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INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
Sumário
I- A inquirição por iniciativa do Tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos que pressupõe no mínimo que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência. II- Não pode assim o juiz suprir a falta de apresentação do rol de testemunhas e ouvir por sua iniciativa as pessoas apresentadas pela parte.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
1. B……… intentou, em 03.11.2004, a presente acção, com processo comum, contra C……., Lda., pedindo o pagamento da quantia global de € 11.822,03.
Com a petição apresentada a A. não apresentou o rol de testemunhas.
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Contestou a R., após o que foi proferido o saneador, fixando-se a matéria assente e a base instrutória.
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Posteriormente, em 31.01.2006, a A. formulou o seguinte requerimento:
“1. A Autora, no errado pressuposto de que seria notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 512º do Código de Processo Civil, até à presente data não ofereceu prova testemunhal.
2. Não obstante, entende que há matéria controvertida que é do conhecimento de terceiros, não arrolados como testemunhas.
3. Na verdade, trata-se de factos de suma importância para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa.
Pelo exposto,
Por a inquirição das seguintes testemunhas se afigurar essencial à descoberta da verdade requer a Vª. Exa. que, ouvida a Ré, se digne ordenar a notificação das mesmas, dando deste modo cumprimento ao princípio do inquisitório consagrado no nº 3 do artigo 265.1 do Código de Processo Civil.”
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Este requerimento foi indeferido pelo M.mo Juiz “a quo”, para tanto consignando: "O presente requerimento é inadmissível, à luz do artigo 63°, n.° 1, do C. P. Trabalho, sendo certo que, existindo norma específica na jurisdição juslaboral, não é aplicável, aqui, o C. P. Civil".
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a A., formulando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente requereu ao Tribunal a inquirição de três pessoas não oferecidas como testemunhas por virtude de as mesmas terem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa;
2. O Tribunal “a quo” indeferiu tal requerimento com fundamento em que, tais disposições se não aplicavam no processo de trabalho, porque, no seu entender, tal matéria estaria directamente regulada no CPT (art. 63°), não sendo assim possível o recurso àqueles disposições do CPCivil.
3. O art. 63° do CPT regula o momento da apresentação das provas nada tendo a haver com a questão que por sua vez regulam os arts. 265° e 645° do CPC – possibilidade de ouvir pessoas não oferecidas como testemunhas.
4. Pelo que, a questão de poder ou não ser ouvidas pelo Tribunal pessoas não oferecidas como testemunhas, não está previsto no CPT, devendo por isso aplicar-se a tal questão das disposições dos arts. 265° e 645° do Código de Processo Civil, nos termos do art. 1° do CPT.
5. Com a decisão ora em recurso, o Tribunal violou o disposto pelos arts. 1°, do CPT, e 265° e 645° do CPC.
6. O Tribunal deveria ter deferido o requerido, determinando a Inquirição das pessoas em causa.
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Não houve contra-alegações.
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No despacho de sustentação, o M.mo Juiz explanou a seguinte fundamentação:
"O Código de Processo de Trabalho contém uma norma específica no que tange à indicação das provas, qual seja o nº 1 do artigo 63° do diploma em apreço.
Tem esta regra um alcance e índole flexibilizante e flexibilizadora da justiça laboral.
E o mesmo Código só vem permitir, no que à prova testemunhal respeita, o aditamento ou alteração do respectivo rol.
Ora, se fosse como a requerente pretende, seria pertinente perguntar-se sobre a razão de ser do preceito em análise (art. 63° do CPT), destruindo-se, consequentemente, a sua pertinência, se fosse permitido o acesso a outros normativos.
Aliás, a alínea a) do nº 2 do artigo 10º, do referido CPT, só permite o recurso ao dispositivo de outros regimes, "maxime", "in casu", do CPC, quando existir omissão naquele diploma legal.
O que significa (...) que onde há regime processual próprio, não existe regime processual diverso".
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Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Factos provados:
Os interessantes à decisão do presente recurso encontram-se já supra referidos na 1ª parte deste aresto.
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3. Do mérito.
A única questão suscitada no recurso consiste em saber se o requerimento da recorrente, tal como esta defende, deve ser deferido nos termos dos arts. 265º e 645º do CPC, ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a), do CPT.
Vejamos.
O artigo 63º do CPT, que trata da indicação das provas pelas partes, estatui que com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas (nº 1) e que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade no prazo de 5 dias (nº 2).
Este preceito afasta, assim, a aplicação ao processo laboral do disposto nos arts. 508º-A, nº 2, alínea a), e 512º, nº 1, do CPC, sendo que regulam também a indicação das provas pelas partes.
Deste modo, inexiste, nesta parte, qualquer omissão ou lacuna que necessite de ser integrada e preenchida, pelo que, nesta parte, tal como sustenta o despacho recorrido, não há necessidade de se recorrer ao processo civil.
Todavia, relativamente à não aplicação em processo laboral das normas dos artigos 265º, nº 3, e 645º, nº 1, ambos do CPC, sustentada no mesmo despacho, não podemos sufragar tal entendimento.
Para tanto, remetemos para as doutas considerações do parecer do Mº Pº supra referido, no tocante a tal objecto:
“Com efeito, a lei processual laboral não tem qualquer norma idêntica à daqueles preceitos.
Acresce que tais normativos não se referem à indicação das provas pelas partes.
Estipula o artigo 265º, nº 3, do CPC, que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Como diz Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pags.259-260) "o nº 3 do artigo 265º consagra, em termos aparentemente idênticos aos que já resultavam do estatuído no nº 3 do artigo 264º, na versão anterior à reforma, o poder-dever do juiz de realizar oficiosamente quaisquer diligências probatórias ou instrutórias que considere indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos de que pode legitimamente conhecer, nos termos previstos nos artigos 264º e 664º.
No sentido de que o nº 3 do artigo 265º, não integra uma simples faculdade de uso discricionário, mas um indeclinável compromisso do juiz com a verdade material, cujo não uso indevido é matéria sindicável, em via de recurso, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 12.06.2003 (CJ/STJ, Tomo III, 2003, pag. 101).
Por sua vez, determina o artigo 645º, nº 1, do CPC, que quando, no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor.
Trata este dispositivo da inquirição de testemunhas por iniciativa do tribunal.
Ora, não existe no CPT qualquer norma idêntica à do artigo 265º, nº 3, e nem à do artigo 645º, nº 1, ambos do CPC.
Deste modo, estamos perante uma omissão que necessita de ser integrada, nos termos do artigo 1º, nº 2, alínea a), do CPT.
São, pois, aquelas normas aqui aplicáveis.
Nesta parte tem, assim, razão a agravante.
Contudo, apesar do referido, o agravo não procede.
Ora, a autora não apresentou o seu rol de testemunhas, isto é, não ofereceu prova testemunhal com o seu articulado, como determina o artigo 63°, do CPT.
Se não apresentou qualquer testemunha também não há rol para alterar.
Pretende, agora, ao abrigo do disposto nos artigos 265º, nº 3, e 654º, nº 1, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1º, nº 2, alínea a), do CPT, que o tribunal oficiosamente inquira as três testemunhas que identifica, dizendo que tal inquirição "se afigura essencial à descoberta da verdade".
Todavia, a inquirição de testemunhas por iniciativa do tribunal não se destina a suprir os erros, os lapsos e as deficiências das partes.
Aliás, é a própria autora que no mesmo requerimento diz que "no errado pressuposto de que seria notificada nos termos e para os efeitos do artigo 512º do Código de Processo Civil, até à presente data não ofereceu prova testemunhal".
Daqui decorre que a autora pretende colmatar o seu erro através de um poder que compete oficiosamente ao tribunal.
Mas sem razão.”
E, citando Lopes do Rego, ob. cit., pags. 533-534, sublinha o parecer:
“O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes.
A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência, assim, v.g., se o autor omitiu culposamente a apresentação, em tempo útil, do requerimento probatório (e se o réu adoptou idêntica estratégia), não havendo lugar a actos de instrução, nos termos do art. 621.°, não incumbe naturalmente ao juiz ouvir, ao abrigo deste preceito, as pessoas que o autor "sugere" que sejam inquiridas".
Sufragando-se este entendimento, por não se divisarem razões para dele divergir, conclui-se que a inquirição por iniciativa do tribunal, no caso dos autos, não pode ser deferida, sob pena de traduzir um suprimento oficioso de um comportamento negligente da parte, como sucedeu com a recorrente, ao não ter apresentado, tempestivamente, com a petição, o seu rol de testemunhas, nos termos do art. 63º do CPT.
Improcede, pois, o presente recurso.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido, ainda que com fundamentação não coincidente.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Porto, 02 de Outubro de 2006
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa