RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO
EXTEMPORANEIDADE
Sumário


I – Interposto Recurso para Uniformização de Jurisprudência, o relator a quem o processo for distribuído deve rejeitá-lo nas situações indicadas no artigo 641º, 688º, 690º e 692º   do Código de Processo Civil.
II – Na situação dos autos o recurso foi extemporâneo porque não foi interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido (nº1 do artigo 689º do Código de Processo Civil).
III – Considerando que a decisão que a Recorrente pretende impugnar não é um Acórdão, mas uma decisão proferida pelo Relator, não está verificado o requisito da contradição de acórdãos.
IV - O invocado pela Recorrente “acórdão – fundamento” também não é um acórdão proferido no processo nº2340/16.8T8LRA.C2.S1-A, mas uma decisão proferida pelo Relator desse processo, o que determina que não esteja verificado o requisito da contradição de acórdãos.
V – Não houve violação do art.º 20.º da CRP porquanto o direito de acesso aos tribunais, para além do direito de ação, assegura um direito ao processo, que garanta uma solução num prazo razoável e seja configurado como um processo equitativo, o que foi respeitado pelo tribunal.
VI – Não houve violação do princípio constitucional da igualdade de tratamento que só se verifica quando situações iguais se resolvem de forma diferente.

Texto Integral


Processo nº1227/16.9T8FAR.L1.S2-A-A




ACÓRDÃO




Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA veio, por apenso ao processo nº1227/16.9T8FAR.L1.S2-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência, “nos termos dos artigos 688º e seguintes do CPC”, pretendendo que se fixe jurisprudência no seguinte sentido:

- “os recursos de uniformização intentados a propósito da efectivação da responsabilidade civil de intermediário financeiro, decorrente da subscrição de obrigações SLN, devem ser suspensos até que seja proferida decisão nos recursos de uniformização já admitidos, designadamente nos processos nº1479/16.4T8LRA.C2.S1-A E Nº6295/16.0T8LSB.L1.S1-A.”

A Recorrente refere que o acórdão que lhe foi notificado está em contradição com o acórdão – fundamento, datado de 11/07/2019, proferido no processo nº2340/16.8T8LRA.C2.S1-A, já transitado em julgado e de que junta cópia.

2. Notificado, o Recorrido veio responder, concluindo pela não admissibilidade do recurso.

3. O Relator não admitiu o recurso (despacho de fls.63/66).

4. Notificada, a Recorrente veio apresentar Reclamação para a Conferência do despacho liminar do Relator.

5. Não foi apresentada resposta.

            6. Cumpre apreciar e decidir.

II. Do objeto da reclamação

A Reclamante veio manifestar a sua discordância do despacho do Relator por, no seu entendimento, se verificar a contradição entre o Acórdão recorrida e a “decisão-fundamento”, mostrando-se violados os princípios contidos nos artigos 20º e 13º da CRP.

III. Fundamentação

1. Releva para a decisão o que consta do relatório que antecede.

2. Do mérito da Reclamação

            Como se referiu na decisão singular, com a qual este coletivo concorda e se reproduz, “como já se referiu no processo a que estes autos andam apensos, as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (nº1 do artigo 688º do Código de Processo Civil).

Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito (nº2 do artigo 688º do Código de Processo Civil).

O recurso é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido (nº1 do artigo 689º do Código de Processo Civil).

O requerimento de interposição, que é autuado por apenso, deve conter a alegação do recorrente, na qual se identificam os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao acórdão recorrido (nº1 do artigo 690º do Código de Processo Civil).

Recebidas as contra-alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo concluso ao relator para exame preliminar (nº1 do artigo 692º do Código de Processo Civil).

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 692º do Código de Processo Civil, aquando do despacho liminar, o recurso deve ser rejeitado, além dos casos previstos no nº2 do artigo 641º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no artigo 690º, não exista a oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no nº3 do artigo 688º.

Assim, e desta disposição legal, resulta, com clareza, que o Relator deve rejeitar o recurso quando:

- verificar que a decisão não admite recurso (alínea a) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil);

- o recurso for interposto fora de prazo (alínea a) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil);

- o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer (alínea a) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil), carecendo de legitimidade;

- o requerimento de interposição não contém a alegação do recorrente ou quando não tenha conclusões (alínea b) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil);

- o recorrente não cumprir os ónus estabelecidos no artigo 690º do Código de Processo Civil (identificação dos elementos que determinam a contradição alegada, a violação imputada ao acórdão recorrido e junção de cópia do acórdão-fundamento;

- o acórdão-fundamento não tiver transitado em julgado (nº2 do artigo 688º do Código de Processo Civil);

- não exista a oposição que lhe serve de fundamento (nº1 do artigo 692º do Código de Processo Civil);

- a orientação perfilhada no acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (nº3 do artigo 688º do Código de Processo Civil).

No caso presente, é evidente que o recurso de uniformização de jurisprudência não é admissível, e, desde logo, por:

- extemporaneidade, isto é, o recurso para uniformização de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido (nº1 do artigo 689º do Código de Processo Civil).

Ora, a decisão de que a Recorrente pretende recorrer foi-lhe notificada no dia 31/10/2019 e o requerimento de interposição de recurso está datado de 13/11/2019, isto é, antes do trânsito em julgado da decisão impugnada pela Recorrente.

- inexistência de acórdãos em conflito.

Nos termos do nº1 do artigo 688º do Código de Processo Civil, pode interpor-se recurso para uniformização de jurisprudência quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

Assim, antes de mais, é necessária a existência de dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Ora, a decisão que a Recorrente pretende impugnar não é um Acórdão, mas uma decisão proferida pelo Relator.

Por outro lado, o invocado pela Recorrente “acórdão – fundamento”, também não é um acórdão proferido no processo nº2340/16.8T8LRA.C2.S1-A, mas uma decisão proferida pelo Relator desse processo.

Deste modo, e sem necessidade de qualquer outro fundamento, não se admite o recurso”.

Quanto à violação dos princípios constitucionais, e dado que estamos em presença de um Recurso de Uniformização de Jurisprudência que pretende impugnar um Acórdão proferido em outro Recurso de Uniformização de Jurisprudência, recursos que a ora Reclamante interpôs, repete-se o que já este coletivo decidiu no processo a que estes autos andam apensos:

“A CRP prevê no nº1 do artigo 20º que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

E no nº4 do artigo 20º afirma-se que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

Assim, o direito à tutela jurisdicional implica o direito de acesso aos tribunais – órgãos independentes e imparciais -, “no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional” (Acórdão do TC nº363/04)

- Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da república Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 186 –

O direito de acesso aos tribunais, para além do direito de ação, assegura um direito ao processo, que garanta uma solução num prazo razoável e seja configurado como um processo equitativo.

Ora, no caso presente, a recorrente pôde colocar a sua pretensão no Tribunal.

A sua pretensão de ver reconhecido um direito foi apreciado por um tribunal de 1ª instância (que julgou improcedente o pedido formulado pela Recorrente), pelo Tribunal de 2ª instância (o Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão da 1ª instância) e pelo STJ (que negou a revista).

Assim, verifica-se que a Recorrente teve o mais amplo acesso aos Tribunais, tendo, contudo, obtido uma resposta que não satisfez as suas pretensões.

Quanto ao recurso que agora se pretende intentar, como afirmam os Autores atrás citados (na mesma obra), “é jurisprudência firme e abundante do tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos «patamares» de recurso (Acórdãos nºs72/99 e 431/02). Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limite ou ad infinitum (Acórdão nº125/98)” (pág.200).

            Ora, no caso do recurso para uniformização de jurisprudência, o legislador impôs limites, fixando determinados requisitos para a sua admissão.

            Esses requisitos para a admissão do recurso não se mostram preenchidos; daí que o mesmo não possa ser admitido.

            Essa não admissão não viola qualquer princípio constitucional, pois a Recorrente não tem direito a recorrer indefinidamente, estando ou não preenchidos os requisitos impostos pelo legislador.”

           Quanto ao princípio da igualdade, importa esclarecer a Reclamante que só se verifica a sua violação quando situações iguais se resolvem de forma diferente.

            Ora, não é essa a situação dos autos.

            A Reclamante não pode pretender um tratamento diferenciado, e muito menos, invocando o princípio da igualdade (os outros cumprem as normas do Código de Processo Civil; a Reclamante não carece de cumprir, mas obtém o mesmo resultado).

Deste modo, a pretensão da Recorrente não merece acolhimento.


IV. Decisão


Posto o que precede, indefere-se a reclamação.


As custas ficam a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.


Lisboa, 3 de março de 2020

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

 Pedro de Lima Gonçalves (Relator)


Fátima Gomes


Acácio das Neves