IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA VINCULADA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário

I – Ao nível da decisão da matéria de facto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada) nos termos do disposto no nº 3 do art.º 682º do CPC, ficando excluída do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art. 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da percepção e formulação do respectivo juízo de facto.
II - Não sendo o caso, por inexistência de violação do direito probatório material, prevalece a apreciação e modificação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação no uso do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no nº 5, do art. 607.º, do Novo CPC, e dos amplos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º do mesmo Código”

Texto Integral



Relatório[1]

«AA[2] intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Centro de Investimento de … do Banco BPI, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 405.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em decorrência do comportamento do R. na execução de contrato de intermediação financeira com ele celebrado.

Alegou para tanto, e em síntese, ser titular de conta no Banco de que o R. é agência, idoso e de baixa escolaridade, tendo sempre e em todos os investimentos das suas poupanças revelado não pretender assumir quaisquer riscos. Foi indevida e deliberadamente aconselhado por funcionário do R. à investir um montante de €400.000,00, em dois produtos financeiros de capital e juros garantidos que, todavia, desvalorizaram até ao valor residual que hoje têm, sendo-lhe já impossível recuperar o capital junto das entidades emitentes. E que nunca teria celebrado este contrato se tivesse sido devidamente esclarecido.

Acrescentou, ainda, que nunca celebrou com o R. contrato de intermediação financeira por escrito, invocando a nulidade do mesmo por falta da forma exigida.

Contestou o R., excepcionando a prescrição do direito do A., impugnando o essencial dos factos que aquele alegou como causa de pedir e afirmando que foi por livre e esclarecida vontade e iniciativa do A, que este subscreveu as obrigações que são objecto da acção, bem sabendo o tipo de produto que adquira e os riscos a ele inerentes.

Sustentou, ainda, que nunca prestou qualquer serviço de consultoria para investimento ao A., tendo-se limitado a prestar um serviço de execução de ordens.

Finalmente aduziu que o A. preencheu ficha de informação de perfil de investimento de que resulta a sua familiaridade com vários tipos de instrumentos financeiros entre elas acções, obrigações e fundos especiais de investimento.

Realizou-se a audiência prévia, na qual se afirmou da validade e regularidade da instância, se fixou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida decisão que julgou nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre A. e R,, que deu origem à ordem de subscrição das obrigações Banco Espírito Santo, com o código ISIN PT…12 que tinham como data de maturidade … de Novembro de 2023 e as obrigações subordinadas ESFG, com o código ISIN XS…71, e, em consequência, condenou o R. a restituir ao A. o valor de € 400.000,00 acrescidos de juros, à taxa legal, desde … .12.2016 e até efectivo e integral pagamento.

Inconformado, apelou o R., tendo a Relação do Porto julgado procedente a apelação e revogado a sentença, por ter concluído que «não se tendo demonstrado o facto ilícito, soçobra a pretensão indemnizatória do apelado.

Sempre se dirá que, ainda que tivesse logrado provar que lhe fora dada a informação tal como foi desenhada na petição inicial, faltaria o nexo de causalidade entre a conduta e o alegado dano.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado estabelece-se quando é possível concluir que, se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, aqueles investimentos não teriam sido feitos (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, pg. 49).

Ora, como resulta da alínea I) dos factos não provados, não logrou o apelado demonstrar que Caso o A. soubesse que os produtos financeiros referidos em 5 e 6 não apresentavam garantias de reembolso de capitai e juros nunca teria procedido à sua subscrição, bem sabendo, o R. e seus funcionários, que a garantia de capital e juros no âmbito dos mesmos era decisiva para efeitos de subscrição por parte do A».


*

Inconformada com o decidido vieram os herdeiros habilitados, representados pela cabeça de casal interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

«1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos que julgou a apelação do Réu procedente e revogou a decisão recorrida.

2. Não se conformando vem a aqui Recorrente interpor recurso de revista,

3. De toda a prova feita e carreada para os autos, resulta que não foi reduzido a escrito qualquer acordo entre as partes         

4. A sentença proferida em primeira instância decidiu e bem, nos termos do art.º 321º e seguintes do Cód. dos Valores Mobiliários (abreviadamente CVM), pela declaração de nulidade, por vício de forma, do contrato de intermediação financeira que as partes celebraram, o que acarretou, consequentemente, a nulidade subsequente do negócio de subscrição das obrigações subordinadas do BES, com o ISIN PT…12 e as obrigações subordinadas ESFG, com o ISIN X…71.

5. A decisão do Acórdão ora em crise que determina que “as operações em causa se enquadram numa relação de clientela” não colhe fundamento, destinada que está a soçobrar, pois a decisão do Tribunal de primeira instância, sopesou adequadamente os elementos existentes nos autos e os normativos legais aplicáveis, prolatando uma sentença, que, no nosso modesto entendimento, não merece qualquer censura.

6. Para efeitos probatórios, o tribunal de primeira instância fixou como provado, sob o ponto n.º 17, o seguinte:

“17. Nunca, em momento algum, fosse aquando da subscrição dos ditos produtos financeiros, fosse até posteriormente, foi entregue ao Autor um contrato escrito de intermediação financeira relativa a tais serviços prestados ao ora A. ou sequer por este assinado qualquer documento a este respeito”.

7. E a prova deste facto foi motivada pela Mma. Juiz de primeira instância nos seguintes termos “resultou desde logo da incapacidade do Banco réu provar tal entrega por qualquer forma o que com certeza faria caso tal documento existisse (…) resultou dos depoimentos dos próprios funcionários do Banco que o Autor ali se deslocava amiúde procurando conselhos dos seus funcionários, mesmo sobre aplicações que tinha noutros bancos, além de ir inteirar-se da sua situação (…) Ou seja, a relação entre as partes foi descrita pelos referidos funcionários do Réu como de confiança entre um cliente bem informado e com capacidade de decisão e um gestor de conta que aquele procurava para aconselhamento e sugestão sobre produtos, cotações, rentabilidades e riscos”.

8. Desde logo, não pode considerar-se que as meras ordens de subscrição dos valores mobiliários aqui em causa constituem, na perspetiva do Réu, o contrato de intermediação em si. Se assim fosse, no caso sub judice ter-se-ia eliminado, por completo, a justificação e razão de ciência do art.º 321º e 321º A ambos do CVM, porquanto as ordens de compra que o Réu deu ao A., para este assinar, pouco mais contêm do que a identificação (denominação comercial) do valor mobiliário, respetivo preço de aquisição, prazo de maturidade e taxa de juro. Quanto às demais informações é completamente omisso.

9. Dispõe, a este propósito, o art.º 321º nº 1 do CVM, que “Os contratos de intermediação financeira relativos aos serviços previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 290.º e a) e b) do artigo 291.º e celebrados com investidores não qualificados revestem a forma escrita e só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma.”

10. Enquanto investidor não qualificado, o contrato de intermediação financeira, que vincula o recorrido, tem, obrigatoriamente de conter os seguintes elementos:

11.“(…) a) Identificação completa das partes, morada e números de telefone de contacto;

b) Indicação de que o intermediário financeiro está autorizado para aprestação da actividade de intermediação financeira, bem como do respectivo número de registo na autoridade de supervisão;

c) Descrição geral dos serviços a prestar, bem como a identificação dos instrumentos financeiros objecto dos serviços a prestar;

d) Indicação dos direitos e deveres das partes, nomeadamente os de natureza legal e respectiva forma de cumprimento, bem como consequências resultantes do incumprimento contratual imputável a qualquer uma das partes;       

e) Indicação da lei aplicável ao contrato;

f) Informação sobre a existência e o modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber as reclamações dos investidores bem como da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.”

12. Considerando a ratio desta norma, pode afirmar-se que as ordens de subscrição das obrigações e a própria relação de cobertura que permitiu serem executadas (as ordens) não contêm todos estes elementos, pelo que, consequentemente, não podem ser consideradas como contratos de intermediação financeira, para efeitos, de precludir a invocação da sua nulidade, por vício de forma, ou, no limite, saná-la.

13. Com efeito, o art. 289º, nº 1, a), do CVM estabelece que são atividades de intermediação financeira os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros.

14. Por sua vez, intermediários são, nos termos do art. 293º, nº 1, a), do mesmo diploma, as instituições de crédito que estejam autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal.

15. São serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, segundo o art. 290º, nº 1, a) e b), do mesmo código, a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem, bem como a execução de ordens por conta de outrem.

16. O falecido A., depois de para tanto procurar aconselhamento / informações, deu instruções ao Réu, através de um seu funcionário, para aquisição das obrigações acima referidas nas alíneas 5 e 6 dos factos provados.

17. Dentro da execução desse mandato, o Banco Réu, de facto, subscreveu em nome do Autor as obrigações BES e ESFG que aqui se discutem.

18. Tal operação, bem ao contrário do que sustenta o Banco Réu, consubstancia a execução de contrato de intermediação financeira – cfr. artº 289º, nº 1 a) do Código dos Valores Mobiliários (na sua versão em vigor em fevereiro de 2014) -, na medida em que consubstancia investimento em valores mobiliários – cfr. artigo 1º, número 1 b) do mesmo Diploma.

19. Uma das atividades mais importantes exercidas pelos intermediários financeiros é exatamente a que aqui está em causa e cuja validade queremos apreciar no caso concreto: é ela a de receção, transmissão e execução de ordens por conta do investidor - cfr. art. 290º, n.º 1, alíneas a) e b) do CVM.

20. Foi isso – além de continuo aconselhamento e prestação de informações -, que o banco réu proporcionou ao recorrido ao longo dos anos e nos dois momentos concretos que aqui se apreciam – de aquisição das obrigações BES e ESFG em …-02-2014 e …-05-2015, respetivamente.

21. No art. 321º do CVM, o legislador estabelece que a nulidade resultante da inobservância da forma legal só pode ser invocada pelo investidor. Dos contratos de intermediação regulados no CVM os mais frequentemente celebrados por investidores não institucionais serão o de gestão de carteira, o para registo ou depósito e o de consultoria.

22. Outra regra sobre contratos com investidores não institucionais prende-se com a da equiparação destes a consumidores, para efeitos da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais (art. 321, nº 2).

23. Sendo o recorrido investidor não qualificado é manifesto que o negócio de intermediação financeira no cumprimento do qual o recorrente executou a ordem escrita de subscrição de obrigações BES e ESFG não obedeceu à exigida forma escrita podendo aquele, como fez, invocar a nulidade do referido contrato que, por tal, se  impõe declarar.

24. A nulidade do negócio de intermediação torna nula também a subscrição das obrigações em causa nos autos.

25. Na esteira do que se mostra estatuído no artigo 289º nº 1 do Código Civil, “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou,  se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

26. Escreve-se, outrossim, no nº 3 desse preceito que “é aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes”.

27. Em consequência, não pode ser outra a solução do silogismo jurídico, que não seja a restituição pelo recorrido ao recorrente do valor investido nos valores mobiliários aqui em causa, i.e. os 400 000 € que foram entregues ao R./recorrente pelo A./recorrido, no âmbito da execução do contrato ora declarado nulo.

28. Não pode, assim, ser eliminado o ponto 17 da matéria dada como provada.

29. Fez, assim, o Acórdão ora em crise erra interpretação e aplicação da alínea a) do número 1 do artigo 289º, do artigo 321.º n.º 1 e 321.º-A todos do Código de Valor Mobiliário.

30. O Acórdão ora em crise ao não atender à inexistência da formalização do contrato de intermediação financeira fez uma errada interpretação de toda a prova produzida.

31. É, assim, sindicável tal erro de apreciação da prova em sede do presente recurso nos termos do número 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil, o que para os devidos e legais efeitos se invoca.

32. Deve, assim, ser alterada a decisão constante do Acórdão ora em crise, e mantida a decisão da primeira instância.

33. Sendo dado como provada a matéria constante do ponto 17:

“17. Nunca, em momento algum, fosse aquando da subscrição dos ditos produtos financeiros, fosse até posteriormente, foi entregue ao Autor um contrato escrito de intermediação financeira relativa a tais serviços prestados ao ora A. ou sequer por este assinado qualquer documento a este respeito”.

34. O Acórdão ora em crise deu como provado o facto constante da alínea z) da matéria dada como não provada.

35. Ora como, elucidativamente, refere a sentença da primeira instância “A mera circunstância do produto em causa não ser permitido pelo Banco Réu para que este se conclua que este não o tenha aconselhado e apresentado ao A.

36. Fez, assim, o Acórdão ora em crise errada interpretação da prova produzida.

37. E, ainda, não fundamentou devidamente a sua decisão pelo que é o mesmo nulo tal parte, porquanto viola abertamente o disposto na alínea b) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

38. Deve, assim, ser alterada a decisão constante do Acórdão ora em crise, e mantida a decisão da primeira instância.

39. Sendo dada como não provada a matéria constante da alínea z) da matéria de facto dada como não provada constante da decisão da primeira instância:

“z) O Banco BPI não promovia a comercialização de obrigações de um Banco concorrente.”

40. O Acórdão ora em crise decidiu que a alínea aa) da matéria de facto dada como não provada, deveria ser dada como provada.

41. Das declarações prestadas pelas testemunhas, designadamente, da testemunha CC, bem como, dos documentos juntos aos autos a fls. 172.

42. Conclui-se que foi a testemunha CC que fez preenchimento da ficha referida no ponto 42 da matéria dada como provada.

43. E, que o questionário junto aos autos a fls. 172 e referido no ponto 42 dos factos provados, foi feito depois da subscrição dos produtos dos autos (ocorrida em …/02/2014 e …/05/2014) em …/10/2014.

44. Fez, assim, o Acórdão ora em crise errada interpretação e aplicação do direito, designadamente, dos artigos 374º e 376º do Código Civil.

45. Fez, ainda, errada interpretação de toda a prova produzida, para provar tal facto,

46. E, não fundamenta devidamente, o Acórdão ora em crise, a sua decisão, pelo que, viola abertamente o disposto na alínea b) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, nulidade que para os devidos e legais efeitos se invoca.

47. Deve, assim, ser alterada a decisão constante do Acórdão ora em crise, e mantida a decisão da primeira instância.

48. Sendo dada como não provada a matéria constante da alínea aa) da matéria de facto dada como não provada constante da decisão da primeira instância:

“aa) O A. assinou a ficha referida em 42 perfeitamente ciente e esclarecido quanto ao teor da sua declaração e informação prestada.”

49. Ao não declarar nulo por falta de forma o contrato de intermediação financeira celebrado entre o então A. e o Réu, fez o douto Acórdão errada interpretação e aplicação da alínea a) do número 1 do artigo 289.º, do artigo 321.º e do artigo 321.º-A do CVM.

50. Deve, assim, ser alterada a decisão constante do Acórdão ora em crise, e mantida a decisão da primeira instância.

51. Da matéria de facto provada por demais resulta evidente a violação dos deveres de informação por parte do Réu.

52. Pelo que, ao não dar como provada a verificação de tal violação e consequente responsabilidade do Réu, fez o Acórdão ora em crise errada interpretação e aplicação do artigo 304.º-A do Código dos Valores Mobiliários.

53. E, sempre se dirá, na humilde opinião da Recorrente que o Acórdão ora em crise, ao conhecer de questão não analisada na sentença de primeira instância extravasou os seus poderes de cognição.

54. Sendo por tal facto nulo nos termos da alínea d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, nulidade que para os devidos e legais efeitos se invoca.

55. Destarte, não pode deixar de se considerar que a sentença do tribunal de primeira instância julgou a questão com acerto e em estrita observância das normas legais aplicáveis ao caso sub judice, não merecendo, de resto, qualquer reparo ou censura. 

56. Em conclusão e por tudo o exposto, só se poderá pugnar pela boa decisão tomada pela sentença da primeira instância, devendo a  mesma ser mantida não só no que concerne ao juízo que impendeu sobre a matéria de facto provada e não provada, aqui posta em causa pelo Acórdão recorrido, como quanto à apreciação de direito, no enquadramento e subsunção jurídica às questões postas à Douta apreciação do Tribunal a quo.

Nestes termos e nos mais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e, confirmada, na íntegra, a Sentença proferida na primeira instância, fazendo-se JUSTIÇA.


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Respondeu a R., pedindo a improcedência da revista.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[3], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[4], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil).

Das conclusões acabadas de transcrever conjugadas com o teor do acórdão impugnando decorre que o recurso, tem apenas por objecto saber se o acórdão recorrido violou as regras que disciplinam a apreciação da prova e se ocorre nulidade do mesmo por falta de fundamentação e excesso de pronúncia.


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Dos factos

Mostra-se consolidada a seguinte materialidade.

1. O A. é titular da conta bancária n.° 05….33 (ou 05…33- ..0-…01) aberta junto do BANCO BPI, S.A..

2. O R. é uma agência do BANCO BPI, S.A..

3. O A. é pessoa de baixa escolaridade.

4. O A., enquanto cliente do BANCO BPI, S.A. foi sempre um cliente de categoria não profissional.

5. Em … de Fevereiro de 2014, o A., após consulta com o funcionário do R. CC, investiu um montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros) em obrigações subordinadas Banco Espírito Santo, com o código ISIN PT…12 que tinham como data de maturidade … de Novembro de 2023 e uma taxa de juro de 7,125%, remunerada anualmente.

6. Em 30 de Maio de 2014, o A., após consulta com o funcionário do R. CC, investiu um montante de € 100.000,00 (cem mil euros) em obrigações subordinadas ESFG, com o código ISIN X…71 com data de maturidade em … de Outubro de 2019 e taxa de juro de 6.875%, remuneradas anualmente.

7. A ESFG, Espírito Santo Financial Group, S.A., é uma sociedade holding com sede no …, pertencente ao Grupo Espírito Santo que, em … de Julho de 2014, entregou no … um pedido de gestão controlada, encontrando-se insolvente e requerendo protecção contra credores.

8. A ESFG, Espírito Santo Financial Group, SA, não pode solver quaisquer compromissos ou obrigações, incluindo as referentes às obrigações subordinadas acima referidas com o código ISIN X…71.

9. O Banco Espírito Santo, S.A., encontra-se em processo judicial de liquidação.

10. Por deliberação do Banco de Portugal de … de Agosto de 2014 (pelas 20 horas) foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, SA., na modalidade de transferência parcial da sua actividade para uma nova entidade para o efeito constituída, Novo Banco, S.A..

11. Em 13 de Julho de 2016, foi aprovada pelo BCE a revogação da Autorização do BES para o exercício de actividade de instituição de crédito ef seguidamente, em … de Julho de 2016, instaurado o processo de liquidação, o qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de … - … - 3 Instância Central – Proc. n° 18588/16.2… .

12. O A. enquanto cliente do BANCO BPI, sempre manifestou preocupação junto dos seus funcionários com a preservação do seu património e poupanças pessoais.

13. Sempre confiou nos gestores de conta e nos funcionários bancários, acreditando que aqueles assumiam a gestão do património alheio como se de próprio se tratasse.

14. O A. ao longo da sua vida sempre teve a preocupação de manter folga financeira para o seu futuro.

15. Os produtos financeiros referidos em 5 e 6 ficaram registados e depositados em conta bancária titulada pelo A. junto do R. ali ainda se encontrando presentemente.

16. As obrigações subordinadas acima referidas desvalorizaram abruptamente, ao ponto de, actualmente, assumirem um valor residual.

17. Nunca em momento algum, fosse aquando da subscrição dos ditos produtos financeiros, fosse até posteriormente, foi entregue ao A. um contrato escrito de intermediação financeira relativo a tais serviços prestadas ao ora A. ou sequer por este assinado qualquer documento a este respeito. (eliminado pela Relação)

18. No dia 3 de Agosto de 2014, foi veiculada publicamente a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, tendo-se o A. dirigido balcão do R. (no dia imediato), a fim de saber se o seu dinheiro estava seguro e disponível.

19. Não lhe tendo sido prestada qualquer informação concreta e definitiva sobre a possibilidade de não vir a receber o valor investido.

20. O R. e seus funcionários sabiam e que os produtos referidos em 5 e 6 não eram produtos com capital e juros garantidos, mas antes obrigações subordinadas.

21. O A. padeceu e continua a padecer de angústias, ansiedades e perturbações por entender ter perdido todo o dinheiro empregue na subscrição dos produtos financeiros referidos em 5 e 6.

22. O A. nunca pensou ver-se sem as referidas quantias em causa empregues na subscrição dos sobreditos produtos que fez sacrifício em amealhar.

23. O que faz com que ande triste e amargurado

24. O A. é titular de uma conta de depósito à ordem registada com o n° 0-5…01 (NUC - Número Único de Conta 0-5…33), desde … .05.1994, inicialmente com condições de movimentação individual e aberta na agência de … - … do ex-Banco Fonsecas á Burnay, S.A., a que o ora Banco BPI sucedeu juridicamente.

25. Em 30.05.2007, foi inserido como 2ª titular da aludida conta bancária o cônjuge do A., BB[5], passando a mesma a ter condições de movimentação solidaria tendo sido actualizadas nessa mesma data as respectivas fichas de assinaturas no Banco.

26. Em 01.10.2008, a identificada conta bancária do A. transitou para o Centro de Investimento de … do Banco R. e passou a ser acompanhada, embora não exclusivamente, a partir desta data, pelo colaborador do Centro de Investimento, sr. CC.

27. Em … .05.2013, o A. aderiu ao BPI Net, serviço de homebanking do Banco R., que permite aos clientes do Banco aceder às suas contas bancárias e realizar um conjunto alargado de operações bancárias, designadamente, consultas de saldos, movimentos, transferências nacionais e para o estrangeiro, pagamentos de serviços e ao Estado, bem como, realizar aplicações financeiras e operações de Bolsa.

28. Os contactos entre o A. e o Banco, quer telefónicos quer pessoais, eram regulares, com periodicidade praticamente mensal, deslocando-se o A. ao Centro de Investimento com frequência.

29. Em todas essas deslocações e contactos ao longo dos anos, o A. mostrou-se sempre seguro de si, autónomo, lúcido, esclarecido, com discurso coerente e claramente informado.

30. No decurso desses inúmeros contactos o A. procurava rendibilidades superiores à média, diversificando os seus investimentos e carteira de aplicações financeiras, não só no Banco R. como noutras instituições de crédito, pedindo informações e conselhos sobre produtos e aplicações.

31. O A. recebia, como ainda recebe, mensalmente, extractos integrados da sua conta bancária em suporte de papel com detalhe discriminado de todos os seus investimentos, nas várias formas, designadamente, Fundos de Investimento, Seguros de Capitalização, Planos de Poupança, Depósitos a Prazo, Acções e Obrigações, o que ocorreu de forma contínua e ininterrupta em data anterior a 2004.

32. Ao longo dos anos e pelo menos desde 2004, o A. deteve registados e depositados no Banco R., seguros de capitalização (como por exemplo o Novo Aforro Familiar), fundos de investimento mobiliário de acções e obrigações (como o BPI global), BPI Monetário Curto Prazo; BPI - Reforma Segura, BPI - Reforma Investimento), produtos estruturados (como é o caso das Obrigações de Caixa BPI Capital Seguro Comunicações Móveis 2000/2005 - 2 a e 4 a emissão), Acções e Obrigações de empresas, banca e dívida pública portuguesa, aplicações financeiras com perfil de risco moderado a elevado, com grande volatilidade, algumas das quais sem garantia, sequer, de capitai.

33. Foram estes os investimentos efectuados pelo A. ao longo dos anos, registados e depositados na conta bancária NUC 0-5…33, aberta no Banco R:

I. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2004 - Total da carteira de investimentos: € 200.867,29

a) BPI Global - no montante de € 88.435,91

Subscrição inicial em … .06.1997, no montante de € 47.382,82

Reforço em … .10.1997, no montante de € 5.992,97

Reforço em … .10.2003, no montante de € 16.998,35

b) BPI Reforma Segura - no montante de € 17.405,46

Subscrição inicial em … .12.1996, no montante de € 5.985,57

Reforço em … .05.1997, no montante de € 4.987,98

Resgate parcial por transferência de Fundo em 30.10.1997, no montante de € 5.120,19

Reforço em … .10.2003, no montante de € 8.950,00

c) BPI Reforma Investimento -no montante de€ 15.575,00 Subscrição inicial em … .10.1997, no montante de€ 5.117,67

Reforço em … .10.2003, no montante de € 7.950,00

d) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar - no montante de € 17.125,12

Subscrição inicial em … .10.2003, no montante de € 17.000,00

e) Produtos Estruturados - Mercado de Taxa de Juro, Inflação e Crédito (IMTJIC)

- no montante total de € 24.861,00

- Obrigações de Caixa BPI - C. S. COMUNICAÇÕES MÓVEIS 2000/2005 - 2° emissão Subscrição em Fevereiro de 2000, no valor nominal de € 15.000,00

- Obrigações de Caixa BPI - CS. COMUNICAÇÕES MÓVEIS 2000/2005 – 4ª emissão Subscrição em Março de 2000, no valor nominal de€ 10.000,00.

f) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 24.552,30

- 200 acções … 5GPS, no valor de € 830,00

- 1790 acções …, no valor de € … .082,50

II. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2005 - Total da carteira de investimentos: € 187.870,16

a) BPI Global - no montante de € 92.191,27

b) BPI Reforma Segura - Resgate total em … .01.2005, pelo valor de € 17.450,27

c) BPI Reforma Investimento - no montante de € 35.631,84

Reforço em … .01.2005, no montante de € 17.950,00

d) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar - no montante de € 17.674,65

e) Produtos Estruturados - Mercado de Taxa de Juro, Inflação e Crédito (IMTJIC)

Reembolso das duas emissões obrigacionistas, em … .03.2005 e em … .04.2005

f) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 28.626,00

- 200 acções … SGPS, no valor de € 930,00

- 1790 acções …, no valor de€ 12.816,40

III. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2006- Total da carteira de investimentos: € 230.653,01

a) Depósito a Prazo - Residentes n° 5…33….01:

Constituído em … .10.2006 e com vencimento em … .10.2007, pelo montante de € 20.000,00, à taxa de 4,05%

b) BPI Global -no montante de € 95.009,12

c) BPI Reforma Investimento - no montante de € 37.137,34

d) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar- no montante de€ 18.054,65

e) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 42.278,40

- 200 acções … SGPS, no valor de € 1.258,00

- 1790 acções …, no valor de € 16.915,50

IV. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2007 - Total da carteira de investimentos: € 259.202,75

a)         Depósito a Prazo - Residentes n° 5…33….30)

b)        BPI Global -no montante de € 93.999,43

c)         BPI Reforma Investimento.-.no montante de € 57.997,97

Subscrição Plano entregas mensais entre … .08.2007 e .. .01.2009, no valor de € 30,00

Reforço em … .12.2007, no montante de € 20.000,00

Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar- no montante de € 18.801,15

Subscrição Plano entregas mensais entre … .08.2007 e … .01.2009, no valor de € 50,00

e) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 49.214,70

- 200 acções … SGPS, no valor de € 1.200,00

- 1790 acções …, no valor de € 17.989,50

V. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2008 - Total da carteira de investimentos: € 263.082,38

a) Depósito a Prazo - Residentes n° 5…33…01:

Constituído em … .01.2008 e com vencimento em … .01.2009, pelo montante de € 60.000,00, à taxa de 4,95%

Depósito a Prazo - Residentes n° 5…33….01:

Constituído em … .06.2008 e com vencimento em … .06.2009, pelo montante de € 27.000,00, à taxa de 5,25% BPI Global - no montante de € 65.823,06;

f) BPI Reforma Investimento -no montante de € 50.463,59

g) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar- no montante de € 19.849,49.

h) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 29.671,95

- 200 acções … SGPS, no valor de€ 696,00

- 1790 acções …, no valor de€ 9.578,29

VI. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2009

- Total da carteira de investimentos: € 68.256,57

a) BPI Global - Resgate total em … .03.2009, pelo valor de € 64.753,30

b) BPI Reforma Investimento:

- Resgate (limite de idade) em … .03.2009, pelo valor de€ 15.065,16

- Resgate (antecipado) em … .03.2009, pelo valor de € 34.679,26

c) Cheque n° 3…2, sacado pelo A. sobre a conta n° 5…33 e depositado noutra instituição de crédito, no valor de € 115.000,00

d) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar- no montante de € 19.899,49

e) Acções

- 11010 acções …, no valor de€ 34.219,08

- 200 acções … SGPS, no valor de € 1.285,80

- 1790 acções …, no valor de € 12,852,20

VII. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2010 - Total da carteira de investimentos: € 58.079,36

a) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar - no montante de € 20.297,44

b) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 27.425,91

- 200 acções … SGPS, no valor de € 1.014,00

- 1790 acções …, no valor de € … .342,01 POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2011 - Total da carteira de investimentos: € 141.943,86

a) Depósito a Prazo - Residentes n.° 5…33….01:

Constituído em … .06.2011 e com vencimento em … .06.2012, pelo montante de € 110.000,00, à taxa de 5,25%, conforme instrução assinada pelo A. em … .06.2011

b) Seguro de Capitalização - Novo Aforro Familiar - Resgate antecipado total, em … .11.2011, pelo montante de € 20.698,85

c) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 26.324,91

- 200 acções … SGPS, no valor de € 1.063,40

- 1790 acções …, no valor de € 4.555,55

IX. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2012 - Total da carteira de investimentos: € 488.352,08

a) Depósito a Prazo - Residentes n° 5…33….01:

Instrução de mobilização total do depósito a prazo, no montante de € 114.391,40, assinada pelo A. em … .06.2012

b) Ordem de compra de Obrigações BES - 5.625% - 2014, conforme instrução assinada pelo A., em … .06.2012, no valor nominal de € 150.000,00, ao preço indicativo de 89,50% e respectiva Nota de execução remetida ao A., em … .06.2012

c) 2.ª ordem de compra de Obrigações BES - 5.625% - 2014, conforme instrução assinada pelo A., em … .06.2012, no valor nominal de € 150.000,00, ao preço indicativo de 92,25 e respectiva Nota de execução remetida ao A., em … .06.2012

d) Ordem de compra de Obrigações PARPUBLICA - 3.5% - 08.07.2013, conforme instrução assinada pelo A., em … .10.2012, no valor nominal de € 150.000,00, ao preço indicativo de 98,017 e respectiva Nota de execução remetida ao A., em … .10.2012 bem como, extracto integrado mensal 10/2012 (de … .09.2012 a … .10.2012) remetido ao A., onde se encontra espelhada a ordem de compra.

e) Acções

- 11010 acções …, no valor de € 25.212,90

Pagamento de dividendos …, conforme aviso de lançamento remetido ao A. em … .05.2012 e extracto integrado mensal 05/2012 (de … .05.2012 a … .05.2012) remetidos ao A.

- Nota de execução de venda Acções …-SGPS, remetida ao A. em … .06.2012

- Nota de execução de venda Acções …, remetida ao A. em … .09.2012 e extracto integrado mensal 09/2012 (de … .09.2012 a … .09.2012) remetido ao A.

f) Extracto integrado mensal 06/2012 (de … .06.2012 a … .06.2012) remetido ao A., onde se encontram espelhados os movimentos a débito e a crédito descritos, supra, nas ais. a), b), c) e e)

X. POSIÇÃO INTEGRADA … .12.2013 - Total da carteira de investimentos: € 659.606,75

a) Depósito a Prazo - Especial BPI 3 anos n° 0-52…33….01:

Constituído em … .02.2013 e com vencimento em … .02.2016, pelo montante de € 136.500,00, à taxa de 3,55%, conforme contrato de depósito assinado pelo A.

b) BPI Monetário Curto Prazo - no montante de € 19.123,26

- Documento de subscrição do Fundo BPI Monetário Curto Prazo, assinado peio A. em … .06.2013, no montante aplicado de € 25.000,00 - Documento de resgate parcial do Fundo BPI Monetário Curto Prazo, assinado pelo A. em … .12.2013 e respectiva

Nota de - Documento de reforço do Fundo BPI Monetário Curto Prazo, assinado pelo A. em … .12.2013 no montante de € 19.000,00

c) Ordem de compra de Obrigações REFER 4% - 2015, no valor nominal de € 150.000,00, realizada pelo A. em … .05.2013 através do serviço de homebanking BPI Net Bolsa, após a sua adesão em … .05.2013 conforme resulta do email de aceitação da ordem e de confirmação da operação, remetido ao A. em … .05.2013, pelo serviço BPI Net, da respectiva Nota de execução da ordem de compra e do extracto integrado mensal 05/2013;

d) Ordem de venda de Obrigações PARPÚBLICA 3.5% - 2013, realizada pelo A. em … .05.2013 através do serviço de homebanking BPI Net Bolsa, após a sua adesão em … .05.2013, conforme resulta dos emails de aceitação da ordem e de confirmação da operação, remetidos ao A. em … .05.2013, pelo serviço BPI Net, da respectiva Nota de execução da ordem de compra e do extracto integrado mensal 05/2013.

e) Obrigações BES 5.625% - 2014 - no montante de € 313.487,67

Aviso de lançamento remetido ao A. em … .06.2013 - Pagamento dos juros do cupão relativos ao período de … .06.2012 a … .06.2013, no montante líquido de € 11.733,33 e respectivo extracto integrado mensal 06/2013 remetido ao A.

f) Acções

- Ordem de compra Acções … assinada pelo A. em … .11.2013 e respectivas Notas de execução remetidas ao A. em … .12.2013

- 11010 acções …, no valor de € 29.396,20

XI. POSIÇÃO INTEGRADA … .02.2014 - Total da carteira de investimentos: € 678.906,30

a) Depósito a Prazo - Especial BPI 3 anos n° 0-5…33….01 - no montante de € 140.037,40

b) BPI Monetário de Curto Prazo - no montante de € 19.137,84

c) Obrigações REFER 4% -… .03.2015 - no montante de € 157.461,99

d) Ordem de venda de Obrigações BES 5.625% - .. .06.2014, no montante nominal de € 300,000,00, assinada pelo A. em … .02.2014 e respectiva Nota de execução remetida ao A. em … .02.2014

e) Ordem de compra de Obrigações BES 7.125% - … .11.2023, no montante nominal de € 300.000,00, assinada pelo A. em … .02.2014 e respectiva nota de execução remetida ao A. em … .02.2014

f) Extracto integrado mensal 02/2014 (de … .02.2014 a … .02.2014) remetido ao A., no qual se encontram reflectidas as operações de venda e de compra referidas, supra, nas als. d) e e)

g) Acções 620 acções …, no valor de € 4.526,00 630 acções …, no valor de € 4.599,00 11010 acções …, no valor de € 29.396,20

XII. POSIÇÃO INTEGRADA … .03.2014 - Total da carteira de investimentos; € 681.055,70

a) Depósito a Prazo - Especial BPI 3 anos n° 0-5..33….01 - no montante de € 140.037f40

b) BPI Monetário de Curto Prazo - no montante de € 19.143,93

c) Obrigações … 4% -16.03.2015 - no montante de € 152.309,08

Aviso de lançamento remetido ao A. em … .03.2014 - Pagamento dos juros Obrigações … relativos ao período de … .03.2013 a … .03.2014, no montante líquido de € 4.170,86 e respectivo extracto integrado mensal 06/2013 remetido ao A.

d) Obrigações BES 7.125% - 28.11,2023, - no montante de € 322.488,08

e) Acções

- 620 acções …, no valor de € 4.941,40

-  630 acções …, no valor de € 5.021,10

- 11010 acções …, no valor de € 37.114,71

XIII. POSIÇÃO INTEGRADA … .04.2014 - Total da carteira de investimentos; € 691.549,41

a) Depósito a Prazo - Especial BPI 3 anos n° 0-5…33….01 - no montante de € 140.037,40

b) BPI Monetário de Curto Prazo - no montante de € 147,88

Nota de execução do pedido de resgate do Fundo BPI Monetário, no montante de € 19.000,00, remetida ao A. em … .04.2014.

c) Ordem de compra de Obrigações … OPS - 2014/2019, assinada pelo A. em … .04.2014 e respectiva Nota de execução remetida ao A. em … .04.2014

d) Extracto integrado mensal 04/2014 (de … .04.2014 a … .04.2014) remetido ao A., no qual se encontram reflectidas as operações de resgate e de compra referidas, supra, nas als. b) e c.

e) Obrigações … 4% - 16.03.2015 - no montante de € 152.749,73

f) Obrigações BES 7.125% - 28.11.2023, - no montante de € 330.667,93

g) Acções

- 620 acções …, no valor de € 4.915,98

- 630 acções …, no valor de € 4.995,27

- 11010 acções …, no valor de € 38.535,00

XIV. POSIÇÃO INTEGRADA … .05.2014 - Total da carteira de investimentos: € 693.940,87

a) Depósito a Prazo - Especial BPI 3 anos n° 0-5…33….01 - no montante de € 140.037,40

b) BPI Monetário de Curto Prazo - no montante de € 147,88

c) Obrigações … OPS - 2014/2019 - no valor de € 19.700,92

d) Obrigações … 4% - 16.03,2015 - no montante de € 51.052,96

Ordem de venda parcial de Obrigações … 4% - … .03.2015, no montante de € 100.000,00, realizada pelo A. em … .05.2014 através do serviço de homebanking BPI Net Bolsa.

e) Ordem de compra de Obrigações ESF6 6.875% - 21.10.2019, no montante nominal de € 100.000,00, assinada pelo A. em … .05.2014.

f) Obrigações BES 7.125% - … .11.2023, - no montante de € 334.755,78

h) Acções

- 620 acções …, no valor de € 4.606,60

- 630 acções …, no valor de € 4.680,90

- 11010 acções …, no valor de € 38.204,70

XV. POSIÇÃO INTEGRADA … .06.2014 - Total da carteira de investimentos: €637.370,69

a) Depósito a Prazo - Especial BPI 3 anos n° 0-5…33….01 - no montante de € 140.037,40

b) BPI Monetário de Curto Prazo - no montante de € 147,88

c) Obrigações … OPS - 2014/2019 - no valor de € 19.761,07

d) Obrigações ESFG 6.875% - … .10.2019, no montante nominal de € 71.776,58

e) Obrigações … 4% -… .03.2015 - no montante de € 51.199,82

f) Obrigações BES 7.125% - … .11.2023, - no montante de € 305.032,19

g) Acções

- 620 acções …, no valor de € 4.501,20.

- 630 acções …, no valor de € 4.573,80

- 11010 acções …, no valor de € 40.340,64.

34. Todos os extractos bancários, cartas, notas de execução e avisos de lançamento foram remetidos pelo Banco para a morada expressamente indicada peio A., que constitui desde sempre a sua residência habitual, sita na Rua …, n° …, … - UL

35. O A. é cliente do Banco desde 1994 (ao tempo, do ex-Banco Fonsecas & Burnay) e com conta aberta no Centro de Investimento de … desde Outubro de 2008, sendo um investidor regular, emitindo sucessivamente, ao longo dos anos, ordens de compra, de venda, de subscrição, de reforço e de resgate dos diversos produtos financeiros acima elencados em 33, cujo risco conhecia.

36. O A. sempre tomou as suas decisões de investimento em função das oscilações e volatilidade dos mercados financeiros, optando por aplicações financeiras de menor risco ou desinvestindo em períodos mais voláteis, como fez em 2008, reforçando os seus investimentos em depósitos a prazo a 1 ano, resgatando as aplicações financeiras de maior risco e reduzindo os seus investimentos financeiros no Banco R. e mantendo apenas o seguro de capitalização e as acções que já detinha em 2009 e em 2011 e constituindo um novo depósito a prazo a 1 ano.

37. Bem como investindo em produtos com maior risco nos anos anteriores à crise financeira e a partir de 2012 ano a partir do qual direccionou as suas decisões de investimento para o mercado obrigacionista, com ordens de compra, de subscrição e de venda em obrigações de empresas do PSI 20, empresas públicas e banca, em função das respectivas rentabilidades, taxas de juro e maturidade de cada emissão.

38. A. procurava obter e tinha conhecimentos e informação relativa aos riscos das suas aplicações financeiras e à volatilidade dos títulos transaccionados no mercado de capitais.

39. De acordo com os seus conhecimentos, o A. ia coligindo informação regular sobre produtos financeiros disponíveis no mercado, junto do &. bem como junto de outras instituições e investidores, solicitava esclarecimentos e informação adicional sobre tais produtos financeiros, colocava questões sobre os mesmos e lia todos os documentos que lhe eram apresentados previamente execução de qualquer ordem.

40. Sempre mostrou capacidade para avaliar o risco envolvido nas aplicações executadas.

41. O A. executou, ele próprio, três ordens de compra e de venda de obrigações através do serviço de homebanking BPI Net Bolsa, em … .05.2013 e em … .05.2014.

42. O A. subscreveu a ficha de informação de perfil de investimento constante de fls. 172 em … .10.2014.

43. No dia … .02.2014, e simultaneamente à ordem de compra das Obrigações BES 7.125%, o A. deu uma ordem de venda das Obrigações BES 5.625%, antes da respectiva maturidade, que lhe permitiu realizar um valor líquido (€ 311.157,28) suficiente para provisionar a compra das obrigações BES 7.125% (€ 305.980,50).

44. De igual forma, no dia ….05.2014, data da ordem de compra das Obrigações ESFG 6.875%, o A. concretizou ainda uma ordem de venda das Obrigações REFER 4%, via BPI Net Bolsa, antes da respectiva maturidade, que lhe permitiu realizar um valor líquido (€ 101.873,43) praticamente suficiente para provisionar a compra das obrigações ESFG 6.875% (€ 102.111,75).

Factos Aditados pela Relação

45 - O Banco BPI não promovia a comercialização de obrigações de um Banco concorrente.

46 – O A. assinou a ficha referida em 42 perfeitamente ciente e esclarecido quanto ao teor da sua declaração e informação prestada.

Factos não provados:

a) O A. tinha 73 anos à data da propositura da acção e está reformando por invalidez desde os 22 anos tendo o segundo ano da escola industriai;

b) O A„ enquanto cliente do BANCO BPI, S.A., foi sempre um cliente de perfil conservador, não investindo o seu dinheiro proveniente de poupanças pessoais, em produtos financeiros de risco;

c) Foi por proposta do funcionário do R. CC, assessor financeiro, que, em … de Fevereiro de 2014, o A. investiu um montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros) em obrigações subordinadas Banco Espírito Santo, por aquele lho ter apresentado como um produto financeiro de capital e juros garantidos;

d) Foi por proposta do referido funcionário do R., em … de Maio de 2014, o A. investiu um montante de € 100.000,00 (cem mil euros) em obrigações subordinadas ESFG, com o código ISIN X…71, por aquele lhe ter transmitido que se tratava de um produto financeiro de capital e juros garantidos;

e) Ambos os produtos financeiros acima referidos, foram apresentados pelo R. ao A., tanto no momento da subscrição, como, inclusivamente, posteriormente, como sendo aplicações financeiras de capital e juros garantidos, nomeadamente como se verdadeiros depósitos a prazo se tratassem;

f) Foi-lhe referido pelo funcionário supra mencionado que estes produtos gozavam de todas as garantias dos depósitos, pois tinham capitai e juros garantidos e no final do prazo receberia integralmente o seu dinheiro;

g) Assim, ficou o A. ficado convicto, por toda a informação que lhe foi assim transmitida, que tinha procedido à subscrição de produtos financeiros com tais características;

h) Ao A. sempre foi referido que não havia qualquer risco de perder o dinheiro em tais produtos financeiros, tanto mais que eram garantidos;

i) Atenta a situação dos emitentes respectivos - BES e ESRS - os mesmos não têm capacidade de assegurar ao A. o ressarcimento do capital e juros respeitantes aos produtos adquiridos;

j) Ao tempo da subscrição dos produtos financeiros dos autos, fruto da confiança que tinha no Banco BPI, S.A. e nos seus funcionários, o A. assinava sem analisar ou ler pormenorizadamente os "papéis" que lhes eram apresentados para o efeito por aqueles;

k) O A. assinou os diversos documentos que lhe eram entregues por parte do R. com base na confiança que, à época, tinha no Banco BPI, S.A e seus funcionários, do qual era cliente há muito anos;

l) Caso o A. soubesse que os produtos financeiros referidos em 5 e 6 não apresentavam garantias de reembolso de capital e juros nunca teria procedido à sua subscrição, bem sabendo, o R ., e seus funcionários, que a garantia de capital e juros no âmbito dos mesmos era decisiva para efeitos de subscrição por parte do A.;

m) A referência a tal garantia, teve como fito, a obtenção do seu assentimento para a subscrição dos produtos financeiros em questão;

n) Os funcionários do R. eram cientes de que o A. não tinha quaisquer conhecimentos neste âmbito;

o) Um dos argumentos referido ao A. foi o de que o dinheiro à ordem não tinha vantagens, pois não tinha quase rendimento e que existiam estas aplicações financeiras, seguras, sem risco e com uma rendibilidade boa;

p) O A. não tinha vontade, propósito nem interesse em investir o seu dinheiro, resultado de poupanças, nos produtos referidos em 5 e 6;

q) Era do conhecimento dos funcionários do R. que o BES e a ESF6 estavam numa situação financeira periclitante;

r) O A. viu o seu estado de saúde, já debilitado, agravar-se com a perda dos valores investidos nos produtos referidos em 5 e 6;

s) Todo o relacionamento que foi estabelecido com o A, no decurso dos anos traduziu-se num serviço de mera execução de ordens pelo R. e nunca lhe foi prestado qualquer serviço de consultadoria para investimento;

t) O A. sempre procurou investimentos em aplicações financeiras com taxas de juro e rentabilidades muito acima das oferecidas em investimentos/produtos de menor risco;

u) Foi o A. que se deslocou ao Centro de Investimento, nos dias … 02.2014 e … .05.2014, transmitindo ao seu gestor de conta que pretendia comprar as Obrigações BES 7.125% e ESF6 6.875% em causa nos autos;

v) Nas duas ocasiões o A. referiu-se concretamente às obrigações que pretendia adquirir, identificando-as de forma específica e determinada, sem qualquer tipo de sugestão ou recomendação prévia do Banco R. e do seu gestor;

w) As ordens foram executadas pelo Banco nos precisos termos indicados pelo A., tendo o Banco esclarecido novamente o A. das condições daquelas aplicações financeiras, designadamente, advertido para os riscos associados ao tipo de activo financeiro que pretendia adquirir;

x) Designadamente, que o risco das obrigações é o risco de falência do emitente -há muito conhecido do A,;

y) Tendo o A. sido ainda advertido pelo Banco de que se tratavam de obrigações subordinadas explicada a diferença entre estas e os obrigações sénior (que o A. já conhecia), ou seja, que "as obrigações subordinadas eram pagas antes do papel comercial e depois das obrigações sénior";

z) O Banco BPI não promovia a comercialização de obrigações de um Banco concorrente; (Passou para os factos provados pelo julgamento da Relação sob o nº 45)

aa) O A. assinou a ficho referida em 42 perfeitamente ciente e esclarecido quanto ao teor da sua declaração e informação prestada tendo sido o mesmo a preenchê-la (Passou para os factos provados pelo julgamento da Relação, sob o nº 46)


*

Do Direito

 

O acórdão recorrido revogou a sentença da 1ª instância e considerou que a A. não teria direito a qualquer indemnização, no essencial por, para além do mais, não se ter demonstrado a celebração de qualquer contrato de intermediação financeira entre o pai da autora e o Banco réu e consequentemente não poder considerar-se nula uma coisa que nunca existiu. Por outro lado, e quanto à obrigação de indemnizar por alegada violação dos deveres de informação tal pedido foi julgado improcedente por o autor não ter demonstrado dois dos pressupostos daquela obrigação - a ilicitude por violação do dever de informação e a existência de nexo causal entre o dano reclamado e a conduta atribuída à ré. Tal decisão fundamentou-se nos seguintes argumentos:

Da nulidade do contrato e abuso do direito na sua invocação

«O apelado invocou a nulidade do suposto contrato de intermediação financeira, por falta de forma, em virtude de não lhe ter sido entregue, nem aquando da subscrição, nem posteriormente, contrato escrito de intermediação financeira.

A sentença recorrida, após discorrer sobre o contrato de depósito, e concluir que entre as partes tinha sido celebrado um contrato desse tipo, refere que o apelado, como fizera ao longo dos anos, deu instrução a apelante para a aquisição das obrigações em causa.

E que, na execução desse mandato a apelante subscreveu em nome do apelado as obrigações referidas.

Afasta que essa operação constitua o contrato de intermediação financeira e afirma que as ordens são sempre emitidas a abrigo de contratos pré-existentes (contratos de cobertura).

Entende que o artigo 322.° CVM não logra aplicação no caso vertente por apenas regular a eficácia de ordens pontuais, dadas fora do estabelecimento, quando não existe relação de clientela.

Conclui então pela nulidade do contrato de intermediação financeira por falta de forma nos termos do artigo 321.° CVM.

Apreciando:

Na petição inicial o apelado alegou a nulidade do contrato de intermediação financeira celebrado entre as partes, sem qualquer esforço de identificação desse contrato, desde logo quanto à data, elemento de primordial importância, já que a obrigatoriedade de forma escrita para este tipo de contratos foi apenas introduzida pelo Decreto-Lei n.° 357-A/2007, de 31 de Outubro, que entrou em vigor no dia seguinte.

Assim, nunca poderia ser decretada a nulidade de um alegado contrato de intermediação financeira por falta de forma legal, não podendo a sentença recorrida subsistir.

Relativamente à caracterização da relação de cobertura que suporta as ordens que estão em causa — relação de clientela —, remetemos para tudo quanto foi dito em sede de reapreciação da matéria de facto do ponto 17 da matéria de facto provada.

Afastada a nulidade do contrato, fica prejudicada a apreciação da questão do abuso do direito na sua invocação.

3.4. Da (in)verificação dos pressupostos da responsabilidade civil

O apelado intentou uma acção de responsabilidade civil contra apelante, alegando, em síntese que, por aconselhamento e recomendação de um funcionário do apelante, adquiriu as obrigações subordinadas a que se referem os pontos 5 e 6 das matéria de facto provada, por aquele lhe ter garantido que se tratava de aplicações financeiras com capital e juros garantidos, como se tratasse de verdadeiros depósitos a prazo. E que se soubesse as verdadeiras características das aplicações nunca as teria subscrito.

Estamos no âmbito da violação dos deveres de informação.

Um breve parêntesis para referir a problemática do erro, suscitada no ponto 2.56 da petição inicial, em que o apelado diz ser possível a "arguição da anulabilidade" do negócio por verificação de erro sobre o objecto, nos termos do artigo 247.°, 251 ° e 287.°, n.° 2, CC.

Como sublinha Paulo Câmara, op. cit., pg. 714-5, a violação do dever de informação gera responsabilidade civil mas não afecta a validade do negócio jurídico, atenta a natureza especial das soluções do direito dos valores mobiliários em relação ao direito privado comum.

Fechado o parêntesis, importa referir que sobre os intermediários financeiros — categoria em que o apelante se insere (cfr. artigo 293.°, n.° 1, alínea a), CVM) — impendem deveres vários, dentre os quais se destaca o dever de informação, cuja, alegada violação deu origem a este processo.

Para a economia do recurso relevam os artigos 304.° e 312.° CVM.

Dispõe o artigo 304.° CVM, no segmento que aqui releva, que:

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.

E o artigo 312.°, também no que releva para a apreciação do recurso, sob a epígrafe deveres de informação", na redacção em vigor à data da subscrição (redacção do Decreto-Lei n.° 357-A/2007, de 31 de Outubro, antes das alterações introduzidas pelo Lei n° 35/2018, de 20 de Julho):

1 - 0 intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) A natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) A origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309°' e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) A sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) A existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

Finalmente, e no que à qualidade da informação concerne, o artigo 7.°, n.° 1, CVM determina que A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.

Paulo Câmara, Manual de Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 3.a edição, pg. 704, assinala às regras sobre informação no mercado dos valores mobiliários uma quádrupla função: prosseguir objectivos de protecção dos investidores, robustecimento da governação, defesa do mercado e prevenção de ilícitos.

Na óptica do investidor, pretende-se a formação de uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada. Daí que a informação pré-contratual assuma particular relevância.

O n.° 2 do artigo 312,° CVM estabelece a regra da proporcionalidade inversa (na expressão de Paulo Câmara, op. cit., pg. 712): a densidade da informação varia de acordo com o grau de conhecimento e experiência do destinatário. E variará também, naturalmente, em função da especificidade do instrumento em causa).

O artigo 304.°-A CVM consagra os princípios da responsabilidade civil em sede de valores mobiliários:

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

A natureza da responsabilidade civil nestas situações não tem reunido consenso na doutrina e jurisprudência — responsabilidade contratual, responsabilidade extra-contratual ou responsabilidade situada numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e extra-contratua! (cf r. acórdão da Relação de Lisboa, de 2018.03.15, Manuel Rodrigues, www.dgsi.pt.trl, proc. n° 5075/16.8T8LSB.L1-6; acórdão da Relação de Coimbra, de 2017.0912, Moreira do Carmo, www.dgsi.pt.trc, proc. n.°   821/16.2T8GRD.C1)

No entanto, não se torna necessário enfrentar essa questão por que duas das grandes diferenças entre os dois tipos de responsabilidade não estão aqui em causa — prazo de prescrição e presunção de culpa, dada a previsão do artigo 304.° -A, n.° 2, CVM.

Importa agora determinar quais os pressupostos da responsabilidade civil por violação dos deveres de informação.

Os pressupostos gerais da responsabilidade civil são o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano e a culpa.

A culpa é presumida nos termos do artigo 304.°-A, n.° 2, CVN, e também do artigo 799.° CC (para quem entenda tratar-se de responsabilidade contratual).

Há quem defenda que a presunção de culpa é simultaneamente uma presunção de ilicitude, e até mesmo de nexo de causalidade (cf r. acórdão da Relação de Coimbra, de 2016.12.15, Maria Domingas Simões, www.dgsi.pt.trc, proc. n.° 377/12.5TVPRT.C2, que defendendo a tese de que a presunção se cinge à culpa, indica doutrina e jurisprudência que suporta a tese contrária).

Assim, bastaria a prova da violação do dever de informação para fazer o intermediário incorrer em responsabilidade, endossando-se-lhe o ónus de ilidir a presunção de culpa, de ilicitude e do nexo de causalidade.

Reconhecendo que seria efectivamente a solução que melhor defenderia os interesses dos investidores, não foi acolhida pela lei — a ter sido essa a intenção do legislador devia tê-la expresso de modo inequívoco, sobretudo numa matéria de equilíbrios tão delicados.

Entendemos, assim, que apenas a culpa se presume, cabendo ao lesado a prova dos demais pressupostos, nos termos do artigo 342.°, n.° 1, CC.

O apelado fez assentar a ilicitude da conduta do apelante na alegada falsa informação que lhe foi transmitida de que as aplicações financeiras eram de capital e juros garantidos, como se verdadeiros depósitos a prazo se tratassem.

A questão da equiparação de obrigações a depósitos a prazo — que constitui o cerne do recurso — tem recebido respostas divergentes da jurisprudência.

Assim, no sentido que tal informação viola os deveres de informação que impendem sobre o intermediário se pronunciaram, designadamente, os acórdão da Relação de Lisboa, de 2018.06.07, Maria José Mouro, www.dgsi.pt.trl, proc. n.° 13297/16.5T8LSB.L1, e de 2018.03.15, Manuel Rodrigues, www.dgsi.pt.trl, proc. n ° 5075/16.8T8LSB.L1-6; da Relação de Coimbra, de 2017.09.12, Moreira do Carmo, www.dgsi.pt.trc, proc. n.° 821/16.2T8GRD.C1.

Em sentido contrário, destacamos o acórdão do STJ, de 2018.10.04, Maria do Rosário Morgado, www.dgsi.pt.stj, proc. n.° , e da Relação do Porto, de 2018.04.11, Lina Batista, www.dgsi.pt.trp, proc. n.° 1647/16.9T8PVZ.P1.

Seja qual for a solução que se adopte, no caso vertente, o apelado não logrou provar, como lhe competia, a alegada informação falsa, que constituía o ilícito imputado ao apelante.

Revisitando os factos não provados, não resultou demonstrado que:

e) Ambos os produtos financeiros acima referidos, foram apresentados pelo R. ao A., tanto no momento da subscrição, como, inclusivamente, posteriormente, como sendo aplicações financeiras de capital e juros garantidos, nomeadamente como se verdadeiros depósitos a prazo se tratassem;

f) Foi-lhe referido pelo funcionário supra mencionado que estes produtos gozavam de todas as garantias dos depósitos, pois tinham capital e j uros garantidos e no finai do prazo receberia integralmente o seu dinheiro;

g) Assim, ficou o A. ficado convicto, por toda a informação que lhe foi assim transmitida, que tinha procedido à subscrição de produtos financeiros com tais características:

h) Ao A. sempre foi referido que não havia qualquer risco de perder o dinheiro em tais produtos financeiros, tanto mais que eram garantidos:

n) Os funcionários do R. eram cientes de que o A. não tinha quaisquer conhecimentos neste âmbito:

o) Um dos argumentos referido ao A. foi o de que o dinheiro à ordem não tinha vantagens, pois não tinha quase rendimento e que existiam estas aplicações financeiras, seguras, sem risco e com uma rendibilidade boa;

q) Era do conhecimento dos funcionários do R. que o BES e a ESFG estavam numa situação financeira periclitante.

Pelo contrário, apurou-se que:

32. Ao longo dos anos e pelo menos desde 2004, o A. deteve registados e depositados no Banco R„ seguros de capitalização (como por exemplo a Novo Aforro Familiar), fundos de investimento mobiliário de acções e obrigações (como o BPI Global), BPI

Monetário Curto Prazo; BPI - Reforma Segura, BPI ~ Reforma Investimento), produtos estruturados (como é o caso das Obrigações de Caixa BPI Capital Seguro Comunicações Móveis 2000/2005 - 2.a e 4.a emissão), Acções e Obrigações de empresas, banca e dívida pública portuguesa, aplicações financeiras com perfil de risco moderado a elevado, com grande volatilidade, algumas das Quais sem garantia. seauer.de capitai.

35. O A. é cliente do Banco desde 1994 (ao tempo, do ex-Banco Fonsecas & Burnay) e com conta aberta no Centro de Investimento de … desde Outubro de 2008, sendo um investidor regular, emitindo sucessivamente, ao longo dos anos, ordens de compra, de venda, de subscrição, de reforço e de resgate dos diversos produtos financeiros acima elencados em 33. cujo risco conhecia.

36. O A. sempre tomou as suas decisões de investimento em função das oscilações e volatilidade dos mercados financeiros, optando por aplicações financeiras de menor risco ou desinvestindo em períodos mais voláteis, como fez em 2008, reforçando os seus investimentos em depósitos a prazo a 1 ano, resgatando as aplicações financeiras de maior risco e reduzindo os seus investimentos financeiros no Banco R. e mantendo apenas o seguro de capitalização e as acções que já detinha em 2009 e em 2011 e constituindo um novo depósito a prazo a 1 ano.

37. Bem como investindo em produtos com maior risco nos anos anteriores à crise financeira e a partir de 2012 ano a partir do qual direccionou as suas decisões de investimento para o mercado obrigacionista, com ordens de compra, de subscrição e de venda em obrigações de empresas do P5I 20, empresas públicas e banca, em função das respectivas rentabilidades, taxas de juro e maturidade de cada emissão.

38. O A. procurava obter e tinha conhecimentos e informação relativa aos riscos das suas aplicações financeiras e à volatilidade dos títulos transaccionados no mercado de capitais.

39. De acordo com os seus conhecimentos, o A, ia coligindo informação regular sobre produtos financeiros disponíveis no mercado, junto do R. bem como junto de outras instituições e investidores, solicitava esclarecimentos e informação adicional sobre tais produtos financeiros, colocava questões sobre os mesmos e lia todos os documentos que lhe eram apresentados previamente execução de qualquer ordem.

40. Sempre mostrou capacidade para avaliar o risco envolvido nas aplicações executadas.

41. O A. executou, ele próprio, três ordens de compra e de venda de obrigações através do serviço de homebanking BPI Net Bolsa, em … .05.2013 e em … .05.2014.

Do exposto resulta que o apelado era um investidor informado, consciente dos riscos envolvidos nos vários investimentos que fez (o valor da sua carteira de títulos em certo momento ascendeu a quase € 700.000,00 — ponto 33 da matéria de facto provada), algo distante do perfil conservador que apresentou na petição inicial.

Estando o apelado consciente dos riscos dos produtos subscritos, a prestação de informação se afiguraria supérflua, não configurando a sua falta qualquer ilícito.

Recorde-se o princípio da proporcionalidade inversa consagrado a propósito da intensidade do dever de informação.

Não se tendo demonstrado o facto ilícito, soçobra a pretensão indemnizatória do apelado.

Sempre se dirá que, ainda que tivesse logrado provar que lhe fora dada a informação tal como foi desenhada na petição inicial, faltaria o nexo de causalidade entre a conduta e o alegado dano.

O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado estabelece-se quando é possível concluir que, se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, aqueles investimentos não teriam sido feitos (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade Por Conselhos e recomendações ou Informações, Almedina, pg. 49).

Ora, como resulta da alínea I) dos factos não provados, não logrou o apelado demonstrar que Caso o A. soubesse que os produtos financeiros referidos em 5 e 6 não apresentavam garantias de reembolso de capitai e juros nunca teria procedido à sua subscrição, bem sabendo, o R. e seus funcionários, que a garantia de capital e juros no âmbito dos mesmos era decisiva para efeitos de subscrição por parte do A.

A apelação não pode, pois, deixar de proceder».


*

A decisão de mérito, acabada de transcrever não merece qualquer censura e a verdade é que a recorrente não a ataca directamente na revista que interpôs. Opta, antes, por impugnar as alterações na decisão de facto introduzidas pela Relação e simultaneamente arguir a nulidade do acórdão por alegada falta de fundamentação e por excesso de pronúncia.

Vejamos se lhe assiste alguma razão.

Quanto à impugnação do julgamento de facto efectuado pela Relação os poderes do STJ são muito limitados.

De acordo com o disposto no art. 682.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excepcional previsto no n.º 3 do art. 674.º».

Nos termos desta disposição, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova»[6].

Acresce que, por força do disposto no n.º 3, do art. 682.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Daqui resulta que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto à matéria de facto, em regra não pode ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas situações acima excepcionadas ou seja, em caso de erro sobre a aplicação de regras de direito probatório material ou quando seja insuficiente e deva ser ampliada «em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito».

Fora dos casos em que haja a chamada prova tarifada, rege o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art. 607.º do CPC, que vigora tanto para a 1.ª instância, como para a Relação, quando é chamada a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

É jurisprudência firme e consolidada do STJ que :“I – Em sede de revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 674.º, nº 3, segunda parte, do Novo CPC, apreciar o erro na fixação dos factos provados quando se verifique ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto.

II – Não sendo o caso, por inexistência de violação do direito probatório material, prevalece a apreciação e modificação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação no uso do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no nº 5, do art. 607.º, do Novo CPC, e dos amplos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º do mesmo Código – (sublinhado nosso)[7].

Destarte, no que concerne à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos dos normativos citados. Isto é, ao nível da decisão da matéria de facto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando excluída do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art. 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da percepção e formulação do respectivo juízo de facto. Caso contrário tem-se por fixada definitivamente a matéria de facto provada pelas Instâncias, nos precisos termos que constarem das respectivas decisões.

Ora, no caso em apreço, a Relação, na sequência da impugnação da ré/apelante, alterou a decisão de facto que fora fixada na 1ª instância, eliminando o facto constante do nº 17 dos factos provados e alterando para provados os factos descritos sob as als z) e aa) dos factos não provados. O acórdão recorrido fundamentou a eliminação da matéria constante do nº 17, com fundamento no confronto com a restante matéria dada como provada e bem assim no entendimento de que dessa matéria resultava que nunca teria sido celebrado nenhum contrato de intermediação financeira. Haveria sim uma relação de cobertura fundada numa relação de clientela. Quanto à matéria das al. z) e aa), a Relação considerou tais matérias como provadas com fundamento na prova testemunhal produzida, valorando especialmente o depoimento das testemunhas, CC e DD.

Na valoração da prova testemunhal vigora o princípio da livre apreciação da prova e nesta, não pode este Tribunal de revista imiscuir-se na valoração da prova feita pelo Tribunal da Relação, a menos que, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial ofensivo de qualquer norma legal, revelador de manifesta ilogicidade ou assente em factos não provados, situações em que nos defrontámos  com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competência do Supremo[8].

Nas alegações que produziu na revista, a ora recorrente não invoca que, na alteração da decisão da matéria de facto, a Relação tenha ofendido qualquer disposição legal que exigisse certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de qualquer documento existente nos autos. Vista a fundamentação da decisão de facto também não se vislumbra qualquer irregularidade, sendo que as alterações produzidas não exigiam nem exigem qualquer prova vinculada, tendo resultado da ponderação prudente e sagaz das provas, sustentadas num raciocínio lógico conforme às regras da experiência, carecendo, por isso de qualquer fundamento, a invocada violação do critério da livre e prudente apreciação da prova, genericamente editado  no nº 5 do art. 607º da CPC.

Como se disse supra o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode constituir fundamento de recurso de revista tiver havido por parte da Relação, com a alteração da matéria de facto, " ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova". Neste sentido vide Ac. do STJ de 3-12-2015 na CJ, 3, pág. 158, rel. Abrantes Geraldes, revista 1297/11, que considera não poder o STJ sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em meios de prova sujeitos a livre apreciação, como aliás sucede nos presentes autos.

Pelo exposto, estando vedado a este Tribunal o conhecimento do alegado erro na apreciação da decisão de facto, não se conhece nesta parte da revista.


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Vejamos agora a questão das imputadas nulidades do acórdão.

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Da nulidade por falta de fundamentação das alterações à decisão de facto

Nos termos do art.º 615º nº 1 al. b) do CPC, a sentença (despacho ou acórdão) é nula quando faltem em absoluto os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão da sentença. É a sanção para o desrespeito ao disposto no art.º 659º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença. Decorre além do mais do imperativo constitucional (art.º 205º, n.º 1 da C.R.P.)[9] e também até do art.º 158º do Cód. Proc. Civil, para as decisões judiciais em geral. E isto é assim, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz, e porque a parte vencida tem direito a saber porque razão a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. Por outro lado, em caso de recurso, a fundamentação é absolutamente necessária para que o tribunal superior possa apreciar as razões determinantes da decisão da sentença[10]. Mas uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença, que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em recurso[11].

Assim, e face ao que fica dito, não constitui esta nulidade, p. ex., a omissão do exame crítico das provas, nem é forçoso que o juiz cite os textos da lei. Basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou. Por outro lado, não está obrigado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, e todas as razões jurídicas produzidas pelas partes. Desde que a sentença invoque algum fundamento de direito está afastada esta nulidade[12].

A afirmação feita pelo recorrente para fundamentar a alegada nulidade do acórdão, por alegada falta de fundamentação da decisão de facto, para além de tal vício, a existir não acarretar a nulidade do acórdão, verifica-se pela simples leitura do acórdão que a mesma é destituída de qualquer fundamento sério. Na verdade, como se pode observar a decisão de facto, encontra-se exaustivamente fundamentada. Assim improcede a invocada nulidade.


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Excesso de pronúncia

Quanto à nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 668º do CPC (omissão/excesso de pronúncia) – actual art.º 615ºnº 1 al.d - está directamente relacionada com o comando previsto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito[13]. Ora o dever imposto no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença/despacho, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado.[14]

E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito[15]. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos[16] __ embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes[17] __, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra. É este o sentido uniforme da jurisprudência do STJ, quando afirma que «o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui (acórdão do STJ de 16.4.98, Proc. nº 116/98). Sublinhe-se, ainda, que a jurisprudência do STJ distingue entre "questões" e "argumentos" ou "razões" (para concluir que só a não apreciação das primeiras constitui nulidade), jurisprudência que também considera que não se verifica esta nulidade (artigo 668º, nº 1, d)) desde que tenham sido analisadas todas as questões colocadas ao tribunal, embora não as meras considerações ou juízos de valor (cfr. acórdãos de 1.2.95, Proc. nº 85.613, de 8.6.95, Proc. nº 86.702, de 30.4.97, Proc. nº 869/96, de 9.10.97, Proc. nº 180/97, de 1.6.99, Proc. nº 359/99 e de 17.10.2000, Proc. nº 2158/00)» - Ac. do STJ de 08/03/2001 in dgsi.pt – (relator: Cons. Ferreira Ramos).

A recorrente alega que a Relação conheceu de matéria que lhe estaria vedado conhecer. Acontece que em parte alguma, quer das alegações, quer das conclusões se identifica qual seja a questão que o tribunal não podia ter apreciado e decidido. Vistos os autos, analisada a petição inicial, a contestação e o acórdão recorrido não se descortina neste o aludido vicio. Ao invés verifica-se que o Tribunal não deixou de apreciar nenhuma das questões que deveria decidir, nem apreciou ou decidiu questão de que não pudesse conhecer pelo que não se verifica a referida nulidade.

Improcede assim, in totum, a revista.


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Em síntese:

I – Ao nível da decisão da matéria de facto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada) nos termos do disposto no nº 3 do art.º 682º do CPC, ficando excluída do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art. 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da percepção e formulação do respectivo juízo de facto.

II - Não sendo o caso, por inexistência de violação do direito probatório material, prevalece a apreciação e modificação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação no uso do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no nº 5, do art. 607.º, do Novo CPC, e dos amplos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º do mesmo Código”


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Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Registe e notifique.


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Consigna-se, nos termos do disposto no art.º 15-A do DL nº 10-A/2020 e para os efeitos do nº 1 do art.º 153º do CPC, que os Srs. Juízes Adjuntos, têm voto de conformidade, mas não assinam, em virtude do julgamento ter decorrido em sessão (virtual) por teleconferência.

Lisboa, em 26 de Novembro de 2020.

José Manuel Bernardo Domingos (relator)

Paulo Rijo Ferreira

António Abrantes Geraldes

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[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O A. faleceu na pendência da acção e foi substituído na posição pelos seus herdeiros habilitados, aqui representados pela recorrente BB, na qualidade de cabeça de casal.
[3] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[4] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[5] Recorrente e Cabeça de casal da herança aberta por óbito do autor.
[6] Ac. do STJ de 26/10/2017, revista nº 196/12.9TTBRR.L2.S1, disponível in www.dgsi.pt...
[7] - Acórdão do STJ, 18-05-2017, proferido na revista n.º 5164/07.0TTLSB-B.L1.S1 e disponível in www.dgsi.pt.,7
[8] Neste sentido, cfr. Abrantes Geraldes, in, “Recursos  no Novo Código de Processo Civil”, 2018- 5ª Edição, pág.432. 
[9] Nos termos do art.º 205º, n.º 1 da C.R.P. «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei ».
[10] Neste sentido vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, reimpressão (1981), pág. 139.  
[11] Neste sentido vd. J. A. Reis, opus cit., pág. 140.
[12] Neste sentido vd. J. A. Reis, opus cit., pág. 141
[13] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2.
[14] Esta causa de nulidade, a que Alberto dos Reis "CPC Anotado", vol. V, pp. 143 e 497-498. chamou omissão de pronúncia, consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no artigo 660º, nº 2 (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 1985, p. 690; cfr., também, Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", vol. III, 1972, p. 247). Desse dever de resolução de todas as questões, são "exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras", pelo que, em relação a estas, não pode haver omissão de pronúncia (acórdão do STJ de 17.2.2000, Proc. nº 1203/99)- Ac. do STJ de 08/03/2001 in dgsi.pt – (relatror: Cons. Ferreira Ramos).
[15] Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319 pág. 199.
[16] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 49 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, págs. 645-646 nota 2. No sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar no art.º 660º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, como jurisprudência unânime, pode ver-se, de entre muitos exemplos, p. ex., RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados apud Abílio Neto Cód. Proc. Civil Anot. 8.ª Ed. (1987), págs. 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668º. Vd. ainda, v. g., Ac. do STJ de 01-06-1973: B.M.J. 228 pág. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: B.M.J. 263 pág. 187. 
[17] Vd. . Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.