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REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
I. Não obstará à revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal suíço (que venha a decretar o divórcio entre cônjuges) a pendência de idêntica acção (de divórcio, entre as mesmas partes) em tribunal português, ou o caso julgado formado por sentença prévia deste, por aquele outro ter prevenido a jurisdição respectiva (para o que releva a data de instauração da respectiva acção, intentada em primeiro lugar).
II. Consubstancia motivo justificado para suspensão de uma acção de divórcio instaurada em tribunal português a pendência de uma outra, idêntica e prévia, intentada em tribunal suíço, sob pena das respectivas partes virem a dispor de duas decisões sobre iguais pedidos, eventualmente contraditórias e ambas exequíveis na ordem jurídica portuguesa (a proferida pelo tribunal nacional, directamente exequível, e a proferida pelo tribunal estrangeiro, exequível depois de revista e confirmada).
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I – RELATÓRIO
1.1.Decisão impugnada
1.1.1. T. M. (aqui Recorrente), residente de forma alternada na Rua …, n.º …, na Póvoa de Lanhoso, em Portugal, e em …, na Suíça, propôs - em 30 de Novembro de 2018 - a presente acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, contra C. S. (aqui Recorrida), residente em …, na Suíça, pedindo que:
· se decretasse o divórcio entre ele e a Ré, e se fizessem retroagir os efeitos do mesmo a 20 de Setembro de 2108, altura em que teria definitivamente cessado a comunhão de vida entre eles.
Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo em .. de Janeiro de 2004 casado civilmente com a Ré, na Conservatória do Registo Civil da …, e tendo já um filho comum, hoje maior, tiveram em 28 de Agosto de 2005 um outro, cujas responsabilidades parentais ainda não se encontram reguladas.
Mais alegou que, sendo as discussões entre o casal praticamente constantes desde o início do casamento, foram-se agravando com o tempo, deteriorando de forma progressiva e irreversível o relacionamento entre ambos, o que o levou a abandonar a casa de morada de família - sita na comuna de …, no …, na Suíça - em 20 de Setembro de 2018.
1.1.2. Designado dia para realização da tentativa de conciliação a que alude o art. 931.º, n.º 1 do CPC, e ordenada a citação da Ré, frustrou-se a diligência, por ausência da mesma e desconhecimento da sua efectiva citação.
1.1.3. A Ré juntou depois aos autos um requerimento, pedindo que fosse autorizada a sua intervenção nos mesmos e se designasse dia para realização da tentativa de conciliação dos cônjuges.
Alegou para o efeito, em síntese, ter tido conhecimento dos presentes autos numa visita que fez a Portugal, sendo que já se encontraria pendente na Suíça (residência habitual de ambas as partes) uma acção de divórcio e de regulação de responsabilidades parentais, proposta por ela própria contra o aqui Autor, e onde este foi condenado a pagar uma pensão de alimentos mensal à sua filha menor de 1.800 francos suíços, e si própria de 600,00 francos suíços.
Mais alegou que o divórcio entre ambos só não foi ainda decretado porque a lei suíça exige que para o efeito decorram dezoito meses desde o momento em que a acção (onde foi pedido) tenha sido intentada; e defendeu existir entre estes autos e aqueles outros uma situação de litispendência.
1.1.4. O Autor respondeu, confirmando a existência de uma acção de divórcio na Suíça, e afirmando desconhecer qual das duas (aquela e esta) teria sido proposta em primeiro lugar.
1.1.5. A Ré veio esclarecer (e documentar) que a acção de divórcio por si intentada na Suíça o foi em 22 de Novembro de 2018, tendo o aqui Autor (ali réu) sido citado para os seus termos em 29 de Novembro de 2018; e ter o mesmo instaurado no dia seguinte a presente acção apenas por se pretender furtar ao pagamento das pensões de alimentos já fixadas naquela outra.
1.1.6. O Autor requereu que se julgasse improcedente a excepção de litispendência, e se designasse dia para realização da tentativa de conciliação.
Alegou para o efeito, em síntese, que, nos termos do art. 580.º, n.º 3 do CPC, seria irrelevante para a verificação de uma situação de litispendência a pendência de uma acção perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenção internacional, o que não seria o caso dos autos.
1.1.7. Foi proferido despacho, em 13 de Novembro de 2018, determinando a suspensão da instância até que fosse estabelecida a competência do tribunal em que o processo de divórcio foi instaurado em primeiro lugar, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) No âmbito da União Europeia a competência internacional para conhecer e decidir acções relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento cabe aos Tribunais do Estado-Membro em conformidade com o disposto nos arts. 1.º, al. a) e 3.º, n.º 1 do Regulamento de Bruxelas n.º 2201/2003 de 27/11/2003. Dispõe o art. 19.º do Citado Regulamento que quando os processos de divórcio entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar. Assim sendo, estamos em face de direito supra nacional aplicável à ordem jurídica interna e que se sobrepõe a esta - art.º 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa - pelo que, nos termos do mencionado preceito legal e porque este processo foi instaurado em segundo lugar, determino a suspensão da instância até que seja estabelecida a competência do tribunal onde o processo foi instaurado em primeiro lugar. Notifique e comunique ao Tribunal Distrital Suíço de Dietikon - processo nº EE18104-N7U berg. (…)»
1.1.8. Foi proferido despacho, em 28 de Novembro de 2018, rectificando o anterior e declarando suspensa a instância por seis meses, por existência de motivo justificado, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) T. M. intentou, em 30.11.2018, a presente acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra C. S. pedindo que seja decretado o divórcio entre A e R fazendo retroagir os efeitos à data de 20.09.2018, altura em que cessou em definitivo a comunhão de vida entre os cônjuges. Resulta do alegado pelas partes e dos documentos juntos aos autos que A e R residem habitualmente na Suíça e corre termos no Tribunal Distrital Suíço de Dietikon o processo de divórcio nº EE180104-M/U berg instaurado a 22.11.2018. No despacho anteriormente proferido, ainda não transitado em julgado, foi, por manifesto lapso, aplicado o Regulamento de Bruxela n.º 2201/2003 de 27/11/2003 quando o mesmo não se aplica in casu por a Suíça não ser um Estado Membro da União Europeia. Assim sendo, nos termos do disposto no art. 613.º, n.º 2 e 3 e 616.º, n.º 2, al. a) do CPCivil, rectifico tal despacho no sentido de a suspensão da instância ordenada se basear no disposto no art. 272.º, nº 1 do CPCivil por força da existência de motivo justificado pelo período de seis meses, mais determinando que se elimine a ordem de comunicação ao Tribunal Suíço Findo tal período, deverá a R. informar e certificar o estado daqueles autos. Notifique. (…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Autor (T. M.)interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se lhe desse provimento e se ordenasse o prosseguimento dos autos.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
I - Por despacho exarado a fls. _ dos autos, que decretou “ a suspensão da instância” com base “no disposto no art.º 272.º, n.º 1 do CPCivil por força da existência de motivo justificado pelo período de seis meses”;
II - Dispõe o art.º 580.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil que “As excepções da listispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; (…)”, “Tanto a excepção de litispendência como a de caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
III - Ou seja, tais excepções “obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”, nos termos do disposto no art.º 576.º, n.º 1 e 2, do CPCivil;
IV - No entanto, acrescenta o n.º 3 do supra referido art.º 580.º, do CPCivil que “É irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais”;
V - Ou seja, o ora Recorrente só (e só!) poderá ver prejudicado o julgamento da presente acção de divórcio se, no caso e na matéria, existir Convenção entre os países;
VI - A ora Recorrida não invocou a existência de qualquer Convenção entre Portugal e Suíça, que se aplique e se sobreponha à ordem jurídica interna, porque, in casu, não existe;
VII - Porque assim é, não pode pois invocar aqui litispendência com a acção de divórcio pendente na Suíça;
VIII - Apesar disso, a Mm. Juiz a quo, nos presentes autos, não se pronunciando sobre a litispendência invocada, considerou, erradamente, existir motivo justificado que prejudica o julgamento da presente acção de divórcio e suspendeu a instância;
IX - Fundamentando a decisão, o Tribunal a quo, no presente caso, começou por considerar que “resulta do alegado pelas partes e dos documentos juntos aos autos que A e R residem habitualmente na Suíça e corre termos no Tribunal Distrital Suíço de Dietikon o processo de divórcio n.º ee180104-M/U berg instaurada a 22.11.2018”;
X - Nos termos do disposto nos arts. 62.º, al. a) e 72.º do CPCivil, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar uma acção de divórcio se o autor tem domicílio em Portugal, ainda que não seja essa a sua residência habitual;
XI - É, pois, certo que a morada indicada pelo Requerente na petição inicial é, pelo menos, um domicílio alternativo, nos termos do art.º 82.º, n.º 1 do CCivil (para o qual seguiram as notificações das conferências de conciliação);
XII - Com efeito, e muito embora não tenha sido posta em causa pelo Tribunal a quo, mas atento o parágrafo, convém ressalvar que está reconhecida a sua competência internacional para julgar a presente acção;
XIII - Não indicando a existência de qualquer convenção entre os países que legitimaria a procedência da excepção de litispendência invocada, o Tribunal a quo limitou-se a epilogar: “(…) suspensão da instância” com base “no disposto no art.º 272.º, n.º 1 do CPCivil por força da existência de motivo justificado pelo período de seis meses”;
XIV - A este propósito é claro o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 21-12-2015, ao afirmar “(…) salvo existindo convenção internacional em contrário (…) não há litispendência com jurisdição estrangeira nem causa prejudicial daí decorrente”;
XV - Explana o referido acórdão “e apenas para situar um pouco o verdadeiro alcance da pendência dessa outra acção (…), ainda, que se e quando tal acção for decidida, e nesse caso se e quando a decisão for objecto de revisão de sentença estrangeira, poderá o decidido valer em Portugal (e se o facto for levado a registo), então, só então e se esta acção ainda não estiver finda, verificar-se-ia aqui isso sim o caso julgado”;
XVI - Concluindo que o pedido subsidiário de se reconhecer que a acção pendente no estrangeiro constitua causa prejudicial ao julgamento da acção em Portugal e que se suspenda a instância até haver decisão transitada da jurisdição estrangeira “é claramente ilegal, pois o que resulta da lei portuguesa é que a sentença a proferir (…) não pode ser confirmada em Portugal estando pendente no nosso país idêntica acção de divórcio – art. 980. d do CPC. Antes pelo contrário, a pendência de acção (…) não pode constituir causa prejudicial ao julgamento da presente acção em Portugal”;
XVII - Pelas razões expostas, e sem quebra do devido respeito, crê o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao suspender a instância por força da existência de motivo justificado (leia-se: por força da pendência de acção de divórcio na Suíça anterior aos presentes autos) pelo período de seis meses, em clara violação dos art.º s 580.º, n.º 3, 269.º, al. c) e 980.º, al. d), todos do CPCivil.
XVIII -Afigurando-se-lhe que o despacho recorrido deverá ser revogado e ser substituído por outro que julgue improcedente a excepção de litispendência, e causa prejudicial, e em consequência ordene o prosseguimento dos autos, em correcta interpretação e aplicação dos normativos anteriormente mencionados.
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1.2.2. Contra-alegações
A Ré (C. S.) não contra-alegou.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Autor (T. M.),uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:
· Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação da lei, ao considerar que a pendência de prévia acção de divórcio (entre as mesmas partes) num tribunal suíço consubstancia motivo justificado para determinar a suspensão da instância (pertinente a posterior acção de divórcio, ente as mesmas partes, pendente num tribunal português) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Suspensão da instância - Por determinação do juiz
Lê-se no art. 272.º, n.º 1 do CPC que «o tribunal pode ordenar a suspensão [da instância], quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado».
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4.1.1. Causa prejudicial
A razão da suspensão da instância prevista na primeira parte do preceito citado [«a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta»] reside na dependência de causas, independentemente da prioridade da sua propositura: desde que a causa prejudicial já esteja proposta no momento, antes ou depois da data em que se intentou a causa dependente, não importa, o juiz pode ordenar a suspensão.
Ora, sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta.
Por outras palavras, uma causa será «prejudicial em relação a outra quando a «decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda».
No entanto, «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim, pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
(...)
Há efectivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta, mas somente a título incidental. Na primeira hipótese o nexo de prejudicalidade é mais forte, na segunda, mais frouxo; na primeira há uma dependência necessária, na segunda, uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência», constituindo exemplo desta segunda modalidade a «acção de dívida e a acção pauliana proposta pelo autor daquela».
Mas, quer num caso, quer noutro, a «razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos» (Professor José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3.º, Coimbra Editora, Limitada, págs. 268, 269, 270, 272, 288 e 296, com bold apócrifo) (1).
Contudo, e não «obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens» (n.º 2 do art. 272.º citado) (2).
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4.1.2. Motivo justificado
Relativamente à segunda parte do n.º 1 do art. 272.º citado, dir-se-á que o «tribunal pode ordenar a suspensão quando entenda que ocorre outro motivo justificado, isto é, diferente da pendência de causa prejudicial que, em seu juízo, justifique a suspensão», parecendo razoável considerá-lo como tal o requerimento, «formulado por ambas as partes, (...) com a alegação de doença ou ausência prolongada do advogado duma delas», já que «pode ser vantajoso, para a boa condução do processo, que não haja mudança de advogado».
«Fora do caso de acordo das partes baseado em motivo digno de ser atendido, o Prof. Manuel de Andrade aponta os seguintes:
- O juiz tentou, sem resultado, a conciliação; mas apesar disso, convence-se de que elas não estão muito longe de chegar a acordo;
- Uma das partes alega que tem notícia do falecimento da outra; não pode juntar logo o documento comprovativo, mas fornece sérios elementos de informação nesse sentido;
- Pode também constituir fundamento para a suspensão, embora o ponto não seja isento de dúvidas, o incidente de oposição espontânea;
- O facto de se apresentarem documentos não selados devidamente ou de se invocarem actos por que se deixou de pagar imposto de transmissão a que estão sujeitos pode também, em circunstâncias excepcionais, justificar a procedência da suspensão, posto que seja pouco provável que a justifique».
Contudo, importará evitar que a suspensão da instância se traduza num benefício concedido ao transgressor em detrimento da parte contrária, «que pode ter interesse no andamento do processo, sem que o benefício tenha como justificação a necessidade de salvaguardar a defesa ou evitar a perda do direito substancial» (Professor José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3.º, Coimbra Editora, Limitada, págs. 279 a 282, de novo com bold apócrifo).
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4.2. Revisão de Sentença Estrangeira
4.2.1. Necessidade
Lê-se no art. 978.º, n.º 1 do CPC que, sem «prejuízo do que se se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada» (sem prejuízo da mera utilização que dela se pretenda fazer como simples meio de prova, em processo pendente em tribunal português, sujeita à apreciação de quem haja de julgar a causa, conforme n.º 2 do mesmo art. 978.º).
Por outras palavras, não estando salvaguardado, por disposição especial, um efeito automático a atribuir, em território nacional, a uma sentença proferida por tribunal estrangeiro, a mesma terá a sua eficácia condicionada em Portugal (ou seja, o reconhecimento no Estado do foro dos efeitos que lhe cabem no Estado de origem) da sua prévia revisão e confirmação por um tribunal português.
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4.2.2. Processo
O processo de revisão encontra-se regulado nos arts. 979.º a 985.º, do CPC; e os requisitos necessários para a confirmação encontram-se discriminados nas diversas alíneas do art. 980.º do CPC, nelas nomeadamente se lendo:
«a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português».
Compreende-se, por isso, que se lei no art. 983.º, n.º 1 do CPC que o «pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980.º».
Precisa-se, porém, que se «a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva e nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado direito material português quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa» (n.º 2 do art. 983.º citado).
Logo, compreende-se que se afirme que o sistema português de revisão de sentença estrangeira inspira-se no chamado sistema de deliberação: a revisão é meramente formal, por contraposição a um juízo de mérito; e, por isso, compete ao Tribunal da Relação que a ela proceda exercer apenas uma sindicância de carácter formal (limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma), e não proceder a um reexame de mérito da decisão revidenda (seja pela apreciação dos factos sujeitos a julgamento, seja pelas regras de direito material que foram aplicadas aos factos).
Por outras palavras, o procedimento de revisão e confirmação (processo especial de simples apreciação) tem como causa de pedir a própria sentença revidenda; e opera, em regra, numa lógica estritamente formal, isto é, envolve apenas a verificação da regularidade formal ou extrínseca dela, livre de qualquer apreciação dos fundamentos que contenha (Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado (do reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras), Aditamento, 1975, pág. 96) (3).
Por fim, lê-se no 984.º do CPC que o «tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980.º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito».
Precisando, no que ora nos interessa, e face aos requisitos previstos nas alíneas b) a e) do art. 980.º citado, está o requerente dispensado de fazer prova directa e positiva dos mesmos (Ac. do STJ, de 21.02.2006, Oliveira Barros, Processo n.º 05B4168 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem); e, por isso, se pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta deles, presumirá que existem, não podendo negar a confirmação quando apenas tenha dúvidas sobre a sua verificação.
Compreende-se, por isso, que se afirme que a prova de que não se verificam os requisitos das alíneas b) a e) do artigo 980.º compete ao requerido, devendo, em caso de dúvida, considerar-se preenchidos (conforme Ac. do STJ, de 12.07.2005, Moitinho de Almeida, Processo n.º 051880).
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4.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.3.1. Concretizando, verifica-se que, tendo o Autor instaurado em 30 de Novembro de 2018 a presente acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, a aqui Ré tinha instaurado, em 22 de Novembro de 2018, num tribunal suíço, uma mesma acção de divórcio contra ele, e de regulação das responsabilidades parentais de filho menor comum.
Mais se verifica que, tenho já sido reguladas nesta outra acção as ditas responsabilidades parentais, e fixada ainda uma pensão de alimentos a favor da respectiva Autora (aqui ré), o divórcio ainda não foi decretado, uma vez que a jurisdição suíça exige que para o efeito decorram dezoito meses desde o momento em que os autos foram intentados com esse objectivo.
Dir-se-á, assim, que ambas as acções (a previamente intentada na Suíça e a posteriormente intentada no nosso país) visam o mesmo fim, isto é, a dissolução, por divórcio, do casamento contraído entre as respectivas partes, bem como a regulação das responsabilidades parentais do filho menor do ainda casal; e, por isso, não se constituem causa prejudicial entre si (4), mas sim repetição de acções.
Dir-se-á ainda que, não obstante esta reconhecida repetição de acções, não é a mesma idónea a fundar uma excepção dilatória de litispendência, uma vez que, de acordo com o n.º 3 do art. 580.º do CPC, é irrelevante para este efeito «a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais»; e nenhuma foi aqui invocada, ou é por este Tribunal ad quem conhecida (5).
Correctamente o terá ponderado o Tribunal a quo, quando não considerou como fundamento de suspensão da instância por ele determinada a pendência de qualquer causa prejudicial, ou a verificação de uma situação de litispendência.
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4.3.2. Concretizando novamente, viria porém o mesmo Tribunal a quo, ainda que laconicamente, a ajuizar que existiria «motivo justificado» para ordenar a suspensão da instância por seis meses, findo os quais deveria «a R. informar e certificar o estado daqueles autos» (os suíços).
Parece, assim, que o motivo que considerou como justificado para a suspensão da instância foi o já se encontrar a ser apreciada, em prévia acção intentada junto de tribunal suíço, a dissolução do casamento entre os aqui Autor e Ré, na mesma tendo sido reguladas as responsabilidades parentais do filho menor comum, e fixada uma pensão da alimentos a favor da ali Autora (aqui ré).
Dir-se-á que, tendo indiscutivelmente estas decisões - e a que vier ainda a ser proferida sobre o divórcio (pelo mesmo tribunal suíço) - que ser revistas e confirmadas em Portugal, para que possam produzir efeitos (6), certo é que a tal processo de revisão e confirmação não obstará a eventual pendência dos presentes autos, ou mesmo a decisão que neles já tenha sido proferida, uma vez que foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição.
Com efeito, o que o art. 980.º, al. d), do CPC pretende significar é que deve ser negada a confirmação de sentença estrangeira quando perante tribunal português está a correr, ou já foi decidida, acção idêntica à julgada pela sentença revidenda, salvo se, antes de a acção ser proposta em Portugal, já a outra (idêntica) havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro, por o mesmo beneficiar de competência electiva para o efeito (conforme al. c) do mesmo preceito) (7).
Compreende-se, por isso, que se afirme que «o caso julgado formado por sentença portuguesa é, em regra, oponível, operando como excepção, ao pedido de confirmação de sentença estrangeira. Mas a regra sofre uma excepção prevista no preceito (a qual funciona como excepção à excepção): o caso de o tribunal estrangeiro ter prevenido a jurisdição. Neste caso, desaparece tal obstáculo à confirmação; o mesmo vale por dizer: prevenida a jurisdição pelo tribunal estrangeiro, o caso julgado não obsta à procedência do pedido de confirmação» (Ac. da RC, de 21.09.2010, Virgílio Mateus, Processo n.º 179/08.3YRCBR).
Ora, e quanto à competência electiva do tribunal suíço (ou também dele), não foi a mesma posta em causa, tanto mais que as partes têm na Suíça a sua residência habitual (embora o Autor a tenha de forma alternada); não foi demonstrado que essa competência tenha sido provocada em fraude; e, face ao disposto no art. 63.º do CPC, a sentença que ali venha a ser proferida não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (conforme al. c), do art. 980.º do CPC).
Já quanto à prevenção de jurisdiçãopelo tribunal suíço, tendo sido nele que foi primeiro intentada uma das duas acções de divórcio neste momento pendentes, ficou desde logo - e por esse singelo facto - a respectiva jurisdição prevenida, sendo irrelevante a data do eventual trânsito em julgado de qualquer das sentenças de divórcio que venham a ser proferidas (8).
Logo, e a não ser suspensa a presente acção, poderão as respectivas partes vir a dispor de duas decisões sobre os mesmos pedidos, eventualmente contraditórias e ambas exequíveis na ordem jurídica portuguesa (a proferida nos presentes autos, directamente exequível, e a proferida por tribunal suíço, exequível depois de revista e confirmada, a tanto não obstando aquela outra).
Por fim, dir-se-á que, tendo o Autor proposto a presente acção um dia após ter sido citado para aquela outra, cujos efeitos contêm integralmente os que aqui pretende alcançar, admite-se ainda que lhe faleça interesse em agir (juízo que, porém, sempre ficaria dependente da sua prévia audição sobre a matéria, e do posterior exercido de contraditório por parte da Ré).
Considera-se, assim, existir motivo justificado para a suspensão dos presentes autos, até que se mostrem decididos os que, previamente instaurado em tribunal suíço, apreciem e decidam a mesma questão trazida nestes a juízo (9).
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela total improcedência do recurso interposto pelo Autor (T. M.).
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V – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (T. M.) e, em consequência, em:
· Confirmar integralmente o despacho recorrido.
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Custas da apelação pelo Autor recorrente (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 20 de Fevereiro de 2020.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
1. No mesmo sentido, Francisco Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume I, 2.ª edição, págs. 535-536, onde se lê, citando Manuel de Andrade, que «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando, na primeira causa, se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta última por via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, em ordem a abranger outros casos. Assim, será prejudicial em relação a outra (em que se discute a título incidental uma dada questão) a causa em que a mesma questão é discutida a título principal». 2. António SantosAbrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 315, onde se lê que «o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando se demonstrar que a acção foi intentada precisamente para se obter a suspensão de outra ou, independentemente disso, quando o estado da causa tornar gravemente inconveniente a suspensão. É que não pode ignorar-se que a suspensão obsta a que a instância prossiga naturalmente, o que pode revelar-se gravoso para os interesses que o autor procurou acautelar. Daí que, nessas situações, cumpra apreciar na acção todas as questões que tenham sido suscitadas». 3. No mesmo sentido, numa jurisprudência uniforme, Ac. do STJ, de 12.07.2011, Paulo Sá, Processo n.º 987/10.5YRLSB.S1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem. 4. Neste sentido, Ac. da RL, de 08.01.2019, Micaela Sousa, Processo n.º 586/17.T8CSC.L1-7, que considerou que a acção instaurada no Tribunal de Provincial de Luanda, cuja sentença homologou um acordo quanto à regulação do exercício de responsabilidades parentais relativamente a menor, não era prejudicial em relação a acção intentada em Portugal com vista precisamente à regulação das mesmas responsabilidades parentais. 5. Neste sentido, Ac. da RL, de 21.12.2015, João Ramos de Sousa, Processo n.º 98/13.1TBPVC-A.L1-1, que considerou que a pendência de acção de divórcio intentada no Canadá não constituía causa prejudicial face a acção de divórcio intentada em Portugal, nem - antes de ser proferida decisão final, revista e confirmada - fundaria excepção dilatória de litispendência. 6. Neste sentido, Ac. da RL, de 15.11.2019, Diogo Ravara, Processo n.º 2516/18.3YRLSB-7, onde - face a sentença de divórcio proferida fora do espaço da União Europeia -, se certificou a necessidade da sua revisão e confirmação, para que produzisse efeitos em Portugal. 7. Neste sentido, José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1982, pág. 169. 8. Neste sentido, Ac. da RC, de 21.09.2010, Virgílio Mateus, Processo n.º 179/08.3YRCBR, onde se lê que não «obsta à revisão e confirmação da sentença suíça que decretou o divórcio o caso julgado formado por sentença portuguesa que decretou o divórcio dos mesmos cônjuges, porque o tribunal suíço preveniu a jurisdição»; e para «se aferir se o tribunal suíço preveniu a jurisdição, no sentido do artigo 1096º al. d) do CPC, não releva a data do trânsito em julgado da decisão a rever, mas sim a data de instauração da respectiva acção: preveniu a jurisdição o tribunal onde foi instaurada em primeiro lugar a acção, no caso o tribunal suíço». Reiterando este entendimento, Ac. do STJ, de 12.07.2011, Paulo Sá, Processo n.º 987/10.5YRLSB.S1, onde se lê que, na «data em que a petição inicial da acção de divórcio deu entrada no Juízo de Família e Menores de Sintra ainda não tinha transitado em julgado a sentença proferida pelo Tribunal Superior de Columbia, pois o mesmo só se deu em 25 de Março de 2010»; mas «esse tribunal estrangeiro já havia prevenido a jurisdição, pois a acção foi proposta primeiro naquele (a acção que corre termos em Portugal foi proposta em 19 de Março de 2010)». E, por isso, «a pendência da acção no tribunal português não pode obstar à confirmação da sentença revidenda». 9. Aparentemente em sentido contrário, Ac. da RE, de 22.03.2018, Elisabete Valente, Processo n.º 2759/10.8TBSTB.E1, onde se lê que, «se a acção em causa correr termos no estrangeiro a instância não deve ser suspensa - neste sentido Ac. STJ de 26-05-1994, processo n.° 085370, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo II - 1994, pp. 116-118».