I- Resulta do artigo 423º, nº1 do CPCivil que «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.»; diz-nos o seu nº2 o seguinte «Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.»; e remata o nº3 «Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».
II- Com as alegações de recurso, a Lei prevê que, a título excepcional, as partes possam ainda fazer juntar outros documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, cfr nº1 do artigo 651º e 425º, este como aquele do CPCivil, vg documentos que estejam em poder de terceiro que só os disponibilize posteriormente, caso de certidão requerida atempadamente mas só subsequentemente emitida.
III- Fora destes casos não é possível qualquer junção de documentos com as alegações de recurso de Apelação, sendo certo que, além do mais, se comprovou que a necessidade da respectiva junção não ocorreu por via da prolacção da sentença de primeiro grau e que a parte os poderia ter apresentado anteriormente.
PROC 1237/14.0TBSXL-B.L1.S2
6ª SECÇÃO
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I Na ação de condenação sob a forma de processo comum que CONSTRAGRAÇO – CONSTRUÇÕES CIVIS, LA intentou contra COLICAPELA – EMPRESA DE CONSTRUÇÕES, LDA, foi proferida sentença que:
Julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora: a) o montante de 191.376,50 Euros, subtraído do valor da madeira colocado em obra pela Ré, cujo montante deve ser colocado em incidente de liquidação; os custos de estaleiro da obra que a Autora teve de suportar entre 17 de Agosto de 2013 e 31 de Março de 2014, com o limite máximo de 673.483,24 Euros e a calcular em incidente de liquidação; as penalizações que venham a ser aplicadas a esta pela Câmara de …, entre 17 de Agosto de 2013 e 31 de Março de 2014, com o limite máximo de 1.167.543,12 Euros, (754.253,52 Euros + 413.289,60 Euros), absolvendo-a do demais peticionado; b) julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré contra a Autora, absolvendo-a desse pedido.
Interporto recurso pela Ré, foi, em 4 de Outubro 2016, proferido Acórdão que julgou improcedente a apelação, e, confirmou a sentença recorrida, decisão que transitou em julgado.
CONSTRAGRAÇO – CONSTRUÇÕES CIVIS, LDA, intentou incidente de liquidação de sentença contra COLICAPELA – EMPRESA DE CONSTRUÇÕES, LDA, pedindo a liquidação da condenação genérica contida na sentença no valor total de € 1.666.599,94, correspondente aos seguintes valores parcelares:
• Madeira encomendada e já recebida pela Autora: € 18.711,96;
• Custos de estaleiro entre 01.10.2013 e 31.03.2014: € 570.994,32;
• Multa: € 922.707,27.
A Ré deduziu oposição, por impugnação.
Foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente o incidente e em conformidade liquida a indemnização:
a) correspondente às madeiras pagas e não recebidas pela Autora em € 165.279,71;
b) correspondente aos custos de estaleiro da obra que a Autora teve de suportar entre 01.10.2013 e 31.03.2014 em € 350.126,34;
c) correspondente à multa aplicada à Autora em € 922.707,2.
Tendo sido a Autora absolvida do pedido de condenação por litigância de má fé.
Inconformada com o teor da sentença de liquidação, veio a Ré interpor recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente.
A Ré, irresignada, veio interpor Revista , a titulo normal e excepcional, tendo a Formação, a que alude o normativo inserto no artigo 672º, nº3 do CPCivil, após a decisão colegial de não admissão da Revista regra, admitido a mesma por Acórdão que faz fls 949 a 951.
A Ré, aqui Recorrente, concluiu da seguinte forma:
- O Tribunal recorrido fez, salvo melhor opinião, uma errada apreciação dos factosao indeferir a junção dos documentos juntos ex-novo com as Alegações de Recurso e assim os que já constam dos autos por considerar impertinente a sua junção.
- De salientar que, de acordo com o estatuído na segunda parte do nº3 do Art 423º
CPC, após o limite temporal previsto no Nº2 daquele preceito, “... só são admitidos os
documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como
aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
- De salientar também a este propósito o que nos diz o Art. 425.°, bem como o Art. 651.c, N.D 1, ambos do CPC, sendo que neste ultimo se pode ler “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º no caso de a juncão se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
- De salientar ainda, que a multa que está na génese do Recurso não foi aplicada à Recorrente mas sim à Recorrida, conforme resulta dos Autos.
- Sendo essa uma das razões que levaram a que o conhecimento da situação documentada e do documento em si, Doc. 3 do Recurso de Apelação, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado, só ter tido lugar posteriormente, não tendo sido possível, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter a Recorrente tido conhecimento anterior da existência do documento ora em crise.
- Cabia à Recorrida fazer prova de que tinha pago a multa e outras despesas de que tratam os Autos, ou pelo menos a prova de que esse pagamento lhe tinha sido exigido, o que não teve lugar, nem fez, violando o exigido no Art. 342.º, N.° 1, do Código Civil.
- Sucede que a Sentença da 1ª Instância não valorou a circunstância de a Recorrida, conquanto notificada para apresentar os documentos comprovativos dos pagamentos de todas as despesas invocadas e respectivos meios de pagamento, Despacho de 09-12-2016, (Doc. 2, junto com o Recurso de Apelação), não o ter feito, em franca e clara violação do estatuído nos Arts. 429.°, 430.°, 417.°, N.° 2, do CPC e no Art. 342.°, N.° 1 do Código Civil, porque quem alega tem o ónus de o provar, tendo tornado culposamente impossível a prova à Recorrente.
- Razão porque só após ser proferida a Sentença em 1ª Instância, ficando a Recorrente prejudicada pela não ponderação supra referida, teve de procurar e garantir esta prova, tendo conhecimento de que a Câmara Municipal de …, não tinha apresentado à Recorrida qualquer documento a exigir o pagamento da multa, negando inclusive que fosse sua intenção que o viesse a fazer.
- De facto, embora a apresentação dos aludidos documentos não tenha tido lugar e tenha por essa razão havido lugar à inversão do ónus da prova, conforme estatuem respectivamente os Arts. 342.°. N.3 1 e 344.°. N.° 2 do Código Civil, a 1ª Instância não retirou daí as devidas consequências vendo-se a Recorrente confrontada com a imperativa necessidade de encontrar documentação que comprovasse o não pagamento pela Recorrida dos valores elencados no incidente de liquidação, o que logrou conseguir após algumas diligências que encetou junto da Câmara Municipal de ….
- O facto de não ter sido considerada e devidamente ponderada, a não apresentação dos documentos comprovativos de todas as despesas e a consequente inversão do ónus da prova, no Julgamento /Sentença proferida em 1ªInstância, levou a que a Recorrente se visse na imperativa contingência de juntar ex novo, os documentos que anexou ao Recurso para o TRL. o que, salvo melhor opinião e pelos motivos já elencados lhe era facultado pela segunda parte do N.° 1 do Art. 651.°. do CPC. por se estar perante uma impossibilidade de apresentação subjectiva.
- Porém, para seu espanto, o mesmo sucedeu no Acórdão ora recorrido, o qual, não considerou e ponderou, a não apresentação dos documentos comprovativos de todas as despesas e a consequente inversão do ónus da prova que se verificou na 1ª Instância, por conjugação dos Arts. 429.º, 430.° e 417.°, N.° 2. todos do CPC, com os Arts. 342.°, N.° 1 e 344.º, N.° 2, do Código Civil, por confronto com a factualidade que a Recorrente detalhadamente mencionou nas suas Conclusões do Recurso de Apelação, DÉCIMA TERCEIRA a DÉCIMA SÉTIMA, e não retirou dai as necessárias consequências, mormente que a de que a Recorrente podia por essa razão prevalecer-se do estatuído na secunda parte do N.° 1. do já aludido Art. 651.° do CPC. por se estar perante uma impossibilidade de apresentação subjectiva.
- E é essa circunstância que está na génese do Doc. 3. que a Recorrente anexou ao Recurso
de Apelação.
- Com efeito e conforme consta da conclusão DÉCIMA OITAVA do Recurso de Apelação, então interposto, a Recorrente logrou entretanto conseguir uma Declaração da Divisão de Gestão Financeira da Câmara Municipal de … (Dono da Obra), comprovativa da inexistência quer da cobrança, quer da liquidação, quer ainda do pagamento de qualquer multa pela Recorrida, emitida em 29/09/2017 por aquela entidade, a qual anexou como Doc. 3 do Recurso de Apelação, (documento com 29 páginas, das quais, a primeira é um e-mail que faz prova do seu envio à Recorrente no já aludido dia 29/09/2017).
- E foi esse documento que a Recorrente anexou ao Recurso para o TRL, porquanto se tornou imperativa e necessária a sua junção superveniente, como se viu. pela Sentença proferida na 1.ª Instância., uma vez que ali não foram consideradas as já aludidas, não apresentação dos comprovativos dos pagamentos das despesas e a consequente inversão do ónus da prova.
- De notar porque a propósito, que enquanto decorria o processo de liquidação de Sentença, tornou a Recorrente conhecimento, após consulta ao Portal Citius Insolvências com o NIF 500000008 da Recorrida, dg que esta se Apresentou à Insolvência, Processo que deu entrada em 07/08/2017.
- Sendo de notar também que a Sentença proferida no aludido processo de insolvência conquanto datada de 11/10/2017, só foi publicitada a 16/10/2017, como se pode oficiosamente comprovar pela consulta ao Portal Citius Insolvências, que desde já se
requer.
- Do que resulta que o prazo para a reclamação de Créditos terminou no dia 15/11/2017.
- Sucede que a Câmara Municipal de … poderia então reclamar o crédito correspondente à alegada aplicação da multa retratada nos Autos e não o fez, nem tão pouco o tendo incluído a Recorrida na relação de credores que apresentou à insolvência.
- E não o fez porque o pagamento da multa não chegou sequer a ser exigido à Recorrida
- Constragraco. Construções Civis. Lda., como desde sempre a Recorrente defendeu.
- De notar que a Recorrente deu entrada do Recurso da Sentença de Liquidação em 01/10/2017, ou seja, antes da Sentença da declaração de insolvência da Recorrida que ocorreu, como acima se mencionou, em 16/10/2017.
- No entanto, quando o fez, já tinha conhecimento de que a Câmara Municipal de …
não se tinha nem se iria apresentar como credora da Recorrida no âmbito daquele
Processo, como tinha conhecimento da não inclusão da Câmara Municipal de … na
relação de credores, conforme consulta no Portal Citius Insolvências, que desde já se
requer.
- Em todo o caso, o certo é que a situação que os documentos recusados pelo Tribunal Recorrido retratam foi confirmada no aludido processo de insolvência como sempre defendeu a Recorrente.
- Concretizando, a não consideração dos documentos em crise configura no mínimo um inqualificável enriquecimento sem causa da Recorrida, porquanto não lhe foi nem vai ser exigido pela Câmara Municipal de …, o pagamento da aludida multa.
- O Tribunal prevaleceu-se de questões de índole formal em prejuízo da descoberta da
verdade material, quando é este o fim maior, almejado peta Justiça.
- Ainda a propósito da junção de documentos, de sublinhar o Acórdão proferido em 05/02/2015, pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no Processo N.° 0570/14, designadamente quando, a final, refere que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a afirmar que são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as Alegações de Recurso.
- Os amplos poderes inquisitórios atribuídos ao Juiz fazem com que por sua iniciativa, possam ser trazidos ao Processo, a todo o momento até à Sentença, elementos de prova, e esse principio desaconselha a que se rejeitem, por razões de mera disciplina processual, novos elementos probatórios porventura capazes de contribuir para atingir a verdade material. (Cfr. Acórdão do STA proferido em 05/02/2015 - Processo N.° 0570/14).
- A Recorrente reitera assim tudo quanto disse nas Alegações e Conclusões que ofereceu no Recurso de Apelação interposto, designadamente quando ali tratou da não apresentação pela Autora, dos documentos de despesa solicitados por despacho de 9/12/2016.
Nas contra alegações, a Autora aqui Recorrida, pugna pela manutenção do julgado.
II A única questão que se coloca é da saber se os documentos juntos com o recurso de Apelação são ou não de admitir, atento o carácter excepcional alegado para a preconizada junção.
As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:
Petição Inicial
1. Em sentença proferida a 16.07.2015, integralmente confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 04.10.2016, foi a R. condenada a pagar à A.:
- o montante de € 191.376,50, subtraído do valor da madeira colocada em obra pela R., cujo montante deve ser calculado em incidente de liquidação;
- os custos de estaleiro da obra que a A. teve de suportar entre 17.08.2013 e 31.03.2014, com o limite máximo de € 673.483,24, a calcular em incidente de liquidação;
- as penalizações que venham a ser aplicadas à A. pela Câmara Municipal de …, entre 17.08.2013 e 31.03.2014, com o limite máximo de € 1.167.543,12 (€ 754.253,52 + € 413.289,60) (fls. 552 a 587).
2. À madeira encomendada e já recebida pela A. corresponde o valor de € 26.096,79.
3. Os custos pela manutenção do estaleiro para execução da obra no período compreendido entre o dia 1 de outubro de 2013 e o dia 31 de março de 2014 implicou para a A. um custo total de € 350.126,34, correspondente a um custo mensal de € 58.354,39.
4. Por decisão proferida em 29.04.2015 e notificada à A. por ofício datado de 24.07.2015, foi-lhe aplicada, pela Câmara Municipal de …, uma multa no valor total de € 922.707,27, com fundamento no atraso da execução da empreitada (fls. 9-v a 12-v).
Oposição
5. A resposta que a A. apresentou, em sede de audiência prévia, no âmbito do procedimento para aplicação da multa, foi considerada extemporânea (fls. 9-v a 12-v).
6. A A. não impugnou judicialmente a decisão de aplicação da multa.
Mais se provou que:
7. Na liquidação da multa atendeu-se ao preço contratual efetivo da empreitada de € 3.075.690,89, e consideraram-se dois períodos: de 15.10.2013 a 10.01.2014, calculando-se o valor de € 535.170,06 (€ 6.151,38x87); de 11.01.2014 a 31.10.2014, calculando-se o valor de € 1.802.354,34 (€ 6.151,38x293) (fls. 9-v a 12-v).
8-Em 20-12-2016, Colicapela veio interpor recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido em 4-10-2016, requerendo que: a) se dê provimento ao recurso de revisão, revendo-se, ao abrigo da alínea c) do art.697º do CPC, o acórdão proferido, julgando-se, em consequência, procedente a apelação, se condene a recorrida, em multa e indemnização por litigância de má fé manifesta, cujo montante computa em 833.299.95 Euros, ou seja, 50% do valor peticionado no incidente de liquidação de sentença deduzido pela recorrida. (Cfm Acórdão junto a fls.724 e sgs).
9-O documento em que a recorrente baseia a sua pretensão é um requerimento de resposta da recorrida, subscrita pelo mandatário, remetida ao Município de …, no âmbito do exercício de audição dos interessados quanto à aplicação de uma multa por violação de prazos contratuais, constante de uma certidão emitida em 21-10-2016, pela CML de …- “Documento Oficio de …, Sociedade de Advogados, RL, com o registo CMS 5003, de 24-02-2014”. (idem).
10-Por Acórdão de 31-10-2017, proferido no Proc. nº 1237/14.0TBSXL-A.L1, 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado, foi o recurso de revisão julgado improcedente. (cfr Acórdão junto a fls.724 e sgs).
A questão solvenda, nesta sede recursiva, tem a ver com a bondade da junção dos documentos pela Recorrente, em sede de recurso de Apelação, elementos esses de prova que na sua tese, a serem admitidos, alteram a apreciação do mérito da acção.
O presente incidente de liquidação tem por objecto é o apuramento do valor do prejuízo sofrido pela Autora, aqui Recorrida, demonstrado no decurso da ação, correspondente, na parte que interessa liquidar: i) aos custos de estaleiro da obra que a Autora teve de suportar entre 17 de Agosto de 2013 e 31 de Março de 2014, com o limite máximo de € 673.483,24; ii) as penalizações que viessem a ser aplicadas à Autora pela Câmara Municipal de …, entre 17 de Agosto de 2013 e 31 de Março de 2014, com o limite máximo de € 1.167.543,12 (€ 754.253,52 + € 413.289,60), como deflui do ponto 1. da materialidade apurada.
A Autora, aqui Recorrida, pediu que a multa fosse liquidada na quantia de 922.707,27 Euros (artigo 12º da Petição Inicial), quantia essa correspondente à decisão produzida pela CM de …, nessa sede e que lhe foi notificada, sendo esta a quantia que é posta em causa pela Recorrente neste recurso e por na sua tese não constarem dos autos os elementos documentais que suportem o seu pagamento, sendo certo que por si foi pedido ao Tribunal, aquando da oposição que a Autora/Recorrida fosse notificada para apresentar os documentos comprovativos dos pagamentos de todas as despesas invocadas e respectivos meios de pagamento, o que foi ordenado por despacho de 9 de Dezembro de 2016, ao que aquela não deu cumprimento em franca e clara violação do estatuído nos artigos 429.°, 430.°, 417.°, n° 2, do CPCivil e no artigo 342º, n° 1 do Código Civil, tendo tornado culposamente impossível a prova à Recorrente, sendo que, só após ser proferida a Sentença em 1ª Instância, ficando a Recorrente prejudicada pela não ponderação supra referida, teve de procurar e garantir esta prova, tendo conhecimento de que a Câmara Municipal de …, não tinha apresentado à Recorrida qualquer documento a exigir o pagamento da multa, negando inclusive que fosse sua intenção que o viesse a fazer.
E, acrescenta a Recorrente, embora a apresentação dos aludidos documentos não tenha tido lugar e tenha por essa razão havido lugar à inversão do ónus da prova, conforme estatuem respectivamente os artigos 342°, nº3 e 344°, n° 2 do CCivil, a 1ª Instância não retirou daí as devidas consequências vendo-se a Recorrente confrontada com a imperativa necessidade de encontrar documentação que comprovasse o não pagamento pela Recorrida dos valores elencados no incidente de liquidação, o que logrou conseguir após algumas diligências que encetou junto da Câmara Municipal de ….
Vejamos então.
Como resulta dos autos, o Tribunal na sequência do que lhe foi solicitado pela Ré, aqui Recorrente aquando da sua oposição, por despacho de 9 de Dezembro de 2016, ordenou a notificação da Autora para juntar aos os elementos pretendidos, cfr fls 119 a 121.
A Autora, aqui Recorrida, em cumprimento do ordenado, em 2 de Fevereiro de 2017, procedeu à junção dos documentos que fazem fls 151 a 525, os quais foram notificados à Recorrente, a qual respondeu nos termos de fls 540 a 542, não tendo aí levantado qualquer questão, maxime, a agora levantada em sede de impugnação recursiva, para além da consideração genérica de não aceitação dos mesmos.
Resulta do artigo 342º, nº1 do CCivil que «Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.», sendo que, como decorre do nº2 «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.».
No âmbito dos presentes autos, pretendendo a Autora aqui Recorrida, obter da Ré/Recorrente, em cumprimento do decidido pela sentença condenatória em liquidação, aferir do quantitativo da multa que lhe pudesse vir a ser cominada pela CM de …, aquela juntou com o seu requerimento inicial, o documento comprovativo da condenação de que havia sido objecto, cfr documento de fls 9 a 12, o quantum satis para satisfazer o decretado, pois o que ali consta é que a Ré foi condenada a satisfazer à Autora as penalizações que lhe viessem a ser aplicadas pela edilidade, entre 17.08.2013 e 31.03.2014, com o limite máximo de € 1.167.543,12 (€ 754.253,52 + € 413.289,60), cfr fls 552 a 569 e não as penalizações que esta tivesse satisfeito à mesma, não tendo sido este, pois, o objecto da acção de condenação, nem na sua sequência, o escopo da liquidação.
De qualquer modo, sempre adiantamos que, por um lado, a problemática aqui em causa, caso fosse o pagamento, não estaria sujeita a uma prova tabelada, e, por isso, mesmo que a Recorrida não tivesse dado cabal cumprimento ao ordenado pelo Tribunal, nunca se poderia concluir, como faz a Recorrente, que tinha havido uma inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344º, nº2 do CCivil, pois poderia contrariar a factualidade alegada pela Recorrida, através de depoimentos testemunhais, caso não pudesse, apresentar por si, os documentos referentes a essa falta de pagamento.
É que, neste particular, tendo a Recorrente tido conhecimento dos documentos apresentados pela Recorrida e tendo-lhe sido concedido prazo suplementar para a sua análise, desde logo se pode aperceber que aí não constaria nenhum elemento referente ao eventual pagamento da multa, podendo e devendo juntá-lo nessa ocasião, nos termos do normativo inserto no artigo 423º, nº3 do CPCivil, o que não foi feito.
Apresentados estes argumentos preliminares, analisemos agora a bondade, ou falta dela, da decisão tomada pelo segundo grau, no que toca à não admissão dos documentos apresentados pela Recorrente em sede de recurso de Apelação.
Pretende a Recorrente que os documentos agora apresentados, se tornaram necessários face à sentença produzida em primeira instância e por nela se ter verificado uma inversão inadmissível do ónus da prova.
Ora bem.
Em primeiro lugar, frisa-se que a recorrente, como já deixámos exposto, teve acesso à documentação junta pela Recorrida, foi-lhe concedido prazo para a analisar, de onde estar em condições, desde então, de aferir da necessidade de outros elementos, mormente os que pretendeu juntar em sede impugnativa: a Recorrente já sabia há muito que os elementos que diz serem essenciais, não constavam dos autos, e, esses elementos, essenciais na sua tese, já existiam na altura.
Resulta do artigo 423º, nº1 do CPCivil que «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.»; diz-nos o seu nº2 o seguinte «Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.»; e remata o nº3 «Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».
Os documentos cuja junção é questionada agora, deveriam ter sido apresentados, num daqueles momentos, sendo certo que a Recorrente poderia e deveria tê-lo feito, tendo em atenção a posição que pretende fazer valer.
Com as alegações de recurso, a Lei prevê que, a título excepcional, as partes possam ainda fazer juntar outros documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, cfr nº1 do artigo 651º e 425º, este como aquele do CPCivil, vg documentos que estejam em poder de terceiro que só os disponibilize posteriormente, caso de certidão requerida atempadamente mas só subsequentemente emitida, situações estas que não quadram a pretensão da Requerente, cfr Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código De processo Civil Anotado, Volume 2º, 425/427.
Mas será que a necessidade da junção dos documentos em causa só ocorreu em virtude do julgamento produzido em primeiro grau, como aventa a Recorrente?
A este propósito lê-se no Aresto em crise:
«[N]ote-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.».
In casu, o thema decidendum, como já acentuamos inicialmente, era, como é, a quantificação do prejuízo resultante da condenação em multa e não, também, se a Recorrida, teria ou não satisfeito tal multa ao Município de …, nem tão pouco se este lhe vai ou cobrar o quantitativo devido.
É a liquidação do julgado em sede declarativa de que se cura aqui e, não, a sua exequibilidade.
Aliás, veja-se a forma como a Recorrente impugnou a liquidação efectuada pela Recorrida, em sede de oposição, nos artigos 29º a 40º daquele articulado, onde apenas se pôs em causa o montante peticionado decorrente da condenação, e não a satisfação de tal montante.
Esta «defesa», consubstanciada na impugnação de que a Recorrida não satisfez a multa à CM de … , surge-nos posteriormente em sede de recurso de Apelação, constituindo uma questão nova que transcende a matéria discutida nos autos, e que, por isso, nunca teria assento na sentença, não podendo pois, ser operante em termos de alteração do decidido, pois a problemática trazida a juízo não a abarcava, cfr a este propósito os Ac STJ de 18 de Março de 1997 (Relator Torres Paulo), 20 de Junho de 2000 (relator Garcia Marques), 31 de maio de 2005 (Relator Ferreira Girão), in www.dgsi.pt; e de 14 de Fevereiro de 2008 (Relator Armindo Luís), in SASTJ; Amâncio Ferreira, Manual Dos Recursos Em Processo Civil, 8ª Edição, 204/206.
A questão do eventual não pagamento da multa em que a Autora foi condenada pela edilidade não fazia, nem fez parte do julgamento que deu origem aos presentes autos, sendo que aqui apenas se concretizou o montante da penalização efectivamente cominada àquela, como deflui do documento de fls 10 a 12, ponto 4. da factualidade apurada.
Os documentos cuja junção a foi requerida pela Recorrente em sede de recurso de Apelação, mostram-se de todo em todo, extravagantes e inoportunos, face aos ínsitos legais aplicáveis nesta matéria e supra enunciados, para além de serem susceptíveis de terem sido juntos pela Recorrente até à prolacção da sentença.
Sempre se acrescenta, ex abundanti, que a jurisprudência administrativa citada pela Impugnante, não diz propriamente o que esta nos faz crer, mas antes preconiza que «[n]o que especificamente respeita à admissibilidade legal da junção de documentos em sede de recurso, a jurisprudência e a doutrina também têm vindo a entender que essa junção pode ocorrer se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção do documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes em 1ª instância, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam [ANTUNES VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95, e ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA in Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 533/534; e na jurisprudência, entre outros, o Ac. do STA de 12/03/2014, no proc. nº 0113/14].
Razão por que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a afirmar que são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
Afigura-se-nos, pois, que a admissão da revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito face à definição que acima deixámos explicitada. Isto é, importa que este Supremo Tribunal intervenha, conhecendo da revista, para que a pronúncia que venha a emitir sobre esta concreta questão possa servir como orientação para os tribunais de que é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.».
Isto é, enuncia-se o que em relação à necessidade da junção de documentos por via da emissão da sentença de primeiro grau vimos a desenvolver, mas apenas como postulado de futura decisão em relação à matéria a decidir, mais não podendo adiantar, já que se trata de uma admissão de Revista excepcional e não de uma decisão final nesta, em nada contrariando assim a tese que explanamos.
Soçobram pois in totum as conclusões.
III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa,10 de Março de 2010
Ana Paula Boularot - Relatora
Fernando Pinto de Almeida
José Rainho
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).