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PROCESSO ESPECIAL DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário
I - A acção de prestação de contas constitui um processo especial que se regula pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns. Em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo comum - nº 1 do Artigo 549º do CPC. II - O processo obviamente inicia-se com a petição inicial, peça processual onde o autor deve invocar o acto ou facto que justifica o seu pedido; esse acto ou facto constitui a causa de pedir (a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o réu impende a obrigação de as prestar). III - Após a citação, o réu pode assumir na contestação três posições: 1. Nada faz; 2. Apresenta as contas; 3. Contesta a obrigação de prestar contas. IV - Ora, os RR., na presente acção, assumiram esta última posição, invocando, em síntese, duas vias de defesa: a) alegando que já prestaram as contas (extrajudicialmente); b) e alegando a excepção de ilegitimidade. V - Ao terem assumido essa posição, os RR. estão a suscitar uma questão prévia e prejudicial ao pedido formulado pela Autora. E enquanto esta questão não for decidida não pode o processo avançar; se o juiz a resolve a favor do autor, isto é, se decide que o réu está obrigado a prestar contas, o processo segue para o efeito de as contas serem prestadas; se o resolve a favor do Réu, a acção finda, porque deixa de ter objecto. VI - Ora, em termos processuais, se os réus contestarem a obrigação de apresentar contas, a Autora pode responder à defesa apresentada (Art. 942º, nº 3, do CPC). VII - Seguindo-se esta tramitação, impõe o citado preceito legal (no seu nº 3) que, em princípio, o Juiz profira imediatamente decisão sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas - aplicando-se o disposto nos arts. 294º e 295º do CPC (incidentes de instância). “Se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa” (2ª parte do nº 3 do art. 942º do CPC). VIII - Desta tramitação processual resulta que existem neste processo especial duas fases processuais. Uma primeira, em que se efectua o julgamento sumário da existência ou inexistência da obrigação de prestar contas. E uma segunda no caso de se julgar que existe aquela obrigação ou no caso de se considerar que tal questão não pode ser sumariamente decidida naqueles termos. IX - Naquela primeira hipótese (decidindo-se que o réu está obrigado a prestar contas) este “é notificado para as apresentar no prazo de vinte dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o autor apresente” (nº 5 do art. 942º do CPC). Naquela segunda hipótese (não podendo efectuar-se o julgamento sumário), o juiz “manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa” (2ª parte do nº 3 do art. 942º do CPC). X - No caso concreto, encontrando-se o presente processo ainda naquela primeira fase, não tendo o Tribunal Recorrido efectuado o julgamento sumário que o legislador, lhe impõe efectuar nesta fase (seja no primeiro sentido, seja no sentido de ordenar o prosseguimento da acção segundo a tramitação do processo comum), a tramitação expressamente prevista pelo legislador para esta fase processual apenas admite os seguintes articulados: - petição inicial; - contestação; -e resposta à contestação. XI - Nesta conformidade, tendo a Autora, após já ter apresentado o articulado de resposta às excepções invocadas pelos RR., vindo ainda apresentar dois requerimentos avulsos, é patente que os aludidos requerimentos constituem actos processuais que têm que ser considerados processualmente inadmissíveis, tendo em conta a tramitação atrás explanada, pelo que é de manter a decisão de desentranhamento proferida pelo Tribunal Recorrido. XII - Em tal decisão deve, no entanto, ser salvaguardada a parte em que a Autora requereu a junção de prova documental, pois que, por força do princípio da conservação/redução dos requerimentos, na parte em que os actos praticados fossem admitidos por lei (cfr. art. 195º, nº2 do CPC), deve a mesma ser admitida, atento o disposto no nº 2 do art. 423º do CPC, sem prejuízo de a Autora ir condenada em multa, por não ter logrado provar que não tivesse podido apresentar os documentos em causa com os respectivos articulados apresentados no presente processo”.
Texto Integral
APELAÇÃO Nº 1471/17.1T8PRT-A.P1
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Comarca do Porto - Juízo Local Cível – J8
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto. I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…;
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B…, inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido que ordenou o desentranhamento de diversos requerimentos identificados no recurso, veio interpor recurso dessa decisão.
Para tanto, conclui as suas alegações da seguinte forma:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação a Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
A- Se ao ordenar o desentranhamento do requerimento de fls. 609 a 611 (em que a autora responde à resposta ao pedido de condenação como litigantes de má fé) o Tribunal Recorrido violou o princípio do contraditório;
B- Quanto aos demais requerimentos desentranhados:
1. se o Tribunal Recorrido não poderia ter ordenado o desentranhamento do requerimento de fls. 675 a 920 (onde a autora a coberto da tomada de conhecimento de informação pertinente para a boa decisão da causa apresenta um novo articulado com novos requerimentos de prova) por inadmissibilidade processual.
2- se o Tribunal Recorrido não podia ter ordenado o desentranhamento do requerimento REF. Citius 22043962 (Requerimento de aditamento ao Requerimento de fls. 675 a 920 em que a Recorrente veio apresentar uma nota explicativa face ao Requerimento anteriormente apresentado, requerendo a junção aos autos de mais 12 documentos a aditar àqueles que juntou com o Requerimento precedente) por ter considerado que o mesmo, tendo aquele primeiro sido julgado inadmissível, também teria que ser desentranhado;
- se esta decisão está ferida de nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) e nº 4 por omissão do cumprimento do dever que impende sobre o Juiz de indiciar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão, nomeadamente, porque não foram indicadas as razões de facto e de direito que fundamentaram a inadmissibilidade dos Articulados e Requerimentos de prova (prova pericial e prova documental) que a Recorrente apresentou – tendo o Tribunal recorrido violado o disposto nos arts. 588º, nº 1, 2 e 4 e arts. 423º, nº 2 do CPC (e ainda os dispositivos legais relativos à prova pericial, pois que o Tribunal não se pronunciou sobre o teor do mesmo, nem sobre a sua pertinência para a descoberta da verdade material, limitando-se a rejeitá-lo com base na sua inadmissibilidade).
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas o teor da decisão proferida na parte posta em crise pelo Recorrente e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Comecemos por apreciar a primeira questão atrás enunciada.
Coloca a Recorrente a questão de saber se ao ordenar o desentranhamento do requerimento de fls. 609 a 611 (em que a autora responde à resposta ao pedido de condenação como litigantes de má fé) o Tribunal Recorrido violou o princípio do contraditório.
Compulsados os autos, constata-se efectivamente que no articulado de contestação apresentado pelos RR. (27.2.2017) estes pedem a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Na resposta a esse articulado (16.3.2017), a Autora pronuncia-se sobre este pedido nos itens 130 e 131. E veio, por sua vez, peticionar essa mesma condenação dos RR.
A esse pedido, responderam os RR. através do requerimento que deu entrada em 27.3.2017.
Finalmente, veio ainda a Autora apresentar um requerimento em 18.4.2017, onde, invocando o disposto no art. 3º, nº3 do CPC, veio (novamente) pronunciar-se sobre o pedido formulado pelos RR.
Ora, como bem refere o Tribunal recorrido – e se pode constatar da tramitação atrás respigada – não há dúvidas que o requerimento desentranhado constitui um acto processual inadmissível à luz das regras processuais vigentes.
Na verdade, ao apresentar novo requerimento em que pretende ter “a última palavra” sobre a questão da litigância de má-fé, é incontornável que a Autora enveredou pela prática de acto processual que a lei adjectiva de todo não admite, antes veda.
Com efeito, com o requerimento apresentado a Autora não pretende mais do que exercer pela segunda vez o contraditório sobre o mesmo pedido que havia sido formulado pelos RR..
Nessa medida, não existe qualquer violação do princípio do contraditório previsto no nº 3 do art. 3º do CPC – que já estava exercido – quando o Tribunal, no âmbito dos poderes de ordenação e direcção do processo, determinou o desentranhamento do requerimento aqui em causa.
Improcede, sem necessidade de mais alongadas considerações, esta parte do recurso.
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Vejamos, agora, a argumentação relativamente aos demais requerimentos desentranhados:
Está em causa:
- o desentranhamento do requerimento de fls. 675 a 920 - apresentado em juízo no dia 14-3-2019 - (onde a autora a coberto da tomada de conhecimento de informação pertinente para a boa decisão da causa apresenta um novo articulado com novos requerimentos de prova) por inadmissibilidade processual.
- e o desentranhamento do requerimento REF. Citius 22043962 - apresentado em juízo no dia 28.3.2019 (Requerimento de aditamento àquele primeiro em que a Recorrente veio apresentar uma nota explicativa face ao Requerimento anteriormente apresentado, requerendo a junção aos autos de mais 12 documentos a aditar àqueles que juntou com o Requerimento precedente) por o Tribunal ter considerado que o mesmo, tendo aquele primeiro sido julgado inadmissível, também teria que ser desentranhado.
Invoca, em primeira linha, a nulidade da decisão, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) e nº 4 por omissão do cumprimento do dever que impende sobre o Juiz de indiciar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão, nomeadamente, porque não foram indicadas as razões de facto e de direito que fundamentaram a inadmissibilidade dos Articulados e Requerimentos de prova (prova pericial e prova documental) que a Recorrente apresentou.
Comecemos, então, por apreciar esta primeira linha de argumentação.
Julga-se que a Recorrente não tem razão quanto à invocação da nulidade da decisão proferida com este fundamento.
Na verdade, salvo o devido respeito pela opinião contrária, o Tribunal Recorrido indicou de uma forma expressa quais eram os fundamentos que determinaram a decisão proferida – inadmissibilidade processual do primeiro requerimento, que prejudicou, por sua vez, a admissibilidade do segundo, porque este último era um aditamento/esclarecimento daquele primeiro (cujo desentranhamento tinha sido determinado).
Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, a falta de motivação a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, motivo de nulidade da decisão, é a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Assim, é pacífico na Jurisprudência que “… uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença”[1].
Também a doutrina se pronuncia em sentido idêntico.
Assim, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa[2] refere que “… esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1 CRP e artigo 158.º, nº 1 CPC) …o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
No mesmo sentido se pronuncia, Lebre de Freitas[3], afirmando que “… há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
De igual modo, Antunes Varela[4], entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.
Aqui chegados, não há dúvidas, no caso concreto, que o Tribunal Recorrido ao proferir a decisão aqui posta em causa não incorreu no vício que aqui se aprecia, uma vez que apresentou de uma forma expressa o motivo (processual) pelo qual tomava a decisão de desentranhamento dos requerimentos apresentados.
Importa, pois, concluir, sem necessidade de mais alongadas considerações, pela não verificação da nulidade arguida, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC (aplicável aos despachos por força do estatuído no artigo 613º, nº 3 do CPC).
Improcede, pois, esta argumentação.
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Aqui chegados, e ultrapassada esta questão, importa, então, verificar se a exemplo do que sucedeu com aquele primeiro requerimento, o Tribunal Recorrido tem razão quando entendeu que os requerimentos apresentados eram processualmente inadmissíveis, nomeadamente, tendo em conta a tramitação própria da acção especial de prestação de contas.
Defendeu o Tribunal Recorrido – antecipa-se já de uma forma acertada – que, no âmbito da presente acção especial “(apenas) será admissível o exercício do direito ao contraditório relativamente:
a) à matéria de excepção deduzida pelos réus na contestação e já exercido através do requerimento de fls. 176 a 598 (resposta à contestação – art. 942º, nº 3 do CPC);
b) ao pedido de condenação como litigantes de má fé dos réus também já exercido desta feita de fls. 601 a 608”.
Senão vejamos porquê.
A presente acção especial de prestação de contas – e é indiscutido que a presente tem essa configuração (v. decisão sumária anteriormente proferida por este mesmo Tribunal da Relação no âmbito da decisão proferida quanto ao conflito de competência anteriormente dirimido) - tem por objecto o seguinte pedido formulado pela Autora na petição inicial:
“Termos em que e nos melhores em direito, que Vª. Exª. Doutamente suprirá e em face de todo o exposto, devem os Réus ser condenados:
1. A prestar contas de todos os actos que praticaram ao abrigo da Procuração que lhe foi outorgada, nos termos sobreditos, no período compreendido entre 28 de Novembro de 2007 e 28 de Julho de 2014, para apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas e a sua condenação, sendo caso disso, no pagamento do saldo que vier a apurar-se.
2. Sejam as 1ª. e 3ª. s Rés, condenadas a efectuar imediatamente o pagamento da quantia de 200.100EUR à Autora, à qual se deverão acrescer os juros, que se vierem a apurar no âmbito da Prestação de Contas, a serem estes pagos em momento posterior, dada a urgência da Autora no recebimento da importância acima identificada.
3. A coberto da prestação de contas, requer-se seja declarada a inscrição de todas as eventuais verbas retiradas das contas bancárias da Representada pelos aqui réus, que não aquela que se refere à importância dos 200.100€, aqui requerida, aquando da actuação dos mesmos por referência ao disposto no art.º 261 do CC a favor da Herança Indivisa de C…, por não consubstanciarem doações, mas antes, negócios consigo mesmos, não autorizados pela procuração.
4. Consequentemente, ao vertido em 3., devem os Réus visados serem condenados a restituir tudo quanto foi recebido e integrado no seu património, agora a integrar a massa hereditária de C…, bem como os juros que tal património lhes rendeu, a coberto da procuração outorgada a favor dos mesmos, e que especificadamente, não lhes autorizava esse negócio.
Assim, ao abrigo do nº 1 do art.º 942º do CPC, deverão os Réus ser citados para apresentar as contas ou contestar a acção”.
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Ora, de acordo com o estatuído no art. 941º do CPC, “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”[5].
E, segundo o preceituado no art. 942º do CPC, “aquele que pretenda exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no prazo de 30 dias, as apresentar ou contestar a acção, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente”.
Por seu turno, o nº 4 do art. 944º do CPC preceitua:
“Se as contas apresentarem saldo a favor do autor, pode este requerer que o réu seja notificado para, dentro de 10 dias, pagar a importância do saldo, sob pena de, por apenso, se proceder a penhora e se seguirem os termos posteriores da execução por quantia certa; este requerimento não obsta a que o autor deduza contra as contas a oposição que entender”.
Finalmente, o art. 946º, ao regular a prestação espontânea de contas, dispõe no seu nº 2:
“É aplicável neste caso o disposto nos dois artigos anteriores, devendo considerar-se referido ao autor o que aí se estabelece quanto ao réu, e inversamente”.
Da conjugação destes preceitos emerge, sem margem para dúvidas, que a acção de prestação de contas não é uma acção de simples apreciação ou constitutiva.
É, isso sim, uma acção declarativa de condenação, em que se visa apurar” quem deve e o que deve “, e em que se consente, até, que o devedor possa vir a ser executado por apenso.
A prestação de contas tem em mira a definição de um quantitativo como saldo.
E isto porque o pedido de prestação de contas envolve, necessariamente, um pedido de condenação no pagamento de um saldo positivo.
Na verdade, o saldo proveniente de determinada gestão tem de ser apurado em acção de prestação de contas, na qual se condenará o devedor a pagar “a quantia que resultou do julgamento das contas “.
Assim, importa acentuar que a acção de prestação de contas não tem por fim determinar se a pessoa obrigada a prestar contas foi ou não diligente na administração dos bens.
O seu objectivo é, tão-somente, apurar o montante das receitas cobradas e o montante das despesas efectuadas, com indicação do saldo positivo, se o houver.
Encontrando-nos, assim, “…perante um processo especial pré-modelado”, e, na sequência do exposto, temos de concluir que o pedido de prestação de contas envolve necessariamente um pedido de condenação no pagamento do saldo apurado[6].
Sucede que, para atingir esse objectivo, o legislador estabeleceuuma tramitação processual própria que se julga ter estado na origem da decisão aqui posta em crise.
Como já se referiu, a prestação de contas constitui um processo especial que se regula pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns. Em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se acha estabelecido para o processo comum - nº 1 do Artigo 549º do CPC.
O processo obviamente inicia-se com a petição inicial, peça processual onde o autor deve invocar o acto ou facto que justifica o seu pedido; esse acto ou facto constitui a causa de pedir (a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o réu impende a obrigação de as prestar).
Neste âmbito, cabe àquele que invoca o direito a prestação de contas o ónus de provar os factos constitutivos da sua pretensão – Art. 342º, nº 1 do CC.
Na sequência, deve o autor concluir a petição requerendo que o réu seja citado para apresentar as contas em 30 dias ou, no mesmo prazo, contestar a acção, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente.
Após a citação, o réu pode assumir na contestação três posições:
1. Nada faz;
2. Apresenta as contas;
3. Contesta a obrigação de prestar contas.
Ora, compulsados os autos, constata-se que os Réus vieram justamente contestar a obrigação de prestar contas, invocando, em síntese, duas vias de defesa:
a) alegando que já prestaram as contas (extrajudicialmente);
b) e a excepção de ilegitimidade;
Ora, ao assumirem tal posição, os RR. estão suscitar uma questão prévia e prejudicial.
Conforme refere o Prof. Alberto dos Reis[7], “Enquanto (esta questão) não foi decidida não pode o processo avançar; e se for julgada em sentido favorável ao réu, a acção morre. A acção é de prestação de contas; contestada pelo réu a obrigação de as prestar, tem de resolver-se, antes de mais nada, esse problema.
Se o juiz o resolve a favor do autor, isto é, se decide que o réu estar obrigado a prestar contas, o processo segue para o efeito de as contas serem prestadas; se o resolve a favor do Réu, a acção finda, porque deixa de ter objecto”.
Ou seja, provando o Réu que já prestou extrajudicialmente as contas, deve ser proferida imediatamente sentença de absolvição do réu do pedido.
Nesta conformidade, perante a defesa enunciada persiste a cargo da Autora o referido ónus da prova dos factos constitutivos da obrigação de prestar contas por parte dos Réus. Mas já quanto á alegação dos RR. de que já prestaram as contas incumbe-lhes o ónus de provar que assim sucedeu porque se trata de facto extintivo ou impeditivo do direito cuja tutela se pretende alcançar (Art. 342º, nº 2, do CC), ou seja, admitindo-se que a obrigação existe (com fonte legal ou contratual), isso importa para o obrigado a demonstração de que cumpriu (facto extintivo )[8].
Se os Réus contestarem a obrigação de apresentar contas – como sucedeu no caso concreto - a Autora pode responder à defesa apresentada (Art. 942º, nº 3, do CPC) – como efectuou no caso concreto.
Ora, seguindo-se esta tramitação, impõe o citado preceito legal (no seu nº 3) que, em princípio, o Juiz profira imediatamente decisão sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas - aplicando-se o disposto nos arts. 294º e 295º do CPC (incidentes de instância)[9].
“Se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa” (2ª parte do nº 3 do art. 942º do CPC)[10].
Desta tramitação processual resulta que existem neste processo especial duas fases processuais.
Uma primeira, em que se efectua o julgamento sumário da existência ou inexistência da obrigação de prestar contas.
E uma segunda no caso de se julgar que existe aquela obrigação ou no caso de se considerar que tal questão não pode ser sumariamente decidida naqueles termos.
Naquela primeira hipótese (decidindo-se que o réu está obrigado a prestar contas) este “é notificado para as apresentar no prazo de vinte dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o autor apresente” (nº 5 do art. 942º do CPC).
Naquela segunda hipótese (não podendo efectuar-se o julgamento sumário), o juiz “manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa” (2ª parte do nº 3 do art. 942º do CPC).
De todas estas considerações, resulta, de uma forma evidente, que enquanto esta questão prévia e prejudicial não for decidida, não pode o processo avançar para a fase seguinte.
Ora, revertendo para o caso concreto, tendo bem presente o que se acaba de expor, podemos constatar que o presente processo se encontra ainda naquela primeira fase, não tendo o Tribunal Recorrido efectuado o julgamento sumário que o legislador, como se referiu, lhe impõe efectuar nesta fase (seja no primeiro sentido, seja no sentido de ordenar o prosseguimento da acção segundo a tramitação do processo comum).
Nesta conformidade, dúvidas não podem existir que a tramitação expressamente prevista pelo legislador para esta fase processual apenas admite os seguintes articulados:
- Petição inicial;
- Contestação;
-E resposta à contestação.
Sucede que a Autora, além de já ter apresentado o articulado de resposta às excepções invocadas pelos RR., veio ainda apresentar os dois requerimentos avulsos aqui mandados desentranhar pelo Tribunal Recorrido.
Ora, atento o exposto – não esquecendo que nos movemos ainda na primeira fase processual prévia ao julgamento sumário atrás referido – julga-se que é patente que os aludidos requerimentos constituem actos processuais que têm que ser considerados processualmente inadmissíveis, tendo em conta a tramitação atrás explanada.
Na verdade, a resposta da Autora à defesa apresentada pelos RR. tinha, nesta primeira fase, o seu momento próprio para ser efectuada, ou seja, tinha que ser apresentada (com todos os seus fundamentos) naquele articulado de resposta.
Nessa medida, após ter apresentado a sua resposta à contestação, não podia a Autora voltar a apresentar novos requerimentos com a intenção de aditar novos argumentos no sentido de obter a improcedência das excepções invocadas pelos RR. (ou de obter a procedência da sua pretensão de reconhecimento da existência da obrigação de prestar contas).
Tal faculdade estava obviamente vedada até por força do princípio da preclusão, de onde decorre que os actos (máxime as alegações de factos ou os meios de prova) que não tenham tido lugar no ciclo próprio, ficam precludidos[11].
“Neste contexto, a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um acto processual pela parte depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização.” (sublinhado nosso)[12], sendo certo que uma das funções primordiais subjacentes a este princípio é justamente aquela que presidiu à decisão recorrida, ou seja, a função ordenatória da tramitação processual seguida.
É certo que a Recorrente veio, agora em sede de recurso, invocar que se tratava(m) de articulado(s) superveniente(s) (?)
Mas é patente que se trata de alegação que não efectuou quando apresentou os requerimentos aqui desentranhados, não se mostrando por isso e obviamente preenchidos os requisitos processuais exigidos para que tal tipo de articulados pudesse ser aqui admitido.
Desde logo, porque não estão verificados os requisitos da sua admissibilidade correspondentes à alegação da superveniência dos factos.
Depois, porque não se requer qualquer prova dessa (não) alegada superveniência.
Finalmente, porque não se mostram cumpridos os prazos expressamente estabelecidos para o oferecimento dos articulados (sendo o primeiro previsto, a Audiência prévia – que ainda não se mostra realizada) – tudo em conformidade com o disposto no art. 588º do CPC)
Improcede esta argumentação, sem necessidade de mais alongadas considerações.
Aqui chegados, importa ainda referir o seguinte quanto às pretensões processuais da Autora.
Julga-se que a urgência assumida por esta na apresentação injustificada (processualmente) de sucessivos requerimentos avulsos – violadora como já referimos da ordem processual legalmente prevista – poderá resultar da eventual não ponderação da tramitação processual própria da acção de prestação de contas.
É que as considerações que a Autora efectua nos requerimentos desentranhados, terão o seu momento próprio de alegação no caso de o processo avançar para a segunda fase atrás identificada.
Na verdade, conforme decorre do exposto, poderão aqui surgir várias situações em que a Autora poderá ainda expressar a sua posição com a correspondente apresentação dos meios de prova.
Com efeito, a título de exemplo - pois que, como já dissemos, ainda não se ultrapassou aquela primeira fase:
- se o Tribunal Recorrido vier a efectuar um julgamento sumário no sentido de que os RR. estão obrigados a prestar contas (cfr. art. 942º, nº 3, 1ª parte e 5 do CPC), se estes vieram a apresentá-las “pode o Autor contestá-las no prazo de 30 dias, seguindo-se os termos, subsequentes à contestação, do processo comum declarativo” (art. 945º, nº 1 do CPC).
- Se o tribunal naquele julgamento sumário “mandar seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa” (2ª parte do nº 3 do art. 942º do CPC), aplicar-se-ão as correspondentes regras processuais do processo comum (Fase de saneamento do processo, da instrução e da Audiência final –cfr. arts. 942º, nº 3, 2ª parte e 590º a 606º do CPC).
Independentemente desta exemplificação – que não pode obviamente retractar todas as hipóteses em que a Autora ainda terá oportunidade da expressar as suas posições – importa aqui salientar uma outra vertente da questão colocada no presente recurso, qual seja a eventual possibilidade de ponderação dos meios de prova juntos pela Autora nos requerimentos desentranhados – independentemente de se confirmar a decisão recorrida nos termos expostos quanto à impossibilidade de alegação de novos argumentos não apresentados na resposta à contestação (que, nessa medida, aqui também se declaram como “não escritos”).
Com efeito, vem-se entendendo que nestes casos (de desentranhamento) deverá ser aplicável o seguinte raciocínio.
Na ponderação que deve ser efectuada, no momento da decisão ordenatória de desentranhamento de determinada peça processual, deve ter-se em consideração que muitas vezes sucede que, sendo inadmissível em termos processuais tal apresentação, tal não impede que possam ser admitidos actos processuais que estejam integrados naquela e que, contrariamente àquela, sejam actos permitidos pela lei processual.
Com efeito, o facto de estarem verificados os requisitos que permitem ordenar o desentranhamento de determinada peça processual (por exemplo, inadmissibilidade de requerimentos avulsos após a resposta à contestação; ou de articulados supervenientes), não impede que se devam aproveitar os requerimentos que nessa peça processual sejam admitidos pela lei processual.
Na verdade, tem-se admitido, em termos jurisprudenciais[13], que, por força do disposto no art. 195º, nº 2, parte final, do CPC, tais actos processuais poderão ainda ser admitidos por apelo ao princípio da conservação dos actos jurídicos.
Ou seja, sendo o acto processual apresentado pela parte seja processualmente inadmissível, sendo pertinente para outro efeito, não se vê como não lhe aplicar a figura da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do acto processual na parte em que é ele lícito.
Assim, como refere, por exemplo, o citado ac. da RG de 25.2.2016 (relator: António Santos) “ao enveredar a primeira instância pelo desentranhamento dos autos do articulado Resposta, qual medida drástica de gestão processual, impedindo e bem a prática de acto que a lei não admite, obsta também, mas agora mal, a prática pela parte de um outro acto que a mesma lei prescreve”.
A questão que se coloca, pois, de seguida é a de saber se alguma das peças processuais contém algum requerimento que possa ainda assim ser aproveitado, por se tratar da prática de actos processuais legalmente admissíveis (estamos aqui a referirmo-nos nomeadamente aos requerimentos de prova).
Não há dúvidas que na presente acção – tal como aliás sucede actualmente em geral nas acções de processo comum (cfr. artigos 552.º, n.º 6, e 572.º, alínea d) do CPC) - o momento de oferecimento da prova é o de apresentação dos articulados - Artigo 942º, nº 1 do CPC (onde expressamente se estabelece que “as provas são oferecidas com os articulados”)[14].
Mas obviamente tal regra geral encontra diversas excepções, decorrentes não só da possibilidade de alteração e aditamento dos requerimentos probatórios (arts. 552º, nº 6 e 598º do CPC), como também das regras especiais previstas para cada um dos meios de prova (v., por exemplo e como iremos ver, as regras previstas para a apresentação da prova documental – arts. 423º e ss. do CPC).
Além disso, como já se referiu, no caso concreto, poderão surgir, na fase subsequente já atrás identificada, outros momentos processuais, onde as partes poderão apresentar com o correspondente (novo) articulado os respectivos meios de prova (v, o que já dissemos quanto à eventual existência de um novo articulado de contestação no caso de na segunda fase processual os RR. apresentarem as contas) ou em que as partes poderão alterar os requerimentos probatórios inicialmente apresentados (v. o que já dissemos quanto à possibilidade de transmutação da presente acção para a tramitação própria do processo comum, no caso de se vir a entender que não é possível proceder ao julgamento sumário (incidental) das questões atrás enunciadas).
Resulta, pois, de todas estas considerações que, independentemente da já afirmada (e confirmada) inadmissibilidade processual dos requerimentos avulsos apresentados, importa ponderar se os requerimentos probatórios apresentados deverão ser atendidos, por constituírem actos processuais licitamente praticados –surgindo só após a necessidade de aferir a sua pertinência para a decisão das questões fácticas em discussão resultantes das alegações constantes dos articulados legalmente admissíveis (petição inicial; contestação e resposta) – e designadamente para o efeito do julgamento que tem que ser efectuado nesta primeira fase do processo quanto à existência ou inexistência da obrigação dos RR. prestarem contas.
Começando pela ponderação da sua admissibilidade processual, importa dizer o seguinte.
Quanto à prova pericial, requerida no primeiro requerimento avulso apresentado, importa ter em atenção que não existe uma norma especial que possibilite a apresentação do requerimento de realização de prova pericial fora dos momentos previstos em termos gerais – cfr. arts. 467º e ss. do CPC.
Nessa medida, este meio de prova tem que ser requerido com o respectivo articulado – o que a Recorrente não efectuou (mas ainda poderá efectuar nos termos atrás expostos) – ou, então, na fase do saneamento do processo no âmbito de eventual requerimento de alteração e aditamento dos requerimentos probatórios (arts. 552º, nº 6 e 598º do CPC) – o que a Recorrente também ainda poderá vir a efectuar.
Nesta conformidade, tendo o requerimento de realização da prova pericial sido apresentado avulsamente, e por isso fora do momento processual admissível, não pode tal requerimento ser aproveitado no âmbito da aludida jurisprudência que admite a redução/conversão dos requerimentos na parte em que os actos praticados fossem admitidos por lei – o que reafirmamos não sucede no caso concreto. Confirma-se, pois, também a decisão do tribunal recorrido quanto a esse ponto (abrangido pela decisão de desentranhamento) – isto sem prejuízo de tal requerimento poder ser renovado no momento processualmente próprio.
Cumpre aqui referir que tal inadmissibilidade tem também a consequência de todas as demais diligências aí requeridas ficarem prejudicadas na sua apreciação (por ex. solicitação de informações e prova documental a entidades terceiras e à parte contrária), pois que as mesmas foram requeridas no âmbito da instrução da prova pericial(que aqui se considerou processualmente inadmissível).
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Vejamos agora se o mesmo sucede com a prova documental junta com os dois requerimentos avulsos apresentados.
Ora, contrariamente aquilo que sucede com a prova pericial, a verdade é que a prova documental pode ser apresentada, dentro de determinados pressupostos, sem ser com o articulado, onde se alegam os factos que justificam a sua junção.
É verdade que, nos termos do art. 423º do CPC, os documentos devem ser apresentados com o articulado onde se alegam os factos correspondentes.
Mas o legislador permite no nº 2 do citado dispositivo legal, que as partes procedam à junção de prova documental “… até 20 dias antes da data da realização da Audiência final…”[15], sem carecer de fundamentação especial.
Ultrapassado este prazo, o legislador permite, finalmente, que ainda sejam juntos documentos quando ocorra alguma das situações expressamente previstas no nº 3 do citado dispositivo legal[16].
Ora, no caso concreto, o requerimento de junção da prova documental (nos dois requerimentos avulsos) cumpre manifestamente o prazo referido no nº 2 do art. 423º do CPC, pelo que ao determinar o desentranhamento dos requerimentos, o Tribunal Recorrido deveria ter salvaguardado desse despacho ordenatório a prova documental junta com os requerimentos, pois que não se depreende do respectivo teor – nesta fase do processo – a sua impertinência para o objecto do presente processo.
Assim, tendo em conta o exposto, pode-se concluir que a junção da prova documental pela Recorrente era tempestiva, sendo, assim, admissível a sua junção na fase do processo em que foi requerida, atento o disposto no nº 2 do citado dispositivo legal.
A única consequência dessa violação da regra estabelecida no nº 1 é de “a parte ser condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” (no caso seria com a petição inicial ou com a resposta à contestação) – cfr. nº 2 do art. 423º, parte final, do CPC.
É isso mesmo que os RR. defendem no requerimento apresentado em resposta ao primeiro requerimento avulso apresentado pela Autora, peticionando justamente a condenação da Autora.
Julga-se, efectivamente, que têm razão.
Na verdade, apesar do esforço argumentativo da Autora, compulsados os documentos, podemos facilmente concluir que aquela não logrou provar que os não tivesse podido oferecer com os respectivos articulados.
Com efeito, seja pelas datas neles mencionadas, seja porque se tratam de documentos que lhe foram enviados (e por isso estavam na sua posse), seja porque não se comprova que os não tivesse podido juntar na data em que apresentou a resposta à contestação, considera-se que a Autora não logrou provar que os não pôde oferecer com os articulados que até ao momento apresentou nos autos.
Aliás, quanto a essa exigida prova que não pode oferecer a prova documental com os respectivos articulados, a Autora limitou-se a alegar – no primeiro requerimento avulso- (não juntando qualquer prova) que o requerimento de junção da prova documental – na parte que aqui interessa – “vem no seguimento da tomada de conhecimento de informação pertinente para a boa decisão da causa, a qual não dispunha à data da instauração da presente acção” – sem se referir sequer à data da resposta à contestação?
E veio alegar no segundo requerimento avulso que “… a apresentação dos documentos e pedido de produção de prova pericial se deveu ao facto de só nesse momento ter alcançado a tão pretendida explicação sobre a matéria que tanto a intrigava concernente à interligação entre a Retenção na Fonte feita pela D…, SA e os rendimentos que eram por esta sociedade imputados aos seus sócios.
Na verdade, o email redigido e enviado pela Senhora D. E… à Autora – Cf. Doc. nº 2 junto com o Requerimento - interligava esses elementos de uma forma, que não lhe faziam sentido.
E por esse motivo, a Autora entende por necessário esclarecer este Tribunal, neste momento, sobre o que a induziu nessa constatação, apresentando, por esse motivo, nova prova documental, acrescida de actualizações vividas no momento presente que vêm certificar mais profundamente a necessidade da admissão da prova pericial requerida”.
Ora, em face destas alegações, surge como evidente que a Autora não logrou alegar (e assim, muito menos provar) que não pôde oferecer os documentos cuja junção agora requereu com os articulados que até ao momento apresentou nos presentes autos.
Justifica-se, assim, que, sem prejuízo da sua admissão aos autos, a Autora seja condenada em multa nos termos do nº 2 do art. 423º do CPC, multa que, atento o número de documentos juntos (36 documentos) e a fase processual em que os mesmos foram juntos (fase inicial do processo – 1ª fase do processo anterior à decisão sumária que o Tribunal Recorrido terá que proferir nos termos já expostos) se fixa em 3 (três) Uc´s.
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Aqui chegados, importa, pois, concluir o presente Acórdão, com a indicação do sentido da decisão:
- Confirma-se a decisão de desentranhamento dos requerimentos datados de 14.3.2017 e 28.3.2017 proferida pelo Tribunal Recorrido, uma vez que os mesmos, pelas razões expostas, são inadmissíveis em termos processuais;
- mas, por força do princípio da conservação/redução dos requerimentos, na parte em que os actos praticados fossem admitidos por lei (cfr. art. 195º, nº2 do CPC), decide-se salvaguardar da referida decisão, a junção da prova documental, admitindo a mesma, atento o disposto no nº 2 do art. 423º do CPC, sem prejuízo de a Autora ir condenada em 3 (três) UC´s de multa, por não ter logrado provar que não pudesse apresentar os documentos em causa com os respectivos articulados apresentados no presente processo.
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Procede, pois, parcialmente a Apelação.
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Sumário( elaborado pelo Relator- art.º 663º, nº 7 do CPC ):
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o Recurso apresentado, e, em consequência, decide-se:
a) confirmar a decisão de desentranhamento dos requerimentos datados de 14.3.2017 e 28.3.2017 proferida pelo Tribunal Recorrido, uma vez que os mesmos, pelas razões expostas, são inadmissíveis em termos processuais;
b) salvaguardar da referida decisão, por força do princípio da conservação/redução dos requerimentos, na parte em que os actos praticados fossem admitidos por lei (cfr. art. 195º, nº2 do CPC), a junção da prova documental, admitindo a mesma, atento o disposto no nº 2 do art. 423º do CPC, sem prejuízo de a Autora ir condenada em 3 (três) UC´s de multa, por não ter logrado provar que não pudesse apresentar os documentos em causa com os respectivos articulados apresentados no presente processo.
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Custas pela Recorrente na proporção de 1/4 (art. 527, nº 1 do CPC).
Notifique.
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Porto, 9 de Março de 2020
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
_____________ [1] v. o Acórdão do STJ de 05.05.2005 (relator: Araújo de Barros); no mesmo sentido, entre outros, o ac. RG de 21.5.2015 (relator: Ana Cristina Duarte) - que aqui se segue de perto- in Dgsi.pt; [2] In “Estudos sobre o Processo Civil”, pág. 221 [3] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, pág. 669 [4] In “Manual de Processo Civil”, pág. 687. [5] Em termos Jurisprudenciais tem-se enfatizado que a prestação de contas é uma das formas de exercício do direito à informação, afirmando-se, designadamente que a obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º do CC) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito- v. Acs. do STJ de 3.2.2005 (relator: Salvador da Costa) e de 9.2.2006 (relator: Araújo de Barros), in dgsi.pt; na doutrina, v. Luís Pires de Sousa, in “Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de coisas”, pág. 119. [6] Cfr. Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, vol. I, pág. 308; e os Acs. da RL de 02/05/80, CJ, t. III, pág. 155, e de 16/11/95, CJ, t. 5º, pág. 108, e do STJ de 02/12/93, t. 3º, pág. 166. [7] In “Processos especiais”, Vol. I, pág. 325. [8] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.7.2002, Marques de Castilho, 0121082, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.11.1994, Santos Bernardino, CJ 1994-V, pp. 99.105, de 24.10.2006, Rui Vouga, 6856/2005, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.4.2002, Lopes Pinto, 02A916 ("Há que alegar e provar que houve aprovação de contas, o que, porque facto extintivo da obrigação, cabe ao obrigado à sua prestação"). [9] Luís Filipe Sousa, in “Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, pág. 159 esclarece o seguinte: “Após a resposta do autor, segue-se a fase de produção de prova e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto no Artigo 295º.Assim, aplica-se o limite de cinco testemunhas e os depoimentos prestados são gravados (Artigo 294º, n º 1). Finda a produção da prova, o juiz tem que declarar quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - Artigos 295º e 607º”. [10] Luís Filipe Sousa, in “Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, pág. 159 refere o seguinte: “Após a resposta do autor à contestação do Réu (em que este nega a existência da obrigação de prestar contas), deve o juiz ponderar se a decisão sobre esta questão prévia deverá seguir o modelo dos incidentes da instância ou se, pelo contrário, deverá seguir o modelo do processo comum adequado ao valor da causa na medida em que a questão colocada não possa ser sumariamente decidida”. [11] Sobre este princípio, v. Lebre de Freitas, in “Introdução ao processo civil- conceito e princípios gerais à luz do novo código”, págs. 181 e ss. [12] V, o Professor Teixeira de Sousa no estudo “Preclusão e caso julgado” publicado No Blog do IPPC – nota 199 – de 3.5.2016. [13] V. Ac. da RG de 25.2.2016 (relator: António Santos): “I) Apresentando uma parte - em acção judicial - um articulado para responder a excepções invocadas pela parte contrária na respectiva contestação, e, bem assim, para exercer também o contraditório no tocante a prova documental, a impertinência/impossibilidade da prática do referido acto processual para efeitos de resposta a excepção não justifica inapelavelmente a prolação de despacho do seu imediato desentranhamento dos autos; II ) É que, por aplicação da regra vertida no artº 195º, nº2, in fine, do CPC [utile per inutile non vitiatur], inspirada no princípio da conservação dos actos jurídicos, se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito (in casu, servir o acto para responder a excepções), mas, por outro lado, possibilitar a produção de um outro efeito diverso, não se vê como não lhe aplicar também a figura da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do acto processual na parte em que é ele lícito. No mesmo sentido, v. o ac. da RG de 11.10.2018 (relatora: Amália Santos), in dgsi.pt [14] Nesse sentido se pronunciaram por exemplo os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.93, Sampaio da Silva, 084481; - e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18.12.2002, Ribeiro Cardoso, 1663/02. [15] Como diz Lebre de Freitas, in “A acção declarativa Comum”, pág. 249 “… as partes continuam a apresentar os documentos que provem os factos principais da causa, tal como os que provem factos instrumentais, até 20 dias da data em que se realiza a Audiência final (art. 423, nº 2) …”, a violação do dever de apresentar a prova documental com o respectivo articulado apenas, “… dá lugar a multa…”; [16] v. o ac. da RL de 22.10.2014 (relator: Celina Nóbrega), in Dgsi.pt com o seguinte sumário: “Do artigo 423º do CPC extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final mas, neste caso, a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pôde oferecer com o articulado respectivo; e c) posteriormente aos mencionados 20 dias, até ao encerramento da discussão em 1ª instância mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.”.