CONTRATO DE MÚTUO
EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS PELO MUTUANTE
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário

1 - O prazo de prescrição das prestações fraccionadas de capital e juros de contrato de mútuo é de cinco anos, a contar da data do vencimento de cada uma das prestações, nos termos do artigo 310.º, e), do C. C..
2 - Esse mesmo prazo de cinco anos mantém-se caso o credor use da faculdade prevista no artigo 781.º, do C. C..
3 - A reclamação de créditos efetuada pelo mutuante em execução intentada por terceiro credor do mutuário, quando inexistiam prestações vencidas não pagas e em que a execução nunca prosseguiu a impulso do mutuante nos termos do anterior artigo921.º, do C. P. C./velho, atual artigo 850.º, do C. P. C., não é apta a interromper a prescrição nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do C. P. C..

Texto Integral

Processo n.º 5164/17.1T8VNF-A.P1

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1). Relatório.
B… e mulher C…, residentes na Av…., n.º …, 1.º dto., …, Póvoa de Varzim
deduziram embargos de executado, atualmente a correrem termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz 2,em que é exequente
D…, S. A., com sede na Avenida …, .., Lisboa,
alegando em síntese que:
. o tribunal é incompetente em razão do território;
. a exequente não cumpriu o ónus de alegação a que estava adstrita, mencionando apenas que celebrou com os embargantes dois contratos de empréstimo e que estes deixaram de cumprir as obrigações decorrentes dos mesmos pelo que, em 20/07/2017, encontrava-se em dívida a quantia de 163614,78 EUR;
. no entanto, não juntou o histórico das entregas efetuadas pelos embargantes, com a relação dos montantes amortizados a título de capital mutuado e juros remuneratórios, vencido se pagos em momento anterior ao incumprimento;
. não se alega a data em que os embargantes deixaram de cumprir nem junta documento comprovativo da interpelação para pagamento;
. não menciona ainda a exequente quanto recebeu em outra execução pela venda de bem sobre o qual incidia garantia a seu favor;
. o cálculo da dívida exequenda relativa a «juros» e «comissões» não permite conhecer o capital (mutuado) em falta, nem a taxa de juro aplicável, nos sucessivos períodos de vencimento;
. ocorre assim falta de causa de pedir, o que importa a ineptidão do requerimento executivo;
. os juros vencidos além dos cinco anos anteriores à citação do devedor estão prescritos;
. não foram alegados factos que permitam avaliar a forma como a liquidação da obrigação foi conseguida nem que a mesma é certa;
. há desproporcionalidade das quantias reclamadas a título de juros;
. os contratos encerram cláusulas pré-elaboradas pela exequente, no essencial, inalteráveis, impostas unilateralmente sem qualquer negociação;
. assim, fere elementares princípios da boa-fé na execução de um negócio a possibilidade de um qualquer clausulado, que prefigure constituir um contrato de mútuo, e que permita ao banqueiro assacar ao cliente cerca de 59527,98 EUR em juros, quando o valor global mutuado seria de 84462,64 EUR;
. a obrigação aqui reclamada pela exequente tributa uma usura remuneratória que não pode ser consentida pela lei, existindo abuso de direito;
. não há título suficiente quanto ao valor pedido a título de comissões;
. impugnam-se os factos 5.º a 8.º do requerimento executivo.
Terminam pedindo a suspensão da execução, com isenção da prestação de caução e que:
. se declare procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento inicial e, em consequência, sejam absolvidos da instância;
. seja reconhecida a prescrição parcial da obrigação exequenda nos termos do disposto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do C. C.;
. no caso de improcedência das exceções suscitadas, seja acção julgada conforme os factos que vierem a ser julgados provados, tudo em consonância com o direito concretamente aplicável.
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Contestou o exequente/embargado alegando em resumo que:
. inexiste a alegada ineptidão por ter exposto sucintamente os factos que fundamentam o pedido;
. a data em que os embargantes deixaram de efetuar o pagamento pontual das prestações dos créditos contraídos é do conhecimento pessoal dos embargantes, além de que resulta claro da liquidação da obrigação que a data da última prestação paga em cada um dos empréstimos dados à execução corresponde àquela que imediatamente antecedeu a cobrança de juros;
. esclarece-se que o imóvel vendido foi adquirido pela própria embargada pelo preço de 85000 EUR com custas no valor de 309,70 EUR quantia que imputou no capital;
. por alturas da data da realização da abertura de propostas em carta fechada, os créditos da embargada ascendiam a 237495,32 EUR;
. em relação ao empréstimo n.º …………….., os juros venceram-se na sua quase totalidade em momento em que o capital em dívida era de 75718 EUR sendo que somente após a redução do capital, por via da aplicação do produto da venda do imóvel hipotecado, é que tais juros passaram a ser calculados sobre capital de 1 EUR;
. há mais de dez anos que os embargantes deixaram de pagar as prestações mensais ordinárias dos empréstimos por si contraídos o que, atento o disposto no artigo 781.º, do C. C. implica o vencimento de todas as prestações;
. quanto à prescrição, há muito que se acha interrompida pelo menos desde que foram notificados de reclamação de créditos efetuada pela embargada em processo em que esta D… reclamou os créditos ou, pelo menos, desde a respetiva sentença proferida em novembro de 2005;
. as comissões acham-se espelhadas em documentos já juntos.
Termina pedindo a improcedência dos embargos e a rejeição do pedido de suspensão da execução.
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Foi julgada procedente a exceção de incompetência territorial tendo os autos sido enviados para o tribunal ora recorrido.
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Em 27/02/2020 foi proferido saneador-sentença onde se decidiu:
. julgar improcedentes as exceções de ineptidão do requerimento inicial, incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda;
. declarar prescritas as prestações e juros vencidos até 12/08/2012;
. determinar o prosseguimento da execução quanto ao valor restante.
Inconformado, recorre a exequente formulando as seguintes conclusões:
«1. Devem ser acrescentados à factualidade dada como provada na sentença que ora merece a nossa sindicância os seguintes factos com relevância para o bom julgamento da causa:
i) em Fevereiro de 2005, a D…, S.A. reclamou os seus créditos (correspondentes as créditos aqui exequendos) em execução de terceiro movida contra os aqui executados e recorridos que, com o n.º 2439/14.5T8LOU, corre termos no Juízo de Execução da Lousada do Tribunal Judicial da Comarca do Porto– Juiz 2;
ii) os créditos ali reclamados, aqui exequendos, foram integralmente reconhecidos e devidamente graduados para serem pagos pelo produto da venda do imóvel ali penhorado, tendo os ali executados, aqui embargantes, da mesma sido devidamente notificados;
iii) aquele processo terminou em relação à credora reclamante D… apenas com a venda do imóvel, que lhe foi adjudicado a 26 de Maio de 2015;
iv) Os executados deixaram de pagar as prestações dos créditos exequendos a 19 de Setembro de 2006.
2. Isto porque, tais factos foram alegados e não foram impugnados pelos executados, e resultam ainda provados pelos documentos n.ºs 1, 3, 5 e 6 juntos aos autos com a contestação, tendo ainda sido junta, a 02 de Setembro de 2019, certidão judicial contendo cópia dos referidos documentos n.ºs 3, 5 e 6.
3. E são, ainda, absolutamente essenciais para o bom julgamento da causa, pois foi a sua verificação que fez interromper o prazo de prescrição da dívida.
4. O Tribunal a quo reconheceu que foi a D… reclamar os seus créditos na execução movida por terceiro, mas considerou quede tal facto não resulta a interrupção do prazo de prescrição.
5. Tal decisão viola frontalmente o disposto no art. 323.º, n.º1do Código Civil (CC), segundo o qual “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” (sublinhado nosso).
6. Os Executados deixaram de pagar as prestações devidas a 19 de Setembro de 2006, data a partir da qual começaria a contar qualquer prazo prescricional que se considerasse aplicável.
7. No entanto, e porque foi penhorado, em execução movida por terceiro contra os seus devedores, o imóvel hipotecado a seu favor para garantia dos créditos em apreço, e correndo o risco de, assim, ver a sua garantia diminuída, já em Fevereiro de2005 foi a D… àquela execução reclamar os seus créditos, assim manifestando inequivocamente a sua intenção de exercer o seu direito (o de exigir o pagamentos dos seus créditos), pelo que se deve considerar interrompido o respectivo prazo prescricional com a notificação aos devedores, ali executados, da reclamação então apresentada pela ora Apelante.
8. Interrupção esta que se manteve, pelo menos, até à venda do imóvel, adjudicado à D… a 26 de Maio de 2015, momento em que o processo atinge o seu termo em relação à ali Credora Reclamante D…, e em que se pode entender que começou a correr novo prazo prescricional, segundo o disposto nos arts. 327.º,n.º1 e 326.º, n.º1 do CC.
9. Assim sendo, como é, e uma vez que foi a presente acção executiva intentada a 26 de Julho de 2017 e os executados citados a 03 de Maio de 2018 (o que resulta das certidões de citação prévia positiva juntas aos autos principais pela Agente de Execução em exercício de funções), ocorreu uma nova causa de interrupção do prazo prescricional, pelo que os créditos peticionados não prescreveram, pois não se deu o termo do prazo de prescrição.
10. Isto, ainda que se considere, o que não se concebe, que seja de 5 anos o prazo de prescrição dos créditos em apreço.
11. Mas crê a ora Apelante que o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de 20 anos.
12. É que a D…, dado o incumprimento, considerou vencida a totalidade da dívida, ao abrigo do art. 781.º do CC.
13. Além disso, em face da possibilidade de ver a sua garantia diminuída, devido à penhora do imóvel hipotecado a seu favor para garantia dos créditos exequendos, a D… exigiu, como podia, a totalidade da dívida, ao abrigo do art. 780.º do CC, através da reclamação de créditos que deduziu naquela execução.
14. Por se ter vencido a totalidade da dívida, a mesma não mais é pagável em prestações, estando a D… legitimada a exigir o pagamento integral e imediato da dívida após o seu vencimento, o que aliás já tinha feito, e fez de novo aqui (visto que a dívida não foi integralmente satisfeita naquele processo).
15. Nessa conformidade, a dívida em causa não é pagável em prestações desde o seu vencimento integral, em Setembro de 2006.
16. Por não ser pagável em prestações, não lhe é aplicável o prazo prescricional especial de 5 anos previsto no art. 310.º, al. e) do CC, mas sim o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309.º do CC – sendo esta tese adoptada por vária jurisprudência.
17. Por estes motivos, a dívida exequenda não se acha prescrita, uma vez que o seu pagamento foi judicialmente exigido dentro do prazo de 20 anos aplicável.
18. Sem prejuízo, e mesmo que assim não se entenda, sempre se deverá igualmente concluir que a dívida exequenda não se acha, em qualquer parcela, prescrita, atenta a interrupção do prazo de prescrição operada pela notificação aos devedores da reclamação de créditos apresentada pela D… nos autos de execução de terceiros que correram termos com o n.º2439/14.5T8LOU, bem como da sentença de verificação e graduação de créditos também aí proferida.
19. Ao entender de diverso modo violou a sentença recorrida o preceituado nos arts. 309.º e 310.º do Código Civil, além dos já mencionado art. 323.º, n.º1 do Código Civil, impondo-se, como tal, seja a mesma revogada e substituída por outra que considere judicialmente exigível e devida a totalidade do crédito exequendo.»
Termina pedindo que se revogue a decisão recorrida.
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Não houve contra-alegações.
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A questão a dirimir é determinar se parte da quantia exequenda (capital e juros vencidos, como decidido) se encontra prescrita.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram considerados assentes os seguintes factos:
«1.No exercício da sua atividade creditícia, a Exequente celebrou com os embargantes os seguintes empréstimos, a saber:
A) Empréstimo n.º …………….., no montante de PTE 17.000.000$00 (DEZASSETE MILHÕES DE ESCUDOS) a que equivalem € 84.795,64 (OITENTA E QUATRO MIL SETECENTOS E NOVENTA E CINCO EUROS E SESSENTA E QUATRO CÊNTIMOS), formalizado em 18 de Maio de 2000, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, destinado a facultar recursos para a aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, em que surgem como mutuários B… e C….
B) Empréstimo n.º …………….., no montante de PTE 12.700.000$00 (DOZE MILHÕES E DEZASSETE MIL ESCUDOS) a que equivalem € 63.347,33 (SESSENTA E TRÊS MIL TREZENTOS E QUARENTA E SETE EUROS E TRINTA E TRÊS CÊNTIMOS), formalizado em 18 de Maio de 2000, por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, destinado a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis, em que surgem como mutuários B… e C…
Os quais seriam reembolsados no prazo de trinta anos a contar da data da celebração dos referidos contratos.
2. Para garantia do capital mutuado pelos empréstimos supra descritos em A) e em B), respetivos juros e despesas, os mutuários constituíram duas hipotecas voluntárias sobre o prédio urbano, composto de casa de rés do chão, andar e sótão com a superfície coberta de 90m2 e logradouro com a área de 1510m2, sito no …, da freguesia …, do concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º 809/… e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 410.º.
3. As referidas hipotecas foram registadas, a favor da D…, ora Exequente, através das Aps. 77 e 78 de 2000.05.18.
4. Ainda para garantia do capital mutuado pelos empréstimos supra descritos em A) e em B), respetivos juros e despesas, E… e F… constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores.
5. Os fiadores, E… e F… foram declarados insolventes no âmbito do processo n.º 2455/12.1TBBCL, (DA DÍVIDA)
5 - Por terem os executados deixado de cumprir as obrigações emergentes dos contratos supra identificados, nomeadamente no que concerne ao pagamento pontual das prestações pecuniárias, e por ter sido intentada execução de terceiro em que foi penhorado o imóvel supra identificado, a D… foi ali reclamar os seus créditos.
6 - No âmbito da execução de terceiro, o imóvel em questão foi vendido, não tendo, todavia, o produto da sua venda sido suficiente para liquidar os empréstimos ora dados à execução
7 - Encontra-se em dívida à D…, à data de 20 de Julho de 2017, a quantia de € 163.614,78 (CENTO E SESSENTA E TRÊS MIL SEISCENTOS E CATORZE EUROS E SETENTA E OITO CÊNTIMOS) - crf. docs. n.ºs 3 e 4 anexos ao requerimento executivo
8 - A partir desta data, a quantia em dívida agravar-se-á diariamente em € 5,13 (cinco euros e treze cêntimos) relativamente ao capital mutuado pelo empréstimo supra descrito em A), e em € 16,98 (dezasseis euros e noventa e oito cêntimos) relativamente ao capital mutuado pelo empréstimo supra descrito em B), montante correspondente a juros calculados às respetivas taxas contratuais atualizada, acrescido das despesas que a Exequente efetue, da responsabilidade dos devedores, a liquidar oportunamente”
9. Liquidação da obrigação dos executados até à data de 20 de Julho de 2017:
A) Empréstimo n.º ……………..
Capital ------------------------------------------------ € 1,00
Juros desde 19.09.2006 até 10.07.2017 ----------- € 59.527,98
Comissões -------------------------------------------- € 1.453,11
Total -------------------------------------------------- € 60.982,09
Agravamento diário: € 5,13 (taxa de juro de 10,246%)
B) Empréstimo n.º ……………..
Capital ------------------------------------------------ € 47.282,85
Juros desde 19.09.2006 até 20.07.2017 ----------- € 54.716,73
Comissões -------------------------------------------- € 633,11
Total -------------------------------------------------- € 102.632,69
Agravamento diário: € 16,98 (taxa de juro de 10,246%) 47.283,85 €»
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2.2). Do mérito.
A). Aditamento de novos factos.
A recorrente pretende o aditamento dos seguintes factos:
. em Fevereiro de 2005, a D…, S.A. reclamou os seus créditos (correspondentes as créditos aqui exequendos) em execução de terceiro movida contra os aqui executados e recorridos que, com o n.º 2439/14.5T8LOU, corre termos no Juízo de Execução da Lousada do Tribunal Judicial da Comarca do Porto– Juiz 2;
. os créditos ali reclamados, aqui exequendos, foram integralmente reconhecidos e devidamente graduados para serem pagos pelo produto da venda do imóvel ali penhorado, tendo os ali executados, aqui embargantes, da mesma sido devidamente notificados;
. aquele processo terminou em relação à credora reclamante D… apenas com a venda do imóvel, que lhe foi adjudicado a 26 de Maio de 2015;
. os Executados deixaram de pagar as prestações dos créditos exequendos a 19 de Setembro de 2006.
Estes factos, na sua essencialidade, mostram-se documentados pelo teor da certidão junta em 02/09/2019 (referência 9035129) sendo que não é questionado neste recurso a data de início da falta de pagamento pelos executados como alegado pela exequente (19/09/2006).
Apesar dessa falta de impugnação, o que pensamos que releva para o recurso é assentar que a exequente peticiona as prestações vencidas desde 19/09/2006 pois é isso que importa para aferir da prescrição em causa, única matéria em questão.
Por outro lado, o que também se pode dar como assente é que na execução n.º 2439/14.5T8LOU ocorreu a venda do imóvel dado em garantia por um valor inferior ao do crédito, sendo a referência a que o processo aí findou para a aqui recorrente uma conclusão e não um facto.
Estes factos têm interesse para a decisão a tomar pois implicam com a análise de eventuais causas de interrupção e de reinício da contagem do prazo prescricional.
Deste modo, aditam-se os seguintes factos:
A recorrente foi reclamar o seu crédito, no valor de 138.041,14 EUR em execução n.º 2439/14.5T8LOU, anterior 354-C/2002, que corre termos no juízo de execução de Lousada, juiz 2, intentado por G… e H…, contra B… e C…, ora recorridos.
A reclamação de créditos foi apresentada em 09/02/2005 via fax, tendo os aí executados sido notificados para contestarem a mesma, proferindo-se em 10/11/2005 sentença a julgar verificado e reconhecido o crédito ora em causa, sendo graduado para ser pago por força do imóvel dado em hipoteca em 1.º lugar.
Tal sentença transitou em julgado em 16/02/2006.
Na referida execução, em 26/02/2015, em sede de venda do imóvel hipotecado, a reclamante, aqui recorrente «D… …», apresentou proposta de 85.000 EUR que foi aceite.
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B). Da prescrição.
A primeira análise sobre esta questão deve incidir sobre qual o prazo de prescrição que se deve aplicar aos créditos exequendos (capital e juros, tal como decidido na sentença proferida pelo tribunal recorrido).
O tribunal recorrido entendeu aplicar o prazo de cinco anos, previsto no artigo 310.º, do C. C., enquadrando-o nas alíneas d) e e) ou, se assim não se entendesse, na «alínea residual», ou seja, a alínea g), do mesmo artigo.
A recorrente pretende que se considere que é aplicável o prazo de vinte anos previsto no artigo 309.º, do C. C. por na execução se estar a peticionar a globalidade do crédito e não quotas de amortização do mútuo.
A questão não é juridicamente nova e na jurisprudência tem um sentido maioritário na defesa da aplicação do prazo de cinco anos (veja-se o recente Ac. do S. T. J. de 10/09/2020, www.dgsi.pt).
Vejamos então.
Em primeiro lugar deve analisar-se se a exequente efetivamente está a peticionar o pagamento da globalidade do capital por, como alega no recurso, ter considerado vencido todo o capital em dívida ao abrigo do disposto no artigo 781.º, do C. C. o qual determina que «se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.»
À data da propositura da execução alegadamente estavam em dívida as prestações devidas desde 19/09/2006 até 10/07/2017, ou seja, claramente que está a ser peticionada mais do que uma prestação vencida.
Quando está em dívida mais do que prestação, o devedor perde a proteção de pagar em frações e passa a estar sujeito ao regime do artigo 781.º, do C. C., ou seja, o não pagamento daquelas prestações leva a que se considerem exigíveis as restantes (futuras).
Mas essa exigibilidade não significa que o credor não tenha de interpelar o devedor para pagar todas as prestações; pelo contrário, na nossa visão, o credor, para beneficiar da possibilidade de exigir toda a dívida, tem que interpelar o devedor anunciando a sua intenção de querer beneficiar daquela exigibilidade imediata e pedindo o pagamento de toda a dívida – veja-se Ac. do S. T. J. de 12/07/2018 e doutrina aí citada, www.dgsi.pt -.
A exequente, no requerimento inicial, não alega ter efetuado essa interpelação extrajudicialmente nem sequer alega que está a peticionar a totalidade da dívida ao abrigo do citado artigo 781.º, do C. C..
No entanto, tendo os executados/recorridos sido citados em 03/05/2018 conforme consta do processo executivo, referência 7035030, nada tendo os mesmos referido sobre esta questão em sede de embargos, deve considerar-se que ocorreu a apontada interpelação através da citação – já nos pronunciamos sobre esta questão em Ac. de 21/11/2019, www.dgsi-pt, confirmado por decisão do S. T. J. de 30/06/2020, ao que pensamos não publicado.
Daí que se deve considerar que a exequente, peticionando toda a quantia ainda em dívida relativamente aos dois contratos de mútuo, peticiona a totalidade da dívida ao abrigo do disposto no artigo 781.º, do C. C., considerando vencidas todas as prestações.
Importa então, em segundo lugar, determinar se o prazo previsto no artigo 310.º, e), do C. C. é o aplicável ao caso concreto.
Neste artigo determina-se que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização de capital pagáveis com os juros. Como vem sendo referido, a intenção foi que, numa situação em que um determinado capital (e respetivos juros) sem vem pagando de forma mais suave, em prestações, não existisse uma acumulação de dívidas ao longo de muitos anos que pudesse tornar incomportável o pagamento; daí que se fixasse um prazo de prescrição curto – Ac. da R. P. de 24/03/2014, no mesmo sítio -.
Ora, apesar de se considerar vencido todo o capital, a preocupação com o devedor no sentido de não o confrontar com um pagamento súbito e impressivo deve manter-se.
O crédito é concedido com a possibilidade de um pagamento fracionado e, seja porque se poderia deixar prolongar no tempo a exigência do pagamento de várias prestações seja porque o crédito agora se considera totalmente vencido, não se deve confrontar o devedor com o pagamento súbito de toda uma quantia dentro de um prazo amplo como seria o de vinte anos previsto no artigo 309.º, do C. C. o que iria permitir uma grande acumulação de juros.
Se se permitisse não só o pagamento da totalidade da quantia mas também que o credor o pudesse fazer em vinte anos, a finalidade que o legislador pretendeu com a fixação do prazo curto de cinco anos seria postergada o que, na nossa visão, não deve suceder sob pena de colocar o devedor numa situação muito difícil.
Daí que também entendemos que, neste caso de exigência antecipada da totalidade do crédito, advindo de um mútuo, ao abrigo do artigo 781.º, do C. C., se deve aplicar o prazo de cinco anos, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações até, por regra, à citação dos executados (no caso concreto por estar em causa uma ação executiva)– artigo 323.º, n.º 1, do C. C. -.
Os contratos em causa foram celebrados em 18/05/2000, tendo o prazo de trinta anos, com prestações a serem pagas mensalmente a partir do dia 18/06/2000 e assim sucessivamente até 18/05/2030 – cláusulas 6.ª e 7.ª dos respetivos contratos, sendo que a exequente considera a data de vencimento como sendo a do dia dezanove de cada mês pelo que é esta a data a que vamos atender.
Tendo a execução dado entrada em 02/08/2017 –período de férias judiciais -, e o despacho de citação ter sido proferido em 12/09/2017, pensamos que se deve concluir que, não tendo sido requerida a citação urgente nos termos do artigo 561.º, do C. P. C., a citação só deveria ter sido efetuada a partir do dia 01/09/2017 pois só a partir daí podia ser tramitada.
Deste modo, os cinco dias previstos no artigo 323.º, n.º 2, do C. C. devem considerar-se como tendo ocorrido em 06/09/2017, data que será assim a referência para aquilatar da prescrição de cinco anos acima referida.
Deste modo, todas as prestações dos mútuos vencidas até 06/09/2012 estariam prescritas.
Mas, em terceiro lugar, importa analisar se a reclamação deste mesmo crédito pela aqui recorrente numa outra ação executiva e a realização de diligências para pagamento dessa dívida tiveram influência na contagem do prazo de prescrição.
A recorrente foi reclamar o seu crédito, no valor de 138.041,14 EUR noutra execução intentada por terceiro (n.º 2439/14.5T8LOU, anterior 354-C/2002) em que os ora recorridos/embargantes eram executados.
A reclamação de créditos foi apresentada em 09/02/2005 via fax, tendo os aí executados sido notificados para contestarem a mesma, proferindo-se em 10/11/2005 sentença a julgar verificado e reconhecido o crédito ora em causa, sendo graduado para ser pago por força do imóvel dado em hipoteca em 1.º lugar.
Tal sentença transitou em julgado em 16/02/2006.
Na referida execução, em 26/02/2015, em sede de venda do imóvel hipotecado, a reclamante, aqui recorrente «D… …», apresentou proposta de 85000 EUR, valor inferior ao crédito do mesmo proponente.
Pensamos que uma reclamação do crédito pode ser um modo adequado para fazer interromper o prazo de prescrição relativamente ao mesmo crédito.
Suportando-nos no teor do Acórdão do S. T. J. n.º 3/98, de 26/03/1998, D. R. 109/1998, I-A, de 12/05/1998, que fixou jurisprudência no sentido de a notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, temos que aí também se refere que «Vaz Serra, ao analisar as causas interruptivas por acto do titular do direito no Código de Seabra - artigo 552.º, n.os 2 e 3 -, com vista à elaboração do respectivo articulado (artigo 24.º do anteprojecto Boletim do Ministério da Justiça, n.º 107, p. 294), fez reparos e acrescentos que se sintetizam:
. a) Não parece de exigir, para que a citação judicial interrompa a prescrição, que a acção seja uma acção de condenação, pois, ainda que se trate de acção de declaração ou apreciação, de conservação ou executiva, a razão é a mesma;
b) Os pedidos feitos no curso de um processo parece deverem ter também efeito interruptivo, embora não haja citação, propriamente dita, da outra parte. Trata-se de actos de exercício do direito, realizados judicialmente, e de que à parte contrária é dado conhecimento: o efeito interruptivo teria lugar quando essa outra parte tem ou deve ter conhecimento oficial do exercício do direito. Tais são, por exemplo, o pedido reconvencional, o pedido de intervenção na causa, o chamamento de garantes ao processo, a reclamação de créditos na execução, na falência ou na insolvência e o exercício de compensação no processo» - nosso sublinhado e realce -.
Ao reclamar-se um crédito numa execução, por força da penhora e subsequente venda que se vai realizar no processo executivo[1], com a notificação dos reclamados (executados) – artigos 864.º e 789.º, nas respetivas redacções do C. P. C. -, na nossa opinião, se o crédito estiver vencido, os executados sabem que está a ser peticionado um valor pelo exequente que pretende ver pago na competente execução.
Daí que, ocorrendo tal notificação judicial, com finalidade em tudo semelhante à de uma citação já que se visa a pronúncia sobre o crédito reclamado, podendo este ser impugnado, o executado/reclamado sabe que o exequente está a exercer o seu direito de crédito, interrompendo-se o prazo prescricional que esteja a correr.
No caso, não sabemos em que data ocorreu a notificação mas sabemos que ocorreu por tal constar da sentença de reconhecimento e graduação do crédito, proferida em 10/11/2005 pelo que, na falta de outra, teríamos de ter como uma data segura para considerar interrompida a prescrição essa data de prolação da decisão.
Porém, em 10/11/2005, ainda não estava vencida nenhuma das prestações mensais a pagar pelos executados/recorridos pois, conforme alega a exequente, a partir de 19/09/2006 é que se iniciou a falta de pagamento das prestações.
E aqui surge a questão de aferir se uma reclamação de créditos, no âmbito de uma execução intentada por terceiro, quanto a créditos não vencidos pode entender-se como uma ação que exprime a intenção de o credor exercer o seu direito.
A estabilização para o direito do credor que lhe advém ao ser proferida uma sentença de verificação e graduação de um crédito numa ação executiva não é igual à que advém de uma sentença proferida no âmbito de uma ação declarativa ou noutro tipo de apenso declarativo (embargos de terceiro, por exemplo).
A reclamação de créditos visa que o credor que beneficie de alguma garantia real sobre um bem penhorado possa peticionar o reconhecimento desse crédito de modo a que, vendido o bem, não veja dissipar essa mesma garantia por força do disposto no artigo 824.º, n.º 2, do C. C..
Assim, ao reconhecer-se o seu crédito, no fundo, o que se reconhece é que há um valor que deve ser pago por força do bem objeto da garantia real e por uma determinada ordem mas não que o crédito esteja definitivamente reconhecido. O que é definitivo é a conclusão de que tem uma garantia real sobre o bem penhorado e a posição em que deve ser pago mas não se forma caso julgado quanto à verificação dos créditos – Lebre de Freitas, A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, páginas 374 e 375 e Ac. do S. T. J. de 22/06/2010, www.dgsi.pt -.
E, reconhecido o crédito, também a execução que dá origem à reclamação não pode ser entendida como visando satisfazer o seu crédito e, por isso, também não é demonstrativa que o credor reclamante está a exercer o seu direito em relação ao devedor.
Como já dissemos, o credor reclamante exercita o seu direito para que o bem possa ser vendido sem garantias reais e aquele possa valer o seu direito real sobre o bem; assim, ao reclamar o crédito, o credor não está a demonstrar que quer exercer o seu direito em obter o pagamento do valor do mútuo.
O credor «só» pede a verificação e graduação do crédito porque tem de o fazer sob pena de deixar de obter o privilégio no seu pagamento (assim o menciona Lebre de Freitas, «A ação executiva …», páginas 166 – os credores são admitidos, não para satisfazer o seu direito de crédito, mas para garantir a desoneração do bem penhorado (…) só sendo convertidos em partes principais na execução quando acionado o mecanismo do art. 850-2 – execução prossegue com venda do bem sobre o qual tem garantia real, assumindo a posição de exequente – n.º 3 do mesmo artigo - o que não sucedeu in casu -).
Aliás, na altura em que a exequente reclamou o crédito, nem sequer havia falta de pagamento por parte dos mutuários pelo que, não fosse a necessidade de reclamação, certamente não iria propor uma ação executiva.
Só quando a execução porventura passe a correr sob o impulso processual do credor reclamante para pagamento do seu crédito vencido é que se pode considerar que há o exercício de um ato que demonstra a intenção de exercer o direito.
Daí que a apontada reclamação de créditos não teve o efeito de interromper o prazo de prescrição em curso em relação aos créditos ora exequendos.
Note-se que mesmo que se entendesse que aquela decisão na reclamação de créditos reconhecia o crédito do aqui exequente, ainda assim o prazo de prescrição continua a ser de cinco anos.
Na verdade, nos termos do artigo 311.º, n.º 1, do C. C., sobrevindo sentença transitada em julgado que reconheça o direito, se este estava antes sujeito a um prazo de prescrição curto, passa a estar sujeito ao prazo de prescrição ordinário; mas se essa sentença se reporta a prestações ainda não devidas, continua a ser, em relação a elas, aplicável o prazo de prescrição curto – n.º 2, do mesmo artigo 311.º -.
As prestações não devidas são aquelas que ainda não se venceram, as vincendas, e que por isso não são abrangidas pelo prazo mais longo de prescrição (Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, 4.ª edição, I volume, página 281 - «pode, porém, acontecer que haja condenação em prestações ainda não vencidas, como se condena o devedor a pagar, para futuro, certa prestação alimentar. Em relação às prestações vincendas já não vale a regra do n.º 1. A prescrição é de cinco anos.»).
As prestações em dívida só se venceram em setembro de 2006, não sendo assim devidas.
Prosseguindo, se nenhuma quantia do crédito reclamado vier a ser paga ou só se obtiver um pagamento parcial, neste caso, resta ao credor reclamante intentar ação executiva com base no título com que reclamou o seu crédito e procurar obter o pagamento da quantia ainda em falta, penhorando outros bens/direitos.
E para o fazer, tem de estar atento ao prazo de prescrição que possa sobrevir quanto a prestações em relação às quais não obteve pagamento podendo suceder que haja algumas cujo prazo de prescrição já ocorreu.
Temos então que a recorrente/exequente intentou a execução em causa nos presentes autos em 02/08/2017, com os efeitos da citação como se devendo considerar ocorridos em 06/09/2017, pelo que havia que imputar o prazo de prescrição sobre cada uma das prestações ainda em dívida a partir do momento do seu vencimento.
Ou seja, quando se intenta a ação executiva, relativa a prestações vencidas a partir de 19/09/2006, não havendo qualquer impedimento para a contagem do prazo de prescrição de cinco anos, temos que concluir que todas as prestações (capital mutuado e juros) que se venceram cinco anos antes da citação para a execução estão prescritas.
Assim, as prestações exequendas relativas a capital e juros vencidas até 06/09/2012 estão prescritas o que, alterando a data concreta da prescrição referida na sentença recorrida, não tem relevo para a pretensão da recorrente pois a prestação vencida em 19/08/2012 igualmente estaria prescrita o que não pode ser decidida por força do disposto no artigo 635.º, n.º 5, do C. P. C. -.
Inexiste outra questão a apreciar no presente recurso.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Registe e notifique.

Porto, 3 de dezembro de 2020
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira
Amaral Ferreira
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[1] Aquando da reclamação em análise, artigos 864.º e seguintes, do C. P. C., atuais 786.º e seguintes, do mesmo diploma -.