… e cuja junção foi ordenada oficiosamente pelo Mmo. Juíz aos autos em 19/02/2019.
D.- A referida carta foi remetida em duplicado para os domicílios da sede e do escritório da Ré, e devolvida ao remetente por não ter sido recebida pela Ré.
E.- O que determinou que os Autores tivessem dirigido cópia de tal carta para a Ré, através de email com data de 02/09/2014;
9.- E mais deveria ter sido declarada provada a seguinte factualidade, com relevância para o apuramento da justificada resolução, e confessada pela Ré/Reconvinte/Recorrida, aos artigos 83, 72 e 74 da Contestação:
F.- A Ré não respondeu à carta dos Autores de 19 de agosto de 2014;
G.- No dia 11 de Abril de 2014 a Ré informou a Autora que lhe pretendia entregar a chave e o comando do imóvel que tinha em seu poder, uma vez que dizia que a casa já estava pronta da sua parte há algum tempo;
H.- A Ré acabou por entregar a chave e o comando à Autora.
Sem prescindir:
10.- O contrato de construção e o caderno de encargos, juntamente com o relatório do Eng.º Civil, AC…, ordenado juntar oficiosamente na audiência de julgamento de 19 de fevereiro de 2019, compaginado com os depoimentos das correspondentes testemunhas, que adiante se identificam, impunham a declaração, como provada, da seguinte factualidade:
I.- A Ré aplicou, nas paredes exteriores meeiras, perfis C90, de dimensão igual à das paredes interiores, por contraposição aos perfis acordados de C150, e aplicou lã de rocha de 60 mm, por contraposição com o acordado de 100 mm, e, finalmente, aplicou EPS (esferovite) de 3 cm, por contraposição aos 5 cm acordados e contratados.
J.- Tais materiais não respeitam o caderno de encargos, o resumo do orçamento proposto pela Ré, e o projeto aprovado. Com recurso à reapreciação do depoimento das testemunhas: ATC…; MJMV…;
K.- O piso da suite possui irregularidades que tornam inapta e inadequada a sua utilização. Com recurso à reapreciação do depoimento das testemunhas: MJMV…; FMCBLV…; JTM…;
L.- A empreitada, antes ainda de concluída, manifestava diversos vícios: - Pendente deficiente do piso do pátio, que fazia acumular a água das chuvas; - Havia um problema de infiltrações no pátio; - A porta de segurança contra incêndios tinha frinchas e não exercia a sua função. - Existiam entradas de água ao nível da cobertura (varanda). Com recurso à reapreciação do depoimento da testemunha: FMCBLB…;
M.- A empreitada foi executada pela Ré ainda com os seguintes vícios de construção: - Capoto com vícios de execução nos acabamentos da pintura da fachada principal; - Caixas de eletricidade da EDP, do fornecedor, não executadas. - Buracos não tapados na fachada do edifício. - Diferença do pé-direito do piso 02 (erradamente denominado de sótão), entre os 2,73 m aprovados no projeto de arquitetura e os 2,56 executados em obra pela Ré, ou seja, diferença de de 6,6% do pé-direito do piso 02, entre o projeto de arquitetura e o executado. - Diferença do pé-direito do piso 0 (zero) entre os 2,70 m aprovados no projeto de arquitetura e os 2,56 m executados, com uma diferença de 13 cm. - Menor espessura de paredes e lã de rocha de isolamento. Com recurso à reapreciação do depoimento da testemunha: ANC….
N.- O valor reclamado pela Ré dos Autores não pode ser superior a €7.000,00. Com recurso ao depoimento de parte do legal representante da Ré, Sr. AAPC….
Sem prescindir:
11.- A resolução contratual comunicada pelos Autores à Ré, depois de esta ter sido interpelada para corrigir os vícios da empreitada, e não ter respondido; e depois de ter exigido o pagamento da última prestação da empreitada, sem o que não procedia à sua conclusão, em absoluto arrepio ao consagrado à alínea e) do ponto 1.2 da cláusula terceira e do n.º 6 da cláusula décima do contrato de construção, legitima assim a resolução do contrato, comunicada após ter sido concedido um prazo à Ré para proceder à reparação dos vícios;
12.- Tal direito é, além do mais, reconhecido aos Autores/Recorrentes/Reconvindos pela Lei de Defesa do Consumidor. Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril);
13.- As normas contidas na Lei de Defesa dos Consumidores constituem normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando estas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação, que é o da relação de consumo, e como lei especial, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor;
14.- Também a República Portuguesa, conforme resulta da nossa Lei Fundamental – art.º 60º da Constituição da República Portuguesa - se assume como um Estado de Direito democrático e social, conferindo tutela constitucional, e propõe-se garantir o direito dos consumidores à qualidade dos bens e serviços consumidos, bem como, à respectiva reparação dos danos;
Sem prescindir:
15.- É de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado;
16.- Deve ser reconhecido o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato;
17.- Assim, para além do exercício legítimo e justificado da resolução contratual, aos Autores assiste o direito a haver da Ré o pagamento dos valores que despenderam na reparação das desconformidades e vícios da obra, assim como a deixar de pagar a última prestação a que se haviam obrigado, e correspondente a trabalhos e obras que aquela deixou de executar;
18.- Mas, pelo menos, sempre essa última prestação apenas seria ou é devida pelos Autores à Ré, depois de quantificado, em liquidação de sentença, o preço dos serviços prestados pela Ré, e o montante daqueles que ela deixou de executar;
19.- Assim, e contrariamente àquilo que foi a decisão recorrida, consideram os Autores que foi mal interpretado e aplicado o direito, quando lhes nega um direito indemnizatório que, no caso concreto, resulta do incumprimento definitivo da obrigação de executar o contrato de empreitada e que tem por objeto o prejuízo sofrido pelos Autores, traduzido na reparação dos vícios e desconformidades construtivas;
Sem prescindir:
20.- Nunca poderia o Tribunal condenar os Autores/Reconvindos no pagamento do preço final e global de uma empreitada inacabada pela Ré;
21.- Os Autores liquidariam, por via da sua condenação, a totalidade do preço da empreitada;
22.- E, entretanto, teriam que instaurar incidente de liquidação para apuramento do preço da obra não executada pela Ré, para obterem depois a sua subsequente condenação e o reembolso do que lhe pagariam em excesso;
23.- Conforme resulta do contrato de empreitada celebrado entre ambos, a última prestação do preço apenas seria liquidada com a conclusão da empreitada;
24.- A Ré entregou as chaves da moradia e recusou, apesar de interpelada pelos Autores, concluir a obra;
25.- Assim sendo, e porque só a ela é imputável a mora e o incumprimento subsequente, apenas teria, em última análise, o direito a obter o pagamento da obra executada (e não da obra inexecutada);
26.- E a Ré não logrou demonstrar qual o preço que lhe seria alegadamente devido desde logo porque não emitiu auto de medição, não emitiu faturas e, por isso, está a pedir a totalidade do preço, que notória e claramente não lhe é devido, e que o Tribunal, por isso mesmo, também não podia, como não pode, alcançar pelo montante parcial alegadamente devido;
Sem prescindir:
27.- Qualquer montante que os Autores/Reconvindos/Recorrentes pudessem eventualmente ser condenados a pagar à Ré/Recorrida/Reconvinda, sempre teria que ser deduzido do valor correspondente à obra inacabada ou com vício e correspondente custo de reparação pelos Autores;
28.- Pois não é adequado ao direito, devendo operar-se a exceção de não cumprimento e a compensação, condenar os Autores a pagar o preço de uma empreitada, cuja última prestação não é devida, (porque a obra não foi totalmente concluída) e terem depois os Autores que instaurar incidente de liquidação de sentença para reaver o que tivessem eventualmente pago em excesso por virtude da sentença condenatória;
29.- A douta sentença recorrida violou, assim, na sua interpretação e aplicação, as seguintes disposições legais:
Artigo 270.º do C.C.; Artigo 432.º do Código Civil; Artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa; Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril). Artigos 801.º, n.º 2 e 562.º e 566.º, todos do Código Civil. Artigos 847 e 428.º, ambos do Código Civil.
Termos em que (…), na procedência do recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare procedente a ação dos Autores/Recorrentes e condene a Ré/Recorrida a pagar-lhes a quantia de € 47.601,00, acrescida de juros à taxa legal ou, caso se entenda não se acharem contabilizados os valores das reparações dos vícios demonstrados, e dos prejuízos e menores valias causadas ao imóvel, sempre deve tal valor ser relegado para liquidação ulterior de sentença. E mais devem os Autores/Recorrentes ser absolvidos do pedido reconvencional formulado pela Ré/Recorrida”.
Contra-alegou a Ré, sem formular conclusões, e pugnando pelo não provimento do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir são a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e saber se o pedido dos AA. devia ter procedido e a reconvenção improcedido.
III. Matéria de facto
A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto é a seguinte:
“Relativamente aos temas da prova e tendo em conta o alegado pelos autores e pela ré nos respetivos articulados, provou-se o seguinte:
1. Está inscrito na C. R. Predial a favor dos autores o direito de propriedade sobre o prédio urbano descrito na C.R.P. de O… sob o registo nº …, a que corresponde o atual artigo matricial … (antigo …), do distrito de Lisboa, Concelho de …, União de Freguesias de ….
2. Em 12/02/2013, os autores celebraram com a ré um acordo mediante o qual a ré se obrigou a efetuar a demolição e construção de um edifício novo para habitação, o supra identificado, conforme teor do documento de fls. 21 a 28 e orçamento anexo.
3. Foi também acordado que a ré levaria a efeito a demolição e construção dos muros de contenção pelo preço de 5.000€, que os autores pagaram à ré.
4. Em 02/05/2014, os autores, por carta registada com AR, solicitaram à ré uma vistoria à obra, conforme teor do Doc. 7 junto com a p. i..
5. A ré foi procedendo às reparações necessárias e à execução de trabalhos em falta.
6. A partir de Agosto de 2014, a ré deixou de comparecer na obra.
7. Os autores enviaram à ré, em 19/08/2014, uma carta registada com AR, junta com a p. i. como a. Doc. 9, na qual pedem à ré que indique, no prazo de 5 dias úteis, se tem intenção de remover os defeitos aí elencados no prazo de 30 dias.
8. A ré realizou a obra mencionada em 2, com exceção de vários trabalhos que foram realizados por outras empresas o que aconteceu por vontade dos autores.
9. Relativamente à obra que a ré se obrigou a fazer, faltou instalar o quadro geral de eletricidade, concluir a colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra.
10. Os autores, através de advogado, enviaram a carta registada datada de 07/07/2015, junta com a p. i. como Doc. 17, na qual comunicaram a intenção de resolver o acordo referido em 2.
11. Os autores, relativamente ao acordo mencionado em 2., pagaram à ré o montante de 118.152,81€.
12. Os autores retiraram do acordo mencionado em 2. vários trabalhos, que foram realizados por outras empresas, passando o preço final a ser o de 132.094,96€, já com IVA.
13. Os autores procederam, por intermédio de terceiros, à reparação do mencionado supra em 9, tendo despendido montante não apurado.
Nada mais se provou relativamente aos temas da prova, nomeadamente todos os demais defeitos invocados pelos autores na p. i. e o respetivo preço de reparação.
Também não se provou o preço dos muros de contenção alegado na contestação.
Fundamentação da convicção do Tribunal
Foi produzida prova por declarações de parte1, documental e testemunhal2.
1 AAPC…, empresário const. civil, gerente da ré,
Acordou a empreitada de construção da moradia. Houve partes da obra que estavam inicialmente previstas no contrato mas depois foram feitas por terceiros: cozinha (móveis) louças sanitárias (forneceram e foi a ré que colocou), roupeiros (fornecidos e colocados por outras pessoas contratadas pelos autores), pavimentos (forneceram o material e a ré colocou), caixilharia (fornecida e colocada por outras pessoas contratadas pelos autores) estores (fornecidos e colocados por outras pessoas contratadas pelos autores), revestimentos da cobertura (fornecidos e colocados por outras pessoas contratadas pelos autores) porta de entrada da casa (fornecida e colocada por outras pessoas contratadas pelos autores). Inicialmente o valor acordado foi entre 150.000 a 160.000, não tem presente o valor em concreto. A obra ficou por cerca de 97.000, mais o valor dos muros. Fizeram um muro de retenção de terras, que foi para além do orçamento – preço cerca de 10.000€. No final da obra fizeram reclamações. Mas a obra foi sempre acompanhada pelos donos da obra, que iam apontando defeitos e eram logo corrigidos. No final corrigiram o que eram imputados a eles e não corrigiram os que seriam imputados a outros: por exemplo o pavimento de madeira – o subpavimento era uma manta de cortiça que dava a ideia de flutuar; era por isso que os autores se queixaram. Ao colocarem os roupeiros danificaram as paredes, o mesmo acontecendo com a cozinha. Essa colocação efetuada por outras empresas acabou por causar danos. No final da obra ficaram algumas tomadas por colocar – só a parte de fora Não houve mais nada a reparar. Outras situações eram irreparáveis e resultaram de opções dos autores. Faltavam 7.000 e qualquer coisa – era isto que faltava pagar. A esta quantia acrescia o valor do IVA sobre a totalidade da obra. Quanto ao muro pagaram 5.000€ - valor final que ficou acordado. O valor era superior mas no final acordaram isso. Os ramais de ligações de água, esgotos, gás – são todas feitas pelos serviços fornecedores. Quem colocou a fachada e a cobertura foi um outro empreiteiro contratado pelos autores. As outras portas foram também contratadas e colocadas pela cliente. Iluminação – os autores forneceram o material e a ré colocou. Painéis solares e a pré-instalação do ar condicionado foi tudo colocado por outras pessoas. Quanto aos pavimentos exteriores – tinha calçada e foi retirada para fazer os ramais de ligação – não estavam incluídos no contrato. As queixas acerca do pavimento de madeira eram da casa toda que tinha esse pavimento – só a cozinha não tinha. A obra que era incumbência da ré estava acabada, à exceção da parte de fora das tomadas. A rede TV cabo ficou concluída.
E…, contabilista,
O valor acordado foi o que ficou estipulado no contrato. Houve mais uns extras de eletricidade, canalização – não foram feitos pela D…. O que foi feito a mais pela D… foi o muro, foi acordado o valor de 5.000€. As coisas começaram a não ser feitas. Demoraram mais do que o previsto, queria que fosse feito até ao fim da licença de construção. O prazo começou a chegar ao fim e alertou para isso, em especial da eletricidade. A ré disse que eles tiraram vários pontos da empreitada. Tirou da empreitada: as caixilharias, painel solar, cozinhas, roupeiros, portas, porta de entrada, materiais de acabamentos foram todos fornecidos pelos autores, corrimões, guardas de escada. O preço foi de 132.000 (com IVA, uma parte à taxa de 6% e outra à taxa de 23% nos materiais) – valor a que ficou reduzida a empreitada, acrescido de 5.000€ do muro (só, sem mais acréscimos, nomeadamente IVA). Pagou ainda à parte o fecho do sótão. Em março de 2014 o gerente da ré foi entregar as chaves e disse que a obra estava concluída. Não estava concluída: acabamentos – chão, paredes, limpeza da obra, eletricidade (não tinha as fichas, só o buraco, fichas colocadas sem fios por detrás). Rede tv por cabo não estava concluída. Pinturas por acabar, remates de pavimentos, tetos. Marcaram uma reunião para aceitar a obra, em maio de 2014. Esteve lá o encarregado da obra e o gerente da ré. Então disseram que não aceitavam a obra como estava. A casa ficou mais baixa no primeiro andar e no sótão. A casa tem 16 cm de largura a mais – não tem os perfis que foram contratados. A casa acabou por ficar com pouco isolamento. Até agora gastou cerca de 20.000€ em reparações: rodapés, limpezas, pintura de tetos, reparar buracos, pintura de portas, tornar estanque a porta corta-fogo, estores, chão, eletricidade, ITED – remates do chão, retirar fitas do zinco. Fez por cerca de 20.000€, que é um valor inferior ao orçamento que consta dos autos.
O…, reformado, era bancário,
A obra foi mais acompanhada pela mulher e não por ele. O soalho não está desnivelado. Há infiltrações na garagem, pinturas mal feitas. Gastaram à volta de 20.000€ nas reparações. O gerente da ré entregou a chave, parecia chateado e o depoente não sabe porquê. Faltava instalar a eletricidade – o quadro – ligações de eletricidade e ITED e a limpezas geral total. Já foi tudo reparado.
2 ANC…, engº civil,
Contrataram-no para vistoria de uma obra numa casa, na casa dos autores, não os conhecia antes. Foi contratado em abril de 2014 para ir fazer uma vistoria à obra. Pediram-lhe parecer quanto à qualidade da obra. O empreiteiro entregou a chave de uma forma agressiva, disse que a obra estava acabada. A chave foi entregue ao autor O…. Entregou o relatório que elaborou. As fotografias foram por si tiradas. Teve acesso ao contrato, ao projeto de arquitetura. No sótão há uma diferença de cerca de 5% do pé direito. A camada do isolamento ficou mais reduzida e por isso o isolamento fica prejudicado. Fizeram as paredes mais estreitas para aumentar o espaço interior. Voltou à obra depois para a receção da mesma, numa data que foi marcada e também esteve uma pessoa da empreiteira. Foi lá outra vez em janeiro deste ano. Quem coloca e retira o contador provisório é a companhia de eletricidade. Quanto aos estores não viu os estores danificados, os que estavam na data da vistoria eram já outros. Foi a autora que disse que os estores estavam danificados. À data em que foi fazer a vistoria já não havia defeito no capoto referido quanto à foto 0402.
RPVL…, eletricista,
Conhece a autora desde 2014 porque fez este serviço e conheceu-a porque foi fazer umas limpezas no escritório onde a mesma trabalha. Fez uma obra na … para acabar “coisas” relacionadas com eletricidade, colocar diferenciais, colocar coisas que faltavam, tampas de derivação. Foi fazer isso em 2014. Quadro de obra – estava na garagem para fornecer energia à obra. Estava pendurado. Faltava fazer as ligações tv cabo. Não havia enfiamentos para se pedir o ramal. Não tinha a ligação do quadro para o interior da casa. Fez os ramais. Esteve 2/3 dias a trabalhar. Tratou-se de pequenas reparações. Não se lembra quanto cobrou. Na altura cobrava 10€ à hora.
FMCBLV, arquiteto, fez o projeto de arquitetura da casa.
Acompanhou a obra. Conhece o mapa de trabalhos. Na essência a obra está de acordo com o que foi projetado. Foram feitas umas alterações ao projeto mas de pouca importância. Os materiais foram na sua maioria fornecidos pelos autores. Alterações: diminuição da compartimentação a nível do piso 1 e colocação de uma pérgula no pátio. Houve algumas desconformidades de execução: qualidade de execução da obra, não seguimento estrito do que está definido no caderno de encargos, no pátio não escoava a água, o capoto tinha infiltrações. Pavimento está “fofo”, não está compactado, foi mal feita a base de sustentação. A porta de segurança contra incêndios da garagem tem frinchas. Revestimentos da varanda mal feitos. Remates mal executados. No final da obra esteve com um engº que foi contratado para fazer uma vistoria à obra. Não há nenhuma alteração quanto a áreas. O que foi aprovado foi executado. A câmara emitiu a licença de utilização, não houve qualquer problema
JTM…, engº civil,
Fez um projeto de especialidades, mas não todos, para a casa. Fez os de estabilidade, água e esgotos. Houve umas alterações aos projetos de água e esgotos. E uma alteração à estrutura – de betão armado para estrutura metálica, o que obrigou a um novo projeto de estabilidade, que presume tenha sido feito pela ré. Esteve na obra duas vezes, uma no início da obra e outra vez a pedido da cliente à espera do empreiteiro, que acabou por não aparecer. Era para se ver a situação geral da obra: lã mineral no sótão, pavimento, humidades que apareceram. Constatou umas pequenas infiltrações na garagem. A obra pelo que viu, ficou terminada. A espessura prevista entre divisões era de 22 cm; e nas paredes exteriores era 31 cm. A nível de acabamentos não houve nada de especial, apenas coisas que poderiam ter tido um bocado de mais cuidado, mas dentro da normalidade. Só o pavimento do piso térreo é que terá ficado pior.
MJMV…, empresário construção civil, foi contratado pelos autores para fazer correções na casa,
A casa fica em …, onde fez as correções. Fez intervenções na escada, nas alhetas (é a separação entre o teto e a parede) que não estavam concluídas, nos rodapés, no sótão não tinha eletricidade. Acabou o teto no sótão e preencheu com lã de rocha. Em cima faltava a ligação para a aspiração central, que estava avariada. Tinha uma infiltração na varanda. Limparam os azulejos na casa de banho. Na cozinha não fizeram o tubo de saída do esquentador. Tinha massa agarrada às caixilharias. Uma floreira não estava impermeabilizada. Na pérgula tinha um pavimento com ralo central mas a água não escorria para lá. Na cozinha os armários foram colocados em cima do pavimento. O pavimento deve estar irregular. Os interruptores da luz dos quartos não tinham os fios. Não conseguiram limpar os azulejos da casa de banho. A porta corta-fogo estava riscada. Fizeram o barramento da parede. Fizeram um reforço para o isolamento da caixa de correio. Fizeram uma pintura geral por terem intervencionado várias coisas no teto e nas paredes. Não sabe quantos dias de trabalho. O orçamento foi perto dos 20.000€ - mas o orçamento não está nos autos. Orçamento de fls. 108 – não tem nada a ver com a empresa da testemunha. Fez o orçamento em 2014. Passou fatura de tudo, baseado no orçamento. Em setembro de 2015 a obra já estava feita. Quando foi fazer a reparação a casa não estava habitada. Na aspiração central faltava o motor. Estava previsto a cobertura da pérgula
MARFHLN…, irmã da autora.
Acompanhou a obra desde o início. Quando terminaram a obra esta na sua opinião não estava concluída. Foi acordado um valor extra para fazer o muro. A autora dizia que estava orçamentado, a ré dizia que não e acordaram um valor. Era muito difícil falar com as pessoas da obra. Ainda hoje há coisas que estão mal. Há rachas, fissuras na parte exterior da casa, pelo menos uma.
AMBG…, secretária executiva,
A autora é TOC da associação onde a testemunha trabalha. Já a conhece há uns 5 ou 6 anos. Assistiu a um telefonema que a autora recebeu (quando estava no trabalho) do eletricista para marcar a ida à casa para fazer uns trabalhos e ela disse que tinha de falar com o empreiteiro para acordar uma data. Foi a 13 ou 14 de setembro de 2014.
PSSM…, serralheiro,
Conhece os autores por causa de uns trabalhos que fez na casa deles A casa ficava na …. Fez trabalhos de estores e caixilharia. Foi fazer a obra nova dessa área, não foi reparar nada. Andou 2 ou 3 dias na obra e mais algum tempo no final. Montaram os estores e a caixilharia. A obra estava à espera que montassem as caixilharias e os estores. Correu tudo bem. Mais tarde é que colocaram o silicone, como costuma ser feito. Eram estores elétricos. Ficaram afinados. Mais tarde foram fazer afinações e passar os silicones. Nessa altura já estava pintada e praticamente acabada. Não tem ideia de ter havido algum problema.
JCMS…, desenhador projetista,
Conhece os autores porque ligaram para o gabinete onde trabalha pra irem ver dar um parecer sobre os trabalhos realizados na casa deles na …. A primeira visita foi em 28 de março de 2014. Ainda havia coisas para acabar, como pinturas, rodapés. A preocupação da autora era quanto à estrutura pois tinha um equipamento, um depósito de água, no sótão e queria saber se a estrutura aguentava. Nunca viu o projeto da casa. A laje do primeiro andar, que era em aço – toda a estrutura da casa era em aço – tinha uma vibração. Viu que existia um conflito entre a autora e a construtora e aconselhou-a a pôr fim ao contrato e indicou-lhe duas empresas para esse efeito. Também lhe referiram que tinha havido uma redução da espessura das paredes exteriores de 150 para 90 mas não conseguiu ver nada, só conseguiu verificar no sótão que era de 90. Mas pode acontecer que nos outros andares sejam mais espessas, como geralmente acontece. Na fachada exterior viu uns remates por fazer mas nada de especial. Aconselhou a autora a acabar o contrato com a ré, fazer as contas e a arranjar outra empresa para fazer os acabamentos. Pelo seu entendimento o grosso da obra estava feito, só faltava os acabamentos, seria eventualmente um caso de cumprimento defeituoso e não de incumprimento.
ATC…, carpinteiro de limpos (portas, rodapés, etc),
Presta serviços para a ré como carpinteiro e encarregado de serviços gerais. Funcionário da ré há cerca de 13 anos. Demoliram um edifício antigo, uma ruína. Tiveram de fazer uma muralha de contenção, surgiu a necessidade de a fazer depois da demolição da ruína. A nível de medidas teve de haver um estreitamento físico, para a moradia caber entre a ruína e o edifício novo. Tiveram que diminuir a grossura das paredes. Quanto à cércea do projeto, as medidas do projeto ultrapassavam o prédio confinante, por isso tiveram de a corrigir – a cumeeira foi corrigida, também quanto ao local, foi centrada para o telhado ficar simétrico. Fizeram um sótão habitável. A obra era visitada pelos autores com regularidade. A localização da cumeeira deu mais espaço ao sótão. Da forma como estava projetada não dava espaço para uma escada. Os roupeiros foram executados por outra empresa. Foram colocados depois do chão flutuante, que foi colocado pela ré. Não colocaram nenhum termoacumulador – foi outra empresa. Foi colocado no sótão. Pintaram a casa. Ficou tudo pintado na fachada. Mas depois houve uma empresa que foi colocar a calçada e danificaram um bocado da fachada. A pedra da escada foi aplicada pela ré e foi fornecida por outra empresa. É natural aparecerem fissuras porque os autores não quiseram fazer rodapé. A escada está em cima da estrutura em aço. Deveria ter sido coberto com um rodapé para não haver fricção. Não deixaram entulho nenhum depois da conclusão da obra. Ficaram coisas de eletricidade para concluir – tomadas, bloco para os fios, quadro para as ligações, faltava mudar a rede da rua para o quadro definitivo, que não estava feito. Seguiram o projeto com a dimensão dos perfis. A cumeeira fica acima do edifício lateral cerca de 30 cm. Nunca viu ninguém com dificuldades em subir as escadas Havia partes da pintura em que se notavam manchas resultantes do encosto de volumes. Ficaram por fazer limpezas de sujidades da pintura. Não sabe por que razão não concluíram a obra, nomeadamente quanto à eletricidade. Houve uma reunião em abril ou princípio de maio de 2014 em que a autora disse que não iam fazer mais nada. Os autores queixaram-se que o primeiro piso não tinha o pé direito do projeto. Mas tiveram de fazer um espaço – um teto falso para as tubagens: aspiração, tubos de eletricidade e nalguns sítios tubos de canalização e esse teto falso não estava previsto no projeto. Depois dessa reunião não voltou à obra. A cumeeira ficou mais acima do que o projetado e foi mudada de lugar para aumentar o espaço no sótão. A autora exigiu que o sótão tivesse altura suficiente para se poder andar lá dentro. Assistiu a essa exigência. O material do piso flutuante foi comprado pelos autores, apareceu lá. O chão parecia estar “fofo”, o que tem a ver com as telas de proteção, que também foram fornecidas por quem forneceu o material do chão. Do trabalho deles faltava a limpeza geral, quadro da eletricidade, tomadas e um canto da escada interior. Depois de terem saído outras empresas foram fazer alguns trabalhos.
SMTC…, arquiteta,
É sócia da ré, filha e sobrinha dos gerentes, e trabalha na ré há cerca de 10 anos. Quando começou a trabalhar na ré estavam a discutir o orçamento para esta obra. Foi diretora técnica. A obra teve problemas de execução em relação ao projeto. O projeto realizado não cabia no local onde a obra foi realizada. Quando fizeram a demolição tiveram de fazer um muro de contenção que não estava previsto. E era necessário porque senão não podiam continuar a fazer a obra. Foi reportado ao arquiteto FL… o problema do espaço do local. Tiveram de reduzir a espessura das paredes para manter o espaço útil interior. A cumeeira ficou mais alta para aumentar o espaço no sótão. O que implicou reduzir o pé direito dos outros pisos. A autora quis colocar o termoacumulador no sótão – a estrutura foi reforçada. A escada permite que as pessoas circulem sem dificuldade. A casa tem um bom isolamento térmico. Faltava fazer acabamentos por reclamação da cliente. A determinada altura foi interrompida a obra por falta de pagamento da última tranche. Faltava a limpeza final da obra, mas foi feita uma limpeza. Não foi terminada a eletricidade por falta de pagamento. Faltavam tampas. O flutuante e os acessórios foram fornecidos pela autora. Foi colocado pela ré. Os roupeiros foram colocados depois do pavimento, ao contrário do que deveria ser feito, pois está um peso em cima. O sótão ficou mais alto do que o previsto e reduziram os outros pisos para manter a cércea – o que foi feito por exigência da autora. E cumeeira também foi deslocada para o centro.
PJNRCG…, eletricista, era subempreiteiro da ré.
Trabalhou na obra dos autores. A única coisa que falta na eletricidade que ficou por acabar foi o quadro geral por causa de uma cozinha que iria ser vistoriada a posteriori. A instalação das telecomunicações foi certificada. E faltou ainda fazer os remates das tomadas, que são coisas que acontecem e quando iam fazer esses remates tiveram ordens da ré para não ir por causa do litígio. Na obra, para além da ré, estavam outros empreiteiros. O que ficou por fazer seria feito em um dia de trabalho. O material ficou na obra. Tem ideia que a autora lhe barrou a entrada na casa.
NABCR…, engº civil, fez o projeto de estabilidade e de gás desta obra,
Foi à obra no início e no meio e quando estava a terminar. O projeto de estabilidade e de gás foi executado corretamente. Queriam colocar um depósito na parte de cima e disse que podia ser colocado. [2]
Relativamente ao preço final da obra foram relevantes as declarações de parte, em especial da autora mulher, que foi mais específica nesse aspeto, tendo dito que o preço foi de cerca de 132.000€, já com IVA. O gerente da ré disse que falta pagar “7.000 e tal euros” e ainda o IVA total do preço, parecendo nem sequer saber ao certo a quanto é que ascendeu o preço da obra depois de retirados pelos autores uma série de trabalhos relacionados com os acabamentos. O preço que se provou é o que resulta do documento de fls. 125, somando os montantes que aí se referem terem sido pagos, e que correspondem ao montante indicado supra no nº 11, conjugado com o valor que aí também se menciona estar em falta, 14.502,15€, deduzido ainda do montante de 560€ (do material da escada), o que dá exatamente os cerca de 132.000€ referidos pela autora no seu depoimento. Quanto ao muro de contenção, ambas as partes foram unânimes relativamente à versão da autora: o preço final foi de 5.000€, que foi integralmente pago.
Relativamente aos defeitos, sendo que essa era a parte fundamental do litígio, apenas se apurou o que consta supra. Os depoimentos das testemunhas foram contraditórios, mesmo os depoimentos das testemunhas indicadas pelos autores. Por exemplo, o engº JM… disse expressamente que apenas viu que existiam umas questões de pormenor que faltava resolver e que a obra estava terminada. Esclarecedor foi sem dúvida o depoimento do autor marido. Apesar de ter dito que as questões do contrato foram tratadas essencialmente pela autora mulher, não se pode olvidar que o mesmo morava na habitação que foi construída pela ré e, por isso, tinha obviamente de conhecer os defeitos. E, quanto a estes, o autor referiu expressamente que faltava terminar as ligações de eletricidade e ITED (tv cabo), a colocação do quadro geral de eletricidade e a limpeza geral da obra. Ora, tal está de acordo com a prova produzida, pois houve unanimidade nos depoimentos das testemunhas, quer dos autores, quer da ré, na parte em que referiram que ficou por acabar a obra relativa à parte elétrica (quadro, tomadas, ligações da tv-cabo) e à limpeza geral da obra. Tudo o mais que consta dos relatórios juntos com a p. i. não pode ser considerado atendendo à prova mencionada, em especial a testemunhal, da qual resultou ainda que partes relevantes da obra, nomeadamente a nível dos acabamentos (as caixilharias, painel solar, cozinhas, roupeiros, portas, porta de entrada) foram realizadas por outras empresas, para além de todo o material ter sido fornecido pelos autores, mesmo aquele que foi instalado pela ré. Ora, tal situação torna difícil o apuramento relativo à causa de várias situações invocadas, nomeadamente quanto à pintura, pequenas danificações e outros defeitos, como o relativo ao pavimento, cujo material foi fornecido pelos autores. Acresce ainda o facto de resultar dos documentos emitidos pela Câmara Municipal de … de fls. 281 a 284 (juntos pelos autores) que a moradia estava em perfeitas condições, que houve alterações ao projeto, as quais estavam dentro dos parâmetros legais, e nada foi assinalado quanto à existência de problemas na obra ou decorrentes das alterações.
Quanto ao valor das reparações efetuadas pelos autores na obra, desde logo não se pode considerar provado o valor do orçamento que foi junto com a p. i. e que sustentou o pedido, pois para além do orçamento em si mesmo considerado, nenhuma outra prova foi apresentada, acrescendo que a empresa que o elaborou não realizou qualquer obra de reparação na casa dos autores e este disseram que despenderam no total cerca de 20.000€ nas reparações (e não os 38.700€, acrescidos de IVA, que invocaram na p. i. terem pago pelas reparações). E também não se provaram todos os defeitos invocados e que estavam mencionados no referido orçamento”.
IV. Apreciação
Os recorrentes formulam uma questão prévia da qual extraem a inexigibilidade da obrigação objecto do pedido reconvencional. Entendemos que é metodologicamente mais correcto apreciar essa dita questão prévia após as considerações iniciais sobre a questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Primeira questão: Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Pretendem os recorrentes que os factos provados sub 8 e 9 tenham outra resposta, que no fundo será a identificação mais concreta daquilo que pertencendo à Ré fazer, não foi feito ou foi feito com vício, acrescido das diligências de verificação levadas a cabo pelos Autores e dos silêncios da Ré. Na procedência, o tribunal de recurso deve substituir a decisão em 8 e 9 pelos seguintes pontos:
A.- Na sequência da vistoria do ponto 4 da matéria de facto provada, requerida pelos Autores, a obra não foi recebida, pois que estava inacabada e com vícios que impediam tal receção, sendo que os Autores elaboraram auto com a listagem das desconformidades que dirigiram à Ré através de email com data de 20 de maio de 2014.
B.- O alvará de licença de construção havia caducado em 05 de abril de 2014.
C.- O imóvel, à data da vistoria, possuía todos os vícios constantes da carta de 19 de agosto de 2014 e do relatório que foi elaborado pelo Eng.º AC… e cuja junção foi ordenada oficiosamente pelo Mmo. Juíz aos autos em 19/02/2019.
D.- A referida carta foi remetida em duplicado para os domicílios da sede e do escritório da Ré, e devolvida ao remetente por não ter sido recebida pela Ré.
E.- O que determinou que os Autores tivessem dirigido cópia de tal carta para a Ré, através de email com data de 02/09/2014;
Além disso, na perspectiva dos recorrentes, o tribunal de recurso adita aos factos provados, porque confessada sob 83, 72 e 74 da contestação, que
F.- A Ré não respondeu à carta dos Autores de 19 de agosto de 2014;
G.- No dia 11 de Abril de 2014 a Ré informou a Autora que lhe pretendia entregar a chave e o comando do imóvel que tinha em seu poder, uma vez que dizia que a casa já estava pronta da sua parte há algum tempo;
H.- A Ré acabou por entregar a chave e o comando à Autora.
Mais, o tribunal de recurso deve aditar aos factos provados que
I.- A Ré aplicou, nas paredes exteriores meeiras, perfis C90, de dimensão igual à das paredes interiores, por contraposição aos perfis acordados de C150, e aplicou lã de rocha de 60 mm, por contraposição com o acordado de 100 mm, e, finalmente, aplicou EPS (esferovite) de 3 cm, por contraposição aos 5 cm acordados e contratados.
J.- Tais materiais não respeitam o caderno de encargos, o resumo do orçamento proposto pela Ré, e o projeto aprovado. Com recurso à reapreciação do depoimento das testemunhas: ATC…; MJMV…;
K.- O piso da suite possui irregularidades que tornam inapta e inadequada a sua utilização. Com recurso à reapreciação do depoimento das testemunhas: (…);
L.- A empreitada, antes ainda de concluída, manifestava diversos vícios: - Pendente deficiente do piso do pátio, que fazia acumular a água das chuvas; - Havia um problema de infiltrações no pátio; - A porta de segurança contra incêndios tinha frinchas e não exercia a sua função. - Existiam entradas de água ao nível da cobertura (varanda). Com recurso à reapreciação do depoimento da testemunha: (…);
M.- A empreitada foi executada pela Ré ainda com os seguintes vícios de construção: - Capoto com vícios de execução nos acabamentos da pintura da fachada principal; - Caixas de eletricidade da EDP, do fornecedor, não executadas. - Buracos não tapados na fachada do edifício. - Diferença do pé-direito do piso 02 (erradamente denominado de sótão), entre os 2,73 m aprovados no projeto de arquitetura e os 2,56 executados em obra pela Ré, ou seja, diferença de de 6,6% do pé-direito do piso 02, entre o projeto de arquitetura e o executado. - Diferença do pé-direito do piso 0 (zero) entre os 2,70 m aprovados no projeto de arquitetura e os 2,56 m executados, com uma diferença de 13 cm. - Menor espessura de paredes e lã de rocha de isolamento. Com recurso à reapreciação do depoimento da testemunha: ANC…
Finalmente, o tribunal de recurso deve aditar aos factos provados que: N.- O valor reclamado pela Ré dos Autores não pode ser superior a €7.000,00. Com recurso ao depoimento de parte do legal representante da Ré, Sr. AAPC...
Compulsadas as contra-alegações de recurso, nada nelas é oposto à possibilidade de reapreciação das provas e da decisão de facto tomada, e por outro lado, nelas se afirma, ainda que até pudesse ser de outro modo, a total concordância com o decidido, tanto em termos de facto como de direito, por justo e equilibrado.
Por outro lado, e como se sabe, o objecto do recurso ou o poder de cognição do tribunal de recurso, é balizado pelas conclusões da alegação de recurso, e em matéria de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os ónus impostos pelo artigo 640º do CPC impõem a formulação expressa da vontade de reapreciar determinados factos, ou dito de outro modo, se o recorrente que quer reapreciar a decisão sobre a matéria de facto não menciona expressamente que o quer fazer, nem que quer que determinados pontos, além dos que menciona expressamente, devem ser também reapreciados, o tribunal de recurso não tem como reapreciá-los, se eles não forem em matéria subtraída à disponibilidade das partes.
Destes dois parágrafos, duas consequências: - do primeiro, que não estando provado nem se querendo alterar, que tivessem sido deficiências de levantamento geográfico (medidas no espaço concreto em que implantar a casa nova) que tivessem levado a um erro no projecto de arquitectura que tivesse implicado uma diminuição das paredes laterais (estruturas de aço e respectivos revestimentos/enchimentos) relativamente ao que estava acordado, que essa desconformidade, a existir, não tem justificação provada.
Do segundo, a segunda consequência: não vem pedido que o tribunal declare provado que a casa construída o foi para habitação permanente ou secundária dos autores, o que não resulta do facto falado de lá terem passado a viver, ou para ser ainda mais simples, mesmo que fosse, deviam aqui os recorrentes, se pretendiam retirar alguma consequência jurídica disso, designadamente para efeitos de defesa do consumidor, de ter expressamente pedido a reapreciação da decisão de facto quanto a esse ponto.
Além disso, e ainda no âmbito desta segunda consequência, não vem pedido que o tribunal de recurso, reapreciando, dê como provado que a Ré não passou facturas.
Ora, e entrando então na questão prévia, está provado em 12 e sem pedido de reapreciação que o preço final da empreitada foi o de 132.094,96€, já com IVA. De resto, o contrato de empreitada menciona, relativamente ao preço primitivo, a inclusão de IVA.
Tem a jurisprudência entendido e de resto com tanto se conforma a recorrida no artigo 50º das suas contra-alegações, que a emissão de factura é condição de exigibilidade legal do valor do imposto e da condenação no seu pagamento – neste sentido veja-se, no sítio da dgsi, o acórdão da Relação de Coimbra de 16.12.2015, proferido no processo 162/12.4TBMDA.C1, onde, no seu texto, se lê:
“Efectivamente, a emissão e apresentação duma factura, respeitante a um serviço prestado, não constitui apenas uma obrigação legal imposta pelos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA; acaba por funcionar também como uma condição de cuja verificação/preenchimento depende a exigibilidade do pagamento em causa. Vale a pena ter presente que o IVA é um imposto cobrado por uns, mas suportado economicamente por outros; daí o disposto nos referidos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA, segundo os quais (e sem prejuízo do disposto no art. 7.º/1/a) do CIVA, de acordo com o qual o IVA é devido e torna-se exigível no momento da realização do serviço) a obrigação do pagamento deste imposto só nasce com a emissão do documento contabilístico competente, ou seja, da respectiva factura. Emissão obrigatória de factura que é pois uma condição legal da exigibilidade do IVA pela prestadora do serviço à utilizadora do serviço (que é quem deve efectivamente suportá-lo, que é a contribuinte de facto); e, sendo assim, não é apenas o IVA que não pode ser exigido sem prévia emissão e apresentação de factura (com os requisitos estabelecidos no art. 36.º/5 do CIVA), é antes toda a dívida, ainda em discussão, que não pode ser exigida (uma vez que, sendo o IVA exigível no momento de realização do serviço, a remuneração deste serviço não pode ser exigida sem ser exigido o respectivo IVA). Em conclusão – perspectivando em termos jus-civilistas o que vimos dizendo[19] – a emissão obrigatória de factura funciona como uma “implícita” condição legal (cfr. art. 270.º do C. Civil), que, enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação[20] – toda ela, remuneração efectiva do serviço e imposto IVA – aqui litigada, havendo, por isso, lugar à aplicação do art. 610.º/1 e 2/a) do CPC” (fim de citação).
Ainda no mesmo sentido, veja-se também na dgsi o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.4.2004 sob o nº de documento SJ200404220008377.
E por se conformar, diz, em 51, a recorrida “Assim, sempre se refira que, com a confirmação da decisão judicial (…) seguramente que a Ré emitirá a correspondente factura.
Então assim sendo, haverá que condicionar o segmento condenatório dos Autores no pedido reconvencional à apresentação da factura pelo valor dessa condenação, e por outro lado, e precisamente por aplicação do artigo 610º nº 1 e 2 al. a) do CPC, haverá que suprimir a condenação no pagamento de juros desde 22.10.2015 e até integral e efectivo pagamento, outrossim se alterando a condenação para o pagamento de juros de mora desde a data em que, subsequentemente ao trânsito em julgado deste acórdão, a Ré apresentar aos AA. a factura correspondente ao valor da condenação reconvencional e de então em diante, até integral pagamento.
Prosseguindo com a apreciação da decisão de facto, este tribunal de recurso procedeu à audição integral do julgamento e compulsou os documentos juntos aos autos.
Quanto a 8 e 9, provados, realmente não se trata de alterar ou eliminar 8 – a ré realizou a obra referida em 2 (disso não há dúvida, a questão é saber se executou toda a obra e se executou bem, excepções que estão previstas em 8 provado – não executou partes atribuídas a outros empreiteiros, partes excluídas do contrato pelos donos da obra como era expressa previsão contratual (e nem vamos dizer mais nada sobre isto porque foi claramente admitido pela A. E…) e em 9, neste na versão “faltou fazer….”.
Na realidade, sem alterar 8, porque não há razão para isso, trata-se apenas de completar em 9, se é que é para completar, mais coisas que não tivessem sido feitas e quais as coisas que foram mal feitas. E diga-se já que não há qualquer evidência, antes pelo contrário, as partes concordam que o que está dito como em falta em 9, realmente não foi feito. Donde, e dito de modo simples, é apenas saber se além disso, mais alguma coisa não foi feita e quais as coisas que foram mal feitas.
Pensemos então em 9 e no modo de o completar.
Com K. não é: “O piso da suite possui irregularidades que tornam inapta e inadequada a sua utilização. Com recurso à reapreciação do depoimento das testemunhas: (…)”. Foi admitido que o piso flutuante e material de isolamento para colocação debaixo dele foi comprado pela Autora, e que a colocação foi feita pela Ré. E de igual modo, que tendo a Ré construído a casa, pois também construiu o chão onde o piso flutuante ia assentar. Simplesmente, nenhuma das testemunhas indicadas levantou o piso flutuante, nenhuma viu sequer, por meio do espaço entre peças do pavimento flutuante de encaixe, o que estava por baixo dele. Todos viram que o piso é fofo, que até abaixa sob o peso da cama, mas isto não nos diz absolutamente nada sobre se é betonilha que está mal feita, e se a culpa, entre aspas, é ou não do material de cortiça colocado por baixo do piso flutuante, sendo certo que conforme mais ou menos coisas e mais ou menos rígidas essas coisas forem que se coloquem sobre o piso flutuante de encaixe, assim ele ficará mais firme ou mais “flutuante”, a gosto de quem goste.
Com parte de L também não é: - “L.- A empreitada, antes ainda de concluída, manifestava diversos vícios: - Pendente deficiente do piso do pátio, que fazia acumular a água das chuvas; (…)”. A própria Autora o admitiu na questão da tampa do sótão, e é MV… que também desvenda a possibilidade clara de a construção decorrer em duas fases, uma até à aprovação camarária, e depois então se passaria a utilizar o sótão – repare-se que em recurso a Autora até vem dizer, contra o que disse antes, que este sótão até afinal sempre foi erradamente referido como sótão porque ele é o piso 2 – não apenas para ter lá um depósito de água mas para instalar mais um piso, e de algum modo isso é também certo quando se fala que foi por exigência da Autora que a cumeeira teve de ser mudada, para haver a possibilidade de circulação na vertical dentro do sótão. Ora, esta conversa do sótão serve para dizer que também é perfeitamente credível que o piso do pátio tivesse sido feito sem pendente porque a intenção era depois da aprovação camarária vir o mesmo a ser fechado. Portanto, não temos prova que a execução duma pendente insuficiente no piso do pátio fosse contra o contratado. É verdade que as alterações ao contrato haveriam de o ser feitas por escrito, segundo o contrato, mas também não resulta que as retiradas de trabalhos concretamente feitas pelos donos da obra tenham sido passadas a escrito (não a sua possibilidade, que está no contrato, mas sim exactamente o que foi retirado). Ou seja, e como é manifesto, a previsão contratual de alteração por escrito do contrato não é incompatível com a efectiva alteração por acordo de qualquer pormenor, desses muitos que é em execução de obra que se manifestam ou revelam, ou daqueles que não são sequer revelados porque é inconveniente, perante terceiros, que o sejam.
O Engº NC… não escapou ileso à contra-instância, como bem notou o Mmº Juiz: nas vistorias não se escreve aquilo que não se viu mas que foi contado por quem mandou fazer a vistoria. Por isso, e na conjugação com os factores de quase administração directa (afirmação do Arquitecto L…) da Autora, a não tornar assim pensável a normalidade em que a Ré fosse a empreiteira geral e coordenasse os trabalhos de subempreiteiros ou outros empreiteiros de empreitadas menores, com o cenário portanto em que vários profissionais não necessariamente pela ordem lógica de construção, se afadigam a diversas tarefas – quem fornece e põe os armários não se coordena com a Ré que monta o chão, por exemplo – fica uma nebulosa sobre de quem é realmente a “culpa”, a responsabilidade, por vários dos defeitos apontados. Claro que se as paredes estão pintadas e vem depois alguém montar uma porta e a roça pelas paredes, é difícil dizer que há um defeito, da responsabilidade da Ré, na pintura das paredes. Num cenário de alguma normalidade estamos em crer que a coisa não terá sido tão descoordenada – a Ré não iria avançar com o reboco das janelas sem elas terem sido colocadas – mas ficou realmente a dúvida sobre quem é que fez e quando qual disparate, erro ou defeito.
Portanto, para completar 9 também não vemos dizer simplesmente que a casa apresentava todos os defeitos e faltas apontadas no relatório de vistoria do Engenheiro C….
O que não quer dizer que não apresentasse nenhum deles. Na verdade, vários foram levados à conta de electricidade e limpeza em falta, e considerados pelo tribunal para a solução que proferiu.
Ora, além disso, numa das fotografias, das portas corta fogo, é bem visível como existe uma frincha que deixa passar uma chave. Ora, se é da porta ou é do chão, e se realmente aquela frincha deixa passar o fogo ou se a porta tem umas borrachas que expandem (as tais que até foram pintadas inutilizando a expansão da borracha) e selam, tudo isto é a resolver do seguinte modo: como a Ré não quer alterar a decisão sobre a matéria de facto, o que fosse a sua desculpa ou justificação ou alegação de irrelevância física ou mecânica, não se prova, e prova-se apenas que as portas corta-fogo (empreitada da Ré e não de terceiros, como sucedeu com a porta de entrada e as portas interiores) apresentavam frincha que deixava passar o fumo e o fogo.
Depois, o Arquitecto FL… não nos ajuda muito, porque embora tenha estado na obra junto até com o Engenheiro, na realidade limitou-se a dizer que a obra estava concluída, nem era muito diferente do que estava previsto, no essencial estava tudo bem tanto até que tinha sido aprovado pela Câmara, podia era ter sido mais bem executado, havia umas coisas, claro, das quais ele não sabia grande coisa, como é o caso das afirmações sobre a estrutura de suporte para o chão flutuante (que não existe em sistema de encaixe). Ou seja, de algum modo, um depoimento superficial. Quem nos vai ajudar é MV…. Porque este, ainda que não possa afirmar, porque não viu, quem é que fez o que está mal, veio dizer o que é que reparou, qual foi o trabalho que teve a corrigir o que estava mal.
Então, por MV… sabemos que o sótão estava fechado (pré-aberto), que foi preciso fazer a escada lá para cima, que lá em cima estava uma tampa para esgoto e possível construção de uma casa de banho, e que os esconsos não estavam tapados com pladur, vendo-se a lã de rocha que existia e vendo-se (isto é, podendo medir-se) a estrutura da parede, dos perfis e dos materiais de isolamento que têm de caber dentro dos perfis. É claro, ao nível do sótão, e não dali para baixo, que as paredes estavam fechadas (isso resulta claramente do depoimento de JCMS…, a quem os AA. também pediram que fosse ver o estado da obra, ao minuto 10.39). Mas é a própria Ré que ao apresentar como justificação para a espessura diferente da contratada um erro na medição do terreno, que a obriga a encurtar a espessura para manter o espaço interior, vem dizer aquilo que é lógico, e que é que do sótão para baixo, “I.- A Ré aplicou, nas paredes exteriores meeiras, perfis C90, de dimensão igual à das paredes interiores, por contraposição aos perfis acordados de C150, e aplicou lã de rocha de 60 mm, por contraposição com o acordado de 100 mm” (já não é possível afirmar, porque temos MV… e mesmo o Engº C… a ver por dentro (do sótão) que no exterior da parede meeira, a Ré “aplicou EPS (esferovite) de 3 cm, por contraposição aos 5 cm acordados e contratados”.
Já não precisamos de “J.- Tais materiais não respeitam o caderno de encargos, o resumo do orçamento proposto pela Ré, e o projeto aprovado. Com recurso à reapreciação do depoimento das testemunhas: (…)”, porque isto não é um facto, mas uma conclusão que se tira a partir do caderno de encargos.
Quanto à parte sobrante de L, a saber, se havia um problema de infiltrações no pátio, o que temos é que do documento 9, que reproduz essencialmente as observações feitas pela vistoria do Engenheiro C…, se anota não um problema de infiltração no pátio mas o problema da sua incorrecta pendente e simultaneamente a questão do canteiro do topo do muro do pátio não ter sido impermeabilizado antes da colocação da terra e plantas. Isto é: se como dissemos a questão da pendente fica prejudicada pela intenção de fecho por construção de cobertura ou marquise, a questão que sobra é, não um problema, no sentido de algo cuja causa implica pesquisa, destruição e reconstrução depois, mas uma simples falta de impermeabilização, não necessariamente um defeito, na medida em que as regas mais abundantes ocorrem no Verão e a água que escorre logo seca – quer isto dizer que não é forçoso que um canteiro seja impermeabilizado – sendo ainda que também não resulta do contrato e dos seus anexos que fosse incumbência da Ré encher o canteiro com terra e plantas, que sabemos até pelo relatório do Engenheiro C… que o canteiro já estava com terra e plantas, e não se sabendo quem o encheu, não fica nada claro que a responsabilidade pela não impermeabilização do canteiro fosse da Ré. Mas em todo o caso, o que é claro é que não há evidência segura de que houvesse um problema de infiltrações no pátio.
De L sobra ainda saber se existiam entradas de água ao nível da cobertura (varanda). Ora, é verdade que o Arquitecto FL… o afirma ao minuto 24.31 do seu depoimento relacionando-o com deficiência na junta dos mosaicos, mas como bem notou a contra-parte, essa questão das juntas dos mosaicos não foi referida no relatório do Engenheiro C… que serviu de base à alegação dos AA., na petição inicial. Por isso a questão não é, como dizia o Arquitecto, que uns veem umas coisas e outros outras, mas apenas, para o tribunal, decidir se o que foi alegado se provou ou não. Dito de outro modo, também aqui não temos evidência da deficiência de juntas de mosaicos causa de entrada de água ao nível da cobertura da varanda (que da cobertura da casa não seria porque foi recoberta, tal como parte da parede frontal, a zinco).
E de M (toda fundamentada no relatório de vistoria e no depoimento do Engenheiro C… que a realizou) vamos intervalar, para ser mais simples, na redacção dos recorrentes, o juízo sobre cada observação:
“M.- A empreitada foi executada pela Ré ainda com os seguintes vícios de construção: - Capoto com vícios de execução nos acabamentos da pintura da fachada principal;
- estamos perante a parede exterior, abriu-se grande discussão com o Engenheiro sobre o que ele tinha visto e sobre o que a Autora lhe tinha dito que tinha acontecido, o que mete também a questão da sucessão de trabalhos e dum certo fazer e desfazer, e não há de facto garantia, até porque as fotografias não são evidentes, que tenha havido vício de execução ao nível dos acabamentos de pintura, e que o mesmo tivesse sido da responsabilidade da Ré. Na realidade, nas fotografias da fachada o que se vê é sujidade, que já incluída no facto provado 9 sobre limpeza. - Caixas de eletricidade da EDP, do fornecedor, não executadas.
A matéria contém-se sob o que já está provado no nº 9 dos factos provados, isto é, nos trabalhos de electricidade que não foram concluídos.
- Buracos não tapados na fachada do edifício.
Vê-se um buraco na fotografia 0396 sobre a qual o Engenheiro C… afirma a falta de uma grelha na extremidade do tubo de evacuação da aspiração central.
Na fotografia 0393 o Engenheiro anota, como em falta, a reparação do revestimento exterior em capoto (na fotografia não se vê nenhuma irregularidade nem que tenha sido reparado ou deixado de ser reparado o capoto), e falta reparação do capoto devido a estragos após a eliminação com contador provisório (também não são visíveis esses estragos) e ainda em falta tampas para caixas de electricidade (isto sim vê-se).
Quanto a aspiração central, nos trabalhos a executar incluída no item relacionado com electricidade, na verdade e no orçamento anexo ao contrato, a aspiração é nomeada como “outros extras” (é a última rubrica) e não apresenta preço, o que sugere tratar-se de oferta, e deixa portanto a dúvida sobre a obrigatoriedade, neste caso, da Ré ter fornecido a grelha para a extremidade do tubo de evacuação da aspiração central.
Porém, quanto às duas outras tampas em falta na fachada, pertinentes à electricidade, são a incluir como faltas nos factos provados, até porque assim resulta admitido no artigo 88 da contestação.
Ainda quanto a M, os recorrentes anotam:
“Diferença do pé-direito do piso 02 (erradamente denominado de sótão), entre os 2,73 m aprovados no projeto de arquitetura e os 2,56 executados em obra pela Ré, ou seja, diferença de 6,6% do pé-direito do piso 02, entre o projeto de arquitetura e o executado. - Diferença do pé-direito do piso 0 (zero) entre os 2,70 m aprovados no projeto de arquitetura e os 2,56 m executados, com uma diferença de 13 cm”.
Repare-se que o Engenheiro C… não fez uma perícia a pedido do tribunal, repare-se que na documentação junta aos autos não está o projecto de arquitectura e portanto não há nenhuma maneira segura de dizer quais eram as medidas do projecto inicial e por comparação com as medidas realizadas, as diferenças percentuais que se mencionam.
- Menor espessura de paredes e lã de rocha de isolamento.
Isto é conclusivo do que aliás já admitimos supra, em termos mais concretizados, e sempre representaria uma repetição.
Portanto, em matéria de faltas e defeitos, tudo o que se apura a mais do que aquilo que o tribunal recorrido apurou e verteu no facto provado nº 9, foi que, e introduzindo já a nova redacção para o referido facto provado nº 9: “9. Relativamente à obra que a ré se obrigou a fazer, faltou instalar o quadro geral de eletricidade, concluir a colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra, bem como duas tampas de caixas de electricidade na fachada, sendo ainda que as portas corta-fogo elaboradas e colocadas pela Ré apresentavam frincha que deixava passar o fumo e o fogo, e sendo que a Ré aplicou, nas paredes exteriores meeiras, perfis C90, de dimensão igual à das paredes interiores, por contraposição aos perfis acordados de C150, e aplicou lã de rocha de 60 mm, por contraposição com o acordado de 100 mm”.
Por outro lado, a alteração do facto provado nº 9, conjugada com o facto provado nº 13 – “13. Os autores procederam, por intermédio de terceiros, à reparação do mencionado supra em 9, tendo despendido montante não apurado” – daria como resultado que também terceiros teriam corrigido/reparado a aplicação nas “paredes exteriores meeiras de perfis C90, de dimensão igual à das paredes interiores, por contraposição aos perfis acordados de C150”, e de “lã de rocha de 60 mm, por contraposição com o acordado de 100 mm” e que os Autores teriam custeado essa reparação – cujo montante pago foi pedido pelos Autores que a Ré lhes pagasse – o que não corresponde de todo à prova que resulta do julgamento, tanto que a substituição de perfis numa casa com estrutura de perfis, acabaria a significar que a casa teria sido praticamente demolida para se poderem substituir os perfis. Também resultou do julgamento que o revestimento de lã haveria de encaixar nos perfis e por isso seria impossível ter sido aplicado/reparado um perfil igual ao contratado em substituição do colocado. Nestes termos, há que alterar oficiosamente o facto provado nº 13, passando dele a constar o seguinte: - “13. Os autores procederam, por intermédio de terceiros, à reparação do mencionado supra em 9 com excepção da aplicação de perfis e de lã de rocha com as espessuras constantes do contrato, tendo despendido montante não apurado”.
Prosseguindo,
Quando os recorrentes pretendem que se dê como provado, sub A., que na sequência da vistoria a obra não foi recebida, pois isso resulta já da carta referida no facto provado nº 7, e em todo o caso não está em discussão, isto é, a Ré não se defende dizendo que os AA. aceitaram a obra, sendo claro que se tivessem aceitado a obra não estaríamos em tribunal com esta discussão. Não é pois necessário declará-lo. Quanto ao mais referido em A., de que a obra estava inacabada e com vícios que impediam a sua recepção, pois estamos em presença duma conclusão a tirar a partir dos factos que aliás já aditámos ao facto provado nº 9.
Quanto ao mais “Os Autores elaboraram auto com a listagem das desconformidades que dirigiram à Ré através de email com data de 20 de maio de 2014”, isso é aceite na contestação no artigo 53º desta, bem como é aceite que “O alvará de licença de construção havia caducado em 05 de abril de 2014”.
Do mesmo modo, no artigo 228 da contestação, aceita-se que “A carta de 19.8.2014 referida no facto provado nº 7 foi remetida em duplicado para os domicílios da sede e do escritório da Ré, e devolvida ao remetente por não ter sido recebida pela Ré”, “O que determinou que os Autores tivessem dirigido cópia de tal carta para a Ré, através de email com data de 02/09/2014”.
Tudo o mais que constava de C (C.- O imóvel, à data da vistoria, possuía todos os vícios constantes da carta de 19 de agosto de 2014 e do relatório que foi elaborado pelo Eng.º AC …) está resolvido pela alteração feita ao facto provado nº 9.
Pretendem ainda os recorrentes que se adite que a Ré não respondeu à carta dos Autores de 19 de agosto de 2014, porque assim confessado no artigo 83º da contestação, o que corresponde à verdade, e que “G.- No dia 11 de Abril de 2014 a Ré informou a Autora que lhe pretendia entregar a chave e o comando do imóvel que tinha em seu poder, uma vez que dizia que a casa já estava pronta da sua parte há algum tempo”; e que “H.- A Ré acabou por entregar a chave e o comando à Autora”.
Ora sendo certo que é a Ré quem faz essa afirmação de que informou que a obra estava pronta e que queria entregar a chave e comando, na realidade esta afirmação, bem como a entrega efectiva da chave e comando só pode ser relevante segundo a tese dos Autores de que será um facto cabível a justificar a sua resolução do contrato, porque esta matéria ocorre antes do envio da carta de resolução (facto provado 10, Julho de 2014) e portanto antes da Ré ter deixado de comparecer na obra. Caso contrário, não teria o mais pequeno interesse em função do que está provado em 9 e 6. Mas sendo assim e porque efectivamente corresponde a afirmações que a Ré fez, adita-se aos factos provados que: - “A Ré não respondeu à carta dos Autores de 19 de agosto de 2014”; “No dia 11 de Abril de 2014 a Ré informou a Autora que lhe pretendia entregar a chave e o comando do imóvel que tinha em seu poder, uma vez que que a casa já estava pronta da sua parte há algum tempo”; “A Ré acabou por entregar a chave e o comando à Autora”.
Finalmente, a pretensão dos recorrentes de que “O valor reclamado pela Ré dos Autores não pode ser superior a €7.000,00”, trata-se na realidade de perceber qual é o preço da empreitada que aos Autores faltava pagar, sendo que no seu depoimento, o legal representante da Ré, Sr. AAPC…, referiu que faltava pagar 7000 e qualquer coisa euros (minuto 16.32).
Na realidade, e perante o pedido reconvencional, poderia parecer que estávamos aqui perante uma confissão. Porém, foi na audiência prévia que o tribunal, oficiosamente (de facto os AA. não o pediram) determinou prestação de depoimento por todas as partes, e na acta da audiência de julgamento não foi feita assentada de nenhuma confissão. Depois, na réplica, o que os AA. dizem é que faltaria, se houvesse razão para isso, pagar €4.713,90, e dizem ainda, a propósito da questão do preço do muro estar incluído ou não, que a Ré em conta corrente que é o documento 8 com a contestação (email da Ré para a Autora, com uma conta corrente no verso, e em que a Ré pede a sua liquidação porque a obra está pronta), não incluiu o preço dos muros e que o saldo dessa conta corrente, em 10.4.2014, era o referido €4.713,90.
Ora, o pensamento do tribunal recorrido foi o seguinte: entre o depoimento do legal representante da Ré, que de facto não é muito certo na afirmação do que falta, porque diz que falta sete mil e tal, e além disso o IVA total, porque a A. não quis que a Ré passasse facturas dos valores parciais recebidos, e o depoimento da A. que foi muito mais assertivo, e porque este depoimento da Autora está em conformidade com a carta de resolução que os AA mandaram à Ré (doc. 17 com a PI a fls 125, onde refere, em Julho de 2014, estar em dívida €14.502,15), jogando-se depois com os valores pagos e com o valor da empreitada retirados os trabalhos e materiais que foram retirados, para uma confirmação da verosimilhança dos valores afirmados por ambas as partes, chegou então o tribunal à conclusão que o valor de €7000 não estava certo, e que com muito mais probabilidade (tanto que eram os AA. que o referiam na tal carta – e com os acertos de verbas a descontar e não incluir) estaria correcto o valor da Autora. Daí que o tribunal não tenha considerado nos factos provados a afirmação do legal representante da Ré, antes apenas o que consta dos factos provados 11 e 12, valor da empreitada e valor pago, e tenha depois calculado o valor da condenação em pedido reconvencional pela diferença entre os valores 11 e 12, restritos por via do princípio dispositivo.
Este tribunal de recurso também entende que não há razão para dar como provado, como se se tratasse duma confissão (que nunca o poderia ser, pelas dúvidas com que foi apresentada) que importasse numa redução do pedido reconvencional (que também assim não poderia ser vista por falta de formulação expressa suficiente) o valor referido pelo legal representante da Ré como sendo o valor em dívida pelos Autores do preço remanescente da empreitada.
Em suma, e tendo-se terminado a questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entende-se deferir-lhe parcialmente, alterando-se a redacção do facto provado nº 9 para “9. Relativamente à obra que a ré se obrigou a fazer, faltou instalar o quadro geral de eletricidade, concluir a colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra, bem como duas tampas de caixas de electricidade na fachada, sendo ainda que as portas corta-fogo elaboradas e colocadas pela Ré apresentavam frincha que deixava passar o fumo e o fogo, e sendo que a Ré aplicou, nas paredes exteriores meeiras, perfis C90, de dimensão igual à das paredes interiores, por contraposição aos perfis acordados de C150, e aplicou lã de rocha de 60 mm, por contraposição com o acordado de 100 mm”,
mais se alterando oficiosamente a redacção do facto provado 13 para “13. Os autores procederam, por intermédio de terceiros, à reparação do mencionado supra em 9 com excepção da aplicação de perfis e de lã de rocha com as espessuras constantes do contrato, tendo despendido montante não apurado”, e mais
aditando-se aos factos provados com os números sequenciais ao último, que:
14. “Os Autores elaboraram auto com a listagem das desconformidades que dirigiram à Ré através de email com data de 20 de maio de 2014”;
15. “O alvará de licença de construção havia caducado em 05 de abril de 2014”;
16. “A carta de 19.8.2014 referida no facto provado nº 7 foi remetida em duplicado para os domicílios da sede e do escritório da Ré, e devolvida ao remetente por não ter sido recebida pela Ré”;
17. “O que determinou que os Autores tivessem dirigido cópia de tal carta para a Ré, através de email com data de 02/09/2014”;
18. “A Ré não respondeu à carta dos Autores de 19 de agosto de 2014”;
19. “No dia 11 de Abril de 2014 a Ré informou a Autora que lhe pretendia entregar a chave e o comando do imóvel que tinha em seu poder, uma vez que que a casa já estava pronta da sua parte há algum tempo”;
20. “A Ré acabou por entregar a chave e o comando à Autora”.
Segunda questão: - saber se o pedido dos AA. devia ter procedido e a reconvenção improcedido e se a introdução de alterações à decisão sobre a matéria de facto obriga a alterar a sentença recorrida de algum modo.
Como se notou na sentença recorrida, não está de modo algum em discussão a qualificação jurídica do contrato como de empreitada, de cuja formulação e caracterização teórica nos vamos, portanto, dispensar.
Percorrida a argumentação do recurso, não encontramos uma autonomia, distinção ou repetição, para a discordância quanto ao decidido em sede de pedido inicial e para a discordância em sede de pedido reconvencional. Assim, quando na conclusão 11ª do recurso, os recorrentes Autores invocam que tinham o direito de resolver o contrato, e nas conclusões seguintes sustentam que esse direito lhes advém da Lei de Defesa do Consumidor, especial em relação à disciplina do Código Civil relativa ao contrato de empreitada, na realidade desse direito à resolução o que resulta é a sua desoneração de pagamento do resto do preço da empreitada, ou seja, a sua absolvição do pedido reconvencional.
Os efeitos dessa resolução para o pedido principal seriam sempre os de sustentação, digamos assim, de pressuposto lógico da condenação da Ré, um passo da pressuposição lógica, um pouco no sentido de que resolvido o contrato, nenhuma hipótese haveria de correcção dos defeitos e vícios e das faltas, e que portanto tudo se resumiria então ao apuramento monetário compensatório.
Simplesmente, o Mmº Juiz até entendeu que, falhando o direito de resolver, ainda assim e por causa disso mesmo, é que havia o direito de receber uma indemnização pelas despesas realizadas a corrigir as faltas e os defeitos praticados pela Ré. Se portanto os recorrentes pretendem afirmar a licitude da sua resolução para o efeito do pedido principal, que é apenas o de receber a compensação destas despesas em que incorreram para completar e corrigir a obra mal feita e inacabada pela Ré, então não têm nenhum interesse em contradizer/recorrer dum segmento de decisão jurídica que lhes concede o direito de que depende o pedido principal mesmo sem a procedência da resolução. Para efeitos do pedido principal a questão do direito dos AA. a resolverem o contrato é irrelevante, tanto mais que a Ré não recorreu e por isso aquele segmento da decisão sobre a origem jurídica do direito dos AA que levou à condenação da Ré no pedido principal transitou em julgado, sem embargo da sua ampliação.
Vejamos então a questão da resolução contratual, do direito a resolver a empreitada, que é pertinente para a desoneração do pedido reconvencional.
Os recorrentes invocam a interpelação para correcção de vícios, a falta de resposta da Ré, a exigência desta de pagamento mesmo sem concluir a obra, contra aliás o que estava no contrato, e a não correcção dos defeitos (conclusão 11ª ) e até podemos aqui incluir tudo o que constava da carta em que foi comunicada a intenção de resolver o contrato.
A tudo isto, o tribunal recorrido respondeu:
“Os autores, como se disse, efetuaram a resolução extrajudicial do contrato mediante comunicação escrita à ré. Para Baptista Machado, “o direito de resolução é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência”6. (6. Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in “João Baptista Machado, Obra Dispersa”, vol. I, Braga, 1991, pág. 130/1 e segs). Brandão Proença considera que “o incumprimento temporário (rectius, mora) é apenas fundamento de resolução quando se converta num não cumprimento definitivo derivado da perda do interesse na prestação (a Unbrauchbarkeit de que falava Windscheid) ou (conservando o credor esse interesse ou mesmo independentemente de) da falta de realização da prestação no prazo razoável fixado (pelo credor) para esse efeito”7 (7 A Resolução do Contrato no Direito Civil (do enquadramento e do regime), Coimbra Editora, 1996, pág. 114 e seguinte) Isto são considerandos doutrinais relativos ao direito à resolução dos contratos em geral. Esse direito tem de ter por base um incumprimento, que é, por um lado, objetivamente determinado quanto à falta de interesse do credor, e, por outro lado, é determinado pelo incumprimento da interpelação admonitória desde que o prazo fixado seja razoável (artº 808º do CCivil).
Quanto ao direito de resolver o contrato no caso específico do contrato de empreitada existe uma norma própria que é o artigo 1222.º/1, do Código Civil, que define os condicionantes do direito, estabelecendo que “não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”.
Assim, direito de resolução do contrato de empreitada, com fundamento no cumprimento defeituoso, pode ser exercido quando o defeito não for eliminado, nem realizada nova construção, mas apenas nos casos em que os defeitos tornam a obra inadequada ao fim a que se destina. É este critério da inadequação, objetivamente determinado, que constitui o requisito específico para a resolução do contrato de empreitada, que deve ser apurado em relação à finalidade típica e/ou convencionada da obra, bem como deve ainda ser definitiva, irreversível e descaracterizadora da finalidade da obra, não existindo o direito de resolução quando se está perante um defeito reparável ou que não impede o uso da obra para a finalidade pretendida.
Em face desta exposição quanto aos requisitos do direito de resolução do contrato de empreitada, fácil é concluir que, no caso dos autos, não assiste aos autores tal direito. Os defeitos que se provaram, mencionados supra no nº 9, para além de serem reparáveis, como efetivamente foram, não tornavam a obra de construção da casa inadequada ao fim a que se destinava. E, quanto à limpeza, não se trata propriamente de um defeito mas antes do incumprimento de uma obrigação acessória típica deste género de empreitadas, em que no final há sempre a limpeza geral da obra.
O direito de resolução foi, pois, ilicitamente exercido” (fim de citação).
Ora, os recorrentes não contestam propriamente o acerto da solução defendida, o que vêm dizer é que a exigência, enquanto condicionante legitimadora do direito potestativo de resolução, de que os defeitos tornem a obra inadequada ao fim a que se destina, prevista no artigo 1222º nº 1 do Código Civil, não se lhes aplica, porque são consumidores e estão protegidos pela Lei de Defesa do Consumidor. Por isto, não apenas esta questão do condicionamento, mas qualquer outra restrição de opção ou exigência formal da resolução prevista no Código Civil não se lhes aplica. O erro do tribunal é o de não ter atendido à Lei de Defesa do Consumidor, aliás com enquadramento constitucional.
Ora aqui cumpre dizer:
Ainda que o tribunal não esteja vinculado pelo direito invocado pelas partes, e ainda que pelo contrário, em matéria subtraída à disponibilidade das partes, o tribunal até deva aplicar oficiosamente o direito, a protecção concedida por uma lei não é, salvo previsão expressa, imperativa. Significa isto que se alguém é beneficiado por uma determinada lei, ou quer ou não quer ter esse benefício, e querendo, tem de o declarar. Se a lei protege a honra e consideração de um cidadão, com a previsão e punição de um crime e com indemnização civil pelos prejuízos, estas duas leis, penal e cível, aplicam-se apenas se aquele cuja honra é ofendida quiser acionar os respectivos mecanismos. Aquele que em acidente de viação vê a sua viatura perder-se, é livre de pedir indemnização por essa perda. Já por exemplo o trabalhador que tem um acidente de trabalho não é livre de desistir ou renunciar à protecção da lei dos acidentes de trabalho. Aqui está um caso em que o legislador, em atenção ao interesse protegido, determina a aplicação da lei mesmo que o beneficiário não queira.
Ora, no caso da empreitada, a Lei de Defesa do Consumidor não impõe que aquele cujos interesses tenham sido prejudicados tenha necessariamente direito aos mecanismos nela previstos, não podendo a eles renunciar. Com efeito, se o artigo 12º nº 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (e alterações posteriores) dispõe que “1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”, já em parte alguma depois impõe que esse direito seja exercido ou que não possa ser renunciado.
Isto significa que não estamos em matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo que a intervenção do tribunal não é por dever de ofício, antes depende de lhe ter sido pedida, e de lhe ter sido pedida como tal.
Quando perante uma diversidade de leis convocáveis para protecção de determinada situação, então, não é o tribunal que tem de aplicar ou escolher, antes o beneficiário, se entende que alguma delas lhe é mais favorável, tem de escolher, e essa escolha faz-se por apelo, isto é, alegação das razões de direito que sustentam o pedido.
Na petição inicial e nem na réplica, os Autores apelaram à protecção legal que lhes permitira resolver contratos de empreitada fora das condições em que essa resolução está prevista no Código Civil, por aplicação da Lei de Defesa do Consumidor.
E por isso, o tribunal recorrido não conheceu dessa matéria e por isso a questão também é uma questão para o tribunal de recurso, de que o tribunal de recurso, porque conhece de decisões dos tribunais recorridos, conforme artigo 627º do CPC, não pode conhecer.
Mas mesmo que assim não fosse, estabelecendo o artigo 2º nº1 da referida Lei de Defesa do Consumidor que se considera “consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” haveríamos então de ter nos factos provados que a casa construída se destinava a uso não profissional dos Autores, facto que não existe no elenco de factos provados e que, como já se disse, não foi objecto de impugnação. Significa isto que também se pudéssemos conhecer da questão, também não teríamos factos suficientes para considerar que os Autores eram consumidores.
Donde, não tem aplicação toda a argumentação que se lê nas conclusões 11ª a 14ª do recurso, e por conseguinte torna-se firme a tese do tribunal recorrido de que não tinham os Autores direito a resolver o contrato de empreitada posto que as faltas e defeitos eram reparáveis e que os vícios com que a casa ficou também não a tornaram inabitável ou inutilizável.
Sob a conclusão 15ª e 16ª, e mais em concreto, a 17ª (“17.- Assim, para além do exercício legítimo e justificado da resolução contratual, aos Autores assiste o direito a haver da Ré o pagamento dos valores que despenderam na reparação das desconformidades e vícios da obra, assim como a deixar de pagar a última prestação a que se haviam obrigado, e correspondente a trabalhos e obras que aquela deixou de executar”) deve dizer-se que a sentença não deixou de reconhecer esse direito a haver o pagamento dos valores gastos com a reparação das desconformidades e vícios – o primeiro segmento condenatório diz exactamente que condena a Ré a “pagar aos autores a quantia necessária à realização dos trabalhos de instalação do quadro geral de eletricidade, colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra em causa nos autos”. Não o fez foi na exacta medida em que os Autores pretendiam que fizesse nem por via de valores líquidos.
Para o primeiro aspecto é simples: tem de se ampliar a condenação de modo a incluir as despesas em que os AA tenham incorrido para reparação das faltas e vícios que se aditaram ao facto provado nº 9. Para o segundo, a posição do tribunal recorrido, em vista dos factos provados, e sobretudo o que resultou da fundamentação e mesmo do próprio julgamento, a relegação para liquidação era inevitável quando os AA. apresentam um orçamento de reparação feito por uma empresa que não fez reparação nenhuma e trazem a juízo outro empreiteiro de outra empresa que fez as reparações por um valor muito inferior ao do dito orçamento, e quando não foram apresentadas nos autos as facturas que este mesmo empreiteiro disse que passou.
À conclusão 18ª (Mas, pelo menos, sempre essa última prestação apenas seria ou é devida pelos Autores à Ré, depois de quantificado, em liquidação de sentença, o preço dos serviços prestados pela Ré, e o montante daqueles que ela deixou de executar) responde-se com o artigo 609º nº 2 do CPC, como de resto consta do próprio dispositivo da sentença: - se há elementos para liquidar profere-se uma condenação líquida, se não há elementos, relega-se para liquidação. Não há nos factos provados elementos para liquidar o valor dos prejuízos sofridos pelos Autores, mas há para liquidar o valor do preço da empreitada em falta pelos Autores à Ré. Nada a censurar à decisão recorrida.
Quanto à afirmação sub 19 (“19.- Assim, e contrariamente àquilo que foi a decisão recorrida, consideram os Autores que foi mal interpretado e aplicado o direito, quando lhes nega um direito indemnizatório que, no caso concreto, resulta do incumprimento definitivo da obrigação de executar o contrato de empreitada e que tem por objeto o prejuízo sofrido pelos Autores, traduzido na reparação dos vícios e desconformidades construtivas”) só temos a recordar que o direito à indemnização não foi negado, independentemente de se saber se o quantitativo – que será sempre, em função dos defeitos e faltas descritos no facto provado 9, maior que zero – que vai resultar da liquidação é maior ou menor que o valor do pedido reconvencional. Estamos perante duas realidades diferentes, dois pedidos diferentes e cuja implicação recíproca poderia resultar da invocação, na réplica, da compensação ou da excepção de não cumprimento, invocações que não foram feitas e que se apresentam assim como questões novas para este tribunal de recurso, do mesmo passo que deitam por terra a conclusão 28ª.
Ainda antes dela, os Autores tentam demonstrar em recurso as razões pelas quais não podiam ser condenados no pedido reconvencional ou a sua condenação deveria conciliar-se com a relegação para liquidação da condenação principal.
Na verdade, os recorrentes dizem que não podiam ser condenados
- no pagamento do preço final e global de uma empreitada inacabada pela Ré, porque “21.- (…) liquidariam, por via da sua condenação, a totalidade do preço da empreitada; 22.- E, entretanto, teriam que instaurar incidente de liquidação para apuramento do preço da obra não executada pela Ré, para obterem depois a sua subsequente condenação e o reembolso do que lhe pagariam em excesso”. Ora, na liquidação não se obtém uma condenação, ela já foi proferida na sentença, a questão, volta a dizer-se, põe-se com a independência entre a condenação principal e a condenação reconvencional que resulta da verificação ou não do condicionalismo factual que permite liquidar ou não liquidar o valor da quantia a pagar, conforme artigo 609º nº2 do CPC.
Também não podem ser condenados no pagamento da prestação final antes da conclusão da empreitada em contrário ao estabelecido no contrato; todavia, isto esquece que o contrato não subsiste, primeiro porque foi resolvido pelos próprios Autores, depois porque também a Ré deixou de comparecer, na prática não existe nenhuma obrigação de ser a própria Ré a acabar a obra, até porque a obra foi acabada por outros a quem os AA. pediram a reparação e conclusão, e portanto para todos os efeitos tem de se considerar que o condicionalismo de pagamento da última prestação com a conclusão da empreitada pela Ré deixou de ter aplicação, ou dito de outro modo, não pode quem não queria mais a Ré a acabar a empreitada, pretender subordinar o pagamento da última prestação à conclusão da empreitada por essa mesma Ré.
Também não podem os Autores ser condenados no pedido reconvencional porque a culpa na mora e incumprimento definitivo é da Ré, que entregou chaves e recusou acabar apesar de interpelada, donde “apenas teria, em última análise, o direito a obter o pagamento da obra executada (e não da obra inexecutada)”. Com o devido respeito, a imputabilidade da culpa na mora ou incumprimento definitivo apenas torna o inadimplente contratual responsável pelos prejuízos que causa (o que aliás é actuado pelo tribunal recorrido na primeira parte do dispositivo). A perda do direito à totalidade do preço acordado não tem fundamento legal – artigo 798º do Código Civil e artigo 1223º também do Código Civil, e por outro lado a disciplina específica da empreitada – artigos 1221º e 1222º ambos do Código Civil.
Defendem ainda os recorrentes que porque a Ré não fez auto de medição não consegue demonstrar o preço do trabalho executado e porque a totalidade não é devida, não podia o tribunal ter condenado em montante líquido. Nesta argumentação supõe-se que a totalidade não é devida, o que já vimos que não é verdade. Ela não seria devida perante uma excepção de não cumprimento que tivesse sido invocada, o que não foi o caso. Por outro lado, a questão do auto de medição é falaciosa: - é que está apurado o valor da empreitada e o valor pago e a condenação reconvencional vem pela diferença. A esta diferença que corresponde ao pagamento de tudo quanto contratado se cumprido, irá descontar-se, por via da condenação da Ré no pedido principal, o que corresponde ao que apuradamente o tribunal, além da controvérsia e da omissão das partes antes de recorrerem a tribunal, deu como provado ser o que não foi feito e medida essa condenação pelo custo pago a terceiro para fazer o que não foi feito.
Finalmente, quando em 27 os recorrentes alegam que “Qualquer montante que os Autores/Reconvindos/Recorrentes pudessem eventualmente ser condenados a pagar à Ré/Recorrida/Reconvinda, sempre teria que ser deduzido do valor correspondente à obra inacabada ou com vício e correspondente custo de reparação pelos Autores; (sublinhado nosso) só há que dizer que isso, ainda que não dessa maneira, acaba a ser o que é feito com a condenação da Ré, ainda que não de modo imediatamente liquidado. O valor que vier a ser liquidado será um valor que os AA. reembolsarão e na medida deste reembolso, corresponderá a uma dedução. A única razão pela qual isso não é feito imediatamente pelo tribunal é, novamente, o que sustenta o artigo 609º nº 2 do CPC.
Concluindo, fenece toda a argumentação dos recorrentes nesta segunda questão.
Operando o resultado das alterações à decisão sobre a matéria de facto, no aditamento ao facto provado nº 9, impõe-se ampliar a condenação da Ré, o que se fará do seguinte modo:
“a) Julgar o pedido formulado pelos autores parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré a pagar aos autores a quantia necessária à realização dos trabalhos de instalação do quadro geral de eletricidade, colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra em causa nos autos, bem como à colocação de duas tampas de caixas de electricidade na fachada e à reparação da frincha sob as portas corta-fogo, tudo a determinar por via de liquidação, nos termos do artº 609º/2 do CPC, absolvendo a ré do pedido quanto a tudo o mais que contra ela vinha peticionado.
Por outro lado e operando o que se disse a propósito da questão prévia, haverá que alterar a condenação dos AA. no pedido reconvencional, dos termos em que se encontra formulada – “b) Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condenar os autores a pagar à ré a quantia de 13.002€, acrescida de juros de mora desde 22.10.2015 e até integral e efetivo pagamento, absolvendo os autores do pedido quanto ao restante que contra eles vinha peticionado” – para – “b) Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condenar os autores a pagar à ré a quantia de 13.002€ contra a apresentação da correspondente factura pela ré, acrescida de juros de mora desde a data em que, depois do trânsito em julgado deste acórdão, a factura for apresentada, e até integral e efetivo pagamento, absolvendo os autores do pedido quanto ao restante que contra eles vinha peticionado”.
Considerando que em primeira instância as custas foram divididas, quanto ao pedido principal, em ¾ para os Autores e ¼ para a Ré, considerando a globalidade do recurso, que indicia tanto sobre a procedência parcial do pedido parcial como sobre a condenação reconvencional, perdendo quanto a esta última e ganhando quanto á primeira mas apenas na medida do custo de duas tampas e da reparação de uma frincha, de valor previsivelmente diminuto, entendemos que as custas do presente recurso são devidas a 98% pelos Autores e a 2% pela Ré – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento parcial ao recurso e em consequência revogar a sentença recorrida nas partes seguintes:
“a) Julgar o pedido formulado pelos autores parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré a pagar aos autores a quantia necessária à realização dos trabalhos de instalação do quadro geral de eletricidade, colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra em causa nos autos, a determinar por via de liquidação, nos termos do artº 609º/2 do CPC, absolvendo a ré do pedido quanto a tudo o mais que contra ela vinha peticionado.
parte esta que se substitui pelo presente acórdão que julga o pedido formulado pelos autores parcialmente procedente e, em consequência, condena a ré a pagar aos autores a quantia necessária à realização dos trabalhos de instalação do quadro geral de eletricidade, colocação das tomadas de eletricidade e da rede ITED e fazer a limpeza final da obra em causa nos autos, bem como à colocação de duas tampas de caixas de electricidade na fachada e à reparação da frincha sob as portas corta-fogo, tudo a determinar por via de liquidação, nos termos do artº 609º/2 do CPC, absolvendo a ré do pedido quanto a tudo o mais que contra ela vinha peticionado. “b) Julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condenar os autores a pagar à ré a quantia de 13.002€, acrescida de juros de mora desde 22.10.2015 e até integral e efetivo pagamento, absolvendo os autores do pedido quanto ao restante que contra eles vinha peticionado”
Parte esta que se substitui pelo presente acórdão que julga o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condena os autores a pagar à ré a quantia de 13.002€ (treze mil e dois euros) contra a apresentação da correspondente factura pela ré aos autores, acrescida de juros de mora desde a data em que, depois do trânsito em julgado deste acórdão, a factura for apresentada, e até integral e efetivo pagamento, absolvendo os autores do pedido quanto ao restante que contra eles vinha peticionado.
Custas por recorrentes e recorrida, na proporção de 98% (noventa e oito por cento) para os primeiros e de 2% (dois por cento) para a segunda.
Registe e notifique.
Lisboa, 07 de Janeiro de 2021
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
[1] Com aproveitamento quase integral do relatório da sentença recorrida. [2] No original, sub 1 e 2, estamos perante os apontamentos que o tribunal recorrido foi tirando ao longo da audição, e que foram levados à sentença sob a forma de notas de rodapé.