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INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONTRADIÇÃO ENTRE PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
CADUCIDADE DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DE ARRENDAMENTO
Sumário
I- Nos termos no art. 186º, n.º 2, al. b) do CPC, a petição inicial é inepta quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, o que não se reconduz a uma contradição do ponto de vista jurídico ou de inconcludência jurídica, mas antes a uma contradição lógica entre aqueles dois elementos.
II- Tendo o autor alegado na petição inicial, como causa de pedir, a caducidade do contrato de arrendamento por morte do arrendatário e, consequentemente, a cessação dos seus efeitos, o pedido de resolução do contrato de arrendamento, fundado em causas legais verificadas após aquela cessação e que pressupõe a vigência atual do contrato, é manifestamente contraditório com aquela precedente alegação fáctica.
III- Tal contradição entre o pedido e a causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial, vício este que, atenta a sua gravidade, não é suscetível de sanação.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
A. C. instaurou, no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum,contra M. S., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de L. P., formulando o seguinte pedido:
“Pelo exposto, requer-se à V. Ex.ª, se digne julgar a presente ação totalmente provada por procedente e consequentemente se digne considerar o contrato de arrendamento celebrado resolvido face às 33 rendas vencidas e não pagas, não pretendendo o A. a manutenção do mesmo, tendo inclusive em consideração que os Réus celebraram um contrato de subarrendamento com a sociedade Cervejaria ..., C. L., Unipessoal, Lda., com o contribuinte n.º ..., conforme fatura simplificada nº FS 219/59 emitida em 09-02-2019 pelas 23h16, sem qualquer comunicação ou autorização do A., o que consubstancia justo motivo de resolução nos termos do disposto nos art. 1108º, 1079º, 1080º, 1081º, nº 1, al. e) do nº 2, nº 3, 4 do art. 1083º e nº 1 e nº 2 art. 1084º, ambos do CCiv., com as consequências previstas no disposto no art. ...º do referido diploma legal. Mais requer à V. Ex.ª, se digne consequentemente ordenar a notificação da sociedade Cervejaria ..., C. L. Unipessoal, Lda., com o contribuinte n.º ..., com sede na morada da loja do Autor, a saber na Rua ... Ponte de Lima, para desocupar a mesma no prazo de 30 dias a contar da presente resolução”.
Alegou, em síntese:
- O Autor é dono e legítimo usufrutuário do rés-do-chão do prédio urbano sito no seu todo na Rua ..., em Ponte de Lima, inscrito na matriz urbana sob o n.º ... da União de Freguesias de ....
- No rés-do-chão desse prédio, encontrava-se em vigor um contrato de arrendamento, com L. P., que não foi reduzido a escrito porque o mesmo adquiriu a posição de arrendatário de um anterior arrendatário cujo nome se desconhece há mais de 20 anos.
- No âmbito desse contrato de arrendamento, o Autor recusou-se há cerca de 20 anos a receber as rendas do inquilino, por pretender atualizar o montante da mesma.
- Por não terem conseguido qualquer acordo com o inquilino, este passou a depositar as mesmas na Caixa ....
- A renda depositada é de 148,65€.
- No decorrer dos anos, o inquilino não pagou pontualmente as rendas vencidas e vincendas, encontrando-se em dívida até à presente data 33 meses (98 meses - 65 meses pagos) ou seja, as rendas desde junho de 2016, o que perfaz a quantia de 4.905,45€.
Por esse motivo confere a Lei, ao senhorio, a possibilidade de resolver o contrato de arrendamento celebrado nos termos do disposto nos arts. 1108º, 1079º, 1080º, 1081º, nº 1, al. e) do nº 2, nº 3, 4 do art. 1083º e nº 1 e nº 2 art. 1084º, ambos do CCiv., com as consequências previstas no disposto no art. ...º do referido diploma legal.
- No passado dia 15 de janeiro de 2013, o arrendatário L. P., faleceu, tendo deixado como herdeiros, M. S. e a filha desta, S. M..
- No passado dia 03 de abril de 2013, a herdeira M. S. enviou uma carta ao Autor, comunicando a sua pretensão em manter o arrendamento e a exploração do citado estabelecimento.
- Sucede que o mesmo não pode ser transmitido uma vez que o arrendatário faleceu e a M. S. não se encontrava casada com o falecido.
- No passado dia 15 de Abril de 2013, o Autor enviou uma carta na qual refere que o contrato caducou com o falecimento do L. P..
- Desde o óbito do arrendatário, o estabelecimento encontra-se no entanto a laborar normalmente.
- De forma indevida, a herança nunca avisou o senhorio que tinha subarrendado o local, uma vez que quem está a explorar o café é uma sociedade unipessoal por quotas denominada Cervejaria ..., de C. L., Unipessoal Lda.
- É consequentemente ineficaz quanto ao senhorio todo e qualquer negócio que tenha sido feito entre o arrendatário e a sociedade referida, nos termos do disposto nos arts. 1108º, nº 3 e 4 do art. 1112º, art. 1088º a contrário, art.1089º, ambos do CCiv.
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Citada a Ré (cfr. ref.ª. 2306922), esta não deduziu contestação.
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Na sequência de convite que lhe foi dirigido pelo Tribunal para suprir a ilegitimidade passiva para a presente acção, veio o autor requerer a intervenção principal provocada da sociedade Cervejaria ..., C. L. Unipessoal, Lda., incidente que veio a ser deferido, tendo sido ordenada a citação da aludida sociedade para intervir nestes autos do lado passivo (cfr. ref.ªs. 43940155, 32553128 e 44112582).
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Citada, contestou a chamada, na qual invocou, entre o mais, a ineptidão da petição inicial, quer com fundamento na falta da causa de pedir, quer por contradição entre o pedido e a causa de pedir (cfr. ref.ª. 33278449).
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Respondeu o autor pugnando pela improcedência da excepção deduzida (cfr. ref.ª. 33416421).
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Foi proferido despacho saneador que julgou verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e, em consequência, absolveu os réus da instância (cfr. ref.ª. 44469850).
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Inconformado, o autor interpôs recurso do despacho saneador (cfr. ref.ª. 33923478) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1º A decisão a quo, salvo o devido respeito cingiu-se à análise do pedido de forma singela, esquecendo-se de analisar a causa de pedir, violando de forma clara o princípio do dispositivo, uma vez que o objecto da acção é a resolução do contrato de arrendamento, por se encontrarem 33 rendas por pagar, à data da interposição da mesma, ou seja desde o passado mês de Junho de 2016, em conformidade com o alegado pelo Autor em 8º da petição inicial. 2º Não se percebe consequentemente o entendimento pugnado pela decisão aquo, que ao abrigo do disposto do art. 1108º, 1079º, 1080º, 1081º, nº 1 al. e) e do nº 2, 3, e 4 do art. 1083º, e nº 1 e 2 do art. 1084º, art. ...º, deveria logicamente julgar procedente, face à falta de pagamento das rendas, o pedido, julgar resolvido o contrato de arrendamento vigente, devendo consequentemente, a Ré Cervejaria ... Lda., ser condenada a entregar o locado ao A. 3º Quanto à posição do senhorio, os autos encontram-se sobejamente apetrechados com elementos carreados pelas partes, nomeadamente o reconhecimento por partes dos RR de que o Autor é o seu senhorio, como aliás, atestam em reconhecer a vigência de um contrato de arrendamento em 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 28º, 29º, 30º da contestação em que justamente faz referência a uma carta da Ré M. S., justamente para o Autor. 4º Consequentemente, a posição do Autor enquanto senhorio, na relação contratual existente entre a Ré M. S. na qualidade de cabeça de casal da herança de L. P. e a sociedade Ré, nunca foi posta em causa pelos RR, e encontra-se tacitamente reconhecida no seu articulado. 5º Não se percebe pelo exposto, a posição quanto a este assunto, da decisão a quo, porque o alegado na petição pelo Autor é claro e confirmado pelas partes, não existindo consequentemente qualquer indício de ineptidão da petição inicial, uma vez que o Autor descreveu perfeitamente a relação contratual existente, e a falta de pagamento das rendas que se verifica. 6º O facto de, no seguimento da morte do arrendatário L. P., o Autor não aceitar a manutenção do contrato a favor da herança, em nada colide com o incumprimento que se verifica relativamente à falta de pagamento de rendas, e que legalmente justifica a resolução do contrato de arrendamento, nos termos do disposto nos art. 1083º, 1084º do cciv, objecto e motivo da interposição da presente acção. 7º A decisão aquo, salvo o devido respeito, assenta consequentemente em premissas erradas, violando o princípio do dispositivo, uma vez que o alegado na causa de pedir e no pedido, não está em contradição. 8º O pedido efectuado é sim complementar e é salvo o devido respeito, o resultado da prova documental existente nos autos, quanto à falta de pagamento das rendas, devidamente comprovadas, que justamente tutela o pedido peticionado. 9º Não se percebe porque é que a decisão aquo coloca em causa a posição de senhorio do A., bem como a existência e a identificação das rendas em atraso quando a matéria alegada é clara e não deixa dúvidas interpretativas, inclusivamente aos Réus, que apesar de impugnar a título de excepção, vem em impugnação reconhecer a existência da posição de senhorio do Autor em 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 28º, 29º e 30º da sua contestação. 10º É consequentemente, contraditória com o alegado pelas partes a decisão a quo, posta em crise, devendo a mesma ser revogada, face à clareza existente nos autos quanto à falta de pagamento das rendas flagrante por parte da herança do arrendatário, prova essa inegável uma vez que face ao desentendimento existente entre as partes há vários anos a esta parte, o valor da renda era depositado no balcão da Caixa ... SA, de Ponte de Lima, inclusivamente antes da morte do arrendatário, sendo consequentemente fácil aferir que a Ré herança não paga as rendas desde o passado mês de Junho de 2016. 11º Não se vislumbra consequentemente, a existência de qualquer ineptidão da petição inicial, uma vez que a vigência do contrato, nos presentes autos nunca foi posta em causa, pelo Autor, uma vez que se cingiu a peticionar o incumprimento que se verifica há vários anos a esta parte, motivo suficiente para ao abrigo do princípio do dispositivo e da economia processual, a matéria alegada ser julgada provada por procedente. 12º Até porque, o pedido do Autor é claro: “Pelo exposto, requer-se à V. Ex.ª, se digne julgar a presente acção contrato de arrendamento celebrado resolvido face às 33 rendas vencidas e não pagas, não pretendendo o A. a manutenção do mesmo, tendo inclusive em consideração que os Réus celebraram um contrato de subarrendamento com a sociedade Cervejaria ..., C. L., Unipessoal, Lda,, com o contribuinte n.º ..., conforme fatura simplificada nº FS 219/59 emitida em 09-02-2019 pelas 23h16, sem qualquer comunicação ou autorização do A., o que consubstancia justo motivo de resolução nos termos do disposto nos art. 1108º, 1079º, 1080º, 1081º, nº 1, al. e) do nº 2, nº 3, 4 do art. 1083º e nº 1 e nº 2 art. 1084º, ambos do CCiv., com as consequências previstas no disposto no art. ...º do referido diploma legal. Mais requer à V. Ex.ª, se digne consequentemente ordenar a notificação da sociedade Cervejaria ..., C. L. Unipessoal, Lda., com o contribuinte n.º ..., com sede na morada da loja do Autor, a saber na Rua ... Ponte de Lima, para desocupar a mesma no prazo de 30 dias a contar da presente resolução.” 13º Não se compreende consequentemente o caminho seguido pela decisão aquo, que simplesmente fez tábua rasa do alegado em 1º a 11º da petição inicial, que de forma clara e inequívoca fundamenta o pedido apresentado. 14º A existência de um contrato de subarrendamento, ou como se veio a apurar com a contestação da Ré sociedade, de um contrato de cessão de exploração que foi junto aos autos pela Ré, é mais um elemento a justificar nos termos da Lei, a resolução do contrato de arrendamento nos termos do disposto no art. 1083º do CCIV. 15º Existe além disso, ilegitimidade da Ré sociedade, em deduzir as excepções deduzidas, por não ter qualquer relação contratual com o Autor, pelo que a decisão jamais deveria ter-se pronunciado sobre as mesmas, por efectivamente a Ré sociedade não ter legitimidade para o efeito, por não ser do conhecimento direto, e a sua alegação ser reveladora da má fé existente. 16º Quanto ao pedido de desocupação, é o mesmo consequência da resolução peticionada, e não se entende o teor da decisão aquo, nesse sentido, uma vez que face à falta de pagamento que se verifica, a resolução deve ser julgada provada e procedente e logicamente deverá ser desocupado o locado, por quem lá estiver efectivamente, a saber a Ré sociedade, no decorrer do seu chamamento e veio-se a saber no decurso dos autos, do contrato de cessão de exploração celebrado com a herança e não contrato de subarrendamento como consta da decisão aquo. 17º A decisão aquo, é pelo exposto precipitada, e deve ser ponderada com todos os elementos carreados para os autos, nomeadamente quanto à falta de pagamento das rendas por parte da arrendatária, e da cessão de exploração inválida que ocorreu em total sigilo, sem o conhecimento e consentimento do Autor, que poderia exercer o seu direito de preferência. 18º A decisão aquo, omite os factos que tutelam o pedido peticionado de forma incorreta pelo que deve a mesma ser revogada, devendo a petição inicial ser julgada totalmente procedente por provada, por as Rés no prazo da contestação não terem vindo aos autos comprovar o pagamento das rendas peticionadas, nos termos do disposto no art. 1083 e ss. do Cciv. 19º Na petição inicial, não se vislumbra, salvo o devido respeito qualquer falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir nos termos da al. a) do nº 2 do artigo 186º do CPC, uma vez que o Autor identificou e provou de forma clara a causa de pedir e o consequentemente pedido, não sendo motivo suficiente para assim entender o desacordo existente entre o Autor e a herança, uma vez que o contrato de arredamento efectivamente se mantem vigente enquanto não for judicialmente resolvido nos termos da Lei e mais precisamente nos termos peticionados. 20º Na petição inicial também não se vislumbra qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 186º do CPC, porque o pedido é consequência lógica da causa de pedir, a saber a resolução do contrato de arrendamento tem por consequência lógica a causa de pedir que assenta na falta de pagamento das rendas tem por lógica consequência a resolução do contrato de arrendamento e a entrega do locado por parte das Rés. 21º A causa de pedir, não se encontra por isso, em contradição com o quer que seja. 22º E o pedido é consequência directa e inequívoca da causa de pedir, pelo que a petição inicial não é inepta e a decisão aquo deverá consequentemente ser revogada e os Réus serem condenados nos termos peticionados, face à falta de prova de pagamento das trinta e três rendas, no prazo da contestação.
Termos em que, Deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência, ser revogada a decisão aquo proferida, devendo os RR, serem condenados nos termos peticionados, fazendo-se assim inteira A JUSTIÇA».
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A interveniente apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. ref.ª. 34185744).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. ref.ª. 44799438).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
Assim, no caso, a questão a decidir que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se a petição inicial enferma de ineptidão, quer com fundamento em falta da causa de pedir, quer por contradição entre o pedido e a causa de pedir.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidas).
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V. Fundamentação de direito.
1. – Da ineptidão da petição inicial [art. 186º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) do CPC].
A ineptidão da petição inicial é uma nulidade principal, cuja ocorrência cabe ao juiz verificar oficiosamente no despacho saneador (1), podendo, porém, ser objecto de arguição pelos interessados, até à contestação ou neste articulado; integra uma exceção dilatória, geradora da nulidade de todo o processo, e que, a verificar-se, importa a absolvição do réu da instância, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa (arts. 186º, 198º, n.º 1, 202º, n.º 2, 278º, n.º 1, al. b), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, al. b), 578, 595º, n.º 1, al. a), todos do CPC).
Nos termos do art. 186º do CPC, diz-se inepta a petição inicial, sendo nulo todo o processo [n.º 1], quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir [n.º 2, al. a)] ou quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir [n.º 2, al. b)].
No que concerne ao primeiro fundamento invocado, a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir ocorre quando o autor omite por completo a indicação dos factos concretos em que baseia a sua pretensão ou quando a indicação é de tal forma genérica que não permite a especificação de um facto.
Como é sabido, o objeto da ação consubstancia-se numa pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.
Com efeito, nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 552.º do CPC, exige-se que o autor, na petição inicial, exponha os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e formule o pedido, respectivamente.
Do disposto no n.º 3 do art. 581.º do CPC extrai-se que o pedido consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o qual – devendo ser claro e inteligível, bem como preciso, determinado e idóneo – expressa a concreta tutela jurisdicional que o demandante solicita ao propor a ação.
De acordo com o n.º 1 do art. 5º do CPC às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Assim, quanto ao autor, é na petição inicial que este tem de dar cumprimento ao ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, e apenas nela lhe incumbe exclusivamente alegar esses factos essenciais integrativos da causa de pedir que invoca para ancorar o seu pedido.
Por sua vez, o n.º 4 do art. 581.º do CPC, embora não defina a causa de pedir, a propósito dos requisitos da litispendência e do caso julgado enuncia o seu elemento essencial como sendo o facto jurídico de que o autor faz proceder o efeito pretendido (1ª parte), o mesmo é dizer, os factos concretos essenciais que servem de fundamento à pretensão ou ao pedido. É o princípio gerador do direito, a sua causa eficiente.
A causa de pedir é o ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, não o facto jurídico abstrato, mas o ato jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal (2).
É integrada por factos concretos, e não por conceitos jurídicos ou juízos puramente conclusivos sobre a realidade (3).
Deste modo, são factos essenciais aqueles que constituem a causa de pedir invocada pelo autor ou pelo réu-reconvinte para sustentar o pedido que formulam, respetivamente, em sede de ação ou de reconvenção e de cuja verificação depende a procedência da pretensão por eles deduzida em sede de, respetivamente, ação ou reconvenção.
Nas palavras de Lebre de Freitas (4), a causa de pedir corresponde ao núcleo fático essencial, tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito material pretendido e cuja falta, traduzindo-se na falta de objeto do processo, constitui nulidade de todo ele por ineptidão da petição inicial (ou da reconvenção).
Conforme elucida Paulo Pimenta, a “causa de pedir tem, pois, um substrato fáctico cuja alegação compete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. (…) [O] autor deverá expor (narrar) o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada. Tal narração fáctica envolverá a alegação e a descrição, por exemplo, dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda de um bem por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu, os factos relativos à ocorrência de um acidente de viação e respetivas consequências e à responsabilidade civil daí decorrente, os factos relativos à celebração de um contrato de arrendamento e à conduta do réu violadora dos seus deveres como inquilino, os factos relativos à celebração de um contrato promessa de compra e venda e à falta de cumprimento do promitente vendedor, os factos relativos à posse de determinado bem imóvel pelo autor e o seu esbulho pelo réu, os factos relativos à invalidade formal de certo negócio. Será por via desses factos, isto é, pela demonstração desses factos em juízo, que o autor poderá vir a alcançar a tutela jurisdicional desejada. É da correspondência entre o quadro factual assim apurado nos autos e o quadro fáctico previsto numa ou mais normas substantivas que resultará o reconhecimento do direito invocado” (5).
Segundo o ensinamento propugnado pelo Prof. Alberto dos Reis (6), “o autor não pode limitar-se a formular, na petição inicial, o pedido, a indicar o direito que pretende fazer reconhecer; tem de especificar a causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto ou acto de que, no seu entender, o direito procede”. Acrescenta o citado autor que o “que interessa, no ponto de vista da apresentação da causa de pedir, é que o acto ou facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja suficientemente individualizado na petição” (7).
Em suma, a causa de pedir deve apresentar as seguintes características (8):
- Concretização – posto que tem de traduzir-se em factos concretos, determinados ou individualizados;
- Inteligibilidade – deve ser perceptível, compreensível;
- Adequação – deve ser apta à produção dos efeitos pretendidos.
Considerando que a ação de despejo visa cessar a situação jurídica do arrendamento, a respetiva causa de pedir é composta não só pela alegação da existência e dos termos do contrato de arrendamento, como também pelo concreto fundamento da cessação desse arrendamento (por ex., falta de pagamento da renda, realização de obras sem autorização, necessidade do local locado nos casos em que a lei faculta direito ao senhorio) (9). O mesmo é dizer que a causa de pedir nas acções de despejo é o arrendamento conjugado com o facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento (10). Se estiver em causa uma ação de resolução do contrato de arrendamento, a causa de pedir é integrada pela alegação da relação de locação e dos factos que, de acordo com a norma do art. 64º do RAU (leia-se atualmente art. 1083º, n.º 2, do CC), constituem fundamento de resolução, de tal modo que, improcedendo uma ação com essa base, nada impede a instauração de outra ação assente em motivo diferente ou em factos integradores do mesmo fundamento, mas ocorridos em momento posterior aos que foram objeto de apreciação na primeira ação (11).
Por sua vez, relativamente ao segundo fundamento de ineptidão da petição inicial invocado, para que se verifique contradição entre o pedido e a causa de pedir é necessário que aquele, ao invés de ter a sua justificação na causa de pedir, esteja em flagrante oposição com ela.
A causa de pedir alegada tem de constituir o suporte lógico idóneo da pretensão (apresentada contra o réu) subjacente ao pedido (endereçado ao Tribunal) (12).
Como refere o Prof. Alberto dos Reis (13), é preciso que haja oposição entre o pedido e a causa de pedir, que o pedido brigue com a causa de pedir (“é da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emancipação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada. Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição inicial cuja conclusão ou pedido brigue com a causa de pedir”) (14).
Ou seja, a petição inicial tem de reproduzir um raciocínio lógico, em que o pedido há-de conter-se nas razões de direito e nos fundamentos de facto expostos como causa de pedir; se do facto jurídico invocado como causa de pedir (art. 581º, n.º 4 do CPC) deriva (admitindo que se provam os factos articulados) um efeito diferente daquele que o autor lhe atribui, a conclusão contraria as premissas e a petição é inepta.
A petição padecerá do enunciado vício quando, não obstante o pedido e a causa de pedir terem sido enunciados, ocorra contradição “intrínseca, substancial e insanável” entre um e outra (15).
A contradição prevista não é, necessariamente, como sublinha Lebre de Freitas (16), uma contradição do ponto de vista jurídico ou inconcludência jurídica (17). O que integra a ineptidão da petição inicial é a contradição lógica entre o pedido e a causa de pedir.
Por regra, atenta a gravidade do vício, a ineptidão da petição inicial não é suscetível de sanação.
Esta regra apresenta, porém, duas exceções (18): a primeira, de ordem legal, prevista no n.º 3 do art. 186º do CPC, diz-nos que, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na falta ou da ininteligilidade do pedido ou da causa de pedir, a arguição não será julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial; a segunda, de cariz jurisprudencial, resulta da doutrina do Assento n.º 12/94, de 26 de Maio de 1994, DR n.º 167/1994, Série I-A de 21/07/1994, nos termos do qual a “nulidade resultante de simples ininteligibilidade da causa de pedir, se não tiver provocado indeferimento liminar, é sanável através de ampliação fáctica em réplica, se o processo admitir este articulado e respeitado que seja o princípio do contraditório (…)”.
Revertendo ao caso dos autos, o autor intentou a presente ação peticionando que se considere resolvido o celebrado contrato de arrendamento, com fundamento quer nas 33 (trinta e três) rendas vencidas e não pagas, quer no facto de os Réus terem celebrado um contrato de subarrendamento com a sociedade Cervejaria ..., C. L., Unipessoal, Lda., sem qualquer comunicação ou autorização do A., o que, no seu dizer, “consubstancia justo motivo de resolução nos termos do disposto nos art. 1108º, 1079º, 1080º, 1081º, nº 1, al. e) do nº 2, nº 3, 4 do art. 1083º e nº 1 e nº 2 art. 1084º, ambos do CCiv., com as consequências previstas no disposto no art. ...º do referido diploma legal”.
Como fundamento dessa pretensão, e no que aos factos consubstanciadores do contrato de arrendamento respeita, limitou-se o demandante a alegar ser “dono e legítimo usufrutuário” do rés-do-chão do prédio urbano sito na Ria ..., Ponte de lima, inscrito na matriz urbana sob o n.º ... da União de Freguesia de ..., omisso na Conservatória do Registo Predial (concretizando, posteriormente, na resposta à contestação, ser apenas usufrutuário desse prédio), relativamente ao qual “encontrava-se em vigor um contrato de arrendamento com L. P., que não foi reduzido a escrito porque o mesmo adquiriu a posição de arrendatário de um anterior arrendatário cujonome se desconhece há mais de 20 anos”, motivo por que não tem na sua posse qualquer exemplar do contrato de arrendamento.
Ora, como bem se aduziu na decisão recorrida, além de o autor não concretizar “os factos que permitam extrair como sucedeu o referido L. P. na posição de arrendatário, para que pudéssemos concluir que, efectivamente, lhe foi transmitida tal posição, mais se apresenta o articulado inicial apresentado pelo autor totalmente omisso quanto à factualidade consubstanciadora daposição de senhorio naquele mesmo contrato de arrendamento a que se refere, ou seja, que alguém (e quem) proporcionou o gozo do imóvel em causa. A total omissão de factos respeitantes à existência e identidade da parte que ocupa a posição contratual de senhorio obsta, na verdade, a que concluamos pela efectiva celebração de qualquer contrato de arrendamento, na medida em que se trata de um contrato sinalagmático, gerador de obrigações recíprocas, pressupondo a existência quer da parte que se obriga a proporcionar o gozo do imóvel (senhorio), quer da parte que se obriga a pagar a respectiva retribuição (arrendatário). A circunstância de o autor alegar ser usufrutuário do prédio locado, por si só, não se revela de forma alguma suficiente para que concluamos que o demandante assume a posição de senhorio, na medida em que tal qualidade de usufrutuário não lhe confere, necessariamente, a posição de senhorio (assim como não confere a qualidade de proprietário, necessariamente, a posição de senhorio – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.01.2019, processo n.º 2290/16.8T8BCL.G1, disponível in www.dgsi.pt), sendo certo que apenas ao senhorio assiste também legitimidade processual para peticionar a resolução do contrato de arrendamento no qual figurou como parte, uma vez que em causa está a relação obrigacional e contratual estabelecida entre o senhorio e o arrendatário”.
Subscrevem-se, por inteiro tais asserções, uma vez que o autor não cuidou de especificar, como lhe competia, factos donde lhe advinha a qualidade de senhorio no contrato de arrendamento objeto dos autos.
Como é sabido, a locação é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”, designando-se por arrendamento se versar sobre coisa imóvel [arts. 1022º e 1023º do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC)].
Da leitura do preceito em conjugação com o art. 1031º do CC resulta que o locador (senhorio) está obrigado a entregar ao arrendatário a coisa arrendada e a assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que se destinar.
O contrato de arrendamento urbano é um contrato nominado, típico, consensual, formal (a lei exige documento escrito – art. 1069º, n.º 1, do CC), oneroso (visto haver sacrifício oneroso para ambas as partes, que se equivalem: o senhorio abdica do gozo da coisa e o arrendatário do correspondente preço locativo), sinalagmático (criando obrigações recíprocas a cargo do locador e do locatário: aquele, de entregar a coisa locada ao locatário e de lhe proporcionar o seu gozo; este, de pagar a renda), comutativo (as atribuições patrimoniais das partes são certas e não aleatórias) e de execução continuada (a prestação do locador de proporcionar o gozo da cosia locada é contínua, enquanto a do locatário de pagar a renda renova-se em sucessivos períodos de tempo) (19).
Como o arrendamento constitui, para o locador, um ato de administração ordinária (art. 1024º, n.º 1 do CC) (20), em regra terá legitimidade para dar de arrendamento um prédio quem tiver a administração dele. Contudo, quem dá de arrendamento, normalmente, não tem apenas a administração, mas também o gozo do prédio arrendado, de que é proprietário (art. 1305º do CC), fiduciário (art. 2290º do CC), usufrutuário (art. 1446º do CC). Basta, porém, que a administração lhe pertença, sendo suficiente que tenha poderes de administração ordinária (21).
Considerando que o contrato de arrendamento tem efeitos meramente obrigacionais e que a legitimidade para a sua celebração enquanto senhorio, mesmo do ponto de vista da lei substantiva, não está confinada à qualidade de proprietário em relação à coisa arrendada, importa ainda ter presente que a legitimidade ativa para a instauração da ação de resolução do contrato de arrendamento não depende da qualidade de proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio arrendado, mas sim da qualidade de “senhorio” (22).
E “senhorio” – continuando a seguir o último acórdão citado – é aquele que, segundo o contrato de arrendamento celebrado e cuja resolução se pretende obter, ocupa essa posição, isto é, será aquele que nos termos do contrato de arrendamento outorgado se obrigou a proporcionar (e que proporcionou) ao outro contraente (o arrendatário) o gozo temporário do imóvel, mediante a obrigação deste de lhe pagar a renda convencionada e, bem assim aquele que, entretanto, por ato intervivos ou mortis causa, lhe sucedeu nessa sua posição contratual.
Terão, “em princípio, legitimidade para a ação de despejo os sujeitos da relação jurídica de arrendamento, ou seja, aqueles que segundo o respetivo contrato ocupam as posições de senhorio e de arrendatário. Embora o senhorio seja geralmente o proprietário do imóvel sucede que, por vezes, o não é (…)” (23). A legitimidade ativa para instaurar a ação de despejo não está dependente da alegação e prova por parte do senhorio da sua qualidade de proprietário em relação ao arrendado, mas sim da sua qualidade de “senhorio”, visto que na ação de despejo é marginal o problema da propriedade do prédio, posto o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio versus inquilino (24).
No caso, como se disse, o autor omitiu por completo os factos conducentes à demonstração da sua qualidade de senhorio no contrato objecto dos autos, pelo que é de subscrever o juízo formulado na decisão recorrida no sentido de ser de concluir “pela falta de causa de pedir, em face da omissão de alegação da necessária factualidade consubstanciadora do contrato de arrendamento, maxime, concernente à posição de senhorio (legitimidade substantiva)”.
Vejamos, agora, o segundo vício apontado à petição inicial, atinente à contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Alegou o autor que, no decorrer dos anos, “o inquilino não pagou pontualmente as rendas vencidas e vincendas”, especificando que no ano de 2011, só pagou 10 meses, no ano 2012, só pagou 3 meses, no ano 2013, pagou 14 meses, no ano 2014, pagou 2 meses, o ano 2015, pagou 21 meses, no ano 2016, não pagou nenhum mês, no ano 2017, pagou 15 meses, no ano 2018 e 2019 não efetuou qualquer pagamento, encontrando-se em dívida 33 meses de renda (desde junho de 2016 até 6/03/2019).
Alegou também o autor que o arrendatário L. P. faleceu, no dia -/01/2013, e que com o falecimento deste caducou o contrato de arrendamento, sendo que a posição de arrendatário não se transmitiu para a herdeira M. S., porque esta à data não se encontrava casada com o falecido.
Ora, alegando o autor que o contrato de arrendamento caducou naquela data com a morte do arrendatário L. P., assim cessando os seus efeitos, posto que rejeita por completo que se tenha verificado a transmissão da posição de arrendatário, em parte alguma pugnando pela manutenção e validade do contrato após a morte do arrendatário, o pedido de resolução do contrato, quer com fundamento no não pagamento de 33 rendas vencidas, quer com base na celebração de um contrato de subarrendamento entre a herança do falecido L. P. - que o recorrente alega não assumir a posição de arrendatária -, e a sociedade Cervejaria ..., C. L. Unipessoal, Lda, é manifestamente contraditório com aquela precedente alegação fáctica.
Se o contrato de arrendamento já caducou, já cessou, já não subsiste, torna-se inviável a resolução do contrato por qualquer um dos fundamentos invocados (25).
Como se refere na sentença recorrida, o “direito à resolução do contrato de arrendamento pressupõe, logicamente, a vigência do contrato de arrendamento cuja resolução se pretende e terá necessariamente que ser intentada contra a parte que assume no contrato de arrendamento celebrado a posição de arrendatário ou contra quem tal posição foi transmitida”.
Logo, não se pode sustentar que o contrato de arrendamento cessou por caducidade operada em dia 15/01/2013 e, simultaneamente, fazer tábua rasa dessa alegação para, em contradição, pressupor que o contrato de arrendamento, afinal, se manteve válido e eficaz e invocar causas legais para a resolução do contrato alegadamente verificadas após aquela cessação para, no segmento petitório, peticionar a resolução do contrato, o que pressupõe a vigência actual do contrato.
O mesmo é dizer que – socorrendo-nos mais uma vez da fundamentação da sentença recorrida –, “alegando o autor, como causa de pedir, a caducidade do contrato de arrendamento celebrado em face da morte do arrendatário e, consequentemente, a inexistência de arrendatário, esvazia de qualquer fundamento o pedido de resolução do contrato de arrendamento, quer com base na falta de pagamento de rendas (inclusivamente vencidas após a morte do arrendatário), quer com base na celebração pela ré M. S. (que alegou não assumir a posição de arrendatária) de contrato de subarrendamento com um terceiro, assim como esvazia de fundamento o consequente pedido de desocupação do imóvel, na medida em que o autor o formula na dependência do pedido de resolução do contrato”.
Concluindo-se, pois, pela verificação de uma manifesta contradição entre o pedido e a causa de pedir, impõe-se julgar inepta a petição inicial, vício este que, sendo insuscetível de sanação, nos reconduz à confirmação de decisão da primeira instância.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I – Nos termos no art. 186º, n.º 2, al. b) do CPC, a petição inicial é inepta quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, o que não se reconduz a uma contradição do ponto de vista jurídico ou de inconcludência jurídica, mas antes a uma contradição lógica entre aqueles dois elementos.
II – Tendo o autor alegado na petição inicial, como causa de pedir, a caducidade do contrato de arrendamento por morte do arrendatário e, consequentemente, a cessação dos seus efeitos, o pedido de resolução do contrato de arrendamento, fundado em causas legais verificadas após aquela cessação e que pressupõe a vigência atual do contrato, é manifestamente contraditório com aquela precedente alegação fáctica.
III – Tal contradição entre o pedido e a causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial, vício este que, atenta a sua gravidade, não é suscetível de sanação.
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VI. DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
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Custas da apelação a cargo do apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza.
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Guimarães, 13 de fevereiro de 2020
Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)
1. Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º. (n.º 1 do art. 590º do CPC). 2. Cfr., Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 121 e 123. 3. Segundo o Ac. do STJ de 29/09/2009, (relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt., “a causa de pedir não consiste na categoria legal invocada, no facto jurídico abstracto configurado pela lei, mas, antes, nos concretos facto da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, traduzindo-se nos acontecimentos da vida em que o autor apoia a sua pretensão”. 4. Cfr. A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., Gestlegal, 2017, pp.50 e 56. 5. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 153/154. 6. Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, p. 370. 7. Cfr. obra citada, p. 371. 8. Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 212. 9. Cfr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, Vol. II, Excepções da Instância, Quid Iuris, 2007, p. 397. 10. Cfr. Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 3ª ed., Almedina, 1997, p. 283. 11. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, 1997, p. 84. 12. Cfr. neste sentido, Antunes Varela, in RLJ, Ano 121º, p. 122 13. Cfr. Comentário (…), Vol. II, p. 381. 14. No mesmo sentido, o mesmo autor escreveu que «o pedido deve ser o corolário ou a consequência lógica da causa de pedir ou dos fundamentos em que assenta a pretensão do autor, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas. Se, em vez disso, o pedido colidir com a causa de pedir, a ineptidão é manifesta» (cfr.Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 1982, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 309). 15. Cfr. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 3ª ed., 1999, pp. 254/255. 16. Cfr. A Ação Declarativa (…), p. 57. 17. A propósito, salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa que não encerra um juízo de ineptidão da petição a afirmação de que, perante os fundamentos fácticos invocados e a pretensão deduzida, o autor não pode obter ganho de causa. Aí, a ponderação é feita ao nível do fundo da causa, isto é, das condições da ação, sendo um caso de inconcludência ou de inviabilidade da ação, determinante da sua improcedência (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 221). No mesmo sentido, o Ac. da RC de 5/03/1991, BMJ, n.º 405, p. 543, nos termos do qual “não gera ineptidão da petição inicial a circunstância de a causa de pedir alegada não ser bastante para alicerçar o pedido, pois, neste caso, o que se verifica é um problema de improcedência da ação, a decretar logo no saneador”. 18. Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, p. 222. 19. Cfr., Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8ª ed., Almedina, pp. 45 a 50 e A. Santos Justo, Manual de Contratos Civis, Vertentes Romana e Portuguesa, Petrony, pp. 216/217. 20. Excepto quando for celebrado por prazo superior a seis anos (2ª parte do n.º 1 do art. 1024º CC). 21. Cfr. Pereira Coelho, Arrendamento, Lições ao Curso do 5ª ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1988-1989, Coimbra, 1988, pp. 100/101. 22. Cfr. Ac. da RG de 10/01/2019 (relator José Alberto Martins Moreira Dias), in www.dgsi.pt.. 23. Cfr. Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 3ª ed., Almedina, 1997, p. 283. 24. Cfr. Jorge Alberto Aragão Seia, obra citada, pp. 276/277. 25. Como é sabido, nos termos do art. 1079.º do CC, o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei. As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário (art. 1080.º do CC). O que significa que, afora a revogação, que assenta no acordo das partes, está excluída da disponibilidade das partes a faculdade de conformar o regime das restantes formas de cessação do contrato do arrendamento urbano. Segundo o ensinamento do Prof. Pereira Coelho, “o contrato caduca quando se extingue ope legis, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade tendente a esse resultado, em consequência de certo evento a que a lei atribui o efeito extintivo. Verificado esse evento, e a partir do momento em que se verifica, o contrato cai por si” (cfr., obra citada, pp. 252). Prescreve o art. 1051º, al. d) do CC, que o contrato de locação caduca “[p]or morte do locatário ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário”. Diferente da caducidade “é a resolução do contrato, que já tem de ser motivada, quer se funde na lei quer em convenção (art. 432º). (…) O caso mais importante de resolução fundada na lei é o de resolução por não cumprimento (…), que no contrato de arrendamento se reveste de características particulares” (cfr. Pereira Coelho, obra citada, pp. 250-251). Desde logo, em determinados casos, a resolução do contrato de arrendamento tem de ser decretada judicialmente (arts. 1047º e 1084º, n.º 1 do CC), sendo a ação de despejo o meio processual adequado para desencadear a resolução do contrato de arrendamento, anteriormente regulada no CPC (cfr. arts. 971º), depois nos arts. 55º e ss. do Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU) e atualmente prevista no art. 14º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14/08). Assim, nos casos do n.º 2 do art. 1083º do CC (no regime anterior, os arts. 1093º do CC e 64º do RAU), a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário pressupõe a intervenção judicial (art. 1084º, n.º 1 do CC), ou seja, carece de “ser decretada pelo tribunal (…), pelo que a simples declaração do locador ao locatário não tem efeito resolutivo. A resolução é aqui efeito da própria sentença de despejo, como sentença constitutiva (…)” (cfr. Pereira Coelho, obra citada, pp. 251-252).