INDEMNIZAÇÃO
CUSTO DA REPARAÇÃO
INCIDÊNCIA DE IVA
Sumário


I- A relação jurídica negocial, que constitui facto tributário, gera-se nas esferas civis dos respectivos contraentes, e com efeitos nessa área, dado que o que ocorre é a obrigação de pagar o preço ou o vínculo de remunerar o serviço.
II- Por sua vez, a obrigação de pagar IVA nasce com a apresentação das facturas, mas (apenas) na esfera do prestador; sendo o lesado perfeitamente alheio a esse vínculo tributário.
III- É que, no âmbito do princípio indemnizatório, o que se visa é a reposição da esfera lesada como existiria sem a perca derivada do facto lesivo, pelo que deve conseguir-se reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e, sendo a indemnização em dinheiro, ela terá “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

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I – Relatório

M. F. veio instaurar acção, com forma de processo comum, contra X - Companhia de Seguros, S.A., alegando, em síntese, que ocorreu um incêndio num imóvel que lhe pertence, do qual resultaram danos, e que a Ré, por força do contrato de seguro celebrado entre ambas, deverá ser responsabilizada pelo pagamento do montante necessário à reparação de tais danos.
Perante o exposto, a A. conclui pedindo: que seja judicialmente reconhecida a necessidade de reconstrução integral da laje diretamente afectada pelo incêndio; que seja judicialmente reconhecida que a dimensão de tal laje é, no seu interior, de 80 m2; que seja judicialmente reconhecido que serão necessárias, pelo menos, 1325 unidades de telha para a substituição integral da telha da água diretamente afetada pelo incêndio, se a nova telha for visual e esteticamente igual à preexistente, ou, se assim não for, que serão necessárias, pelo menos, 2431 unidades de telha para a substituição integral da telha em todo o telhado; que seja declarada a insuficiência dos valores referência propostos pela R., designadamente, para a demolição e remoção de coberturas de elementos pré-fabricados, para a remoção dos escombros e transporte a vazadouro, para a reconstrução da laje diretamente afetada, para a reconstrução da chaminé, bem como para aquisição e colocação do esferovite; que seja a R. condenada a pagar à A., pelo menos, a quantia de € 15.497,93 (quinze mil quatrocentos e noventa e sete euros e noventa e três cêntimos), acrescida do IVA à taxa legal de 23%, perfazendo a quantia global de € 19.062,45 (dezanove mil e sessenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), a que acrescerão juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até efetivo e integral pagamento; que seja julgada verificada a violação do dever de informação que sobre a R. impendia e, consequentemente, que seja declarada excluída a cláusula geral que estabelece a regra de proporcionalidade, ou, caso assim se não entenda, que seja fixado como valor do capital de risco a quantia de € 115.330,00, inferior ao capital seguro, devendo ser julgada inaplicável a regra de proporcionalidade.
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A R. contestou, tendo alegado que as condições do contrato de seguro foram lidas e explicadas à A., sendo que, no âmbito desse contrato, as partes acordaram no sentido de submeter o mesmo à regra da proporcionalidade que, aliás, vem consagrada na lei (artigo 134º do RGCS). Alegou ainda a R. que o imóvel seguro tinha, à data do sinistro, o valor de € 168.057,60, pelo que, considerando que o valor seguro é de € 120.000,00, a R. apenas deverá ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos decorrentes do dito sinistro na proporção de 71,40% do capital em risco. Tendo a R. calculado o custo da reparação de tais danos em € 8.661,28, conclui a mesma no sentido de que apenas poderá ser responsabilizada pelo pagamento à A. do montante de € 6.236,12.
A R., na contestação apresentada, impugnou ainda parte da factualidade invocada pela A. no que respeita aos danos por si invocados, tendo também alegado que a uniformização da telha, da sua coloração, não está garantida pela cobertura em causa, o mesmo sucedendo quanto à remoção de escombros, sendo que, relativamente à cobertura que garante tal operação, incide uma franquia de 10%.
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Realizou-se audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo ainda sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção intentada por M. F. contra X - Companhia de Seguros, S.A., procedente, por provada, e, consequentemente, condenou a R. a pagar à A. o montante de € 19.062,45 (dezanove mil e sessenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa de legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento da dita quantia.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a Ré interpor recurso, no qual formula, a final, as seguintes conclusões:

1.A sentença julgou a acção procedente por provada, condenando a R., ora exponente: “…a pagar à A. o montante de 19.062,45 (dezanove mil e sessenta e dois euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa de legal de 4%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento da dita quantia.”.
2.Todavia, salvo o devido respeito, o tribunal a quo lavrou em erro ao condenar a aqui recorrente no pagamento do IVA, uma vez que este só é devido quando demonstrado que foi suportado.
3.Ora, nos termos do CIVA, o IVA é devido no momento em que os bens transmitidos são colocados à disposição do adquirente em que as prestações de serviços se considerem realizados.
4.Dito isto, a R. apenas deveria ser condenada a liquidar o IVA só após exibição da factura ou documento equivalente, pelo qual se demonstra que este imposto foi suportado pela A. e, como tal, entregue ao Estado, sob pena de enriquecimento ilegítimo.
5.A condenação no imposto deveria estar dependente do seu pagamento, de o mesmo ser suportado pela A., deverá estar sujeito à condição suspensiva do seu pagamento, sob pena de enriquecimento ilegítimo (e sem qualquer causa) à custa da ora R..
6.E perante a demonstração do seu pagamento ao Estado, de ter sido suportado, o que apenas o poderá ser por factura ou documento equivalente, nos termos do CIVA, a seguradoras procederá ao seu pagamento (reembolso) à A..
7.Tal asserção resulta da lei, é sua consequência, não necessitando de ser alegada.
8.A sentença condena a aqui recorrente no pagamento de valores a título de IVA, não obstante tal valor constar apenas de orçamentos.
9.Não consta dos autos nenhum pagamento efectuado pela recorrida, a que corresponda a respectiva factura ou recibo (ou documento equivalente), que inclua o imposto de IVA.
10.Assim, não podia o tribunal a quo considerar o IVA, mas tão só os valores necessários para a reparação dos danos, podendo fazer depender o pagamento da totalidade do valor com IVA, apenas após a realização dos trabalhos e a consequente e efectiva facturação dos serviços.
11.Ora, não foi feita correcta interpretação dos artigos 7º, nº 1, alínea b), e 36º, do Código do IVA; e, da forma como foram interpretados os ditos artigos, a sentença viola o artigo 610º, nº 2, do Código de Processo Civil.
12.Só a efectiva transmissão de bens ou a efectiva prestação de serviços dá lugar à obrigação de pagar o IVA – cfr. artigo 1º do CIVA, e tal obrigação apenas surge com a emissão da factura, tudo como melhor preceituam os artigos 7º, 28º e 35º do citado diploma legal.
13.Ora, é facto que o prejuízo da Recorrida é o indicado no orçamento. Esta, após ser ressarcida, pode não proceder à reparação natural – não sendo, neste caso, devido o IVA.
14.Das já mencionadas disposições legais, podemos retirar, com segurança, a ideia de que, enquanto não forem apresentadas as facturas relativas aos serviços que a Recorrida irá requisitar com vista à reparação dos danos sofridos em consequência do incêndio que sofreu na fracção segura, não pode a Recorrente ser obrigada a pagar o IVA, uma vez que esta obrigação só nasce com a apresentação das respectivas facturas.
15.Isto não significa, nem pode significar, que a Recorrente se está a eximir ao pagamento do IVA, mas que apenas o deve fazer após a emissão das facturas dos serviços prestados.
16.Só aí terá a Recorrente de pagar à Recorrida as importâncias em causa - € 3.564,52 (três mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos) – com os limites vertidos na matéria de facto em termos de valor de reparação, à taxa que estiver em vigor.
17.Assim, na falta de emissão da factura, tal obrigação é inexigível.
18.E logo que se demonstre liquidado o IVA ao Estado, mediante a exibição da competente factura/recibo ou documento equivalente, a recorrente procederá ao seu pagamento.
19.Veja-se, neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº254/07.TBSJM.S1, de 27/10/2009.

TERMOS EM QUE, deve, assim, ser revogada a sentença, no sentido de a Recorrente ser obrigada ao pagamento a título de IVA apenas no montante e momento em que a apelada vier a suportar esse imposto, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre se a Recorrente apenas está obrigada ao pagamento a título de IVA no montante e momento em que a apelada vier a suportar esse imposto
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+ Fundamentação de facto

1. A A. e o marido, M. C., são legítimos proprietários do prédio urbano destinado à habitação, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Guimarães, inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias … e ….
2. A A. celebrou com a R., por escrito, um acordo denominado “Seguro Casa”, do ramo multirriscos habitação, titulado pela apólice n.º …, cujo objeto seguro é o imóvel supra identificado e mediante o qual a R. assumiu perante a A., mediante o pagamento do correspondente prémio, a responsabilidade de a indemnizar por danos emergentes de alguns fenómenos, acordo esse que se rege pelas cláusulas constantes de fls. 61, verso, a 76, verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3. O dito acordo foi celebrado pelo período de um ano, de 30/05/2013 a 30/05/2014,
4. renovando-se por períodos sucessivos de um ano.
5. No âmbito do dito acordo foram, além do mais, convencionadas as coberturas de danos provocados por incêndio, acção mecânica da queda de raio e explosão,
6. de danos estéticos
7. e de demolição e remoção de escombros.
8. Resulta da referida apólice, no que à cobertura de incêndio, acção mecânica da queda de raio e explosão se refere, que em caso de sinistro a obrigação de indemnizar terá como limite máximo o montante de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros),
9. sem qualquer franquia.
10. No que respeita à cobertura de danos estéticos, foi fixado o montante de € 1.000,00 como limite de indemnização máximo,
11. sem qualquer franquia.
12. Quanto à cobertura de demolição e remoção de escombros, foi fixado o limite de indemnização máximo de € 10.000,00,
13. com uma franquia equivalente a 10% dos prejuízos indemnizáveis.
14. Nos termos da cláusula 2ª, n.º 1, das condições gerais da dita apólice, “O presente contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às frações autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na Apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do Segurado ou de pessoa por quem este seja responsável.”.
15. A cláusula 2ª, n.º 2, das condições gerais da dita apólice dispõe que “Para além dos danos previstos no número anterior, a presente garantia garante igualmente os danos causados no bem seguro em consequência dos meios empregados para combater o incêndio, assim como os danos derivados de calor, fumo, vapor ou explosão em consequência do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão do incêndio ou de qualquer dos factos anteriormente previstos.”.
16. Nos termos das cláusulas gerais da dita apólice, na parte referente à cobertura de danos estéticos, está seguro o “Pagamento, até ao limite fixado nas Condições Particulares, de despesas adicionais, com a reparação ou substituição dos bens seguros, como consequência direta de qualquer sinistro, salvo se garantido pela cobertura obrigatória de incêndio, abrangido pelas coberturas efetivamente contratadas, que sejam necessárias para os seguintes fins: a) Continuidade e harmonia estética do edifício ou fração seguro (..).”.
17. Nos termos das cláusulas gerais da dita apólice, na parte referente à cobertura de demolição e remoção de escombros, está seguro o “Pagamento, até ao limite fixado nas Condições Particulares, de despesas razoavelmente efectuadas com a demolição e remoção de escombros provocados com a ocorrência de qualquer sinistro, salvo se abrangido pela cobertura obrigatória de incêndio, garantido pelo contrato.”.
18. Prescreve a cláusula 18ª, n.º 1, das ditas condições gerais, sob a epígrafe “capital seguro”, que “A responsabilidade do Segurador é sempre limitada às importâncias máximas fixadas nas Condições Particulares (…)”.
19. O n.º 2 da aludida cláusula 18ª estipula que “A determinação do capital seguro, no início e na vigência do contrato, é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro (…)”.
20. O n.º 3, alínea a), da mesma cláusula 18ª refere que “O valor do capital seguro para edifícios deve corresponder, ao custo de mercado da respectiva reconstrução, tendo em conta o tipo de construção ou outros factores que possam influenciar esse custo, ou ao valor matricial no caso de edifícios para expropriação ou demolição”.
21. Por sua vez, consta da cláusula 20ª, n.º 1, das aludidas condições gerais, sob a epígrafe “insuficiência ou excesso de capital”, que “Salvo convenção em contrário, se o capital seguro pelo presente contrato for, na data do sinistro, inferior ao determinado nos termos da cláusula 18ª, o Segurador responde pelo dano na respectiva proporção, respondendo o Tomador do Seguro pela parte restante parte dos prejuízos, como se fosse Segurador.”.
22. O n.º 2 da referida cláusula 20ª estipula que “Aquando da prorrogação do contrato, o Segurador informa o Tomador do Seguro, no que respeita ao Seguro Obrigatório de Incêndio, do previsto no número anterior e na alínea c) do n.º 3 da Cláusula 18ª, bem como do valor seguro do imóvel, a considerar para efeito de indemnização em caso de perda total, e dos critérios da sua atualização, sob pena de não aplicação da redução proporcional prevista no número anterior, na medida do incumprimento.”.
23. Foi a A. quem indicou à R. o sobredito valor de € 120.000,00 como sendo o valor do imóvel aludido em 1.
24. No dia 30/12/2017, cerca das 23:00 horas, deflagrou um incêndio no último andar do imóvel acima referido, correspondente ao sótão da habitação.
25. Em consequência de tal incêndio, devido à acção das chamas e do calor, ocorreram danos na laje de cobertura do telhado, que abateu,
26. nas janelas aí existentes,
27. na chaminé
28. e no interior do sótão,
29. verificando-se ainda danos ao nível das telhas.
30. Devido à água utilizada pelos bombeiros no combate ao dito incêndio, ocorreram ainda danos nas paredes e tectos do piso inferior.
31. Verificaram-se, ainda, fissuras nas paredes por força do aludido abatimento sofrido na laje de cobertura.
32. A reparação dos sobreditos danos demandará a realização dos trabalhos melhor descritos a fls. 140 a 141, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,
33. que têm um custo global não inferior a € 19.062,45 (IVA incluído). 34. A A. participou o dito sinistro à R.
35. A R. nunca informou a A. da existência da cláusula aludida em 21., nunca lhe tendo sido explicado o seu conteúdo e alcance.
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Factos não provados

a. As condições por que se rege o aludido acordo celebrado entre as partes foram lidas e explicadas à aqui A., designadamente, no que respeita à cláusula aludida em 21.,
b. tendo-lhe sido entregues, em sede pré-negocial, as ditas condições para poderem ser analisadas.
c. O valor de mercado do edifício aludido em 1. ascendia, à data do sinistro, à quantia de € 168.057,60.
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+ Fundamentação de direito

No presente caso, resulta que a A./Recorrida deduziu pretensão contra a Ré/Recorrente pedindo a sua condenação no pagamento, pelo menos, da quantia de € 15.497,93, acrescida do IVA à taxa legal de 23%, perfazendo a quantia global de € 19.062,45, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta esse seu pedido no facto do risco do sinistro ocorrido (incêndio num imóvel que lhe pertence), do qual resultaram danos, se encontrar coberto por seguro celebrado com a Ré, nesse sentido, responsabilizando-a pelo pagamento dos serviços e bens necessários a repor o imóvel na situação em que se encontrava antes do referido incêndio.
Face aos factos provados, concretamente, considerando que a reparação dos danos demandará a realização de trabalhos que acarretam um custo de € 19.062,45 (IVA incluído), em conformidade com o que consta dos pontos 32 e 33, dos factos provados, o tribunal a quo condenou a Ré/Recorrente a pagar a referida quantia de € 19.062,45.
Defende a Ré/recorrente que o tribunal a quo ao condenar no valor do IVA lavrou em erro porque o mesmo só é devido quando demonstrado que foi suportado e não com base num orçamento, baseando-se, nesse sentido, no disposto nos arts, 7.º, n.º 1, 28.º, 35.º 2 36.º, do Código do IVA e no Ac. do STJ proferido no 254/07.TBSMJ.S1, de 27.10.2009.
Vejamos se assim é.
O IVA é um imposto geral sobre o consumo, que incide sobre as diversas fases de um circuito económico, desde o momento da sua produção até à venda ao seu consumidor final. Na acepção do artigo 1.º n.º 1 do CIVA, estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens.
Sendo um imposto de natureza indirecta, a sua base de incidência objectiva centra-se em qualquer operação onerosa de transmissão de bens ou de prestação de algum serviço, realizada por um sujeito passivo agindo como tal. Já a sua incidência subjectiva opera em relação, em geral, na pessoa que opere o acto comercial como transmitente do bem ou prestador do serviço tributável.../../../Documents and Settings/Mariavicente/Os meus documentos/MJOAO/JURISPRUDÊNCIA 2011-2012/Dr. Ilídio Martins/Rec 30 Maio/1981_04.doc A exigibilidade do imposto gera-se com o respectivo facto gerador que, se importar obrigação de emitir factura, tem lugar com a emissão dela. É naturalmente ao respectivo su-jeito passivo que compete a obrigação de entregar na administração fiscal o montante do imposto exigível. A importância do imposto liquidado é, por regra, adicionada ao valor da factura, para efeitos da sua repercussão no preço final e exigência aos adquirentes das mercadorias ou utilizadores dos serviços (cfr. artigos 2º, 7.º, 8.º, 27.º e 37.º do Código do IVA).
Incidindo sobre a contrapartida associada a uma determinada transmissão de bens ou prestação de serviços é, pois, evidente a existência de um nexo sinalagmático. Assim, à excepção de determinados casos particulares em que se tributam prestações de serviços ou transmissões de bens efectuadas a título gratuito (cfr. artigo 3.º n.º 3 alínea f) e artigo 4.º n.º 2 alínea b) do CIVA), o conceito de onerosidade é essencial para definir o âmbito de incidência deste imposto.
Em contraposição, tem-se entendido que, o pagamento de uma indemnização constitui um facto não sinalagmático, não havendo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e uma outra prestação à qual o lesado se encontrasse adstrito, nascendo ex novo no momento em que é causado o dano.
Acontece que nas chamadas figuras “híbridas” que são vulgarmente designadas de indemnizações, em regra geral, são operações tributáveis, pelo facto de constituírem contrapartidas de uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
Assim, tem-se entendido que no caso de reparações efectuadas por outra entidade que não o beneficiário da indemnização, se está perante uma prestação de serviços, pelo que o reparador deverá liquidar IVA pelo valor da reparação, quer a emita em nome do segurado, quer a emita em nome da companhia (neste sentido veja-se a Tese de Pós-Graduação em Direito Fiscal de Ana Rita Costa Machado de Maio 2011).
Nesta perspectiva o Ac.RC, de 16.3.2016, publicado in Blook.pt, considerou que “(…) o facto de a reparação não ter ainda sido efetuada não impede a condenação em IVA. Pois que, legalmente, aquando da efectivação desta, este imposto tem, necessariamente, de ser cobrado”.
Para além do mais, acresce que a relação jurídica negocial, que constitui facto tributário, se gera estritamente nas esferas civis dos respectivos contraentes, e com estritos efeitos nessa área, dado que o que ocorre é a obrigação de pagar o preço (artigo 879º, alínea c), do CC) ou o vínculo de remunerar o serviço (artigos 1156º e 1167º, alínea b), do CC), e, não mais do que isso, ou distinto disso.
Já a relação tributária do imposto, propriamente dita, gera-se exclusivamente, entre o vendedor do bem ou transmitente do serviço, por um lado, e a administração fiscal.
No presente caso o vínculo que onera a ré seguradora consiste numa obrigação de indemnizar sustentada na existência de um contrato de seguro de dano cujo risco precisamente se concretizou em prejuízos na esfera da segurada (autora).

A segurada, ao ajustar o seguro, prosseguiu o seu interesse na salvaguarda de uma situação patrimonial própria de concretos bens que se achavam expostos ao risco; e é esse o estado de facto que importa repor.
Aqui fundamentalmente o que está em causa é a restauração natural e a subsidiariedade da indemnização em dinheiro, devendo esta, quando aplicável, retratar um valor económico que represente a integridade do património coberto, sem dano.
No âmbito desse chamado princípio indemnizatório, o que se visa é a reposição da esfera lesada como existiria sem a perca derivada do facto lesivo, ou seja, o vínculo indemnizatório há-de sempre tender a conseguir “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (artigo 562º do Código Civil). E se a indemnização for em dinheiro, não havendo outra disciplina, ela terá “como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos” (artigo 566º, nº 2, do Código Civil).
Este regime vale, como regra, quanto aos seguros de danos (cfr. José Vasques, in ‘Contrato de seguro’, 1999, pág. 264), na medida em que o montante da indemnização pecuniária a entregar ao segurado se há-de medir pela diferença entre a situação real dele (atingido pela lesão) e a hipotética (que teria sem a perca suportada); sendo a data para aferir dessa medida diferencial, na hipótese judicial, via de regra, a do encerramento da discussão na primeira instância (artigo 663º, nº 1, do CPC) – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, páginas 582 a 584.
Sob este prisma, não acompanhamos a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2009, proferido no proc.º nº 254/07.TBSJM.S1 e publicado no sítio www.dgsi.pt, ao defender que “enquanto não forem apresentadas as facturas relativas aos serviços que o autor [lesado] vai requisitar com vista à reparação dos danos sofridos […] não pode a ré [seguradora] ser obrigada a pagar IVA: é que esta obrigação só nasce com a apresentação das respectivas facturas”.
Ao contrário, posicionamo-nos a par do que foi perfilhado no Ac.RL, no proc. 1981/04.0YXLSB.L1-7, de 15-05-2012, tendo como relator Luís Lameiras, publicado na dgsi, ao defender que não se pode “confundir a relação estritamente jurídico-civilística da prestação do serviço reparador do dano (com repercussão na execução do contrato de seguro e na configuração da prestação da seguradora), com a relação jurídico-tributária, que (apenas) une o prestador à administração fiscal. A obrigação de pagar IVA nasce com a apresentação das facturas, mas (apenas) na esfera do prestador; sendo o lesado perfeitamente alheio a esse vínculo tributário. O lesado paga um valor (ao prestador) tão-só na medida em que ele aparece repercutido no preço, final e global, que tem de suportar para ver o seu dano suprimido; para ele (para o lesado) esse valor, assim repercutido, integra o custo necessário para a eliminação do dano; esta, afinal, a cargo da seguradora que, por contrato, assumira o risco da sua superveniência (…). A obrigação de pagar o IVA, a que a seguradora se reporta, é do transmissário do bem ou do prestador do serviço; por conseguinte, obrigação perfeitamente alheia, na hipótese, quer à lesada (segurada), quer à apelante (seguradora).
O preço que retrata a reparação do dano (a concretização do risco segurado) arrasta – é certo – consigo uma quantia (aí repercutida), que traduz o segmento do imposto que o sujeito passivo está adstrito de fazer chegar à administração ao fiscal; mas, como tal, e na óptica do consumidor, mais não significa precisamente que uma porção do custo total que é necessário despender para conseguir o bem ou serviço (na hipótese, para atingir a reposição statu quo ante).
Em suma, é tudo encargo necessário para conseguir a restauração (...).
Em suma; não deixando a incidência do imposto de ser encargo constitutivo, necessário à restauração do dano, e que tem de se suportar para esse efeito; necessária que é a fixação de uma verba concreta que reflicta, o mais aproximadamente possível, e em forma monetária, a reparação desse dano, parece equilibrado, depois de apurado todo o custo propriamente dito reportado à data do encerramento da discussão, fazer também, por reporte à mesma data, a incidência do IVA, à taxa então em vigor – no fundo, tudo o que os autos já reflectem. Assim se encontrando uma verba indemnizatória concreta e final”.
Como tal, de acordo com este entendimento que partilhamos, é, pois, de julgar o recurso improcedente.
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IV- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso, mantendo, consequentemente, a decisão proferida.
Custas a cargo da recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 12 de Novembro de 2020
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e assinado electronicamente pelo colectivo)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida