PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
DÍVIDAS HOSPITALARES
INSTITUIÇÃO INTEGRADA NO SNS
Sumário


I – O procedimento de injunção é meio processual adequado para cobrança das dívidas hospitalares das instituições integradas no SNS, independentemente do apuramento do responsável pelas lesões estar apurado à data da apresentação do requerimento injuntivo.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Hospital X EPE apresentou requerimento de injunção contra Seguradoras ..., SA, peticionando o pagamento da quantia de € 6.088,08 a título de capital.
Para tanto alega, em resumo, que é uma instituição hospitalar, integrada no Serviço Nacional de Saúde, tendo como objeto a prestação de assistência hospitalar e cuidados de saúde.
No âmbito da sua atividade, de 22-03-2019 a 09-07-2019, prestou a P. P., em virtude de atropelamento, os cuidados de saúde consubstanciados na fatura n.º 19002964, de 16-07-2019, no valor de 6.088,08 EUR.
A assistência hospitalar, segundo declarações do assistido, resultou de atropelamento, cujos contornos não logrou identificar na totalidade, tendo o atropelamento ocorrido por culpa de terceiro, B. F., condutor de veículo com a matrícula desconhecida, seguro na ora Requerida, em virtude de contrato de seguro celebrado com o proprietário e titulado pela apólice n.º 9001837686.
Havendo, como é o caso, terceiros legal ou contratualmente responsáveis pelos encargos hospitalares serão estes responsabilizados pelos referidos encargos.
Interpelada para pagamento, a Requerida nunca veio liquidar o montante em dívida, nem declinar a responsabilidade.

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A Ré deduziu oposição à injunção, arguindo o erro e inadequação do processo, a existência de causa prejudicial e impugnando os factos, afastando a sua responsabilidade no pagamento.
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Os autos foram distribuídos e concedida a oportunidade às partes para exercerem o contraditório, o que fizeram.
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De seguida, a Mmª juíza “a quo” elaborou decisão, nos termos da qual decidiu julgar verificada a nulidade de todo o processado, por impropriedade do meio utilizado e, por via disso, absolveu a Ré da instância.
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Inconformada com esta decisão, a demandante Hospital X EPE dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O Tribunal a quo, em sede de sentença, veio pugnar pelo entendimento de que o Recorrente só poderia exigir da Recorrida o pagamento dos cuidados de saúde no âmbito da assistência hospitalar prestada ao segurado daquela, desde que essa responsabilidade estivesse apurada à data da apresentação do requerimento injuntivo.
2. O Decreto- Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, com a redação atual dada pela Lei n.º 64B/2011, de 30/12, dispositivo legal que rege a cobrança de créditos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, não refere em nenhum dos seus artigos que as Instituições e Serviços Integrados do Serviço Nacional de Saúde só possam recorrer ao procedimento injuntivo para exigir das seguradoras o pagamento dos cuidados de saúde desde que esteja assente a responsabilidade destas à data da apresentação do requerimento de injunção.
3. Não pode inferir-se essa conclusão pela revogação do artigo 9.º daquele normativo legal, revogação essa operada pelo artigo 192.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
4. Conforme consagra o regime jurídico previsto no dispositivo legal supra referido, não incumbe ao Recorrente provar que a Recorrida é responsável pelo pagamento dos cuidados de saúde prestados ao segurado daquela.
5. O reduzido conhecimento sobre os factos que conduzem às assistências prestadas e que impõe uma complexa fase de averiguações prévias à dedução de ações declarativas, aliada a um não menos reduzido prazo para a dedução de ações de cobrança judicial implicam elevados custos e colocam as entidades do Serviço Nacional de Saúde numa posição desequilíbrio perante os seus devedores.
6. Desequilíbrio que motivou o legislador a impor às instituições do SNS tão só a prova do facto gerador da responsabilidade pelos encargos, bem como da efetiva prestação de cuidados de saúde.
7. À Recorrida sempre incumbiria alegar e provar a inexistência da responsabilidade sustentada
8. Ao Recorrente apenas incumbiria alegar os factos constitutivos do direito sobre os quais tenha conhecimento, estabelecendo um nexo de causalidade entre o direito ao ressarcimento e o dever de pagar.
9. A génese do regime jurídico da cobrança de dívidas hospitalares será sempre facultar às Instituições e Serviços Integrados no Serviço Nacional de Saúde o ressarcimento dos seus créditos pela prestação de cuidados de saúde junto das Seguradoras, independentemente de estar fixada a responsabilidade destas à data da apresentação do requerimento injuntivo.
Pelo que,
10. Foi com base nesta ratio que o Recorrente demandou a Recorrida através do procedimento injuntivo.
NESTES TERMOS, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Só assim se decidindo, será feita a acostumada
JUSTIÇA!».
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Contra-alegou a requerida, Seguradoras ..., SA, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se se verifica erro na forma de processo conducente à absolvição da instância.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito

Do erro na forma do processo escolhido.

A questão a decidir traduz-se em saber se o requerente pode instaurar procedimento injuntivo para obter título executivo com vista à cobrança da quantia de € 6.088,08 relativa a despesas hospitalares realizadas com um sinistrado de acidente de viação.
A ré fundou a invocação do erro/inadequação da forma do processo escolhido pelo Autor na circunstância de inexistir contrato, pressuposto de tal forma de processo, bem como por inexistir responsabilidade da Ré definida à data da propositura da ação sobre o facto gerador dos cuidados de saúde.
No entanto, a decisão recorrida, relativamente ao primeiro argumento, atento o disposto no art. 2º do DL 218/99, de 15/06, considerou que «o procedimento de injunção é o meio processual legal e adequado ao impetramento, por parte das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, de despesas havidas por cuidados de saúde por elas prestados, independentemente da causa que originou tais cuidados»; mas, quanto ao segundo argumento, por considerar que «a cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no SNS em virtude de cuidados de saúde prestados, com recurso ao processo injuntivo, só pode realizar-se no caso de serem demandos os assistidos ou, então, as seguradoras, mas estas apenas nas situações em que a sua responsabilidade esteja assente», sendo que no caso não se encontrava determinado o responsável pela produção do acidente, concluiu pela existência de erro na forma de processo, o qual, não permitindo o aproveitamento dos atos já praticados, foi causa de absolvição da instância (arts. 193.º, 196.º, 200.º e 278.º, do CPC).
Desta decisão discorda o recorrente, sustentando que o Decreto-Lei n.º 218/99, de 15/06, que rege a cobrança de créditos hospitalares do Serviço Nacional de Saúde, não refere que as Instituições e Serviços Integrados do Serviço Nacional de Saúde só possam recorrer ao procedimento injuntivo para exigir das seguradoras o pagamento dos cuidados de saúde desde que esteja assente a responsabilidade destas à data da apresentação do requerimento de injunção.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Como é sabido, o erro na forma de processo dá-se nos casos em que a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral (comum) ou especial de processo legalmente prevista.
Segundo o entendimento hoje dominante, o que determina a forma de processo a empregar é apenas o pedido, sendo próprio, portanto, o que visa a finalidade pretendida pelo Autor (1).

Como se refere no Ac. da RP de 20.01.2004 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt, «é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme»
Quer isto dizer, que a correcção ou incorrecção do meio processual empregue pelo autor (nomeadamente no que concerne ao tipo de acção por si escolhido para atingir o fim por si visado) mede-se ou afere-se em função da pretensão da tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir, e não da natureza da relação substantiva ou do direito subjectivo que lhe serve de base (2).
Se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo; se a forma de processo seguida se adequar à pretensão formulada, mas esta não for conforme aos fundamentos invocados, estaremos, quando muito, perante uma questão de mérito conducente à improcedência da acção (3).
Em suma, “o que caracteriza o erro na forma do processo é que ao pedido formulado corresponda forma de processo diversa do empregue e não se mostre possível, através da adequação formal, fazer com que, pela forma de processo efetivamente adotada, se venha a conseguir o efeito jurídico pretendido pelo autor” (4).
O erro na forma de processo é uma das nulidades que pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nos termos dos arts. 196º e 547º, ambos do CPC.

Segundo o art. 193º do CPC:

«1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados

Daqui se retira que o erro sobre a forma de processo só é configurável como exceção dilatória, conducente à absolvição da instância, quando nem a petição ou o requerimento inicial se pode aproveitar (5).
Não sendo esse o caso, o erro na forma de processo configura mera nulidade processual, sujeita ao regime geral do art. 195º, n.º 1 do CPC, pelo que o desvio ao formalismo processual só constitui nulidade quando possa influir no exame ou na decisão da causa; quando isso não acontece, ou seja, quando a formalidade preterida ou omissa não impede que o acto em causa atinja a sua finalidade, estamos perante uma mera irregularidade, sem qualquer relevo processual (6).
De acordo com o disposto no art. 546º do CPC, o processo pode ser comum ou especial, sendo que este se aplica aos casos expressamente designados na lei, ao passo que aquele é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.
A cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados vem prevista no Dec. Lei n.º 218/99, de 15 de junho.

Conforme resulta do respectivo preâmbulo:

«A necessidade de estabelecer um regime processual específico para a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde tem sido reconhecida desde há muito.
(…)
As alterações que entretanto foram introduzidas no sistema de saúde, designadamente no Serviço Nacional de Saúde, atribuíram às receitas próprias dos serviços e estabelecimentos de saúde maior importância. De acordo com a base XXXIII da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem cobrar receitas próprias, onde se incluem as referentes aos cuidados de saúde prestados e cujos encargos sejam suportados por outras entidades. Esta circunstância induziu a que se procurassem meios rápidos e eficazes de cobrar as dívidas hospitalares.
Neste enquadramento foi publicado o Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de Setembro, o qual veio atribuir a natureza de título executivo às certidões de dívidas emitidas pelos hospitais, (…). No entanto, esta solução revelou-se inadequada aos objectivos enunciados. De facto, a existência de título executivo não veio conferir maior celeridade aos procedimentos judiciais de execução das dívidas hospitalares, porquanto, na generalidade dos casos, a existência do crédito reclamado judicialmente e a verdadeira identidade do devedor eram discutidas em sede de embargos à execução, ou seja, seguindo a tramitação de uma acção declarativa.
Por outro lado, a existência de uma acção executiva sem que existisse a necessária certeza quanto à identidade do devedor gerou a necessidade de estabelecer um conjunto de regras complexas para determinar a legitimidade passiva na referida acção executiva e que na prática judiciária se revelaram de difícil aplicação, com indesejáveis dúvidas na jurisprudência.
Acresce a tudo isto que foram suscitados problemas de constitucionalidade de algumas normas na interpretação que delas foi feita.
Neste contexto, o Governo, na perspectiva de simplificar os procedimentos, mas sem afastar os princípios gerais de direito relativamente ao reconhecimento e execução dos direitos, entendeu proceder à alteração das regras processuais do regime de cobrança das dívidas hospitalares.
Assim, neste diploma é, de novo, e como regra geral, consagrada a acção declarativa, com algumas especialidades.
(…)
Com o objectivo de tornar mais célere o pagamento das dívidas às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, estabelecem-se regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade.
(…)».

Entre outras normas do citado diploma, dispõe-se no seu art. 4.º (“Responsabilidade”):

1 - As entidades a que se referem as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 23.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, podem ser directamente demandadas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde.
2 - Os assistidos devem indicar a existência de apólice de seguro válida e eficaz que cubra os cuidados de saúde prestados”.

Nos termos do art. 5º (“Alegação e prova”), inserido na Secção II (“Disposições processuais”):
Nas acções para cobrança das dívidas de que trata o presente diploma incumbe ao credor a alegação do facto gerador da responsabilidade pelos encargos e a prova da prestação de cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice de seguro”.

E na Secção III dispunha-se sobre “Dívidas resultantes de acidentes de viação”, prescrevendo o art. 9º (“Pagamento sem apuramento de responsabilidade”):
“1 - Independentemente do apuramento do responsável, as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde poderão exigir das seguradoras o pagamento dos encargos decorrentes dos cuidados de saúde prestados a vítimas de acidentes de viação, desde que abrangidos pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil, válido e eficaz, e até ao limite de 1000 contos por acidente e lesado, nos termos dos números seguintes.
2 - No caso de a assistência ser prestada aos ocupantes dos veículos envolvidos no acidente, cada seguradora suporta os encargos correspondentes às pessoas transportadas no veículo que segurar, com excepção do condutor.
3 - No caso de atropelamento, a seguradora do veículo atropelante suporta os encargos correspondentes à prestação de cuidados à vítima.
4 - O pagamento efectuado pela seguradora, nos termos previstos neste artigo, não faz presumir o reconhecimento de responsabilidade civil ou criminal pela produção do acidente, nem determina, por si só, a obrigação de reparar quaisquer outros danos dele emergentes.
5 - Às dívidas resultantes de acidentes de viação não incluídas na previsão do n.º 1 é aplicável o regime geral de cobrança de dívidas previsto neste diploma. Estabelecendo-se um regime especial em caso de assistência prestada aos ocupantes dos veículos envolvidos no acidente, e prestada em caso de atropelamento. Quanto às dívidas resultantes de acidentes de viação não derivadas daquelas duas situações, aplicava-se o regime geral – art. 9º, nº 5, do referido diploma legal”.
O legislador estabeleceu, pois, regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade, com o objectivo de tornar mais célere o pagamento das dívidas às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde (7). Com efeito, o último normativo citado estipulava um regime especial em caso de assistência prestada aos ocupantes dos veículos envolvidos no acidente, bem como assistência prestada em caso de atropelamento; quanto às dívidas resultantes de acidentes de viação não derivadas daquelas duas situações, aplicava-se o regime geral (art. 9º, nº 5) (8).
Assim, o credor tinha apenas de provar a prestação dos cuidados de saúde, devendo ainda, se for caso disso, indicar o número da apólice e incumbia-lhe o ónus de alegar o facto gerador da responsabilidade pelos encargos, independentemente do apuramento do responsável pelas lesões, cujo tratamento implicou esses encargos ao serviço hospitalar (9).

Entretanto, o art. 192º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (10), revogou os arts. 7º e 9º a 12º do referido Dec. Lei n.º 218/99 e alterou o art. 1º, nos seguintes termos:
1 - O presente diploma estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.
2 - Para efeitos do presente diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.
3 - Para efeitos do número anterior, o requerimento de injunção deve conter na exposição sucinta dos factos os seguintes elementos:
a) O nome do assistido;
b) Causa da assistência;
c) No caso de acidente que envolva veículos automóveis, matrícula ou número de apólice de seguro;
d) No caso de acidente de trabalho, nome do empregador e número da apólice seguro, quando haja;
e) No caso de agressão, o nome do agredido e data da agressão;
f) Nos restantes casos em que sejam responsáveis seguradoras, deve ser indicada a apólice de seguro”.

Ou seja, na sequência das alterações introduzidas pela referida Lei n.º 64-B/2011, em caso de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados em consequência de acidente de viação – agora, de todos os casos, não havendo qualquer regime especial (11) – é aplicável, para o efeito, o processo de injunção, considerando-se a realização da prestação de saúde efetuada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
Ora, se em face da primitiva redação do Dec. Lei n.º 218/99 já reunia largo consenso a aplicabilidade do procedimento injuntivo à cobrança de dívidas emergentes da prestação de serviços de saúde pelas instituições integradas no Serviço Nacional da Saúde (12), tal entendimento passou a ter agora inequívoca consagração legal por força da alteração legislativa introduzida (13), ao estatuir que “a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções” (art. 1º, n.º 2).
Assim, contrariamente ao propugnado na decisão recorrida, entendemos que ao revogar o art. 9.º do Dec. Lei n.º 218/99 – onde expressamente se referia não ser relevante a determinação prévia do responsável em caso de assistência prestada aos ocupantes dos veículos envolvidos no acidente e no caso de atropelamento – e ao introduzir as alterações ao art. 1º, o legislador deixou claro que as instituições e serviços integrados no SNS poderão exigir das seguradoras os pagamentos de dívidas por causa de cuidados de saúde prestados recorrendo ao processo injuntivo, independentemente da responsabilidade destas estar já apurada à data da apresentação do requerimento injuntivo.
O mesmo é dizer que a alteração legislativa aponta precisamente em sentido contrário ao seguido na decisão recorrida, na medida em que, no circunstancialismo referido, se faculta àquelas instituições o recurso ao regime jurídico das injunções com vista à cobrança de dívidas em virtude dos cuidados de cuidados de saúde prestados.
Assinale-se, aliás, que o regime consagrado no Decreto-Lei n.º 218/99, com a redação atual dada pelo art. 192º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, não prescreve em nenhum dos seus preceitos que as Instituições e Serviços Integrados do Serviço Nacional de Saúde só possam recorrer ao procedimento injuntivo para exigir das seguradoras (ou melhor, do responsável pelas lesões) o pagamento dos cuidados de saúde desde que esteja assente a responsabilidade destas à data da apresentação do requerimento de injunção.
A ser essa a intenção do legislador, certamente não deixaria de delimitar restritivamente o respectivo objeto do meio processual em apreço, enunciando-o expressamente.
Por conseguinte, não impondo a lei tal restrição ou exclusão, não deve fazê-lo o intérprete.
Por outro lado, regra geral, o thema decidendum relevante na maioria das situações das “dívidas hospitalares” que chegam a juízo não é o da apreciação da dívida reclamada quanto aos cuidados de saúde prestados no âmbito do contrato de prestação de serviços, mas sim o da causa do sinistro e da atinente responsabilidade aquiliana, que se repercutem, havendo contrato de seguro, na transferência da responsabilidade pelo pagamento dos danos advenientes do sinistro para a respetiva Companhia de Seguros. Isto porque, embora a prestação de cuidados de saúde pelas Instituições e Serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde seja efetuada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a cobrança da dívida ao SNS tem sempre subjacente a causa do sinistro que deu origem à prestação dos cuidados de saúde ao sinistrado (14).
Acresce que o argumento extraído do pretérito regime do art. 9º também não é decisivo, visto que, como já vimos, o que aí se previa era a estipulação de regras especiais no âmbito dos acidentes de viação abrangidos pelo seguro de responsabilidade civil automóvel, independentemente do apuramento de responsabilidade, resultando da alteração introduzida que não faria sentido a manutenção de tais regras especiais, sendo que o preconizado objectivo da simplificação e celeridade na cobrança das dívidas resultantes de cuidados de saúde prestados em consequência de acidente de viação poderia ser perfeitamente alcançado mediante o recurso ao processo injuntivo, considerando-se a realização da prestação de saúde efetuada ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, ficando subordinado ao regime de alegação e prova previsto no art. 5º (15) – tendo o credor de alegar o facto gerador da responsabilidade pelos encargos (ou seja, o acidente) e de alegar e provar a prestação dos cuidados de saúde – e devendo o requerimento de injunção conter, na exposição sucinta dos factos, o nome do assistido, a causa da assistência, a matrícula do veículo automóvel interveniente ou o número de apólice de seguro.
Como se explicitou no Ac. da RP de 28/10/2013 (relator Abílio Costa), in www.dgsi.pt, faculta-se, agora, ao credor o recurso ao regime jurídico das injunções, nos termos referidos, porquanto, implicando tal instituto uma exposição sucinta dos factos, e tratando-se de acidentes de viação, uma alegação de todos os pressupostos da responsabilidade civil tornaria tal desiderato quase impraticável.
E compreende-se que assim seja: o prestador dos cuidados de saúde, naturalmente, desconhece o modo como o acidente ocorreu. Estando as companhias de seguros em melhores condições de o saber, atenta a relação jurídica estabelecida com o segurado, interveniente no mesmo, e os deveres da mesma decorrentes.
Por conseguinte, também nesta parte não sufragamos a decisão recorrida quando nela se afirma não ser “razoável que no processo iniciado com um requerimento de injunção, com as limitações factuais que lhe são inerentes e exigências de celeridade próprias desse processo especial, se aprecie e discuta o responsável pelo sinistro, que deu causa à prestação dos cuidados de saúde”.
Acresce que o facto de não existir relação entre as instituições e serviços integrados no SNS e as seguradoras e de o direito daquelas serem indemnizadas depender da responsabilidade destas perante o assistido não é uma situação nova, já que na primitiva redação do Decreto-Lei n.º 218/99, no caso de acidente de viação e não estando em causa dívidas reclamadas pela assistência prestada a ocupantes ou em resultado de atropelamento, era já esse o regime aplicável, como referimos.
De todo o modo, essa questão terá já atinência com o funcionamento do regime previsto no art. 5º, mas é irrelevante para a aferição da adequação do meio processual escolhida pelo autor com vista a fazer valer a pretensão deduzida em juízo.
Termos em que o recurso merece provimento.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são da responsabilidade da recorrida, uma vez que, tendo contra-alegado, pugnou pela improcedência da apelação (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – O procedimento de injunção é meio processual adequado para cobrança das dívidas hospitalares das instituições integradas no SNS, independentemente do apuramento do responsável pelas lesões estar apurado à data da apresentação do requerimento injuntivo.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, devendo a ação prosseguir os seus termos.
Custas da apelação pela recorrida.
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Guimarães, 17 de setembro de 2020

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. No mesmo sentido pronunciou-se Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, 1981, pp. 288/289 e 291, afirmando que «quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial» (sublinhado nosso). José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sustentam mesmo a irrelevância da causa de pedir para efeitos de aferir o erro na forma de processo, para o qual apenas interessa considerar o pedido formulado (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, p. 397). Abrantes Geraldes defende, porém, que «a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, a qual não é afectada pelas razões que se ligam ao fundo da causa» (cfr. Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 1997, p. 247).
2. - Cfr., entre outros, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 3ª ed., 1999, p. 262, Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 115, p. 245 e ss. e Ac. da RP de 29/06/2017 (relator Paulo Dias da Silva), in www.dgsi.pt.
3. Cfr. Ac. da RL de 22/02/2007 (relatora Isabel Canadas), in www.dgsi.pt.
4. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 232.
5. Deve ser equiparada à ineptidão da petição inicial a nulidade derivada de erro na forma de processo quando afecte a própria petição inicial. Trata-se de uma situação pouco frequente, pois que o erro na forma de processo determina, em regra, o aproveitamento, no todo ou em parte, da tramitação processual anterior. Mas, ocorrendo uma inadequação tão grave da petição inicial, tendo em conta o pedido formulado, mais do que perante uma nulidade processual, tratar-se-á de uma verdadeira excepção dilatória determinativa da absolvição da instância – cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 2ª, Almedina, 1997, p. 226 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, p. 390, nota 1.
6. Cfr. Ac. da RG de 23/03/2010 (Rosa Tching), CJ, Ano XXXV, T. II/2010, pp. 275/276.
7. Cfr. Preâmbulo do Dec. Lei n.º 218/99 e Ac. do STJ de 16/02/2011 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. Ac. da RP de 28/10/2013 (relator Abílio Costa), in www.dgsi.pt.
9. Cfr. Ac. do STJ de 16/02/2011 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
10. Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2012.
11. E, como bem se refere na decisão recorrida, “independentemente da causa que originou tais cuidados de saúde” prestados.
12. Cfr. Ac. da RC de 14/01/2014 (relator Carlos Moreira), in www.dgsi.pt.
13. Cfr. Ac. da RL de 1/04/2014 (relator Gouveia Barros), in www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ac. da RE de 10/03/2016 (relator Silva Rato), in www.dgsi.pt.
15. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de considerar que tal norma estabelece uma inversão do ónus da prova do “facto gerador da responsabilidade pelos encargos”, não cabendo esta ao demandante que invoca o direito (previsto nos arts. 483.º, n.º 1, e 495.º, n.º 2, do Cód. Civ.), contrariamente ao determinado no art. 342.º do Cód. Civ., mas sim ao demandado (cfr. Acs. do STJ de 15-10-2013 (relator Azevedo Ramos), 01-04-2008 (relator Urbano Dias) e de 16/02/2011 (relator Granja da Fonseca), - embora este último aresto para consulta na base de dados da dgsi se deva pesquisar com a data de 16/02/2012 -, todos disponíveis in www.dgsi.pt.).