AGENTE DE EXECUÇÃO
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
PODERES DO JUIZ
Sumário

I - As competências do agente de execução (AE), sem prejuízo das competências que o legislador de forma concretizada lhe atribuiu, estão definidas pela negativa no artigo 719º do CPC.
II - Nos termos do artigo 1378º do anterior CPC, reclamado o pagamento das tornas e não depositadas as mesmas pelo devedor, era facultada ao credor uma de duas posições:
- pedir que das verbas destinadas ao devedor lhe fossem adjudicadas “pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar” (nº 2 do artigo 1378º).
- ou, uma vez transitada em julgado a sentença, pedir a venda, no mesmo processo, “dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.” (nº 3 do artigo 1378º).
III - Requerida a venda nos termos do citado artigo 1378º nº 3, visa esta garantir o respeito pelo partilha homologada nesses mesmos autos.
Motivo por que não pode esta tramitação executiva ser equiparada ao procedimento executivo comum, para efeitos de definição das competências funcionais a que alude o artigo 794º do atual CPC.
IV - Neste contexto, improcede a arguida incompetência funcional do juiz a quo para proferir decisão de sustação de execução relativamente a bem cuja venda está em curso no âmbito de processo de inventário ao abrigo do disposto no artigo 1378º do CPC anterior, por referência ao disposto no atual artigo 794º.
V - A regra da antiguidade da penhora consagrada neste mesmo artigo 794º não tem aplicação na situação de venda de bem anteriormente ordenada nos termos do referido artigo 1378º.

Texto Integral

Processo nº 9007/17.8T8PRT-A.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca Do Porto – Jz. Execução do Porto
Apelante B… e outros
Apelado/C…

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório[1]
B…, D…; E… e F… instauraram processo executivo contra C… em 18/04/2017, sendo título executivo sentença homologatória de partilha proferida nos autos de inventário que com o nº 1155/10 correm seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto/ Jz. Local Cível da Pv. Varzim por óbito de G… e esposa H…, com vista à cobrança coerciva das tornas que no âmbito da mencionada partilha ficou definido serem-lhes devidas pelo interessado aqui executado [€ 19.143,75 à exequente F… e aos demais exequentes € 13.991,23 a cada um].
Da consulta dos autos de execução de que estes autos são apenso, resultam as seguintes vicissitudes processuais:
i- Com vista à satisfação da quantia exequenda foi penhorado em 20/06/2017 o prédio descrito na CRP sob o n.º 244 da freguesia …/ Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob os artigos 489 e 490;
ii- Foi citado o executado para os termos do artigo 856º, bem como observada a citação de credores nos termos do disposto nos artigos 786º e 788º do CPC.
Não tendo sido reclamados quaisquer créditos por apenso à execução;
iii- Notificados os interessados nos termos do disposto no artigo 812º do CPC para efeitos de se pronunciarem quanto à modalidade da venda, vieram os exequentes (em 28/11/2018) requerer a venda mediante propostas em carta fechada;
iv- Em 01/03/2019 foi comunicado a estes autos de execução pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto/Jz. Cível da Póvoa do Varzim – pº 1155/10.1TBPVZ, correspondente aos autos de inventário onde foi proferida a sentença dada à execução, que nos mesmos foi proferido despacho em 28/02/2019 determinando a comunicação a este tribunal de que na pendência daqueles autos “se procede à venda dos bens ali penhorados, para os efeitos tidos por convenientes.
Mais informe que, uma vez que os presentes autos são anteriores ao processo executivo, se nada for comunicado em contrário será ordenada a venda dos bens porquanto consta dos autos proposta de aquisição a que nenhum dos interessados deduziu oposição”.
Deste despacho mais se extrai a afirmação de que naqueles autos de inventário:
. foi ordenada a venda dos bens nestes autos penhorados nos termos do disposto no artigo 1378º do CPC;
. naqueles autos os interessados aqui exequentes, bem como os demais interessados credores de tornas do aqui executado, ali reclamaram o pagamento das tornas;
. e não tendo este ali sido efetuado requereram os credores de tais tornas (com exceção dos aqui exequentes) a venda dos bens adjudicados para pagamento das tornas devidas;
. uma vez homologado o mapa de partilha e proferida sentença homologatória requereram todos os credores de tornas (com exceção da interessada I…) o registo oficioso da decisão e em simultâneo o registo de hipoteca legal para garantia das tornas, o que foi indeferido por o registo não ser oficioso. Após o que os interessados requereram a emissão de certidão para registo predial da hipoteca legal[2];
. por despacho de 12/04/2016 foi naqueles autos de inventário ordenada a venda dos bens adjudicados e em 13/09/2016 ordenada a notificação dos interessados para se pronunciarem sobre a modalidade da venda. Tendo em 06/10/2016 ali sido ordenada a venda dos bens imóveis por propostas em carta fechada e após ausência de propostas a venda por negociação particular em 13/12/2016.
Tendo desde “Abril de 2017 sido apresentadas várias propostas de aquisição”;
. os aqui exequentes tomaram conhecimento da venda determinada naqueles autos de inventário.
v- Notificados os exequentes pelo tribunal a quo do informado, requereram - no pressuposto de em caso de coexistência de uma pluralidade de execuções sobre os mesmos bens prosseguir apenas a sua tramitação a execução em que a penhora seja mais antiga, “podendo os exequentes das execuções sustadas reclamar os respetivos créditos no processo em que a penhora seja mais antiga” e não estando sequer ordenada nos autos de inventário qualquer penhora [em requerimento dirigido ao juiz do processo] –a prossecução da presente execução e a notificação daqueles “outros autos da possibilidade acima referida, de os ali exequentes poderem sempre vir aos presentes autos reclamar os seus créditos.”
vi- Subsequentemente proferiu o tribunal a quo a seguinte decisão, ora recorrida:
“Em face do que resulta do despacho proferido em 25/02/2019, sob a Refª 401447667, no processo de inventário nº 1155/10.1TBPVZ, a correr os seus termos pelo Juízo Local Cível de Póvoa de Varzim, Juiz 2, depois de elaborado o mapa informativo, os interessados I…, J…, K…, L…, B…, F…, D… e, E…, apresentaram requerimento a reclamar o pagamento de tornas, as quais não foram depositadas nem foi justificada a sua omissão (os nomes sublinhados correspondem aos exequentes destes autos).
Posteriormente, após ter sido proferida a sentença homologatória do mapa de partilha, os interessados I…, J…, K… e L…, requereram no aludido processo de inventário a venda dos bens adjudicados ao devedor das tornas [C…] nos termos do disposto no artigo 1378º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961, o que foi ordenado por despacho proferido em 12/04/2016.
Entre os bens adjudicados ao aludido devedor das tornas encontra-se o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o nº 244/19910320 (freguesia …).
A presente ação executiva foi instaurada pelos exequentes B…, F… e D…, contra o executado C…, com vista à cobrança coerciva das tornas que lhes são devidas no âmbito da referida partilha, tendo o requerimento executivo sido remetido a juízo por transmissão eletrónica de dados efetuada em 18/04/2017, no âmbito da qual, em 20/06/2017, foi penhorado o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o nº 244/19910320 (freguesia …).
A questão que agora nos é colocada consiste em saber em qual dos aludidos processos deverá proceder-se à venda do mencionado prédio: (i) se no âmbito do aludido processo de inventário por os procedimentos de venda terem sido iniciados em primeiro lugar ou (ii) se nos presentes autos de execução por ser o único onde a penhora foi registada.
Com todo o respeito por diferente opinião, afigura-se-nos que, no caso em apreço, o disposto no artigo 794º, nº 1, do Código de Processo Civil, deverá ser devidamente adaptado, devendo entender-se que, havendo lugar à venda de bens em processo de inventário por força do disposto no artigo 1378º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961, uma vez que nos mesmos não há lugar à penhora e, por consequência, a qualquer registo, a anterioridade deverá ser reportada ao momento em que foi determinada a respetiva venda.
A este respeito, para além das considerações doutrinais expendidas no despacho proferido em 25/02/2019, sob a Refª 401447667 no processo de inventário nº 1155/10.1TBPVZ, com as quais manifestamos a nossa concordância, como também foi salientado no douto acórdão a Relação de Coimbra de 19/09/2006, a tramitação deste processo executivo destinado a dar realização material coativa ao crédito de tornas, deve seguir a disciplina de qualquer outra execução decorrente da sentença de partilhas que devesse ser instaurada após o trânsito em julgado dessa sentença, iniciando-se tal processo após despacho judicial a ordenar a venda do bem adjudicado, sem necessidade de qualquer prévio requerimento.
Os exequentes são parte no referido processo de inventário onde também reclamaram o pagamento das tornas que lhes são devidas, sendo do seu conhecimento antes de instaurada a presente ação executiva que os bens adjudicados ao devedor das tornas iriam ser vendidos nesse processo a requerimento dos interessados I…, J…, K… e L…, pelo que a pluralidade de processos onde se pretende vender o imóvel não constitui para os mesmos qualquer surpresa.
Assim, em face de todo o exposto, nos termos do artigo 794º, nº 1, do Código de Processo Civil, devidamente adaptado, determina-se a sustação da presente execução relativamente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Varzim sob o nº 244/19910320 (freguesia …).
Notifique (incluindo o Sr. Agente de Execução), enviando-se cópia para o processo de inventário nº 1155/10.1TBPVZ, do Juízo Local Cível de Póvoa de Varzim, Juiz 2.”

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Notificados os exequentes do assim decidido e com o mesmo não se conformando, interpuseram recurso de apelação, oferecendo alegações, a final tendo formulando as seguintes
CONCLUSÕES
“1. A sustação da execução devido a pluralidade de execuções sobre os mesmos bens, é da exclusiva competência do Agente de Execução, estando, por essa razão, vedado ao Juiz determiná-lo.
2. A execução (simplificada), por dívida de tornas, instaurada no próprio processo de inventário, não dispensa a realização da penhora nem do seu registo, se for caso disso.
3. A não realização da penhora e do seu registo, no caso de imóveis, impede o subsequente registo de aquisição do bem a favor dos adquirentes, por violação da regra do trato sucessivo, do artigo 34º nº 4 do Código do Registo Predial.
4. As duas únicas diferenças entre a execução do artigo 1378º do CPC (velho) e a execução comum, para pagamento de quantia certa, residem, em primeiro lugar, na circunstância de na primeira delas apenas poderem ser executados bens adjudicados ao devedor das tornas, e em segundo lugar na circunstância da primeira de tais execuções dispensar o requerimento inicial da execução.
5. Não se achando ainda realizada a penhora no processo de inventário, deve prevalecer a presente execução, por ser (forçosamente) mais antiga a penhora neles realizada, nos termos do disposto no artigo 794º nº 1 do CPC.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito que resultarão do sempre douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, por via dele, revogado o despacho recorrido, com todas as consequências legais.”

Não se mostram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes ser questão a apreciar se existe fundamento para a determinada sustação da execução.
Ainda e previamente se o juiz a quo carecia de competência para proferir a decisão de sustação da execução por ser tal da competência exclusiva do AE [vide conclusão 1].

III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as vicissitudes processuais acima elencadas.
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Apreciando e conhecendo.
Da competência do juiz a quo para proferir decisão de sustação da execução.
Ainda se existe fundamento para a determinada sustação da execução.
As competências do agente de execução (AE), sem prejuízo das competências que o legislador de forma concretizada lhe atribuiu, estão definidas pela negativa no artigo 719º do CPC[3] do qual se extrai que àquele AE compete efetuar “todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
Ao agente de execução passou a incumbir a realização dos atos eminentemente executivos e em geral a realização das várias diligências do processo executivo quando a lei não o determine diferentemente[4].
Dispõe por sua vez o artigo 723º sob a epígrafe “Competência do juiz” que a este compete, (nº1) “Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.
2 - Nos casos das alíneas c) e d) do número anterior, pode o juiz aplicar multa ao requerente, de valor a fixar entre 0,5 UC e 5 UC, quando a pretensão for manifestamente injustificada.”
Entre tantas outras situações[5] está ao juiz conferida a competência para determinar a suspensão da execução em consequência do recebimento de embargos de executado [vide artigo 733º nº 1 als. b) e c)]; ou determinar a suspensão da execução em caso de registo provisório de penhora sobre coisa imóvel [artigo 755º nº 4]; decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes [artigos 723º nº1 al. d) e 855º nº 2 al. b)].
Ao juiz de execução cabe assim “a prática dos atos sujeitos a princípio da reserva de juiz ou que possam eventualmente colidir com direitos fundamentais das partes ou terceiros.”[6]
Entre as competências conferidas ao agente de execução (de forma expressa) está – artigo 794º - a de sustar a execução quando se verifique a pendência, sobre os mesmos bens, de mais do que uma execução. Caso em que ao AE incumbe sustar a execução em que a penhora é posterior.
Cabendo ao exequente reclamar o crédito no processo em que a penhora seja mas antiga.
Foi ao abrigo deste normativo que o recorrente invocou não estar conferida ao juiz a quo a competência “funcional” para proferir o despacho recorrido. Bem como invocou ocorrer erro na aplicação do direito.
A apreciação da primeira questão contende com o mérito da 2ª questão colocada à nossa apreciação, porquanto se impõe apreciar se a tramitação processual seguida nos autos de inventário com vista à cobrança das tornas [ao abrigo do artigo 1378º do anterior CPC], assumindo, é certo, natureza executiva na medida em que visa pela via coerciva obter para o credor o cumprimento da obrigação que o devedor voluntariamente não observou, deve ser considerada como execução para efeitos deste artigo 794º.
Nos termos do artigo 1378º do anterior CPC, na redação aplicável aos autos de inventário, reclamado o pagamento das tornas e não depositadas as mesmas pelo devedor, era facultada ao credor uma de duas posições:
- pedir que das verbas destinadas ao devedor lhe fossem adjudicadas “pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar” (nº 2 do artigo 1378º).
- ou, uma vez transitada em julgado a sentença, pedir a venda, no mesmo processo, “dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.” (nº 3 do artigo 1378º).
Do disposto neste normativo legal, depreende-se uma tramitação especial e com um fim específico inerente a este procedimento executivo enxertado nos próprios autos de inventário:
- assim e em primeiro lugar, é de realçar o fim deste procedimento, o qual visou agilizar a rápida cobrança do crédito de tornas sem exigir da parte do credor a instauração de uma execução comum;
- em segundo lugar e precisamente por que se não trata de uma execução comum, está o credor limitado a pedir a venda dos bens que foram adjudicados ao devedor e que assim faziam parte do acervo hereditário;
- em terceiro lugar e porquanto se trata da venda dos bens que integravam o património hereditário e este procedimento visa apenas garantir a correta composição dos quinhões entre os herdeiros, de acordo com o mapa de partilhas homologado, entende-se que uma vez requerida a venda a mesma seja ordenada sem prévia citação de credores ou registo de qualquer penhora.
In casu, a entender-se de diverso modo, os credores a citar seriam os da herança e não os do devedor de tornas, porquanto em causa ainda estão operações de partilha.
E as questões das dívidas da herança estão já em tal momento processual tratadas e ultrapassadas.
Sendo o património autónomo constituído pelos bens da herança indivisa que responde pela satisfação dos respetivos encargos incluindo as dívidas do falecido, tal como resulta expressamente do disposto nos artigos 2068º e 2097º do CC.
Por outro lado, inexiste qualquer registo de penhora a efetuar, porquanto in casu não está uma venda subsequente a penhora, mas antes uma venda ordenada ainda no âmbito do processo de inventário e como meio de garantir o respeito pelo partilha homologada nesses mesmos autos.
E se assim é, não pode esta tramitação executiva ser equiparada ao procedimento executivo comum, para efeitos de definição das competências funcionais a que alude o artigo 794º do atual CPC.
As competências funcionais em tal normativo legal previstas pressupõem a pendência de duas ou mais execuções em que o AE tenha competência para intervir nos termos previstos no atual CPC, o que não é o caso; pressupõem ainda que a sua tramitação seja idêntica. O que pelo acima já exposto não é o caso.
Acresce que a decisão proferida pelo tribunal a quo resultou de uma comunicação de outro tribunal – precisamente onde pende o processo de inventário e as diligências de natureza executiva estão em curso. Tendo a decisão em questão sido como tal proferida ao abrigo dos poderes de gestão processual e salvaguarda dos direitos de terceiros.
Concluímos assim não assistir razão aos recorrentes quando invocam a incompetência funcional do juiz a quo para proferir decisão de sustação da execução relativamente a bem cuja venda está em curso no âmbito do processo de inventário ao abrigo do disposto no artigo 1378º do CPC anterior, por referência ao disposto no atual artigo 794º.
E na sequência do que já vem expendido, igualmente se entende que a regra da antiguidade da penhora consagrada neste mesmo artigo 794º não tem aplicação na situação sub judice.
Pelo que acima já expusemos, a venda requerida e ordenada no âmbito do processo de inventário, sem precedência de qualquer ato de penhora, enquadra-se ainda nas operações de partilha e composição dos quinhões entre os herdeiros e a mesma foi ordenada muito antes da instauração da presente execução.
Aliás com o conhecimento dos aqui exequentes, de acordo com as vicissitudes processuais que acima deixámos elencadas.
Não merece nestes termos censura o decidido pelo tribunal a quo.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 2020-01-27.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Consigna-se que foi consultado o processo eletrónico dos autos principais e respetivos apensos.
[2] Este registo não consta da informação da CRP junta pelo AE aos autos de execução e datada de 04/06/2018. Informação da qual consta o registo – provisório por natureza, por o titular inscrito ser pessoa diversa do executado, in casu ainda os inventariados - da penhora nestes autos de execução efetuada, datados (registo e penhora) de 20/06/2017.
[3] Diploma legal a que se fará referência sempre que em contrário nada seja indicado de forma expressa.
[4] Vide Lebre de Freitas, in A Ação executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, p. 31.
[5] Vide entre o mais o disposto nos artigos 715º nº 3; 722º nº 1 als. c) e d); 723º nº 1 al. a); 726º nº 1 e 734º nº 1; 723º nº 1 al. b); 728º a 734º todos do CPC.
[6] Marco Gonçalves in “Lições de Processo Civil Executivo”, ed. 2016, Almedina, p. 37.