ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA DA MASSA
INSOLVENTE
OPOSIÇÃO AO ENCERRAMENTO
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Sumário


Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- São únicos pressupostos para que o interessado se possa opor ao imediato encerramento do processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa que: a) o requerente deduza a oposição dentro do prazo fixado no art. 232º, n.º 2 do CIRE; b) que aquele seja “interessado” no prosseguimento do processo de insolvência, isto é, que seja titular de um qualquer direito que seja violado ou limitado pelo imediato encerramento do processo de insolvência; e c) que seja depositado à ordem do processo de insolvência o quantitativo fixado pelo tribunal destinado a garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
2- Verificados que sejam essas três condições, o juiz não pode declarar encerrado o processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa insolvente, tendo de prosseguir com o processo de acordo com o modelo típico comum para que a insolvência produza todos os seus efeitos típicos normais da insolvência plena.
3- A condição especificada em 1.c) padece de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso do oponente ao Direito, na sua dimensão de tutela jurisdicional efetiva (arts. 20º, n.º 1 e 59º, n.º 1, al. a) da CRP), quando interpretada de que essa condição é imposta aos beneficiários de apoio judiciário, na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos do processo, para que possam validamente deduzir oposição ao imediato encerramento do processo insolvencial.
4- No processo de insolvência em que tenha sido declarada a insolvência do devedor com caráter pleno e em que, no decurso do processo, se venha a constar a insuficiência da massa insolvente, o trabalhador que tenha reclamado o seu crédito nos autos de insolvência e que tenha visto esses créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência, não dispõe da qualidade de “interessado” para efeitos do disposto no art. 232º, n.º 2 do CIRE, uma vez que do encerramento imediato do processo, por insuficiência da massa, não lhe advém qualquer prejuízo, designadamente, para efeitos de reclamação do pagamento dos seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial.
5- A reclamação ao Fundo de Garantia Salarial é independente da verificação e graduação dos créditos salariais em sede de insolvência, estando apenas dependente da declaração da insolvência da entidade empregadora e de requerimento instruído pelo trabalhador com declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos por ele reclamados emitida pelo administrador de insolvência.

Texto Integral


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: M. F..

M. F., instaurou a presente ação especial de insolvência, contra X, Unipessoal, Lda., com sede na Rua …, Barcelos, pedindo que esta fosse declarada insolvente.
Citada a requerida não contestou.

Por sentença proferida em 17/12/2018, entretanto transitada em julgado, declarou-se a insolvência da requerida X, Unipessoal, Lda., fixou-se residência do seu administrador, nomeou-se como administrador de insolvência o Senhor Dr. P. F., a quem se fixou prazo para apresentação do relatório a que alude o art. 155º do CIRE, decretou-se a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da devedora e de todos os seus bens, fixou-se o prazo de trinta dias para a reclamação de créditos, dispensou-se a realização de assembleia de credores e, por não haver elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, determinou-se, por ora, não declarar aberto o incidente em causa.

O administrador de insolvência apresentou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em que se lê que a insolvente desenvolveu a sua atividade durante cerca de três meses e meio, no setor da indústria têxtil, numa pequena unidade fabril, sita em Barcelos, na qual se dedicou à confeção de artigos têxteis e de vestuário, não lhe sendo conhecidos imóveis, viaturas automóveis, sequer outros bens, não obstante o administrador não ter tido acesso às instalações onde laborou a insolvente.
Conclui que a insolvente não reúne condições para retomar a sua atividade, propondo o encerramento definitivo desta e, dada a insuficiência de massa que se apurou até à presente data, propõe o encerramento do processo por insuficiência de massa insolvente.

Notificado o relatório à insolvente e aos credores, os mesmos nada disseram.

Por despacho proferida em 27/2/2019, aprovou-se o relatório apresentado e determinou-se, por ora, o prosseguimento dos autos para liquidação do ativo e concedeu-se ao administrador de insolvência o prazo de trinta dias para apurar se existem bens móveis no interior das instalações utilizadas pela insolvente.

Em 22/04/2019, o administrador de insolvência informou que não teve acesso às instalações onde a insolvente laborava dada a natureza do imóvel e em virtude daquela não ser dona desse imóvel e pedindo que a requerente da insolvência fosse notificada para informar o paradeiro das máquinas a que alude no art. 32º da petição inicial, caso o conheça, sob pena de propor, desde logo, o encerramento do processo com fundamento na insuficiência da massa insolvente.

Notificada a requerente M. F., esta informou desconhecer o paradeiro das máquinas, não obstante nelas ter trabalhado, mais as suas colegas, até ao encerramento da empresa insolvente.
Requereu a notificação da gerência da insolvente para informar o paradeiro das máquinas.

Notificado o gerente da insolvente para, no prazo de dez dias, informar o paradeiro dos bens móveis alegados pela credora no art. 32º da petição inicial, o mesmo nada disse.

Ordenou-se que fosse dado conhecimento do silêncio do gerente da insolvente aos credores e ao administrador da insolvência, devendo este último, caso nenhuma diligência mais seja requerida, propor o encerramento do processo de insolvência, com fundamento na insuficiência da massa insolvente, nos termos previstos no art. 232º do CIRE.

Por requerimento de 23/10/2019, a credora e requerente do processo de insolvência, M. F., declarou que:

“(…) nada têm a opor ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, desde que os autos de Reclamação de Créditos (apenso A) sejam alvo de decisão, pelo menos no que toca aos créditos reclamados e reconhecidos às trabalhadoras, na medida em que, de outra forma, tem sido obstaculizada pela Segurança Social o acionamento do Fundo de Garantia Salarial, como aliás foi já dado nota naquele apenso.
Na verdade, e considerando estarem nos autos reclamados e reconhecidos créditos laborais, e os credores – trabalhadores – na ausência de bens para permitir obter a satisfação do respetivo crédito, socorrem-se do Fundo de Garantia Salarial, tendo vindo a sentir entraves na obtenção das contribuições a que teriam direito, por ausência de uma decisão judicial que reconheça os créditos em conformidade.
Caso assim não se entenda, não poderá a requerente concordar com o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.
Pede deferimento”.

Por sua vez, por requerimento entrado em juízo em 29/10/2019, o administrador de insolvência propôs o encerramento do processo de insolvência, nos termos do art. 232º do CIRE, por insuficiência da massa insolvente.

Cumprido com o disposto no art. 232º, n.º 2 do CIRE, em 09/12/2019, a requerente M. F. declarou manter o seu requerimento de 23/10/2019, nada tendo a opor ao encerramento do processo de insolvência, por insuficiência de massa, desde que os autos de reclamação de créditos sejam alvo de decisão, pelo menos no que toca aos créditos reclamados e reconhecidos às trabalhadoras, na medida em que, de outra forma, tem sido obstaculizada pela Segurança Social o acionamento do Fundo de Garantia Salarial (FGS).
Requer, ao abrigo do disposto no art. 232º, n.º 1 in fine do CIRE, que seja fixado o montante a depositar à ordem do tribunal, que entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, mas declarando que não tem quaisquer condições económicas para proceder ao depósito da quantia que vier a ser fixada, dado ser pobre e encontrar-se em situação de desemprego, na sequência da insolvência da sua entidade patronal, beneficiando, por isso, do benefício do apoio judiciário.
Mais advoga que a exigência daquele depósito, como condição para levar a cabo o impulso processual com vista à obtenção de uma decisão judicial comprovativa em como reclamou os seus créditos salariais para poder beneficiar da garantia de pagamento desses créditos que é conferida pelo FGS, é inconstitucional, por violadora do disposto no art. 59º, n.º 1, al. a) da CRP, conforme já decidido pelo Tribunal Constitucional.
Conclui requerendo que se dispense aquela de proceder ao depósito que vier a ser designado.

Sobre esse requerimento recaíram as seguintes decisões:

“Refª 9494365: vem a credora M. F. informar que nada tem a opor ao encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, desde que os autos de Reclamação de Créditos (apenso A) sejam alvo de decisão.
Caso assim não se entenda, informa que não poderá concordar com o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, desde já requerendo, ao abrigo do disposto no art. 232º, nº 2 in fine do CIRE, seja fixado montante a depositar à ordem do Tribunal que se entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do art. 336.º do Código de Trabalho, sob a epígrafe Fundo de Garantia Salarial, “O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica”.

Nos termos ainda do art. 12º, nº 6, al. o) da L7/2009, que aprovou o Código de Trabalho, manter-se ia em vigor o disposto nos art.º 317 a 326 da Lei 35/2004, anterior Regulamento do Código de Trabalho, até à sua revogação pelo artigo 4.º al. a) do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, que aprovou o Regime Material do Fundo de Garantia Salarial.

No âmbito deste diploma, dispõe o art. 5.º que

“1 - O Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido.
2- O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos:
a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório;
b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador;
c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores.
3- O requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita:
a) Através de aposição de assinatura eletrónica; ou
b) Através de assinatura manuscrita no verso do documento.
4- O requerimento é apresentado em qualquer serviço da segurança social ou em www.seg-social.pt, através de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da segurança social” (negrito nosso).
Assim, como se retira da análise à alínea a) do n.º 2, o trabalhador deve munir-se com declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência.
Mas quando não lhe seja possível obter declaração autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados por si reclamados emitida pelo administrador de insolvência, o requerente não fica inibido de exercer o direito de reclamar os pagamentos devidos ao FGS.
Neste caso, deve diligenciar pela obtenção dessa declaração junto da autoridade administrativa competente.
Logo no art. 1º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador determinou que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.
Não foi apresentado nos autos um plano de insolvência e inexiste qualquer quantia resultante da liquidação do ativo que possa ser repartida pelos credores.
Neste contexto, mostra-se inútil fixar um montante a depositar à ordem do Tribunal que se entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, dado que é já certo que inexistirá qualquer quantia para distribuir pelos credores.
Por outro lado, mostra-se absolutamente inútil a prolação de sentença que verifique e gradue os créditos dos credores.
Por isso, está vedado ao credor requerer o prosseguimento dos autos com a prolação dessa sentença, a qual visaria, não os fins específicos do processo de insolvência, mas fins egoísticos do próprio credor, à margem dos definidos pelo legislador.
Nos termos do art. 130º do Código de Processo Civil está vedada por lei a prática de atos inúteis.
Acresce que o credor tem ao seu dispor, como supra referimos, outros meios para obtenção dos documentos para o FGS.
Pelo exposto e uma vez que a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos e a fixação de montante a depositar à ordem do Tribunal que se entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente, numa situação em que não resulta quantia da liquidação do ativo para proceder ao pagamento aos credores consubstancia a prática de atos inúteis, e não se violando, com o encerramento dos autos, o direito da requerente em ver satisfeito o seu crédito pelo FGS, indefiro a pretensão da credora M. F..
Custas do incidente anómalo a que deu causa pela credora, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
Notifique.

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Veio o Sr. Administrador da Insolvência propor o encerramento do processo, nos termos do artigo 232.º do CIRE.
Cumprido o disposto no artigo 232.º, n.º 2 do CIRE, não foi deduzida qualquer oposição nem pelo devedor, nem pelos credores da insolvente.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 232.º, n.ºs 1 e 7 e 230º, n.º 1, al. d) do CIRE, declaro encerrado, por insuficiência da massa insolvente, o presente processo em que foi declarada a insolvência de X, Unipessoal Lda.
A presente declaração tem os efeitos previstos no artigo 233.° do CIRE.
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Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 38.°, n.° 2, al. b) do CIRE, com a menção de que o encerramento se deve à insuficiência da massa insolvente – artigo 230.°, n.° 2 do CIRE.
Dê publicidade à presente decisão nos termos previstos no artigo 230.°, n° 2 do CIRE.
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Nos termos do art. 233º, nº 6 do CIRE, declaro o caracter fortuito da insolvência.
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Dê pagamento dos legais honorários que ainda estiverem em falta ao senhor Administrador da Insolvência”.

Inconformada com o assim decidido, a requerente M. F. interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1- O despacho proferido pelo Tribunal a quo de 23/01/2020, do qual foi a ora recorrente notificada, na qualidade de requerente da insolvência de “X, Unipessoal, Lda.”, decidiu o encerramento do processo de insolvência, nos termos artigos 232º, nº 1 e nº 7 e 230º, nº 1, al. d), ambos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, adiante designado CIRE.
2- O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão com a inexistência de bens, nem ter sido requerido por qualquer interessado o depósito referido no n.º 2 do artigo 232.º do CIRE.
3- A recorrente foi admitida na empresa insolvente em 1 de abril de 2015, com a categoria profissional de costureira, auferindo o vencimento mensal de 580,00€.
4- Através de carta registada, datada do dia 9 de novembro de 2018, a recorrente comunicou à insolvente a sua decisão de resolver o contrato de trabalho que as vinculava com fundamento na falta de pagamento pontual das retribuições devidas.
5- A insolvente não pagou à recorrente os salários referentes aos meses de agosto, subsídio de férias de 2018, setembro, outubro e 4 dias de novembro de 2018, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 394º, nº 1 e nº 2 a) e nº 5 do Código do Trabalho, ocorreu justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador.
6- Neste contexto, a recorrente tem direito a reclamar a respetiva indemnização por antiguidade que atinge o valor de 3.480,00€ (3 anos, 7 meses, 9 dias x 580€ x 45 dias), nos termos do art. 396º do Código do Trabalho.
7- A recorrente é ainda credora da insolvente das quantias abaixo discriminadas e que também não lhe foram pagas:
- 1.845,44€ a título de salários de meses de agosto, setembro, outubro e 4 dias de novembro de 2018;
- 103,20€ a título de 43 dias de subsídio de alimentação nos meses supra referidos;
- 580,00€ a título de subsídio de férias vencidas em 01/01/2018;
- 1.492,11€ a título de férias e subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais do tempo de trabalho prestado em 2018 (497,37 x 3);
- 351,75€ a título de 105 horas de formação não ministrada,
Tudo no total de 4.372,50€ (quatro mil, trezentos e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos),
8- O que perfaz o montante global de 7.852,50€ (sete mil, oitocentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), sem prejuízo dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento à taxa legal, e que não foi pago pela insolvente a recorrente.
9- Em 15/11/2018, a recorrente requereu a insolvência da empregadora alegando a supra exposta cessação do contrato de trabalho, como forma de ser ressarcida dos créditos laborais dos quais é credora.
10- O nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho refere que “Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.”
11- A recorrente só poderá ver a sua pretensão reconhecida – designadamente o montante indemnizatório a que tem direito -, por decisão judicial que determinará o valor da indemnização, nos termos do referido artigo 396º.
12- Com a declaração de insolvência, o tribunal competente para analisar a referida resolução do contrato com justa causa pelo trabalhador é o tribunal onde corre o processo de insolvência da entidade empregadora.
13- A única condição prevista no nº 2 do art. 232º do CIRE para evitar o encerramento do processo por insuficiência da massa é o depósito, por algum interessado, do montante que o juiz entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
14- A recorrente é interessada e requereu oportunamente a fixação pelo juiz daquele montante, pelo que, cumpre o requisito previsto na lei.
15- Acresce que o Fundo de Garantia Salarial da Segurança Social exige o reconhecimento judicial do despedimento ilícito para pagar o crédito indemnizatório, tendo, por isso, de constar dalistade créditos doart.º129 do C.I.R.E e a sua homologação pelo Tribunal.
16- O encerramento do processo sem ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos acarreta avultados prejuízos à recorrente, nomeadamente no que concerne ao acesso ao Fundo de Garantia Salarial.
17- Quer o crédito relativo à indemnização pela resolução do contrato quer ainda os restantes créditos salariais apenas se constituem no momento em que é proferida a sentença de graduação e verificação de crédito.
18- A postura da recorrente em ver reconhecido o seu crédito sustenta-se, além do já referido, no entendimento perfilhado em inúmeros acórdãos dos Tribunais Superiores.
19- A única forma de à recorrente poder ser-lhe garantido o pagamento dos seus créditos laborais, direito esse consagrado no art. 396º do CT, é o reconhecimento judicial da constituição dos créditos reclamados, o que não sucederá se os presentes autos forem encerrados por insuficiência da massa insolvente.
20- O Instituto da Segurança Social tem indeferido várias situações análogas à da ora recorrente por falta de sentença judicial que reconheça os créditos reclamados.
21- A interpretação feita do Tribunal a quo é inconstitucional por violação dos arts. 20.º n.ºs 1, 4 e 5; e 202.º n.ºs 1 e 2, ambos da CRP, na medida em que acaba por vedar à recorrente o direito a ser reconhecido a ilicitude do despedimento e os créditos laborais devidos em consequência do mesmo, o que impede o acesso à justiça e à obtenção de uma decisão judicial.
22- OTribunal a quo violou as disposições constantes dos artigos 232º,nº2 doC.I.R.E., 396º, nº 1 do Código do Trabalho e dos artigos 20º, nº 1, 4 e 5 e 202º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

Pelo exposto e o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente ser revogado o despacho proferido pelo Mº Juiz a quo que decidiu encerrar o processo de insolvência, e ser dado prosseguimento ao processo.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal resume-se em saber se a decisão recorrida, que indeferiu o requerimento apresentado pela apelante M. F., em que esta declarou nada ter a opor ao encerramento do processo de insolvência, contanto que esse processo prosseguisse os seus termos quanto à reclamação de créditos apresentada pela apelante e pelas demais trabalhadoras da insolvente, para efeitos de verificação e graduação desses créditos salariais, com fundamento que a apelante e as demais trabalhadoras da insolvente dispõem de outros meios legais para obter os documentos necessários à reclamação dos seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial, pelo que o prosseguimento dos autos de insolvência com esse objetivo, seria um ato inútil e como tal proibido por lei e que, nessa sequência, declarou o processo de insolvência encerrado por insuficiência da massa insolvente, padece de erro de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A problemática suscitada no presente recurso já foi apreciada por este tribunal coletivo, no acórdão relatado em 06/02/2020 (1), com a especialidade de que, nesse aresto, o tribunal, logo na sentença em que declarou a insolvência da devedora concluiu que o património desta era presumivelmente insuficiente para a satisfação das custas prováveis do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e declarou a insolvência da aí devedora (apelada) com caráter limitado, e a aí apelante, uma vez proferida essa sentença, requereu que o tribunal complementasse a mesma, nos termos do disposto no art. 39º, n.ºs 2, al. a) e 3 do CIRE, vindo esse seu requerimento a ser indeferido com os mesmos fundamentos em que o tribunal a quo indeferiu o requerimento apresentado pela apelante nos presentes autos, em que se está perante uma situação em que, na sentença de declaração da insolvência, foi ordenado o prosseguimento da insolvência com caráter pleno, mas no decurso do processo, veio a constatar-se que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, e uma vez ouvidos a insolvente e os credores, onde se conta a aqui apelante, esta veio declarar nada ter a opor ao encerramento do processo de insolvência, contanto que o processo de insolvência prosseguisse os seus termos legais para efeitos de graduação e verificação dos créditos reclamados pelos trabalhadores da insolvente, dada a necessidade que têm da sentença de graduação e de verificação dos créditos salariais a fim de reclamar esses créditos junto do Fundo de Garantia Salarial (FGS), argumentos esses que foram igualmente aduzidos pela requerente naquele processo sobre o qual se debruçou o mencionado aresto antes relatado e que tinham sido desatendidos pela 1ª Instância, assim como o foram no âmbito dos presentes autos.
Note-se que a referida especialidade dos presentes autos em relação àqueles outros sobre que nos debruçamos no identificado aresto, não significa que o resultado da presente apelação seja necessariamente o mesmo que daquela outra apelação.
Posto isto, conforme ponderamos no acórdão proferido em 06/02/2020, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quanto tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º, n.º 1 do CIRE).
Tendo presente essas finalidades, compreende-se que aquando da prolação da sentença de insolvência, se o juiz se aperceber, com a necessária segurança, face às informações já recolhidos na processo, que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfazer as custas do processo de insolvência e as dívidas previsíveis da massa insolvente, o que naturalmente será incompatível com qualquer recuperação da empresa ou com a possibilidade de se vir a efetuar qualquer pagamento aos seus credores, o art. 39º, n.º 1 do CIRE, por razões de simplificação e de economia processual, imponha que o juiz declare, de imediato, a insolvência do devedor com caráter restrito ou limitado, em que apenas há cumprimento ao preceituado nas als. a) a d) e h), do n.º 1 do art. 36º do CIRE e, caso disponha de elementos que o justifique, determine a abertura do incidente de qualificação da insolvência.
Note-se que a insolvência com caráter limitado nunca tem lugar quando o requerente da insolvência seja o próprio devedor, pessoa singular, e este requeira a exoneração do passivo restante (n.º 8 do art. 39º) (2) e não prejudica a abertura do incidente de qualificação da insolvência, que deverá ser aberto logo na sentença que declara a insolvência quando o juiz disponha de elementos que justificam essa abertura.
A declaração da insolvência com caráter limitado tem, assim, como pressuposto que o juiz, na altura da prolação da sentença de insolvência, tenha recolhido no processo de insolvência informações que lhe permitam, com um mínimo de segurança, presumir que o património do devedor não é suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente.
Por isso, se no momento da prolação da sentença de declaração da insolvência, o juiz não estiver na posse de todos os elementos que lhe permitam formar um juízo de valor com um mínimo de segurança sobre a carência do ativo insolvente, deve proferir sentença com caráter pleno, isto é, com todos os elementos previstos no art. 36º do CIRE e, se a situação de penúria do insolvente se vier a apurar posteriormente, seguir-se-á o estatuído no art. 232º do CIRE (3), isto é, o juiz, a requerimento do administrador de insolvência ou oficiosamente, deve declarar encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa, uma vez ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, salvo se algum interessado requerer o prosseguimento do processo de insolvência e depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
A declaração da insolvência com caráter limitado tem, assim, como pressuposto que o juiz, na altura da prolação da sentença de insolvência, tenha já recolhido no processo informações que lhe permitam, com um mínimo de segurança, presumir que o património do devedor não é suficiente para a satisfação das custas do processo de insolvência e das dívidas previsíveis da massa insolvente, o que se presume quando o património do devedor seja inferior a cinco mil euros (nº 9 do art. 39º).
A declaração de insolvência com caráter limitado não desencadeia a generalidade dos efeitos que normalmente lhe estão ligados, na medida em que o devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, sequer se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas do CIRE (al. a) do n.º 7 do art. 39º), posto que o administrador de insolvência limita a sua atividade à elaboração do parecer a que se refere o n.º 2 do art. 188º (al. c), do mesmo n.º 7) e o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, sem prejuízo da tramitação até final do incidente limitado de qualificação da insolvência (al. b) daquele n.º 7).
Note-se que logo que transite a sentença, declarando a insolvência do devedor com caráter limitado, qualquer interessado tem legitimidade para instaurar novo processo de insolvência, mas o prosseguimento desse novo processo depende da condição do requerente depositar à ordem do tribunal o montante que o juiz razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas e das dívidas previsíveis que recaiam sobre a massa insolvente (al. c), do n.º 7 do art. 39º do CIRE), isto sem prejuízo, conforme infra se verá, da inconstitucionalidade material da interpretação deste preceito, assim como o do n.º 3 do mesmo art. 39º, por violação do princípio do acesso ao direito na sua dimensão de tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da CRP, quando interpretados no sentido de imporem essa condição aos requerente desse novo processo de insolvência ou aos requerentes do complemento quando sejam beneficiários de apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Acresce que não produzindo a sentença de declaração de insolvência com caráter limitado os efeitos normais da insolvência, não havendo no processo reclamação de créditos, não faz sentido que a declaração da insolvência leve à suspensão de eventuais execuções instauradas contra o devedor (insolvente), as quais prosseguem a sua tramitação normal (4).
A sentença que declare a insolvência do devedor com caráter limitado, porém, só transitará em julgado caso não seja requerido, por qualquer interessado, o complemento da sentença com as restantes referências previstas no n.º 1 do art. 36º do CIRE, isto é, que o processo de insolvência prossiga os seus termos normais, de acordo com o modelo típico comum de insolvência com caráter pleno.
Com efeito, nos termos do art. 39º, n.ºs 2, al. a) e 3 do CIRE, qualquer interessado pode pedir, no prazo de cinco dias sobre a data da notificação da sentença que declarou a insolvência do devedor com caráter limitado, que esta seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do art. 36º, desde que deposite à ordem do tribunal o montante que o juiz especificar segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas e das demais despesas imputáveis à massa insolvente ou, em alternativa, caucione esse pagamento mediante garantia bancária.
São assim três os requisitos que permitem requerer o complemento da sentença que declarou a insolvência do devedor com caráter restrito ou limitado, a saber: a) que tal seja requerido no prazo de cinco dias a contar da notificação da sentença que declarou a insolvência do devedor com caráter limitado; b) que o requerente seja “interessado” e c) que pague o montante das custas e despesas imputáveis à massa insolvente que venham a ser estimadas e especificadas pelo juiz ou, em alternativa, caucione o respetivo pagamento através de garantia bancária.
No caso de deferimento do requerimento de complemento da sentença, o processo de insolvência prossegue os seus termos normais, de acordo com o modelo típico comum do processo insolvencial com caráter pleno.
Já quando o juiz, na altura da prolação da sentença que declare a insolvência do devedor, não dispuser de elementos que lhe permitam formar um juízo seguro sobre a suficiência da massa para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa, deverá declarar a insolvência com caráter pleno.
Porém, uma vez proferida essa sentença, se no decurso do processo vier a apurar a insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente (o que se presumirá, relembra-se, quando o património da massa seja inferior a cinco mil euros – n.º 7 do art. 232º), o juiz, a requerimento do administrador da insolvência ou oficiosamente, determina o imediato encerramento do processo, uma vez ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, exceto se algum interessado requerer o prosseguimento do processo e depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz para garantir o pagamento das custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
O encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, nos termos do disposto no art. 232º, determinará, além dos demais efeitos jurídicos previstos no art. 233º, a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, exceto se já tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos (art. 233º, n.º 2, al. a)), mas nunca determina o encerramento do incidente de qualificação da insolvência que tenha sido declarado aberto na sentença que declarou a insolvência e que ainda não estiver findo à data do encerramento, o qual prosseguirá os seus termos como incidente limitado (n.º 5 do art. 233º).
São requisitos para que o interessado se oponha ao encerramento imediato do processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa: a) que aquele se oponha ao encerramento do processo no prazo fixado pelo juiz para que o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente se oporem a esse encerramento; b) que o mesmo seja “interessado”; e c) que seja depositado à ordem do tribunal o montante por este fixado para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
Deste modo, resulta do que se vem dizendo que embora a insuficiência da massa insolvente acarrete, em regra, o encerramento do processo de insolvência, essa regra admite as exceções a que aludem os arts. 39º e 232º.
O identificado art. 232º estabelece assim “um regime paralelo ao fixado no art. 39º, quando a insuficiência da massa é apurada na fase de declaração de insolvência. Pode, na verdade, dar-se o caso de algum interessado no seguimento do processo se dispor a depositar, à ordem do tribunal, o montante adequado para cobrir as custas e outras dívidas da massa insolvente” (5), situação em que, nos termos do n.º 2 do art. 232º, o processo de insolvência não será encerrado por insuficiência da massa, mas antes terá de prosseguir de acordo com o modelo típico comum da ação de insolvência, a fim de, a final, a insolvência produzir todos os seus efeitos jurídicos típicos e comuns desta.
Enuncie-se que quer para efeitos de requerer o complemento da sentença insolvencial nos termos do art. 39º, isto é, para ter legitimidade para requerer que a sentença que declarou a insolvência em termos restritos seja complementada com os demais elementos do art. 36º, n.º 1, quer para efeitos de oposição ao encerramento do processo de insolvência perante a insuficiência da massa, nos termos do disposto no art. 232º e para que assim, em ambas essas situações o processo insolvencial prosseguir o seu esquema típico normal e comum, até final e produzir todos os efeitos próprios e específicos da insolvência, entende-se por “interessado” aquele que é titular de um qualquer direito, ainda que se encontre a ser discutido em juízo, que seja suscetível de ser afetado pela declaração da insolvência com caráter meramente restrito ou que seja suscetível de ser afetado pelo imediato encerramento do processo por via da insuficiência da massa.
Conforme se escreve no aresto da Relação do Porto de 15/10/2007 (6), a propósito do conceito de interessado para efeitos de complemento da sentença, mas cujas considerações jurídicas são, por identidades de razões, plenamente aplicáveis aos interessados para efeitos de oposição ao encerramento do processo de insolvência com fundamento em insuficiência da massa (art. 232º, n.º 2), “o conceito de «interessado» para efeitos do art. 39º deve ter um âmbito mais amplo do que o de «parte legítima» (legitimidade), não se confundindo – sendo mais amplo – com o «interesse em agir». Interessado será todo aquele que é titular de um interesse, ainda que em litígio, tendo interesse em contradizer (aqui se aproximando da “legitimidade”). Será ainda interessado todo aquele que mostre interesse no objeto do processo ou interesse no próprio processo (será interessado todo aquele que mostre, assim, um interesse em agir). “Qualquer interessado (…) será todo aquele que invoca ser titular de um certo direito, ainda que esse direito se encontre a ser discutido em juízo”. Assim, um credor titular de um crédito litigioso é “interessado”, nos termos do art. 39º, n.º 2, al. a) do CIRE, podendo, deste modo, requerer o complemento da sentença (7).
Para além de interessado, para que o requerente do complemento da sentença que declarou a insolvência com caráter restrito ou limitado possa requerer esse complemento, o n.º 3 do art. 39º exige que este deposite à ordem do tribunal da insolvência o montante estimado e especificado pelo juiz relativamente às custas e às despesas previsíveis imputáveis à massa insolvente ou, em alternativa, caucione o valor das custas e despesas estimadas.
Em termos idênticos, o art. 232º, n.º 2 exige que para que o oponente ao imediato encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, possa deduzir essa oposição, além de ter de ser interessado no prosseguimento do processo, tem de depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz para garantir o pagamento das custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.
Acontece que as mencionadas condições impostas pelos arts. 39º, n.º 2 e 232º, n.º 2 têm sido julgadas materialmente inconstitucionais, por violação do direito de acesso do requerente ou oponente ao direito, na dimensão de tutela jurisdicional efetiva, prevista nos arts. 20º, n.º 1 e 59º, n.º 1, al. a) da CRP, quando aqueles preceitos sejam interpretados no sentido de que essas condições são impostas aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (8), posição essa que aqui se subscreve e que tem sido a adotada pela generalidade da jurisprudência nacional, incluindo a da presente Relação (9).
Decorre do que se vem dizendo que beneficiando a apelante do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo – cfr. documento anexo à petição inicial - e opondo-se a mesma ao encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, alegando ter necessidade de que seja proferida sentença de graduação e de verificação dos créditos salariais que reclamou, a fim de reclamar o respetivo pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial, a mesma não se encontra obrigada a realizar o depósito a que alude o n.º 2 do art. 232º do CIRE para se opor, com sucesso, ao encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa e, como tal, não pode a 1ª Instância recusar o prosseguimento do processo de insolvência com fundamento no não pagamento pela mesma das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente a que alude o n.º 2 do art. 232º.
No entanto, porque assim é, não se descortina fundamento legal para que a apelante tivesse requerido ao tribunal a quo o cálculo dessa quantia respeitante às custas do processo de insolvência e restantes dívidas da massa insolvente, quando, em simultâneo, invoca a qualidade de beneficiária de apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo e a identificada inconstitucionalidade material do n.º 2 do art. 232º.
Neste aspeto, bem andou a 1ª Instância ao indeferir esse cálculo, por tal se traduzir num ato inútil e, consequentemente, proibido por lei (art. 130º do CPC).
Resta verificar se a apelante dispõe de um qualquer direito que seja suscetível de ser afetado/ violado com o imediato encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.
A apelante deduziu reclamação de créditos dentro do prazo fixado na sentença que declarou a insolvência da apelada, no montante de 8.063,14 euros, respeitantes a créditos salariais e juros de mora e esse crédito consta inclusivamente da relação apresentada pelo administrador de insolvência a que alude o art. 129º do CIRE como créditos reconhecidos.
A pretensão da apelante em obter o prosseguimento do processo de insolvência apesar de insuficiência da massa, com os fundamentos que aduziu é a alegada necessidade de obter sentença que julgue verificado e graduado os créditos salariais que reclamou, com vista a reclamar o respetivo pagamento do Fundo de Garantia Salarial.
Essa pretensão foi indeferida pela 1ª Instância com fundamento de que a apelante poderá obter a documentação necessária para habilitar-se a receber esses créditos junto do Fundo de Garantia Salarial, por outras vias, que não a sentença que vier a reconhecer e a graduar os mesmos no âmbito do presente processo de insolvência, nomeadamente, junto do administrador da Insolvência ou da Inspeção Geral do Trabalho.
Conclui a 1ª Instância não assistir à apelante o direito de se opor à imediata extinção do processo de insolvência por insuficiência da massa, uma vez que a sua pretensão “não visaria os fins específicos do processo de insolvência, mas fins egoísticos do próprio credor, à margem dos definidos pelo legislador”.
Enuncie-se que o mencionado argumento foi precisamente aquele que foi utilizado pela 1ª Instância para indeferir a pretensão da aí apelante no processo sobre que se debruçou o acórdão que relatamos e supra identificado para indeferir o complemento da sentença de insolvência aí proferida com caráter restrito.
Tal como ponderamos nesse aresto, embora seja certo que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores e seja certo que quando o juiz, com base nos elementos já recolhidos no processo, à data da prolação da sentença, declarando a insolvência do devedor, disponha de elementos seguros que lhe permitam concluir que o património deste não é presuntivamente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida (o que se presume quando o património do devedor seja inferior a cinco mil euros – n.º 9 do art. 39º do CIRE), por razões de simplificação e economia processual, imponha ao juiz que declare a insolvência com caráter limitado (n.º 1 do art. 39º), ou, como acontece no caso dos autos, declarada a insolvência da devedora com efeitos plenos, vindo-se posteriormente, no decurso do processo, a verificar uma situação de insuficiência da massa para satisfazer as custas do processos e as restantes dívidas da massa – o que igualmente se presume, se o património da massa for inferior a cinco mil euros (art. 232º, n.º 7), o juiz deverá, no primeiro caso, proferir sentença de insolvência do devedor com caráter pleno e, no segundo, ordenar o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa.
Embora esta seja a situação regra, a mesma pode não ser necessariamente assim.
Na verdade, quer no regime do art. 39º, quer no do art. 232º, embora a situação de penúria da massa insolvente seja incompatível com qualquer recuperação da empresa insolvente ou com qualquer liquidação do património desta, que permita a repartição do respetivo produto pelos seus credores, pelo que naturalmente, exceto caso venham a ser descobertos novos bens ao insolvente, jamais o processo de insolvência poderá alcançar as finalidades enunciadas no art. 1º, n.º 1 do CIRE, prevêem que qualquer interessado possa, respetivamente, requerer o complemento da sentença, contanto que se encontrem preenchidos os pressupostos legais enunciados no art. 39º, n.ºs 2, al. a) e 3, ou se oponha ao imediato encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, contanto que cumpra as condições previstas no n.º 2 do art. 232º.
Note-se que cumpridas essas condições o complemento da sentença de insolvência não é uma mera possibilidade que assiste ao juiz, mas uma imposição legal decorrente do n.º 4 do art. 39º do CIRE, conforme se extrai da expressão “deve o juiz dar cumprimento integral ao art. 36º”.
Do mesmo modo, não assiste ao tribunal o poder discricionário de atender ou desatender à oposição que um interessado venha deduzir à pretensão daquele de encerrar imediatamente o processo de insolvência perante a constatação da insuficiência da massa, mas o tribunal ficará ope legis impedido de declarar o encerramento desse processo sempre que se verifiquem preenchidas as condições do n.º 2 do art. 232º, conforme se extrai da expressão: “o juiz declara encerrado o processo salvo se algum interessado (…)”.
Essa imposição legal que incide sobre o juiz de ter de complementar a sentença (nos casos a que reporta o art. 39º) e de se encontrar impedido de encerrar o processo de insolvência por insuficiência da massa (na situação do n.º 2 do art. 232º) nos casos em que as condições atrás enunciadas se encontrem preenchidas, obrigando-o a ter de prosseguir com o processo de insolvência de acordo com o modelo típico comum, para que a insolvência produza todos os seus efeitos normais, não se resumem à prolação da sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, uma vez que deferido o complemento da sentença ou atendida a oposição ao imediato encerramento do processo de insolvência este tem de seguir os seus trâmites normais e integrais do processo de insolvência.
Destarte, daqui deriva que apesar do processo de insolvência prosseguir, a título principal, as finalidades previstas no art. 1º, n.º 1 do CIRE, esse processo prossegue igualmente, ainda que a título secundário, outros interesses dos credores do devedor, que de outra forma ficariam desacautelados, uma vez que a insolvência com caráter restrito não produz todos os efeitos típicos de um processo de insolvência comum, isto é, os efeitos da insolvência com caráter pleno, o mesmo se afirmando em relação ao imediato encerramento do processo por insuficiência da massa, pondo-se, em destaque, com interesse para os autos, que o encerramento do processo por insuficiência da massa produz os efeitos enunciados no art. 233º, onde se conta a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, exceto se neles já tiver sido proferida a sentença de verificação e graduação, sentença essa ainda não proferida nos presentes autos.
Porque assim é, compreende-se que foram precisamente esses outros interesses dos credores do insolvente que levaram o legislador a prever a possibilidade de, nos casos de sentença de insolvência proferida com efeitos restritos, qualquer interessado poder requerer o complemento dessa sentença e, bem assim, nos casos em que a sentença declaratória da insolvência tenha sido proferida com efeitos plenos, nas situações em que no decurso do processo insolvencial venha a apurar-se uma situação de insuficiência da massa, qualquer interessado possa opor-se ao imediato encerramento desse processo - arts. 39º, n.º 4 e 232º, n.º 2.
No caso dos autos, a apelante opôs-se ao encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa dentro do prazo a que alude o n.º 2 do art. 232º e a mesma, na medida em que beneficia de apoio judiciário, na modalidade de isenção total do pagamento de taxa de justiça e dos restantes encargos com o processo, encontra-se isenta do depósito da quantia destinada a garantir o pagamento das custas do processo de insolvência e das restantes dívidas da massa insolvente, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso daquela ao direito, na dimensão de tutela jurisdicional efetiva, prevista nos arts. 20º, n.º 1 e 59º, n.º 1, al. a) da CRP.
Resta verificar se a apelante dispõe de um qualquer direito suscetível de ser violado com o imediato encerramento do processo de insolvência.
Essa questão mereceu resposta negativa da parte da 1ª Instância, com fundamento de que a apelante dispunha de outros meios para obter os documentos necessários para reclamar o pagamento dos seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial, meios esses que não se resumem à sentença de verificação e graduação de créditos, a ser proferida nos presentes autos de insolvência, caso estes prosseguissem os seus termos legais até final, posição essa com a qual não se conforma a apelante.
A esse respeito impõe-se referir que o art. 336º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02, na sua 17ª versão, aprovada pela Lei n.º 14/2018, por ser a que se encontrava em vigor à data em que, em 09/11/2018, a apelante resolveu o seu contrato de trabalho, invocando justa causa, estabelece que “o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica”.
Essa legislação específica consta do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto pela Lei n.º 7/2009, e que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento e do Conselho de 22/10/2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do devedor.
O art. 1º, n.º 1, al. a) do DL n.º 59/2015, estabelece que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato ou da sua violação, desse que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador, acrescentando o seu n.º 2, al. a), que para esses efeitos, o Fundo é notificado no âmbito do processo de insolvência, pelo tribunal da sentença de declaração de insolvência do empregador, a qual deve ser acompanhada de cópia da petição inicial e dos documentos identificados nas als. a) e b) do art. 24º do CIRE.
Por sua vez, o art. 5º desse diploma estatui que o Fundo efetua o pagamento de créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido (n.º 1), devendo o requerimento ser instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos: a) declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório; b) declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador; c) declaração de igual teor, emitida pelo serviços com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores (n.º 2), devendo o requerimento ser certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita: a) através de aposição de assinatura eletrónica; ou b) através de assinatura manuscrita no verso do documento (n.º 3).
Conforme resulta linearmente do regime legal acabado de transcrever, para que a apelante, enquanto trabalhadora, possa fazer valer os seus direitos laborais em relação ao Fundo de Garantia Salarial, é condição que a sua entidade empregadora tenha sido declarada insolvente, embora tal não seja condição suficiente.
Com efeito, a apelante terá de reclamar esses créditos laborais junto do Fundo e esse requerimento terá de ser instruído com declaração ou cópia autenticada do documento comprovativo em como aquela reclamou os seus créditos, emitida pelo administrador da insolvência ou pelo administrador judicial provisório (este último, no âmbito do PER) ou por declaração emitida pelo empregador comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida ou declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego quando não seja possível ao trabalhador obter essa declaração do empregador ou do administrador.
No processo de insolvência com caráter limitado ou restrito, não existe reclamação de créditos, não admirando, por isso, que no acórdão da Relação do Porto de 26/07/2007 (10) se tenha ponderado que “…o trabalhador para poder beneficiar da garantia que o referido Fundo proporciona, necessita que, no processo de insolvência, os seus créditos sejam reclamados. E, tendo a declarada insolvência sido, como foi, qualificada com caráter limitado, o trabalhador vê-se na contingência de ter de requerer a complementação da sentença com as restantes menções do art. 36º do CIRE, designadamente a fase de reclamação de créditos”.
No mesmo sentido se pronunciou a mesma Relação, no seu aresto de 11/09/2017 (11), em que, aliás, referindo-se à já abordada questão da inconstitucionalidade material da condição do n.º 3 do art. 39º do CIRE, postula que: “na insolvência com caráter limitado não há lugar à reclamação de créditos, pelo que para obter e por isso, condicionar o complementar ao depósito das quantias necessárias para satisfazer as despesas e as dívidas da massa insolvente, quando não dispõe de meios económicos para o fazer, constituiria uma limitação ao exercício da direito à ação”.
Note-se que os mencionados arestos foram proferidos em relação a casos em que a insolvência do empregador foi declarada com efeitos limitados e o trabalhador veio requerer o complemento dessa sentença para efeitos de reclamar os créditos salariais do Fundo.
Na declaração de insolvência com caráter limitado, o processo de insolvência extingue-se, de imediato, salvo se for requerido o complemento da sentença, pelo que nela não há fase de reclamação de créditos por parte dos devedores do insolvente.
Conforme ponderamos no aresto que relatamos e supra identificado, nessa situação específica de insolvência com caráter limitado, perante a ausência da fase de reclamação de créditos, ao trabalhador não restará outra alternativa que não seja a de requerer o complemento da sentença declaratário da insolvência do empregador com efeitos limitados, para que possa obter a documentação necessária a fim de reclamar o pagamento desses créditos junto do Fundo de Garantia Salarial.
É que, conforme decorre da al. c), do n.º 7 do art. 39º do CIRE, na insolvência com caráter restrito ou limitado, a atividade do administrador de insolvência limita-se à atividade necessária à elaboração do parecer a que se refere o n.º 2 do art. 188º, isto é, à atividade necessária à elaboração do parecer quanto à qualificação da insolvência como fortuita ou dolosa, não tendo, consequentemente, este competência para receber reclamações de crédito dos credores da insolvente, designadamente, dos credores trabalhadores, sequer para emitir as declarações para efeitos de entrega ao Fundo.
Depois, nos termos do art. 5º, n.º 2, al. a) do DL n.º 59/2015, condição para que o administrador de insolvência ou o administrador judicial provisório possam emitir a declaração ou a cópia autenticada a que alude esse preceito, é que o trabalhador tenha reclamado junto dos administradores os seus créditos, o que não se verifica no caso de insolvência com caráter limitado, uma vez que nela, reafirma-se, o administrador não dispõe sequer de legitimidade para receber as reclamações dos credores do insolvente e, por conseguinte, para emitir a declaração ou a cópia a que alude a mencionada al. a) do n.º 2 do art. 5º do DL n.º 59/2015.
Acresce que o trabalhador poderá obter essa declaração necessária para apresentar no Fundo da própria devedora nos termos da al. b), do n.º 2, do art. 5º, mas tal estará naturalmente dependente da vontade do próprio devedor para a emitir, quando, conforme demonstram as regras da experiência comum acontecer, são múltiplos os casos em que existe recusa das entidades empregadoras em emitir semelhante declaração e em que os trabalhadores, inclusivamente, desconhecem o paradeiro da sua entidade empregadora (quando pessoa singular) ou dos respetivos representantes (quando pessoas coletivas) e da ocorrência entre eles de conflitos a propósito da existência dos créditos e/ou dos respetivos montantes.
Por outro lado, não é inteiramente seguro que o trabalhador possa obter essa declaração junto da Inspeção Geral do Trabalho uma vez que esta apenas se encontra obrigada a emiti-la quando “não seja possível obter os documentos previstos nas alíneas anteriores”, pelo que em caso de recusa da insolvente/devedora em a emitir ou em caso de desconhecimento do paradeiro desta, a Inspeção Geral do Trabalho poderá sempre fundadamente recusar a emissão dessa declaração com o argumento de que o trabalhador podia ter requerido o complemento da sentença insolvencial.
Deste modo, nos casos em que é declarada a insolvência da entidade empregadora com caráter limitado, tal como se ponderou nos acórdãos atrás identificados e foi a solução que adotamos no aresto supra identificado que relatamos, assiste ao credor trabalhador o direito de, nos termos do disposto no art. 39º, n.ºs 2, al. a) e 3 do CIRE, requerer o complemento da sentença que declarou a insolvência da sua entidade empregadora com caráter limitado, como único meio indiscutível que lhe possibilitará obter a documentação necessária para poder reclamar o pagamento dos seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial.
Acontece que a situação sobre que versam os presentes autos é totalmente distinta daquela que se acaba de descrever.
Na verdade, nos autos a apelada foi declarada insolvente com caráter pleno.
No decurso do processo de insolvência veio a constatar-se ocorrer insuficiência da massa, pelo que a 1ª Instância propôs-se encerrar imediatamente o processo de insolvência, nos termos do disposto no art. 232º.
A apelante opôs-se a esse encerramento argumentando que necessita da sentença de graduação e verificação de créditos, para poder reclamar os seus créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial, mas sem manifesta razão.
Com efeito, nos presentes autos de insolvência a apelante reclamou os seus créditos salariais sobre a insolvente dentro do prazo designado para o efeito na sentença de insolvência e o administrador de insolvência apresentou, inclusivamente, a relação de créditos a que alude o art. 129º do CIRE, em que reconhece os créditos reclamados pela apelante.
Nos presentes autos não existe o impedimento que decorre do art. 39º, n.º 7, al. c) do CIRE para o administrador poder emitir a declaração destinada ao Fundo, dado que este, contrariamente ao que acontece na insolvência com caráter limitado, não vê a sua atividade circunscrita à elaboração do parecer a que se reporta o n.º 2 do art. 188º.
Conforme decorre dos arts. 1º, n.º 1 e 5º do referido DL n.º 59/2015 condição à reclamação dos créditos salarias pela apelante junto do Fundo de Garantia Salarial é que a sua entidade empregadora – a apelada – tenha sido declarada insolvente e que aquela apresente junto do Fundo o requerimento do qual constem, designadamente, a sua identificação e a do seu empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido, instruindo essa declaração com cópia autenticada do documento comprovativo dos créditos reclamados, emitido pelo administrador de insolvência.
No caso, o administrador de insolvência não se encontra impedido de emitir essa declaração, mas antes, pelo contrário, encontra-se obrigado e emiti-la perante pedido que lhe seja apresentado pela apelante nesse sentido, tanto assim que a apelante reclamou nos presentes autos de insolvência os seus créditos salariais e aquele reconheceu-os.

É que contrariamente ao pretendido pela apelante, a reclamação junto do Fundo “é independente do reconhecimento dos créditos salariais em sede de insolvência, bastando a declaração ou cópia autenticada do documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitida pelo administrador de insolvência” (12).

Deste modo, tal como ponderou a 1ª Instância, a apelante não detém a qualidade de interessada para efeitos de, nos termos do n.º 2 do art. 232º do CIRE, se opor ao encerramento do processo de insolvência perante a constatação da insuficiência da massa insolvente, na medida em que desse encerramento não resulta postergado qualquer direito daquela, nomeadamente, o seu direito a reclamar o pagamento dos créditos salarias junto do Fundo de Garantia Salarial, pelo que o prosseguimento do processo de insolvência seria indiscutivelmente um ato inútil e, por isso, proibido por lei (art. 130º do CPC).

Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, que as decisões sob sindicância não padecem de nenhum dos vícios que a apelante lhes assaca, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e pela consequente confirmação dessas decisões.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam as decisões recorridas.
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Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 04 de junho de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Ac. RG. de 06/02/2020, Proc. 4122/19.6TVNF.G1, in base de dados da DGSI.
2. Ac. RP. 28/05/2008, Proc. JTRP00042644, in base de dados da DGSI.
3. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Quid Juris, pág. 275; Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, págs. 59 e 60.
4. Neste sentido, Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, 2016, 4ª ed., Almedina, pág. 215.
5. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 232.
6. Ac. RP. de 15/10/2007, Proc. 0754861, in base de dados da DGSI.
7. Luís M. Martins, ob. cit., pág. 215.
8. Acs. TC. n.º 372/2016, de 08/06/2016; 346/2015, de 27/05/2015, Proc. 707/14; n.º 274/2014, de 18/03/2014, Proc. 235/14; n.º 83/2010, de 03/03/2010; e n.º 602/2006, de 14/11/2006, publicado no DR. N.º 249, II Série, de 29/12/2006.
9. Ac. RG. de 02/06/2011, Proc. n.º 327/11.6TBFLG.G1, in base de dados da DGSI, onde se lê: “Correspondendo o depósito ou caução a que se refere o n.º 3 do art. 39º do CIRE à garantia do pagamento das custas (do processo) e dívidas (demais despesas imputáveis à massa insolvente), tem de concluir-se que nenhuma delas terá a apelante obrigação de satisfazer enquanto beneficiário do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; A interpretação do n.º 3 do art. 29º do CIRE no sentido de impor o depósito referido à requerente beneficiária do apoio judiciário, como condição de procedência do seu pedido de complemento da sentença que declarara a insolvência, desrespeita o princípio constitucional do acesso ao direito previsto no art. 20º da CRP”. No mesmo sentido, Acs. RG. de 02/06/2011, Proc. 327/11.6TBFLG.G1 e RP. de 26/06/2007, Proc. 0722767, de 11/09/2017, Proc. 3891/16.0T8AVR.P1, todos in base de dados da DGSI. Já debruçando-se especificamente sobre o art. 232º, n.º 2 do CIRE, vide Ac. RG. de 04/06/2015, Proc. 51/14.8T8VLNG.G1, na mesma base de dados, onde se pondera que “a norma constante do n.º 2 do art. 232º do CIRE viola o princípio constitucional de acesso ao direito consagrado no art. 20º, n.º 1 da CRP, quando interpretada no sentido de que o requerimento do processo de insolvência, quando careça de meios económicos – designadamente por beneficiar de apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos com o processo – não pode requerer aquele prosseguimento se não depositar à ordem do tribunal a quantia que o juiz determinar como razoável para garantir o pagamento das custas e restantes dívidas da massa insolvente”.
10. Ac. RP. de 26/06/2007, Proc. 0722767, in base de dados da DGSI.
11. Ac. RP. de 11/09/2017, Proc. 3891/16.0T8AVR.P1, na mesma base de dados.
12. Ac. TCAN de 29/11/2019, Proc. 00250/17.0TEVIS e de 07/07/2017, Proc. 00416/14.5MDL, in base de dados da DGSI.