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DEVER DE ASSIDUIDADE
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
DEVER DE LEALDADE
Sumário
I - Constitui justa causa de despedimento o, em síntese, seguinte comportamento do autor: ter faltado ao trabalho no dia 03.07.2018; ter apresentado à Ré certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativo a esse dia; mas, não obstante isso, nesse dia 03.07.2018 e em que período em que devia prestar a sua actividade à Ré, ter conduziu um autocarro da sociedade “D…, Lda”, empresa esta que tem actividade comercial concorrente com a da Ré, sociedade C…, em algumas das rotas. II - Tal comportamento viola os deveres de assiduidade, zelo, diligência, lealdade e de boa fé, determinando a quebra da indispensável confiança, por parte da Ré, no comportamento e determinado a inexigibilidade desta em manter a relação laboral.
Texto Integral
Procº nº 10.026/18.2T8VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1156)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório
B… intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra C…, SA”, tendo apresentado, ao abrigo do disposto nos arts. 98º-C e 98º-D, ambos do CPT (aprovado pelo DL n.º 295/09 de 13/10), o respectivo formulário opondo-se ao mesmo[1].
Frustrada a conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar, invocando a existência de justa causa para o despedimento da A. Para tanto alegou em síntese que o A., no dia 03.07.2018, quando se encontrava de baixa médica por doença, tendo-lhe entregue o respectivo certificado de incapacidade para o trabalho, conduziu um autocarro de transporte de passageiros, ao serviço de uma outra sociedade que se dedica à mesma actividade.
Concluiu, pedindo que seja declarada lícita e regular a sanção de despedimento aplicada ao A.
O Trabalhador contestou, referindo designadamente e em síntese que, embora aceitando que nos dias 3 e 4 de julho de 2018, haja faltado ao trabalho por motivo de doença tendo apresentado à Ré o respectivo documento comprovativo (art. 3º da p.i.), nesse dia 3 de julho de 2018 não prestou qualquer serviço à empresa D… (art. 4º da p.i.) e que «a versão “contada” pelos fiscais no âmbito do procedimento disciplinar (que o Trabalhador conduzia no dia, hora e local identificados na Nota de Culpa, uma viatura do D…), só pode compreender-se por manifesto erro de identificação da pessoa do Trabalhador”. Mais alegou que a Ré, noutras situações idênticas, aplicou a sanção de repreensão registada a motoristas acusados dos mesmos factos.
Considera que inexiste justa causa para o despedimento, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo, com a subsequente condenação da Empregadora a reintegrá-lo e a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento até efectiva reintegração, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos sobre cada uma das prestações mensais desde a data do vencimento.
A Ré não respondeu à contestação.
Proferido despacho saneador tabelar, seleccionada a matéria de facto, consignando-se a assente e elaborada base instrutória (BI), realizada a audiência de discussão e julgamento (sessões de 04.07.2019 e 31.07.2019, esta com as alegações orais) e respondidos os quesitos da BI, foi, aos 26.09.2019, proferida sentença, notificada ao ilustre mandatário da Recorrente, através da plataforma informática citius com data de elaboração de 27.09.2019, que julgou a acção nos seguintes termos: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgo integralmente procedente a presente acção, em consequência do que: a) Declaro ilícito o despedimento de que foi alvo o Trabalhador; b) Condeno a Empregadora: - A reintegrar o Trabalhador no mesmo posto de trabalho que este ocupava antes do despedimento: - A pagar ao Trabalhador todas as retribuições que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, à razão mensal de 1090,01€; deduzidas dos montantes que nesse mesmo período tiver auferido da Segurança Social, a título de subsídio de desemprego; - A pagar ao Trabalhador juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações mensais e até integral pagamento; - A restituir à Segurança Social todas as quantias que esta Entidade tiver pago ao Trabalhador a título de subsídio de desemprego, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado desta sentença.
Custas pela Empregadora.
Registe-se (artigo 153º nº 4 do Código de Processo Civil, na redacção resultante do Decreto Lei nº 97/2019, de 26/07) e notifique.
Valor da acção: 11 771,74€.
Transitado, remeta ao Ministério Público, à Segurança Social e à Autoridade tributária cópia desta sentença; da acta de fls. 105 a 107; e da declaração de fls. 108, para os fins que ali sejam tidos por convenientes.”.
E, aos 09.12.2019, foi proferida decisão a condenar o A. em 5 UC de multa por litigância de má-fé.
Inconformada com a sentença, a Ré, aos 21.10.2019, recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: ………………………………………………… ………………………………………………… …………………………………………………
O Recorrido respondeu invocando a extemporaneidade do recurso, alegando para tanto e em síntese que, ex vi dos arts. 26º, nº 1, al. a) e 80º, nº 2, do CPT, o prazo do recurso é de 10 dias, pelo que, atenta a data da notificação da sentença e da interposição do recurso é o mesmo extemporâneo. Mais concluiu no sentido da confirmação da sentença recorrida.
A Ré respondeu à invocada extemporaneidade do recurso, alegando que, dado que a sentença foi proferida antes da entrada em vigor das alterações introduzidas ao CPT pela Lei 107/2019, de 09.09, ao caso são aplicáveis os arts. 79º-A, nº 1 e 80º, nº 1, do CPT na sua redacção anterior (art. 5º, nº 3, da citada Lei), sendo de 20 dias e não d e10 dias o prazo de interposição do recurso, pelo que é o mesmo tempestivo.
Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC/2013.
*** II. Questão prévia Da alegada extemporaneidade do recurso
Diz o Recorrido que, dado tratar-se de processo de natureza urgente, o recurso é extemporâneo uma vez que o prazo para a sua interposição seria de 10 dias nos termos dos arts. 26º, nº 1, al. a) e 80º, nº 2, do CPT.
Não lhe assiste razão.
Nos termos dos arts. 79º-A, nº 1, e 80º, nº 1, do CPT na versão introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10, o prazo para recorrer de decisão da 1ª instância que ponha termo à acção, como é o caso do recurso da sentença que põe termo ao processo, é de 20 dias tenha ou não a acção natureza urgente, sendo que o nº 2 desse art. 80º, em tal versão, apenas é aplicável aos casos previstos nos nºs 2 e 4 do citado art. 79º-A e nos nºs 2 e 4 do então art. 721º do CPC [entretanto revogado pela Lei 41/2013, de 21.01, que aprovou o novo CPC e a que corresponde, neste – CPC/2013- o art. 671º ºs 2 e 4].
O CPT na redacção do DL 295/2009 veio a ser alterado pela Lei 107/2019, de 09.09, sendo que, nos termos da alteração introduzida ao art. 80º, nº 2, se passou a dispor neste preceito que “2.Nos processos com natureza urgente, bem como nos casos previstos nos nºs 2 e 5 do art. 79º-A do presente Código e nos casos previstos nos nºs 2 e 4 do art. 671º do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias.” [sublinhado nosso]
Acontece que, nos termos dos arts. 9º e 5º, nº 3, da Lei 107/2019, as alterações por ela introduzidas ao CPT entraram em vigor aos 09.10.2019, sendo aplicáveis em matéria de admissibilidade e de prazos de interposição de recurso apenas aos recursos interpostos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor.
Ora, no caso a sentença recorrida foi proferida aos 26.09.2019, ou seja, em data anterior à da entrada em vigor da Lei 107/2019, pelo que as alterações por ela introduzidas não são, em matéria de prazos de interposição do recurso, aplicáveis ao caso dos autos, ao qual é aplicável o CPT na sua redacção anterior. Ou seja, o prazo para a interposição do recurso de apelação da sentença recorrida é o de 20 dias [não é aplicável o acréscimo de 10 dias previsto no nº 3 do art. 80º uma vez que o recurso não tem por objecto a reapreciação de prova gravada].
A sentença recorrida foi notificada ao mandatário da Recorrente, via citius, com data de elaboração de 27.09.2019, pelo que se presume notificada aos 30.09.2019, terminando o prazo de 20 dias para interposição do recurso aos 20.10.2019 que, coincidindo com um domingo, se transfere para o dia 21.10.2019, data esta em que foi interposto o recurso.
O recurso é, assim, tempestivo, improcedendo o que em contrário é alegado pelo Recorrido.
*** III. Objecto do recurso
Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Existência de justa causa para o despedimento.
- Em caso de improcedência da 1ª questão, das quantias devidas a título de retribuições intercalares: se a condenação deve ser em montante líquido (deduzidos os descontos devidos à Segurança Social e Fisco); e se devem ser deduzidas as quantias auferidas pelo A. a título de rendimentos de trabalho por actividades exercidas no período das retribuições intercalares.
*** IV. Fundamentação de facto
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
“a) A Empregadora tem por objecto principal a exploração do transporte público rodoviário na área urbana do grande Porto. (A)
b) O Trabalhador foi admitido ao serviço da Empregadora em 08 de Janeiro de 2001; exercendo, ultimamente, as funções inerentes à categoria profissional de “Técnico TRC”. (B)
c) Em Novembro de 2018 o Trabalhador auferia mensalmente as seguintes quantias:
- 721,50€, a título de vencimento base;
- 10,15€, a título de complemento salarial;
- 133,44€, a título de diuturnidades;
- 224,92€, a título de agente único. (C)
d) No dia 10 de Setembro de 2018 a Empregadora entregou ao Trabalhador um documento, junto a fls. 43 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, através da qual lhe comunicou a instauração de um procedimento disciplinar, com intenção de proceder ao seu despedimento. (D)
e) Simultaneamente, a Empregadora entregou ainda ao Trabalhadora uma nota de culpa, junta a fls. 34 e seguintes dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, na qual lhe imputou a prática dos seguintes factos:
“(…) 5. No dia 03 de julho de 2018, por volta das 15h25, o Arguido conduziu um autocarro da empresa D…, Lda. 6. O Arguido foi visto, nesse dia e hora, na Praça …, em Matosinhos, ao volante de um autocarro com a designação D…, pelos Inspetores da Arguente Senhores E…, F…, G… e H…. 7. O Arguido circulava, nesse dia, hora e local, na conhecida “rotunda da Anémona”, ao volante de um autocarro de transporte de passageiros que serve uma empresa concorrente da C…. 8. Os quatro Inspetores da Arguente identificados (…) encontravam-se na citada Praça … nesse dia 03 de julho de 2018 e, por volta das 15h25, como supradito, viram o Arguido a conduzir um autocarro da D…, Lda (doravante apenas D1…). 9. O Arguido viu os Inspetores em causa, mas não os cumprimentou. 10. Os referidos Inspetores ficaram muito surpreendidos com o facto de o Arguido estar a conduzir o mencionado autocarro uma vez que tinham conhecimento que o Arguido havia faltado ao serviço que lhe estava atribuído para esse dia pela Arguente. 11. Com efeito, para o dia 03 de julho de 2018, foi atribuído ao Arguido o serviço …., correspondente ao 5º turno da linha …, no período compreendido entre as 11h16min e as 13h47min, e ao 8º turno dessa mesma linha …, no período compreendido entre as 15h30min e as 18h24min. 12. O Arguido faltou ao trabalho no dia 03 de julho de 2018, não tendo, pois, realizado o serviço que lhe estava destinado nesse dia. 13. O Arguido prejudicou a programação e o funcionamento do serviço previamente definido, criando perturbações à organização do trabalho e à produtividade da C…. 14. Na verdade, na primeira parte do serviço atribuído ao Arguido, entre as 11h16min e as 13h47min, foi necessário recorrer a um motorista “de ordens” para o assegurar; na segunda parte do serviço, entre as 15h30min e as 18h24min, foi necessário transferir o 7.º turno da linha … para o serviço do 8.º turno, ficando essa linha sem o respectivo 7.º turno. 15. Os Clientes da Arguente viram-se, pois, privados do 7.º turno da linha …. 16. No eixo … – … – …, a C… opera as linhas … (… – …/…) e …(… - …). 17. A empresa D1… dedica-se ao transporte rodoviário de passageiros através da exploração de carreiras regulares que cobrem a maioria da área urbana do concelho de Gaia. 18. Paralelamente, essa empresa presta também serviços de transporte de aluguer ocasional, regular especializado e internacional. 19. A operação da D1… concorre diretamente com a operação da Arguente, designadamente nas seguintes linhas: "C…" D… Observação … .., .., .., … de … até … …, … .., .. do … ao … … .. … ao … … .., .., …, .. … ao … … .. de … até … … .., …, .. de … ao … …, …, … .. do … ao …. 20. O Arguido faltou ao trabalho na Arguente no dia 03 de julho de 2018 e foi conduzir, nesse dia, um autocarro da D1… e dentro do horário em que devia estar a conduzir um autocarro da C…. 21. O Arguido admitiu a possibilidade de ter conduzido um autocarro da empresa D1… no dia 03 de julho de 2018, dado que já o fez mais do que uma vez. 22. Independentemente do tipo de serviço de transporte que tenha realizado no dia 03 de julho de 2018 para a empresa D1…, o Arguido violou o dever de lealdade a que está obrigado para com a Arguente. 23. Com efeito, independentemente do tipo de serviço em causa, o recurso a trabalhadores, neste caso um motorista, da C… por parte da empresa D1… permite reforçar a capacidade produtiva desta empresa e libertar meios humanos próprios para o exercício da atividade que concorre diretamente com a atividade da C…. 24. Mesmo que tenha realizado um serviço ocasional, de aluguer ou turístico, o Arguido contribuiu para uma situação de concorrência desleal com a Arguente. 25. Ao socorrer-se de motoristas da C…, para além de estes ficarem em falta na Arguente, a D1… não precisa de desviar os seus meios para assegurar os serviços prestados por esses motoristas. 26. Acresce que o Arguido faltou ao seu trabalho na Arguente por alegadamente estar impedido em virtude de doença natural incapacitante para a sua atividade profissional, conforme certificado de incapacidade temporária para o trabalho que apresentou para justificar a sua falta no citado dia 03 de julho de 2018 e no dia subsequente. 27. O Arguido só estava, de acordo com o referido certificado médico, autorizado a ausentar-se do respetivo domicílio para tratamento, mas foi trabalhar para uma empresa concorrente da sua entidade empregadora C…. 28. Faltando às suas obrigações contratuais para com a Arguente, o Arguido não compareceu no local de trabalho, a coberto de um certificado médico de incapacidade temporária, e efetuou, no mesmo período, uma atividade afim numa entidade terceira. 29. Assumindo que o Trabalhador estava doente no dia 03 de julho de 2018, o seu comportamento é altamente condenável em termos disciplinares. 30. Se o Arguido estava doente, não é admissível que a doença de que padecia o impossibilitasse de cumprir a sua obrigação contratual de se apresentar no seu local de trabalho no dia 03 de julho de 2018 e fazer o serviço que lhe estava destinado pela Arguente e não o impedisse de fazer um serviço para uma outra empresa, neste caso a empresa D1…. 31. Este comportamento é altamente censurável por si só, mesmo que a empresa para a qual o Trabalhador prestou serviço no dia 03 de julho de 2018 não fosse uma empresa concorrente da C…. 32. É ainda mais censurável atendendo a que a ausência do trabalhador por motivo de doença é remunerada pela Arguente. 33. Com efeito, a C…, nos termos da Cláusula 62.º do Acordo de Empresa aplicável ao Arguido, efetuou-lhe o pagamento de um complemento respeitante aos dois dias de ausência atestados pelo referido certificado médico. (…)”. (E)
g) O Trabalhador respondeu à nota de culpa, nos termos constantes do documento junto a fls. 50, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido. (F)
h) Após proceder a uma série de diligências instrutórias, o instrutor do procedimento disciplinar elaborou um “Relatório Final e Proposta de Sanção”, junto de fls. 64 a 69 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, no qual, entre outras coisas, consignou que:
“(…) VI – DA PROVA Concluída a instrução do presente processo, mostram-se provados os factos constantes dos artigos 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,16,17,18,19,20,21,22,24,26,27,28,29,32,3340 da Nota de Culpa, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
VII – FUNDAMENTAÇÃO E PROPOSTA DE SANÇÃO
(…) Acresce que o Arguido prejudicou a programação e o funcionamento do serviço previamente definido pela Arguente, criando perturbações à organização do trabalho e à produtividade desta, porquanto na primeira parte do serviço atribuído ao Arguido, entre as 11h16min e as 13h47min, foi necessário recorrer a um motorista “de ordens” para o assegurar; na segunda parte do serviço, entre as 15h30min e as 18h24min, foi necessário transferir o 7.º turno da linha … para o serviço do 8.º turno, ficando essa linha sem o respectivo 7.º turno. Em consequência, os Clientes da Arguente viram-se, pois, privados do 7.º turno da linha …. (…)”. (H)
i) A Empregadora proferiu decisão final, junta a fls. 75 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, na qual, com base nos factos e fundamentos descritos no relatório mencionado em H), aplicou ao Trabalhador a sanção de despedimento com justa causa. (I)
j) A decisão mencionada em i) foi comunicada ao Trabalhador no dia 13 de Novembro de 2018. (J)
k) O Trabalhador faltou ao trabalho no dia 03 de Julho de 2018. (K)
l) Nesse dia, havia sido atribuído ao Trabalhador o serviço …., correspondente ao 5º turno da linha “…”, no período compreendido entre as 11:16 e as 13:47 horas; e ao 8º turno dessa mesma linha “…”, no período compreendido entre as 15:30 e as 18:24 horas. (2º)
m) Em consequência da falta ao serviço do Trabalhador, na primeira parte do serviço mencionado em l), entre as 11:16 e as 13:47 horas, a Empregadora teve de recorrer a um motorista “de ordens” para o assegurar; e na segunda parte do serviço, entre as 15:30 e as 18:24 horas, foi necessário transferir o 7º turno da linha “…” para o serviço do 8º turno, ficando essa linha sem o respectivo 7º turno. (3º e 4º)
n) O Trabalhador apresentou à Empregadora um “certificado de incapacidade temporária para o trabalho” emitido por médico de família, junto a fls. 40 verso dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, relativo aos dias 03 e 04 de Julho de 2018. (L)
o) No certificado mencionado em n) foi expressamente consignado que o Trabalhador apenas estava autorizado a ausentar-se do domicílio para tratamento; bem como, em casos devidamente fundamentados pelo médico, nos períodos das 11:00 às 15:00 horas e das 18:00 às 21:00 horas. (M)
p) No dia 03 de Julho de 2018, por volta das 15:25 horas, o Trabalhador conduziu um autocarro da sociedade “D…, Lda”. (1º)
q) A sociedade “D…, Lda” dedica-se ao transporte rodoviário de passageiros através da exploração de carreiras regulares que cobrem a maioria da área urbana do concelho de Gaia; bem como presta serviços de transporte de aluguer ocasional, regular especializado e internacional. (N)
r) No eixo Matosinhos/…/Porto, a Empregadora opera as linhas “…” (… – Matosinhos/…) e “…” (… - …). (O)
s) A operação da “D1…” concorre directamente com a operação da Empregadora nas linhas de: C…D…Observação
… .., .., .., .. de … até …
…, … .., .. do … ao Porto
… .. … ao Porto
… .., .., …, .. … ao Porto
… .. de … (…) até Porto (…)
… .., …, .. de … ao Porto
…, …, … .. do … ao Porto.
t) No dia 18 de Julho de 2019, perante a instrutora do procedimento disciplinar, o Trabalhador, entre outras coisas que constam do “Auto de Declarações”, junto a fls. 39 dos autos e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, declarou o seguinte:
“(…) não se recorda daquilo que fez, nomeadamente se estava a laborar para a C…, SA ou se conduziu um autocarro de outra empresa, neste caso a “D1…”. No entanto, refere que é possível que tenha conduzido um autocarro da empresa D1… nesse dia 03 de julho, na medida em que não é a primeira vez que o faz. Aliás, refere que já conduziu autocarros, quer da empresa D1…, quer de outras empresas. (…)”. (Q)
u) No dia mencionado em k), a Empregadora pagou ao Trabalhador um complemento salarial, previsto na Cláusula 62ª do Acordo de Empresa. (R)
v) Os motoristas da Empregadora, I… e J…, foram objecto de procedimentos disciplinares por terem prestado serviços a outras empresas transportadoras de passageiros. (5º)
w) Nos casos mencionados em v), a Empregadora aplicou aos trabalhadores a sanção disciplinar de repreensão escrita. (6º)”
*** V. Fundamentação de Direito
1. Tem a 1ª questão por objecto saber se, como pretende a Recorrente e pelas razões que invoca, existe justa causa para o despedimento do A., sendo que na sentença recorrida, considerando-se embora que este incorreu em infracção disciplinar que, em abstracto, poderia configurar justa causa para o despedimento, se entendeu que, no caso concreto, o comportamento em causa não consubstancia tal justa causa.
E, para o efeito e após considerações de natureza jurídica, referiu-se na sentença recorrida o seguinte:
“(…) 2.3 - Isto posto, apreciemos então em concreto a questão que se nos coloca.
Nesse âmbito, e em traços gerais, ficou efectivamente demonstrado que no dia 03 de Julho de 2018 o Trabalhador faltou ao serviço para que estava escalado pela Empregadora, invocando que se encontrava doente e apresentando um certificado de incapacidade para o trabalho comprovativo de tal situação.
Não obstante, nesse mesmo dia o Autor prestou serviços de motorista para a empresa “D…, Lda”.
Ora, sem necessidade de grandes considerações, é manifesto que este mencionado comportamento consubstancia, em concreto, a violação dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de guardar lealdade ao empregador, respectivamente consagrados nas alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
O que, em abstracto, consubstancia justa causa para o seu despedimento, ao abrigo do disposto no artigo 351º nº 2 alínea d) do mesmo diploma.
Saliente-se, contudo, que não existem suficientes elementos nos autos que permitam ao Tribunal concluir que o Trabalhador violou igualmente o disposto na alínea f) desta mesma norma, ou seja, que prestou falsas declarações relativas a faltas.
Com efeito, apenas se sabe que no dia 02 de Julho de 2018 foi emitido um documento médico certificando que o Trabalhador se encontrava incapaz para o trabalho, por doença, nos dias 03 e 04 de Julho. Certificado esse que o Trabalhador apresentou junto da empresa, assim justificando as faltas que deu ao serviço nesses dois dias.
É certo que, como já referimos, no dia 03 de Julho o Trabalhador prestou serviços de condução para uma outra empresa.
Porém, tal circunstancialismo pode sempre configurar uma de duas situações concretas, a saber:
- ou o Trabalhador não estava doente e obteve um atestado falso, para justificar a sua falta ao serviço – caso em que prestou falsas declarações relativas às faltas dadas;
- ou o Trabalhador estava efectivamente doente, mas violou a obrigação de permanecer no domicílio, de forma a conseguir angariar um rendimento extra – caso que se subsume à já mencionada violação do dever de lealdade para com a empresa.
Ora, e como comecei por referir, o tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam concluir qual destas duas situações efectivamente ocorreu, sendo certo que não é possível presumir sem mais que foi a primeira.
Daí que esta específica violação não vá ser considerada pelo Tribunal na apreciação da existência de justa causa para o despedimento.
2.4 - Aqui chegados, cumpre então agora responder à questão que de imediato se nos coloca, que é a de saber se o comportamento ilícito do Trabalhador que acabei de descrever deverá ser considerado de tal forma grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes.
(…)
2.5 - Nesse âmbito, posso desde já deixar liminarmente consignado ser meu entendimento firme que a resposta a esta questão tem necessariamente de ser negativa, com base em três fundamentos que passarei a explanar.
O primeiro tem a ver com o facto de o Trabalhador exercer funções para a Empregadora desde Janeiro de 2001 - ou seja, há mais de 17 anos - sem que lhe sejam conhecidos quaisquer antecedentes disciplinares (facto que, mesmo a ter ocorrido, nunca poderia ser tido em consideração pelo Tribunal, uma vez que a Empregadora não o alegou nem na nota de culpa nem no articulado de motivação do despedimento, sendo certo que na decisão final de despedimento se limitou a fazer uma menção vaga, genérica e conclusiva aos “antecedentes disciplinares do Arguido” que não concretizou por qualquer meio)
Ora, na apreciação e ponderação da gravidade de um comportamento ilícito de um trabalhador não pode ser olvidada, de forma alguma, a existência de um percurso disciplinar impoluto.
Com efeito, a inexistência de antecedentes disciplinares tem necessariamente de ser ponderada aquando da fixação concreta da sanção a aplicar, uma vez que a mesma faz presumir que o trabalhador não tem tendência para um comportamento conflituoso, provocador ou prevaricador, pelo que o comportamento em causa pode e deve ser visto como um episódio esporádico e isolado.
Já os dois outros argumentos a que supra fiz referência são-nos fornecidos, embora de forma indirecta ou tácita, pela conduta posterior aos factos assumida pela própria Empregadora.
Assim, em primeiro lugar, e não obstante defender veementemente que o comportamento do Trabalhador acarretou a irremediável perda definitiva da confiança no mesmo, a verdade é que foi a própria Empregadora quem, ao longo dos mais de dois meses que durou o procedimento disciplinar, sempre manteve o mesmo ao serviço e a prestar a sua normal actividade, não tendo sentido necessidade de o suspender provisoriamente, ao abrigo da prorrogativa que lhe era concedida pelo disposto no artigo 354º do Código do Trabalho (pelo menos, não alegou tê-lo feito, nem tal resulta documentado através do procedimento disciplinar junto aos autos).
Ora, é manifesta a contradição de tal comportamento, uma vez que a perda da confiança no Trabalhador teria necessariamente de ocorrer logo a partir do momento em que a Empregadora teve conhecimento dos factos e não apenas aquando da prolação da decisão de despedimento.
Em segundo lugar, está demonstrado que em duas outras situações de motoristas “apanhados” pela Empregadora a prestar serviços a outras empresas transportadoras de passageiros, a empresa apenas aplicou aos mesmos a sanção disciplinar de repreensão registada.
Isto é, nesses dois casos a Empregadora entendeu que o comportamento dos seus trabalhadores não só não era susceptível de colocar em causa a confiança indispensável à manutenção da relação contratual, como também que a mesma apenas justificava a aplicação da segunda sanção menos grave de entre todas as previstas no artigo 328º nº 1 do Código do Trabalho.
É certo que no decurso da audiência de julgamento foi aventado por algumas das testemunhas inquiridas (designadamente pelos dois motoristas visados) que nesses dois casos os trabalhadores se encontravam de folga, ou seja, ao contrário do que sucedeu com o Trabalhador, não faltaram ao serviço marcado pela Empregadora.
Contudo, este circunstancialismo é inócuo e não pode ser tida em consideração pelo Tribunal, nem sequer com recurso à prorrogativa prevista no artigo 72º nº 1 do Código de Processo do Trabalho.
Com efeito, importa não olvidar que a factualidade relativa à conduta disciplinar discriminatória da Empregadora foi expressamente alegada pelo Trabalhador na sua contestação, não tendo merecido qualquer resposta por parte da Empregadora.
Ora, não estamos aqui perante a alegação de uns simples factos instrumentais, mas sim de verdadeiros factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Empregadora. Ou seja, perante uma excepção.
Logo, competia à Empregadora ter respondido à mesma e alegado todos os factos que entendesse por convenientes ou relevantes para a impugnar ou afastar.
Sem prejuízo da conclusão a que acabamos de chegar, sempre se diga que a solução seria idêntica, mesmo no caso de se defender entendimento diverso daquele que acolhi e se considerasse como provada a factualidade mencionada no decurso da audiência pelas testemunhas ali inquiridas (isto é, e repito, que os trabalhadores I… e J… conduziram para a outra empresa quando se encontravam de folga na Empregadora).
É certo que nesse caso se apresentava como totalmente justificada a aplicação ao Trabalhador de uma sanção diversa daquela que foi aplicada aos dois outros motoristas, desde logo porque o seu comportamento seria manifestamente mais gravoso.
Porém, sempre ficaria por compreender que tal diferenciação consistisse na aplicação, num caso da segunda sanção menos gravosa prevista na lei (uma simples repreensão registada); e no caso do Trabalhador da sanção mais gravosa ali prevista (o despedimento).
Com efeito, pelo meio destas duas específicas sanções existem três outras, menos graves e não extintivas do vínculo laboral, designadamente a sanção pecuniária; a perda de dias de férias e a suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
Ora, e no limite, a aplicação da sanção da suspensão de trabalho por cinco a dez dias afigurava-se perfeitamente adequada a salvaguardar as eventuais necessidades de prevenção especial e geral que no caso se apresentassem.
Ou seja, e tudo conjugado e ponderado, estamos aqui perante um comportamento ilícito do Trabalhador que - nos exactos termos em que ficou apurado nestes autos - não é de tal forma grave que tenha a virtualidade de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes.
Em consequência, não se podem considerar verificados os pressupostos previstos no artigo 351º do Código do Trabalho, para a ocorrência de justa causa de despedimento.
Assim sendo, o despedimento operado é ilícito, ao abrigo do disposto no artigo 381º b) do Código do Trabalho.”.
2. Dispõe o artº 351º, nº 1, do CT/2009 que constitui justa causa do despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, comportamentos susceptíveis de a integrarem, designadamente “f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas”. E, de acordo com o nº 3 do mesmo, “3. Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que sejam relevantes”.
É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[2] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjectivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objectivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[3].
Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, inDespedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, inDireito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho “sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.”
E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT/2009 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais.
Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, , Processo nº 08S3085) “existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.”
O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Importa, também, ter em conta que o empregador tem ao seu dispor um alargado leque de sanções disciplinares, sendo que o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infracção.
Há que referir também que dispõe o art. 128º, nº 1, que constituem deveres do trabalhador, designadamente, os de assiduidade [al. b], de realização do trabalho com zelo e diligência [al. c)] e de lealdade [al. f)]. E, nos termos do disposto no art. 126º, nº 1, do mesmo, “1. O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.”.
O dever de lealdade é um dos deveres essenciais do trabalhador, com o qual se prende a confiança do empregador na idoneidade do comportamento daquele, substrato este indispensável à manutenção da relação laboral, dele decorrendo a obrigação de o trabalhador se abster de comportamentos (injustificadamente) contrários ou lesivos, ou susceptíveis disso, dos interesses da entidade empregadora, comportando uma faceta subjectiva e outra objectiva.
A primeira decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes, sendo necessário que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de abalar ou destruir essa confiança, colocando em dúvida a idoneidade futura do comportamento daquele. A segunda reconduz-se à necessidade de a conduta do trabalhador se pautar pelo princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações.
Por fim, resta referir que sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil -, sendo que, nos termos dos arts. 357º, nº 4, e 387º, nº 3, do CT/2009, apenas a poderão fundamentar os factos constantes da nota de culpa ou da resposta à nota de culpa, salvo se se tratar de factos que atenuem ou diminuam a responsabilidade do trabalhador.
3. No caso, decorre da matéria de facto provada, que:
- a Ré se dedica à actividade de transporte público rodoviário na área urbana do grande Porto;
- o A., no dia 03.07.2018, faltou ao trabalho, sendo que estava escalado para exercer a sua actividade no período compreendido entre as 11:16 e as 13:47 e as 15:30 e as 18:24 desse dia;
- O A. apresentou à Ré certificado de incapacidade temporária para o trabalho relativo a esse dia 03.07.2018 (bem como ao dia seguinte, 4.07.2018), no qual se consignou que apenas estava autorizado a ausentar-se do domicílio para tratamento, bem como, em casos devidamente fundamentados pelo médico, nos períodos das 11:00 às 15:00 horas e das 18:00 às 21:00 horas;
- Mas, não obstante isso, nesse dia 03.07.2018, por volta das 15:25 horas, o A. conduziu um autocarro da sociedade “D…, Lda”, empresa esta que tem actividade comercial concorrente com a da Ré em algumas das rotas.
- No dia em questão, a Ré pagou ao A. um complemento salarial, previsto na Cláusula 62ª do Acordo de Empresa.
Desde logo, com tal comportamento o A. violou os deveres de assiduidade, zelo, diligência, lealdade e de boa fé para com a Ré, o que consubstancia infracção disciplinar, sendo que a questão que se coloca é se tal consubstanciará justa causa para o despedimento.
A condução, pelo A., do autocarro da sociedade terceira, com actividade concorrente da Ré, consubstancia violação do dever do trabalhador se abster de praticar actos susceptíveis de integrar o exercício de actividade concorrencial, abarcando tal dever as situações em que o trabalhador exerce a sua actividade para entidade terceira que tem uma actividade concorrencial à do seu empregador.
No entanto, se tivesse sido este o único comportamento do A. e tendo em conta, face ao princípio da coerência disciplinar, o referido nas als. v) e w) da matéria de facto provada [v) Os motoristas da Empregadora, I… e J…, foram objecto de procedimentos disciplinares por terem prestado serviços a outras empresas transportadoras de passageiros. (5º) w) Nos casos mencionados em v), a Empregadora aplicou aos trabalhadores a sanção disciplinar de repreensão escrita. (6º)”], concordar-se-ia com a sentença recorrida.
Mas não é esse o único comportamento infractor do A.
Com efeito, este, para além de conduzir autocarro de entidade terceira, no dia em que tal ocorreu (03.07.2018) faltou ao trabalho na Ré, para o qual estava escalado, e apresentou à Ré, para justificar essa sua falta, certificado de incapacidade para o trabalho.
É certo que, como se diz na sentença recorrida, das duas uma: i) ou o A. não estaria doente e incapacitado para o trabalho; ii) ou estaria doente e incapacitado para o trabalho.
Na primeira situação – não estar o A. doente e incapacitado para o trabalho -, atestando o certificado de incapacidade uma falsa realidade, estar-se-ia perante uma situação de falsidade do referido atestado, desde logo imputável ao médico subscritor e, se na medida em que o A. a isso o tivesse induzido ou nisso participado, também a este imputável, o que, neste caso, constituiria também falsa declaração quanto à justificação de falta [o que, todavia, não se provou].
E afigura-se-nos também que da circunstância de o A. ter ido trabalhar nesse dia para a terceira entidade não se pode, só por si, concluir no sentido de que não estaria doente. Poderia ter ido trabalhar doente para a “D…, Lda”. O que, todavia, não é aceitável é que a doença de que o A. tivesse padecido o impossibilitasse de exercer as suas funções de motorista na Ré e de, assim, cumprir as suas obrigações laborais, mas não o haja impedido, como não impediu, de exercer essas mesmas funções de motorista para outra empresa que não a Ré.
E, com isto, se entra na segunda das situações acima apontadas - encontrar-se doente e, segundo o médico subscritor do certificado, incapacitado para o trabalho. Nesta, o certificado não atestaria uma falsa situação. No entanto, nesta situação e ao contrário do entendido na sentença recorrida, não se nos afigura que seja de desvalorizar disciplinarmente tal situação, reconduzindo-a apenas à violação das obrigações impostas pelo médico subscritor do referido certificado [de apenas se ausentar do domicílio para tratamento, bem como, em casos devidamente fundamentados pelo médico, nos períodos das 11:00 às 15:00 horas e das 18:00 às 21:00 horas].
É que, nesta segunda situação [estar o A. doente], o certo é que a doença de que seria portador não o impediu de ir trabalhar, como foi, para terceiro [empresa concorrente da Ré], e, diga-se, foi exercer as mesmas funções, de motorista, que exercia na Ré. Assim, desde logo e como acima referido, não é aceitável que a doença de que o A. tivesse padecido o impossibilitasse de exercer as suas funções de motorista na Ré e de, assim, cumprir as suas obrigações laborais, mas não o haja impedido, como não impediu, de exercer essas mesmas funções de motorista para outra empresa que não a Ré (a D…, Lda).
Por outro lado, não obstante o A. Ter ido trabalhar para tal empresa, apresentou à Ré certificado de incapacidade para o trabalho, com isso referindo-lhe e levando-a a crer que não poderia trabalhar e que não trabalhou por estar doente e, bem assim, omitindo-lhe que, não obstante essa alegada doença e incapacidade, iria ainda assim trabalhar para empresa terceira. Ou seja, pretendeu o A., a coberto de tal atestado, justificar a sua falta ao trabalho e o não cumprimento da sua obrigação contratual de prestar a sua actividade à Ré, transmitindo-lhe que não poderia trabalhar quando, efectivamente, foi trabalhar para outra entidade. Ora, tal, se não consubstancia falsas declarações em matéria de justificação de faltas, viola pelo menos e gravemente o dever de lealdade e de boa-fé para com o empregador, para além de violar os deveres de assiduidade, zelo e diligência.
Acresce que mais agrava a deslealdade do comportamento do A. o facto de, ao justificar a falta por doença, foi pago nos termos previstos no instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, no pressuposto de efectivamente estar doente, suportando a entidade empregadora os custos sem a contrapartida da prestação do seu trabalho, quando afinal estava em condições de trabalhar no exercício da mesma actividade, como o fez.
Afigura-se-nos, pois, que o comportamento do A., pela sua gravidade, é susceptível de consubstanciar justa causa de despedimento.
Com efeito, numa avaliação objectiva e não subjectiva pautada pela sensibilidade do empregador, não é a este exigível que mantenha a relação laboral com o trabalhador quando este, faltando ao trabalho e apresentando, como justificação dessa falta, certificado de incapacidade para o trabalho, vai afinal prestar essa mesma actividade para terceiro. Tal comportamento viola frontalmente a lealdade, boa-fé e lisura no comportamento que são exigíveis ao trabalhador. E é susceptível de abalar, de forma fundada, a confiança do empregador na idoneidade do comportamento do trabalhador, designadamente no futuro, sempre quedando, ou podendo quedar, a dúvida, em caso de eventuais futuras faltas do trabalhador, designadamente por motivo de doença, quanto à veracidade da justificação apresentada, mormente através de certificados de incapacidade para o trabalho. E a confiança consubstancia elemento ou substrato essencial à possibilidade de manutenção da relação laboral.
No sentido da existência de justa causa em situação algo similar cfr. Acórdão da RC de 22.10.2009 no Processo 777/08.5TTAVR.C1, indicado pela Recorrente.
Importa ainda tecer três considerações finais tendo em conta, designadamente, a fundamentação da decisão recorrida.
No que toca à invocada coerência disciplinar, conquanto seja critério que, na concreta ponderação da sanção disciplinar, deva ser ponderado, no caso tal principio não se coloca ou não se coloca de modo a que leve à consideração de que outra sanção deveria ter sido ser aplicada. Com efeito, tal princípio pressupõe uma identidade de situações e/ou comportamentos infractores praticados pelos trabalhadores, sendo que, no caso, da matéria de facto provada apenas decorre que os motoristas da Empregadora, I… e J…, foram objecto de procedimentos disciplinares por terem prestado serviços a outras empresas transportadoras de passageiros e que, em tais casos, a Ré lhes aplicou a sanção disciplinar de repreensão escrita.
É certo que existe uma coincidência parcial de comportamento e que entre a sanção de repreensão registada e a do despedimento vai uma grande distância. Não obstante, da matéria de facto provada não resulta que os referidos trabalhadores, nas situações subjacentes à aplicação de tais sanções, hajam faltado ao trabalho e, muito menos, que hajam faltado ao trabalho apresentando como justificação certificado de incapacidade temporária para o mesmo. E este circunstancialismo faz toda a diferença, em termos dos deveres laborais em causa, mormente dos deveres de lealdade e de boa-fé, sendo que era sobre o trabalhador que, substantiva e processualmente, impendia o correspondente ónus de alegação e prova de que, em tais situações, tal também teria ocorrido, na medida em que impeditivo da justa causa de despedimento e alegado na sua contestação [art. 342º, nº 2, do Cód. Civil].
A este propósito, é ainda de esclarecer o seguinte: na contestação, o A. havia alegado que a Ré, no âmbito de procedimentos disciplinares instaurados aos seus motoristas por prestarem serviço a outras empresas transportadores de passageiros, aplicou sanções disciplinares que não a do despedimento, sendo esse o caso dos motoristas I… e J… a quem, em situação idêntica, foi aplicada sanção de repreensão registada.
Ainda que tal alegação possa ser considerada como excepção e que se tivesse em conta o efeito cominatório decorrente da falta de resposta à contestação por parte da Ré, nunca se poderia ter como assente, por acordo das partes nos articulados, que as situações subjacentes à aplicação da sanção de repreensão registada a tais motoristas tivessem tido por objecto situações em que estes hajam faltado ao serviço e hajam apresentado certificado de incapacidade para o trabalho. Com efeito e por um lado, a alegação da identidade de situações tem natureza conclusiva e, por outro, integrante ou concretizadora de tal conclusão o A. apenas alegou que os procedimentos disciplinares e sanções aplicadas aos motoristas I… e J… o foram por estes terem prestado serviço a outras empresas transportadoras de passageiros.
No que respeita à circunstância de a Ré não ter suspendido preventivamente o A. trata-se, salvo o devido respeito, de argumento que não poderá proceder.
Dispõe o art. 354º do CT/2009 que “1. Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador, cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição. (…)”.
A suspensão preventiva do trabalhador é uma faculdade concedida ao empregador, o qual não pode, nem deve, ser “penalizado” pela decisão de não suspender preventivamente o trabalhador, tanto mais que, sendo devida a retribuição, é natural que pretenda, durante o decurso do procedimento disciplinar, mantê-lo ao serviço. E por outro lado, a suspensão preventiva deve ser justificada pela inconveniência da presença do trabalhador na empresa, inconveniência essa que, no caso, nem se vê que decorra da factualidade imputada ao A. e/ou da factualidade provada. Não pode, pois, ser assacado ao empregador consequências, designadamente a nível da (im)possibilidade/(in)exigibilidade da manutenção da relação laboral caso o mesmo não suspenda preventivamente o trabalhador.
Por fim, é certo que a antiguidade do A., admitido aos 08.01.2001 e não constando da matéria de facto provada a existência de passado disciplinar, é um factor a ponderar.
Não obstante, afigura-se-nos que tal facto deverá ceder perante a gravidade, nos termos acima referidos, da infracção cometida pelo A. Com efeito, ponderando a gravidade da infracção e a culpabilidade do A., a sua antiguidade e inexistência (ou falta de prova da sua existência) de passado disciplinar não se mostram suficientes no sentido de afastar a justa causa de despedimento se a mesma se encontrar, como se encontra no caso em apreço, preenchida nos termos do art. 351º, nº 1, do CT/2009.
Assim sendo, procedem as conclusões do recurso, reconhecendo-se ter sido o A. despedido com justa causa. Consequentemente, impõe-se a revogação da sentença recorrida e a absolvição da Ré dos pedidos formulados pelo A.
*** VI. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida que é substituída pelo presente acórdão em que se decide ter sido o A., B…, despedido com justa causa e se absolve a Ré, “C…, SA”, de todos os pedidos contra ela formulados.
As custas, em ambas as instâncias, seriam a cargo do A/Recorrido, o qual todavia se encontra isento [dado encontrar-se representado pelos serviços jurídicos de Sindicato e não ter rendimento anual superior a €200UC- art. 4º, al h), do RCP]. Não obstante, a isenção de custas não abrange os encargos uma vez que o A/Recorrido ficou totalmente vencido na sua pretensão, assim como não abrange os reembolsos à parte vencedora – art. 4º, nºs 6 e 7 do RCP.
Porto, 31.03.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______________ [1] O legislador, no processo especial denominado de “Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa acção, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, inA nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos ao Autor (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respectivamente, ao trabalhador e à empregadora. [2] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346). [3] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589)