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AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
AMPLIAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
Sumário
- Quanto à alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo de tal “perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito” ( cfr. art. 264º do CPC); - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor ( art. 265º,nº1 do CPC); ou se estiverem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial ( art. 588º,nº1 do CPC). - O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo ( art. 265º,nº 2 do CPC), ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos: a) quando a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 265.º do CPC não implique a alegação de factos novos ( como acontece no caso de pedido de juros ou de atualização monetária) pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento; b) quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito. - O pedido e a causa de pedir podem ser modificados simultaneamente, por ampliação ou alteração, com as limitações referidas, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida ( art. 265º,nº6 do CPC), contudo este preceito não contende com os pressupostos referidos nos nº1 e 2 daquele dispositivo legal, concretamente quanto ao prazo em que tal modificação pode acontecer. - no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais, o caso de o (novo) pedido conformar uma outra nulidade baseada em fundamento diferente ( ambiguidade) e com referência a outra cláusula distinta da anteriormente apontada como nula ( esta com fundamento em violação dever de informação), e sem sequer se observar o disposto no art. 588º do CPC, o mesmo torna-se um pedido com autonomia e individualidade diferenciada do pedido primitivo. - numa ação posterior, o autor pode alegar uma causa de nulidade de que o tribunal não conheceu oficiosamente numa ação anterior, pois não opera nenhuma preclusão de causas de pedir ( ao contrário do que ocorre com a preclusão dos fundamentos de defesa).
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:
1. F. F., NIF …, residente em Guimarães intentou contra X PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., NIPC …, com sede em Lisboa, a presente ação de condenação sob a forma de processo comum, pedindo, a final, que deve ser reconhecido e considerado não escrito, nulo, inexistente e de nenhum efeito o vertido no art.º 2 da Cobertura complementar – Condição Especial Invalidez Total e Permanente, sob a epígrafe “Garantias”, onde consta que “Ao abrigo da presente garantia complementar, e sem prejuízo do estipulado nos artigos 3.º e 4.º da presente Condição Especial, a Companhia obriga-se a liquidar, por antecipação o capital seguro nas Condições Particulares em caso de morte, caso a Pessoa Segura seja atingida por uma Invalidez Total e Permanente e, cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 75%”, condenando-se a R. a pagar ao Autor a quantia de €49.717,74, acrescidos de juros vencidos e vincendos, à taxa legal a contar do ano de 2013 até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alega, em síntese, que, celebrou na qualidade de Pessoa Segurada um contrato de seguro intitulado “Ramo Vida”, que garantia, entre outros, a Invalidez Total e Permanente do Tomador de Seguro, até ao montante de €.: 49.717,74.
Acrescenta que, em meados do ano de 2010, foram diagnosticados ao aqui Autor vários problemas de saúde, que fundamentaram a instauração de um processo, que correu termos no 1.º Juízo Central Cível de Guimarães, sob o n.º 205/12.1TCGMR, e que foi julgado improcedente.
No entanto, durante o ano de 2013, o A. sofreu agravamento daquelas lesões, o que determinou que a Autoridade Regional de Saúde do Norte, em 11/06/2015, lhe atribuísse uma incapacidade permanente global Definitiva de 88%, reportada ao ano de 2013 e que o impedem de exercer qualquer atividade remunerada, encontrando-se plenamente verificado o risco seguro.
Sem prejuízo, invoca que se limitou a aderir às cláusulas contratuais de antemão definidas pela Ré e que não foi informado que precisasse de possuir uma IPP de, pelo menos 75%, pelo que esta percentagem deve considerar-se como não escrita.
2.A Ré, agora designada Y – Companhia de Seguros de Vida, S.A., apresentou CONTESTAÇÃO, concluindo que a ação deve ser julgada improcedente, por não provada, e a ré absolvida dos pedidos. Alega, em síntese, que celebrou com o autor um contrato de seguro denominado Vida Única – Seguro de Vida Individual, titulado pela apólice nº ....10005308, pelo qual se obrigou a liquidar a quantia de € 45.000,00 no caso de o autor, em consequência de doença, ser atingido por uma invalidez total e permanente e, cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 75%, e que este contrato permaneceu válido e em vigor entre 28/06/2005 e 27/06/2014, não produzindo qualquer efeito desde essa data.
Acrescentou que a presente ação é uma repetição daquela causa já decidida no identificado Proc. nº 205/12.1TCGMR, em que o pedido é idêntico, exceção dilatória de caso julgado, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e importa a absolvição do pedido da Ré. E, caso assim não se entenda, pelo menos, por força do princípio da autoridade do caso julgado material, os presentes autos não podem decidir novamente as questões aí já decididas, relativamente à alegada violação dos deveres de comunicação e informação ao autor das cláusulas contratuais do contrato de seguro.
Impugnou ainda a matéria alegada.
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3.O Autor, convidado para tal, apresentou RESPOSTA, alegando que o contrato se encontrava válido em 2013, altura em que se verificou o agravamento das condições de saúde e a verificação do risco; e que é este agravamento que fundamenta a nova ação, que tem uma diferente causa de pedir, pelo que não se verificam as exceções dilatórias invocadas.
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4.Foi proferido DESPACHO SANEADOR, em que se analisaram as exceções invocadas, tendo-se concluído pela não verificação do caso julgado, não se verificando a identidade da causa de pedir, por se tratar de um agravamento da situação clínica, que justifica o acionamento do contrato de seguro.
No entanto, atendendo à factualidade provada, bem como fundamentação de direito e parte decisória do referido primeiro processo, tendo já sido decidida a questão da validade do contrato, não pode prosseguir esse pedido, por verificação da exceção da autoridade de caso julgado.
O Autor interpôs recurso desta decisão, tendo sido confirmado por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que a primeira decisão definiu de forma definitiva as condições de acionamento do contrato de seguro entre as partes.
Seguiram, assim, os autos para o apuramento da existência das condições contratadas, de invalidez total e permanente e incapacidade funcional igual ou superior a 75 %; se essas condições se verificaram depois de 2013 e antes da resolução do contrato, tendo sido determinada a realização de perícia médico-legal.
O Autor veio reclamar da admissão da perícia, alegando que a mesma é desnecessária, invocando que o atestado multiusos é suficiente para a prova da incapacidade no contrato de seguro, não se podendo retirar o contrário do conteúdo ambíguo da cláusula. A Ré requereu o indeferimento da reclamação e pugnou pela alteração do pedido, atendendo à nulidade invocada.
Manteve-se a realização da perícia, e, relativamente à nulidade invocada, “sem prejuízo de tal ser oportunamente requerido nos termos legais, não se considera que tal reclamação fundamente uma alteração do pedido, que será admissível apenas nos termos previstos no artigo 165.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”
O Autor interpôs recurso dos dois segmentos, tendo sido indeferida a interposição de recurso no que tange à nulidade/alteração do pedido e admitido relativamente à diligência de prova, tendo sido confirmada a necessidade de realização de prova pericial contraditada no processo por Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação.
Após a entrega de relatório pericial, foi designado dia para a Audiência de Discussão e Julgamento, a qual se realizou segundo o formalismo legal.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, com a consequente absolvição da ré do pedido.
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo autor, o qual foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
O autor terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
1) O douto despacho sob censura que INDEFERIU A AMPLIAÇÃO DO PEDIDO deve ser revogado por violar lei adjectiva e substantiva;
2) Na sequencia do pedido de realização de prova pericial requerido pela Apelada, o Apelante apresentou requerimento de ampliação do pedido alegando que no art.º 10.º da sua Petição Inicial juntou aos autos o Documento n.º 10 – Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, em que a Autoridade Regional de Saúde do Norte, Guimarães, em Junta Médica, em 11/06/2015, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade, aprovada pelo Dec. Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 88%, reportada ao ano de 2013;
3) Mais alegou que na sua contestação, a Ré nos art.ºs 108.º a 109.º não impugnou este documento, colocando em causa apenas e tão só o seu valor científico ou médico-legal;
4) Pelo que, socorrendo-se do decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/11/2017, Proc.º n.º2035/11.9TJVNF.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt, invocou que não se pode confundir os índices de Incapacidade Geral Permanente com índices de Incapacidade Profissional Permanente, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro;
5) Daí que, com fundamento em que, não referindo as condições gerais, especiais e particulares da apólice em apreço, que tabela, que critério, que cálculo deve ser seguido para efeitos de avaliação médico-legal se o tomador de seguro está em situação de invalidez total e permanente, ou até em incapacidade funcional, aquelas cláusulas são nulas por ambíguas, obscuras e confusas;
6) Isto porque, o Apelante entende que, sem a definição e o conhecimento de qual o critério ou a Tabela a aplicar para efeitos de atribuição da invalidez total e permanente ou incapacidade funcional de que padece o segurado, a este podem ser atribuídas diferentes quantitativos de incapacidade, a saber:
88% de acordo com a Atestado Multiusos da Segurança Social, ora junto aos autos;
Outra de acordo com a Tabela de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil;
Outra de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para efeitos laborais/profissionais;
Outra definida e criada pelas partes.
7) Ora, esta factualidade e questão é nova e ainda não foi invocada nestes autos;
8) Refere-se a factos não essenciais strictu sensu e a relação material dependente ou sucedânea da primeira invocada em sede de Petição Inicial;
9) E não foi decidida pelo Acórdão transitado em julgado no âmbito do Proc. n.º 205/12.1TCGMR, da 1.ª Vara Mista do Tribunal de Guimarães;
10) Pelo exposto, o Apelante invocou com novos fundamentos de factos e de direito a nulidade da cláusula, Do art.º 1.º da “Cobertura complementar – Condição Especial Invalidez Total e Permanente”, sob a epígrafe “Definições”, consta que “Para efeitos da presente condição especial, considera-se: (…) - Invalidez total e permanente – a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional de grau igual ou superior ao estabelecido no n.º 1 do art.º 2º da presente Condição Especial; - Incapacidade funcional – o estado físico ou mental, consequente de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente cobertura que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma diminuição, com caráter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida.”.
11) No entanto, o tribunal a quo entendeu que os novos factos ora invocados não se traduziam no desenvolvimento do mesmo pedido já formulado nos autos;
12) Na verdade, o tribunal a quo considera que “…este pedido não é consequência do pedido primitivo de declaração da nulidade da 2.ª cláusula do contrato, por não terem sido devidamente comunicada e explicada.
O que aqui pretende o Autor é que a redação da 1.ª cláusula seja considerada ambígua, alegando que não refere no contrato qual a fonte para determinar a incapacidade. Ora, este é um pedido diferente que o Autor deveria ter feito em sede de petição inicial, de acordo com o princípio da estabilidade da instância e permitir que as partes não sejam apanhadas de surpresa por alegações imprevisíveis a meio do processo…”.
13) A este propósito o tribunal a quo ignora que o Apelante invocou nos artigos 14.º; 15.º; 16.º; 17.º; 18.º; 19.º; 20.º; 21.º; 22.º; 23.º; 24.º; 25.º; 26.º e 27.º da PI;
14) Ora, resulta do exposto e do alegado em sede de Petição Inicial que o Autor requereu a nulidade da cláusula, como fundamento na violação do direito à comunicação e informação a que a Ré está obrigada por força do prescrito nos art.ºs 5.º e 6.º do DL n.º 446/85;
15) Isto porque, cfr. se pode ler no sumário do dito acórdão: “… Não tendo sido suscitada nos articulados a violação do dever de comunicação e informação, mas apenas em sede de recurso, não pode o tribunal de recurso conhecer de tais questões por constituírem questões novas.”; 16) Efectivamente, o predito acórdão apreciou a nulidade da clausula, de fls. 29 a 34, com fundamento na violação do princípio da boa fé, também plasmado no sobredito diploma legal, nos art.ºs 12.º e 15.º, nos termos dos quais estipula que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias ao princípio da boa fé; 17) Ora, a causa de pedir nesta acção, para efeitos de se pedir novamente a nulidade das cláusulas, não é com fundamento na violação do princípio da boa fé, mas sim com fundamento na violação do direito à comunicação e informação que a torna obscura, ambígua e ininteligível;
18) Pelo que, a ser assim, como na verdade é, não prevendo e estatuindo as condições as condições gerais, especiais e particulares da apólice em apreço, que critério, que cálculo deve ser seguido para efeitos de avaliação médico-legal, se o tomador de seguro está em situação de invalidez total e permanente, ou até em incapacidade e funcional, esta causa de pedir e pedido de nulidade da respectiva cláusula contratual geral decorra da violação do direito à comunicação e informação alegado em sede de Petição Inicial, e como tal não só a causa de pedir, bem assim o pedido, são um desenvolvimento do primitivo pedido; 19) Acresce que, a causa de pedir desta nova acção é também a atribuição de IPP de 88% pelo certificado multiusos da Segurança Social, pelo que, se o Autor for submetido a nova perícia com fundamento noutros critérios médico-legais, tal percentagem pode não ser a mesma;
20) Esta questão de esta nova acção ter como causa de pedir a violação do direito à comunicação e informação está pendente de recurso de apelação no tribunal Ad quem, Proc. n.º 992/18.3T8GMRA.
G1, sem prescindir,
21) Na definição do Prof. Alberto dos Reis “a ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais.”, in Comentário ao Código de processo Civil, volume 3.º, pág. 94, Coimbra, 1946, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Maio de 1991, pág. 141;
22) Na petição inicial o Autor descreveu a causa de pedir e as suas consequências danosas e neste articulado alega factos incluídos nessas consequências danosas, sendo portanto, a ampliação mero desenvolvimento do pedido primitivo;
23) Assim, atento o disposto no n.º 2 do artigo 265.º do CPC, o Autor pode ampliar o pedido, unilateralmente, até ao encerramento da discussão em primeira instância, quando a ampliação seja consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo e pelo n.º 6 pode mesmo alterar em simultâneo a causa de pedir e o pedido desde que tal não implique a convolução para uma relação jurídica diversa da controvertida, o que se verifica in casu;
24) E é o que prescreve também o n.º 6 do mesmo comando legal: “É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”;
25) É o que prescreve o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in www.dgsi.pt, de 11/09/2012, Proc. n.º 408-F/2001.C1;
26) E ainda pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, in www.dgsi.pt, de 25/05/2016, Proc. n.º 1827/09.5TBBCL-A.G1: “Do ponto de vista formal, podem não existir diferenças entre a ampliação do pedido requerida ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 265º do CPC e o incidente regulado no artº 588º do mesmo diploma legal, uma vez que ambos revestem a forma de articulado novo, alheio ao processamento normal, no entanto, substancialmente existem diferenças entre as duas figuras. A ampliação do pedido traduz-se numa modificação objectiva da instância e constitui uma excepção ao princípio da estabilidade da instância consagrado no artº 260º do CPC, sendo um acrescento, um aumento do pedido primitivo e apenas pode ser requerida pelo autor. O articulado superveniente tanto pode ser apresentado pelo autor como pelo réu e diz respeito aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos que interessam à decisão da causa e que sejam supervenientes ou de que a parte apenas deles tenha conhecimento já depois de ter apresentado os articulados normalmente previstos na lei. O princípio da economia processual determina a resolução da maior quantidade possível de litígios com o mesmo processo. O que ora interessa já não é que a instância se mantenha estável do princípio ao fim, que o tribunal possa apenas concentrar-se no objecto inicial da acção, que as partes não sejam apanhadas de surpresa pela alegação imprevisível, que a sentença saia depressa; o que interessa agora é resolver de uma vez por todas o problema que obrigou as partes a recorrerem ao tribunal, é arrumar com ele e ponto final, mesmo que isso implique prescindir da estabilidade e disciplina desejáveis.”;
27) Pelo exposto, aderindo à sapiente doutrina sobredita e à melhor jurisprudência, entendemos que o presente requerimento de ampliação do pedido deve ser admitido por legal, tempestivo e licito.
28) Pelo exposto, requer-se que se revogue o despacho que não admitiu o requerimento de ampliação do pedido deduzido nos autos e se substitua por um outro que o admita.
29) O despacho a quo ofendeu, assim, o disposto nos artigos os artigos 260.º; 265.º, n.s 1, 2 e 5 todos do Código Processo Civil e art.ºs 5.º e 6.º do DL n.º 446/85.
30) Sem conceder, a douta SENTENÇA recorrida assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos, violando preceitos de natureza adjectiva e substantiva pelo que se impõe a sua revogação; 31) O tribunal devia ter dado como provados os factos 5) da sentença com a seguinte redacção: “5. Por perícia realizada pelo Centro Nacional de Pensões titulada pelo atestado multiusos junto aos autos foi atribuída ao Autor uma IPP e 88% e por perícia para avaliação do dano corporal em direito civil realizada nestes autos foram atribuídas sequelas impeditivas de exercício da sua actividade profissional habitual ou qualquer outra dentro da sua área de preparação técnica e com necessidade de ajuda de terceira pessoa nas fases de agravamento da patologia vestibular.”. 32) Mais devia ter dado como provado que “Que durante o ano de 2013, o Autor sofreu agravamento das lesões”.
33) É incompreensível que dê como provado que o Autor padece de uma IPP de 32%, fixada por perícia concluída em 25/02/2019, cfr. notificação referencia citius 162637282, expedida em 19/03/2019, quando se admite que o Autor tem fases de agravamento da patologia vestibular e na perícia realizada no proc. 205/12.1TCGMR, cuja sentença transitou em julgado em 06/07/2015, foi atribuída ao Autor uma IPP de 43,23%, cfr. Facto provado 12. daquela sentença e facto provado 3. da sentença sob censura;
34) Ou seja, uma vez que o aludido relatório pericial realizado no Proc. n. 205/12.1TCGMR foi concluído em data anterior ao trânsito em julgado deste processo, o Apelante, ainda antes do trânsito em julgado daquele, em vez de piorar, melhorou, porque passou de uma IPP de 43,23%, para uma IPP de 32%;
35) Ora, atenta toda a prova documental médica junta aos autos, onde se inclui o próprio certificado multiusos da segurança social que atribui ao Autor uma IPP de 88% e bem assim as declaração da filha C. G. que de 2m e 51s a 5m e 11s da gravação explicou ao tribunal que o estado de saúde do pai se tem vindo a agravar desde o ano de 2010 até à presente data, em 29/02/2019, a atribuição desta IPP pelo Instituto de Medicina legal é absolutamente impossível!;
36) As afirmações da testemunha C. G. apenas querem dizer que o estado de saúde do pai continua a agravar-se contante e diariamente, desde o ano de 2010 até à actualidade.
37) Daí ter retratado esse agravamento do estado de saúde como “andar mais esquecido” e ainda “o surto de demência”.
38) O tribunal devia ter feito a análise crítica dos relatórios periciais juntos aos autos, percebendo que é impossível que o Autor avaliado segundo a mesma Tabela Nacional de Incapacidade de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, em 2105 e em 2019, tenha incapacidades diferentes, actualmente menor do que em 2015;
39) Pelo que, devia ter optado pela atribuição da IPP fixada pelo certificado multiusos da segurança social porque se apresenta fundamentada e não contraditória;
40) Pelo exposto, por cumprimento por parte do Apelante do disposto no art. 342., n. 1 do CC, devia o tribunal considerar a acção totalmente procedente, por provada..
41) Assim, sem prejuízo da apreciação do pedido de ampliação do pedido, parte I desta Apelação, atento tudo quanto acima vai exposto a propósito do recurso da sentença, a situação de incapacidade demonstrada preenche os pressupostos de inclusão na garantia da cobertura, do art.º 2 da Cobertura complementar – Condição Especial Invalidez Total e Permanente, sob a epígrafe “Garantias”, onde consta que “Ao abrigo da presente garantia complementar, e sem prejuízo do estipulado nos Art.ºs 3º e 4º da presente Condição Especial, a Companhia obriga-se a liquidar, por antecipação, o capital seguro nas Condições Particulares em caso de morte, caso a Pessoa Segura seja atingida por uma Invalidez Total e Permanente e, cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 75%”, condenando-se a R. a pagar ao Autor a quantia de €.: 49.717,74, acrescidos de juros vencidos e vincendos, à taxa legal a contar do ano de 2013 até efectivo e integral pagamento.
42) Assim, é apodíctico é que o despacho e a sentença a quo ofenderam, entre outros, o disposto nos artigos os artigos 260.º; 265.º, n.s 1, 2 e 5; 607., n. 5; todos do Código Processo Civil; art. 342., n. 1 do CC e art.ºs 5.º e 6.º do DL n.º 446/85 e ainda violaram os princípios da igualdade, do acesso ao direito e à justiça e da fundamentação da decisão plasmados nos art.º 13.º; 20.º e 205. Da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que revogando-se os doutos despacho e sentença sub juditio e
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A R. respondeu ao recurso, concluindo pela falta das respetivas razões invocadas pelo autor.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido.
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões do apelante/agravante – são as seguintes:
A) Inadmissibilidade da ampliação do pedido.
B) Alteração da decisão da matéria de facto, quanto ao item dos factos não provados, cujo teor pretende dever passar a dar-se como provado e quanto ao item nº5 dos factos provados pretende seja dada outra redação que contemple a IPP de 88% constante do certificado multiusos juntos aos autos.
C)– Revogação da decisão, em razão da alteração da matéria de facto, e consequente substituição por outra decisão que, considerando a verificação do condicionalismo previsto no contrato de seguro, condene a ré no pagamento do capital seguro.
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III- Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:
Factos provados:
1. No dia 28 de junho de 2005, o aqui Autor subscreveu na qualidade de Pessoa Segurada um contrato de seguro intitulado Vida Única - Seguro de Vida Individual titulado pela apólice nº ....10005308, com a Ré (antes designada, Companhia de Seguros de Vida X, S.A.), pelo qual se obrigou a liquidar a quantia de € 45.000,00 no caso de o autor, em consequência de doença, ser atingido por uma invalidez total e permanente e, cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 75%, tudo conforme consta da respetiva apólice, condições gerais, condições especiais e condições particulares juntas, e que aqui se dão como reproduzidas. 2. Nesse contrato ficou convencionado que, para efeitos da cobertura complementar “invalidez total e permanente”, se considera invalidez total e permanente a incapacidade, que após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à pessoa segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada, e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 75%”. 3. No dia 04/06/2012, o autor instaurou contra a ré uma ação que correu termos pela 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães sob o nº 205/12.1TCGMR, julgada improcedente por sentença transitada em julgado em 06/07/2015 e onde resultou provados, entre outros:
“12 - Entre, pelo menos, o dia 23 de Fevereiro de 2010 e o dia 4 de Março de 2011, foi diagnosticado ao autor: - patologia osteoarticular, de origem traumática, com claudicação e encurtamento do membro inferior esquerdo relativamente ao membro inferior direito; - apneia de sono com manifestação de roncopatia; - síndrome vertiginosa e diabetes Mellitus. 13 - 0 Autor efetuou tratamentos médicos relativamente a tais patologias 14 - O Autor apresenta uma incapacidade permanente de 43,237%. 15 - À data da propositura da ação, o Autor encontrava-se em situação de baixa médica”. 4. O contrato foi resolvido pela ré seguradora, encontrando-se extinto desde 28/06/2014. 5. Por perícia realizada nestes autos foi atribuída uma IPP de 32%, com sequelas impeditivas de exercício da sua atividade profissional habitual ou qualquer outra dentro da sua área de preparação técnica e com necessidade de ajuda de terceira pessoa nas fases de agravamento da patologia vestibular.
Factos não provados:
Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa. Designadamente não resultou provado que durante o ano de 2013, o A. sofreu agravamento das lesões.”
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IV- A) Da questão da Inadmissibilidade da ampliação do pedido.
O autorinterpôs recurso do despacho que não admitiu a ampliação do pedido com fundamento na respetiva inadmissibilidade legal, alegando, em síntese,:
- ser admissível nos termos do nº2 do art. 265º do CPC, por, primeiro, ter alegado “factos que se incluem nas consequências danosas já alegadas na p.i” para depois afirmar que são novos factos e estes são desenvolvimento do pedido formulado nos autos;
- e pelo nº6 do art. 265º do CPC igualmente deveria ser admitida a ampliação do pedido.
A recorrida sustenta que o requerimento do autor é elaborado na base da alegação da ampliação e alteração da causa de pedir e que o autor reconhece ( art. 10º e 11º do requerimento) e não pode ser admitida por não reunir as condições previstas na lei para tal. Por outro lado, a alegada ampliação do pedido só surge na sequência da alteração da causa de pedir, pelo que não cabe na causa de pedir invocada na p.i, consubstanciando uma cumulação de pedidos em resultado da ampliação da causa de pedir, o que não é admissível legalmente.
Vejamos então se a ampliação do pedido requerida pelo autor/recorrente deveria ter sido admitida.
O art. 260.º, do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, ou seja, estabelece que após a citação do(s) réu(s) a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, porém, as possibilidades excecionais de modificação previstas na lei.
As exceções relativas ao pedido e causa de pedir encontram-se consignadas nos arts. 264.º e 265.º do CPC.
Com efeito, quanto à alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo de tal “perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito” ( cfr. art. 264º do CPC).
Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor ( art. 265º,nº1 do CPC); ou se estiverem em causa factos supervenientes, isto é, factos que tenham ocorrido ou sido conhecidos depois da apresentação da petição inicial ( art. 588º,nº1 do CPC).
O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo ( art. 265º,nº 2 do CPC).
O pedido e a causa de pedir podem ser modificados simultaneamente, por ampliação ou alteração, com as limitações referidas, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida ( art. 265º,nº6 do CPC).
“Preside aqui o princípio da economia processual que, ante a instrumentalidade do processo relativamente ao direito material, converge no sentido de que o resultado seja atingido com a maior economia de meios, dirimindo no processo o maior número de litígios”. (1)
Concretizando.
Nos termos do art. 265.º, n.º 2, do CPC, na falta de acordo entre as partes, como sucede in casu, qualquer tipo de modificação do pedido é legalmente admissível desde que seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
O que entender por «desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo»?
Para Alberto dos Reis «a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial».
Como ensina Alberto dos Reis (“Comentário ao Código de Processo Civil; vol. 3º; p.92), a ampliação do pedido tem um duplo limite (de tempo e de qualidade ou nexo), nisto se distinguindo da alteração, a qual pressupõe uma transformação do pedido.
De qualquer modo, sempre a ampliação do pedido “há de estar contida virtualmente no pedido inicial”, pois que, se “o autor não se mantém dentro do mesmo acto ou facto jurídico, não desenvolve ou aumenta o pedido anterior, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos” (loc. cit.).
Aquele insigne Professor ainda faz a distinção entre “cumulação” e “ ampliação”, para o que se terá de relacionar o pedido e causa de pedir.
Seguindo tal raciocínio lê-se a p. 94 da ob. cit supra “ a ampliação” pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a “cumulação” dá-se quando a um pedido, fundado em determinado facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.
“A ampliação pode, por conseguinte, envolver a formulação de um pedido diverso.” (2) .
Ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.
Todavia, quando essa transformação importe a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se eles forem supervenientes, isto é, quando ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos para o articulado superveniente(art. 588.º do CPC).
Em suma, quando a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 265.º do CPC não implique a alegação de factos novos, como acontece no caso de pedido de juros ou de atualização monetária, pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento (cfr. A. dos Reis, obra citada).
Diferentemente, quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito, como defende Lebre de Freitas, in ‘Introdução ao Processo Civil’, pg. 29, nota 30.
Ainda, para a análise da questão, importa ter presente que segundo o Art. 552º, nº1, d) do C.P.C., incumbe ao A. expor, no petitório,” os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.
À luz do Art. 581º, nº4 do C.P.C., considera-se como causa de pedir a factualidade, afirmada pelo A., de que se faz derivar o efeito jurídico pretendido. E, de acordo com a teoria da substanciação subjacente ao mencionado normativo- aliás, conforme Doutrina e Jurisprudência, entre nós, largamente maioritárias- essa factualidade terá de traduzir o facto gerador do direito ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.
A doutrina e jurisprudência têm entendido uniformemente que a petição inicial deve apresentar-se sob a forma de um silogismo, estabelecendo, assim, um nexo lógico entre as premissas e a conclusão.
Em tal silogismo a premissa maior é constituída pelas razões de direito invocadas e a premissa menor pelas razões de facto; e o pedido corresponderá à conclusão daquele silogismo.
-Chegados aqui vejamos o caso vertente.
Os pedidos formulados pelo A na p.i.:
“ 1º- considerar-se nulo, inexistente, e de nenhum efeito a cláusula 2ª da cobertura complementar-condição especial… ;
2º - condenando-se a R a pagar ao autor a quantia de € 49.717,74, acrescidos de juros de mora à taxa legal”.
O A estrutura a sua pretensão na base da alegação do contrato de seguro realizado entre as partes ( e invalidade da cláusula 2ª das condições especiais por violação do dever de informação) e o facto gerador do acionamento da apólice ( situação de incapacidade do autor agravada).
Sem embargo, relembre-se que, por decisão judicial transitada em julgado, a ação prosseguiu apenas em relação ao 2º pedido, uma vez que quanto ao 1º pedido formulado, por verificação e procedência da autoridade de caso julgado, a ação não prosseguiu nessa parte para análise da validade daquela cláusula, porquanto e conforme ressuma do Acórdão da Relação de Guimarães proferido no Apenso em separado a estes autos “… é indiscutível a relação umbilical entre as duas ações e a prejudicialidade face ao decidido naquela, quer em termos factuais, quer no segmento indicado da validade das cláusulas do contrato de seguro…
… o quadro fáctico relativo às circunstâncias definidas da validade das cláusulas apostas no contrato de seguro não poderá assim ser novamente discutido nesta ação, já que o mesmo constituiu corolário da pressuposta definição do âmbito da aplicação do contrato definido na anterior ação…
… a violação dos deveres de informação foi equacionada na sentença …”
No requerimento intitulado “ampliação do pedido”, o autor pede:
“- devem os novos factos ora invocados serem admitidos e, em consequência, ser decretada a nulidade da cláusula, Do art.º1.º da “Cobertura complementar – Condição Especial Invalidez Total e Permanente”, sob a epígrafe “Definições”, consta que “Para efeitos da presente condição especial,considera-se: (…)- Invalidez total e permanente – a incapacidade que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma total e definitiva impossibilidade de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade profissional remunerada e se comprove, cumulativamente, uma incapacidade funcional de grau igual ou superior ao estabelecido no n.º 1 do art.º 2º da presente Condição Especial; - Incapacidade funcional – o estado físico ou mental, consequente de doença ou acidente ocorridos na vigência da presente cobertura que, após completa consolidação e cura clinicamente comprovadas, ocasione à Pessoa Segura uma diminuição, com carácter permanente e definitivo, da capacidade física ou mental para os atos normais da sua vida diária, independentemente da atividade profissional exercida.” (al. D dos factos assentes), com fundamento em que as condições gerais, especiais e particulares da apólice em apreço, não prevêem e estatuem que tabela, que critério, que cálculo deve ser seguido para efeitos de avaliação médico-legal, se o tomador de seguro está em situação de invalidez total e permanente, ou até em incapacidade funcional, por ambíguas, obscuras e confusas.”
Em suma, o A para estruturar a pretensão deduzida invoca o que assume serem factos novos ( art. 9º e 10º do requerimento): análise da cl. 1ª das condições especiais e aduz“ as condições gerais, especiais e particulares da apólice em apreço, não preveem e estatuem que tabela, que critério, que cálculo deve ser seguido para efeitos de avaliação médico-legal”.
Porém, no art. 14º desse mesmo requerimento já entende o autor, sem ser muito percetível, que estes factos estão incluídos “ nas consequências danosas” já alegadas na causa de pedir originária.
Então duas hipóteses se perfilam:
- ou se considera que a ampliação importa a alegação de factos novos, e só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos aí prescritos, o que não foi feito no caso vertente, nem sequer se alegou a superveniência subjetiva do seu conhecimento e estaria logo votada ao insucesso a requerida ampliação do pedido;
- ou se considera que a ampliação não importa a alegação de factos novos e, então, estando em causa a validade das cláusulas contratuais, novamente estaríamos em face da verificação da autoridade do caso julgado, porquanto as circunstâncias definidas da validade das cláusulas apostas no contrato de seguro não poderão ser novamente discutidas nesta ação, já que o mesmo quadro fáctico constituiu corolário da pressuposta definição do âmbito da aplicação do contrato definido na anterior ação. E este raciocínio seria sempre válido nomeadamente quando o recorrente, em questão nova suscitada em recurso ( pois naquele requerimento nada é alegado com tal sentido) alega e conclui pela invalidade da cláusula 1ª por violação dever de informação).
Assim sendo, e salvo o devido respeito, entendemos que, em face da alegação aduzida no requerimento em causa, estamos perante a alegação de factos novos- análise da cláusula 1ª ( quando na p.i. apenas era pedida a invalidade ou exclusão da cláusula 2ª ) ser ou não obscura, ambígua e confusa, pelo que se trata de verdadeira alteração da causa de pedir.
Aliás, o recorrente confusamente admitiu tratar-se de “novos factos” para depois concluir que estar-se-ia “dentro da mesma causa de pedir”, por serem factos que se incluem nas mesmas consequências danosas alegadas na p.i. Mas que consequências? A alegada invalidade da cláusula 2ª que mais se tratava de exclusão da cláusula, cuja consequência é a inexistência, com efeitos e consequências, no regime das cláusulas contratuais gerais, diferentes da declaração de nulidade de uma cláusula, pedido esse agora formulado com referência à cláusula 1ª? (3)
Igualmente o pedido formulado da declaração da sua nulidade, com todas as consequências dessa declaração, é uma verdadeira alteração do pedido primitivo que respeitava à cláusula 2ª ( e que já não prosseguiu nos presentes autos) do contrato realizado entre as partes.
Conforme é dito no despacho sub judicio, “ este pedido não é consequência do pedido primitivo de declaração da nulidade da 2.ª cláusula do contrato, por não terem sido devidamente comunicada e explicada. O que aqui pretende o Autor é que a redação da 1.ª cláusula seja considerada ambígua, alegando que não refere no contrato qual a fonte para determinar a incapacidade. Ora, este é um pedido diferente que o Autor deveria ter feito em sede de petição inicial, de acordo com o princípio da estabilidade da instância e permitir que as partes não sejam apanhadas de surpresa por alegações imprevisíveis a meio do processo. De qualquer forma, em sede de aplicação de direito, e caso haja divergência, o tribunal pronunciar-se-á sobre ambas as provas produzidas nos autos.”
Em suma, estamos perante a alegação de duas cláusulas contratuais diferentes ( cl. 1ª e cl- 2ª), com fundamentos de invalidades distintos ( inclusive quanto à cl-2ª poder-se-ia classificar como inexistência, por exclusão, a sua consequência, por violação do dever de informação; e quanto à cl. 1ª o fundamento invocado é a ambiguidade cuja consequência seria a nulidade).
Destarte, no caso vertente, o pedido ora formulado, ainda que respeitante a uma invocada nulidade de uma cláusula do mesmo contrato de seguro, funda-se num facto diverso do invocado e estruturador da causa de pedir originária ( outra cláusula e cujos fundamentos de invalidade invocados poderiam ter diferentes consequências, atento o regime das cláusulas contratuais gerais).
Com efeito, o A fundamentou o pedido alegando uma invalidade de outra cláusula do mesmo contrato de seguro, cuja aferição dependeria da alegação objetiva com outros fundamentos, pelo que o pedido ora formulado torna-se um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada do pedido primitivo, não desenvolve nem aumenta o pedido primitivo, porquanto implica factos a considerar diversos dos até ali alegados.
De tudo se retira que não se trata de qualquer desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, mas a formulação de um pedido novo e com individualidade e autonomia.
Vejamos agora, conforme é sustentado pelo recorrente se estamos perante a hipótese prevista no nº6 do art. 265º do CPC?
Dispõe, ainda, o n.º 6 do citado preceito que é possível a modificação simultânea da causa de pedir e do pedido desde que não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
É, assim, possível a modificação simultânea não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “Código de Processo Civil Anotado,” Volume 1.º, 4ed., pág. 529). (4)
Contudo, este preceito legal não contende com os pressupostos referidos nos n.ºs 1 e 2 daquele dispositivo, concretamente quanto ao prazo em que tal modificação pode acontecer.
A circunstância de naquele n.º 6 não ser feita alguma referência a prazos em que tal modificação simultânea pode ter lugar (e apenas se mencionar como limite daquela modificação a não convolação para relação jurídica diversa da controvertida), nada significa atento o já estatuído nos n.ºs 1 e 2, precisamente quanto a tal matéria.
Como já analisámos estando em causa factos essenciais estruturadores de causa de pedir diferente da originária e que nem sequer observou o disposto no art. 588º do CPC, o pedido ora formulado torna-se um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada do pedido primitivo, porquanto implica factos a considerar diversos dos até ali alegados e consequente relação jurídica controvertida diversa.
Diga-se ainda que a pretensão contida naquele pedido, caso assim o tribunal entendesse ocorrer alguma nulidade de alguma das cláusulas do contrato em causa, seria sempre declarada de modo oficioso. Sem embargo, e tal como ressuma dos autos, nomeadamente da sentença em causa, conforme análise infra, não foi considerado pelo tribunal que o contrato em causa tivesse alguma cláusula nula, nomeadamente no que respeita ao critério a ter em consideração na fixação da incapacidade para efeitos de consubstanciação do facto gerador do acionamento da apólice, nem nesta ação nem na ação anterior.
A talhe de foice impõe-se a questão de saber se, numa ação posterior, o autor pode alegar uma causa de nulidade de que o tribunal não conheceu oficiosamente numa ação anterior.
O Prof. Teixeira de Sousa, neste particular, já se pronunciou “ A resposta do direito português quanto a saber se, nesta hipótese, opera alguma preclusão já foi dada acima: nesse direito, não opera nenhuma preclusão, pelo que o autor pode invocar uma distinta causa de nulidade numa ação posterior.” (5)
Por tudo, a ampliação do pedido seria inadmissível, pelo que confirmamos a decisão recorrida.
*
B)-da impugnação da matéria de facto:
Pretende o autor que se inverta o juízo negativo sobre a matéria descrita nos factos não provados a respeito do agravamento das lesões do autor durante o ano de 2013, dando-se por provada essa matéria e ainda que se dê como provado no ponto 5 dos factos provados outra redação e que contemple a IPP de 88% decorrente do certificado multiusos. Prima facie, importa salientar que a aquisição da factualidade correspondente teria interesse para o autor, dentro das regras do ónus de prova. Era a este que interessava demonstrar a existência do facto consubstanciador da incapacidade (incapacidade superior a 75%) de que padeceria com vista à atuação da apólice e, nessa medida a verificação do risco contratado.
Sem, embargo, e apesar de não ser inerente ao juízo de não comprovação daquela incapacidade a afirmação da existência de uma incapacidade com valor abaixo do qual não tem atuação a apólice, e que foi dada como provada com base na perícia realizada nos presentes autos, a verdade é que tal matéria de facto revelou-se importante ser fixada, tudo para a boa decisão da causa, na medida em que o autor igualmente alegou ter ocorrido uma agravação da sua situação ( das lesões) após o lapso temporal contemplado na ação anterior e na qual foi dada como provada uma IPP de 43%.
A decisão baseia a prova do facto nº5 na perícia realizada nos presentes autos, e tendo em conta o resultado da mesma em comparação com a IPP que lhe foi fixada na ação anterior ( e com referência a um período anterior), resultou a resposta negativa quanto ao alegado agravamento das lesões. Por outro lado, na valoração da prova o atestado multiusos por si junto foi abalado na sua credibilidade pela perícia realizada nos autos, sendo certo que a prova testemunhal produzida ( depoimento da filha do autor, mera leiga na matéria médica em comparação com especialistas) não teve a virtualidade de por em causa o laudo pericial.
Na perspetiva do recorrente a documentação junta aos autos impõe que se dê como provado o que ressuma do atestado médico- IPP de 88%- e que considera ser uma perícia e que se apresenta melhor fundamentada e não contraditória, nomeadamente no confronto com a perícia que foi feita nos presentes autos e que fixou a IPP em 32% e a perícia feita no processo anterior e que fixou a IPP em 43%, sendo impossível, na sua ótica, ter o autor melhorado, quando se admite no relatório pericial “ que o autor tem fases de agravamento da patologia vestibular” e até a filha em depoimento testemunhal afirmou que o estado de saúde do pai tem vindo a agravar-se.
A recorrida contrapõe que a perícia médico-legal infirma o conteúdo daquele documento, o qual foi impugnado pela R, no âmbito do seu direito ao contraditório, pese embora releve, como é o caso do atestado multiusos, para efeitos relacionados com a administração pública (vg, aposentação/reforma, incapacidade temporária prolongada, subsídio de doença), como decorre do disposto no art. 1 ° do DL n" 202/96, de 23/10, alterado pelo DL n" 291/2009, de 12/1.
Desde já se dirá que os documentos juntos aos autos pelo recorrente são documentos particulares e tendo sido impugnados no seu conteúdo pela recorrida, estão sujeitos ao regime da prova em processo civil, nomeadamente à livre apreciação e valoração pelo tribunal.
Por outro lado, ainda foi produzida prova pericial.
No que respeita ao documento particular este faz prova plena quanto à existência/materialidade das declarações de ciência ( narrativas ou descritivas) ou de vontade atribuídas ao seu autor ( que nele constem como feitas pelo respetivo subscritor), desde que haja um ato de reconhecimento expresso ou tácito de que o documento se considera proveniente daquele a quem é imputado ( arts. 374º e 376º do CC. Esta prova plena estabelecida pelo documento respeita à existência das declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas.
Fora do âmbito da força probatória plena, o conteúdo do documento pode- em princípio- ser desvirtuado por qualquer outro meio de prova, nomeadamente prova pericial.
Neste particular, diga-se, desde já, que a R impugnou o conteúdo do documento em causa, independentemente da parte em que este está dotado de força probatória plena, conforme referimos.
Chegados aqui importa abrir um parêntesis e fazer uma pequena incursão sobre o regime da prova pericial em processo civil.
Em matéria de prova, dispõe o artigo 607º, nº 1, do CPC, que, em princípio, o Tribunal…aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente: quando não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, quando os factos só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
No domínio da prova pericial, vigora o princípio da prova livre, o que não significa a assunção da prova arbitrária, mas, também, que não pode ser entendida como prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada, nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do Código Civil, onde vigora o sistema da prova legal.
Efetivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica.
Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais.
E isto porque o juízo técnico, científico ou artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova, mas antes e, tão-só, que a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são o fundamento do juízo pericial é bastante para que o relatório pericial não se imponha ao julgador.
Fechado este parêntesis, e volvendo ao caso sub judicio, temos os seguintes meios de prova em confronto :
- o atestado médico multiusos donde ressuma uma desvalorização de 88%;
- um relatório médico-legal donde ressuma, respetivamente, uma desvalorização do segurado de 32%.
Ou seja, no caso vertente, o tribunal deparou-se com resultados de meios de prova que não coincidem e todos de apreciação livre, sendo certo que todos se reportam a conhecimentos médicos e realizados por profissionais médicos.
Sem embargo, sempre se dirá ser inequívoco que a perícia é um ato qualificado praticado por peritos médicos qualificados (porventura, em alguns casos coadjuvado com especialistas de outras áreas (psicologia, ergonomia,fisiatria, motricidade, etc.).
É justamente esta capacidade para descrever com minúcia o prejuízo funcional e outros prejuízos avaliáveis, que distingue um perito médico especialista de um “perito” médico genérico, que poderá distinguir as perícias médico-legais do INML das demais.
Como já se disse, uma “perícia tem por fim a perceção ou apreciação dos factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos , relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial” ( art. 388º do CC).
A transcrição legal visa salientar que o essencial da perícia, a finalidade da perícia é disponibilizar ao tribunal a perceção ou apreciação de factos, e estes só se apreciam se forem descritos, tão minuciosamente quanto possível, tendo sempre como orientação que o que está em causa não é a elaboração de um estudo médico-legal, com terminologia científica e técnica da melhor qualidade, mas antes transpor para a linguagem do cidadão leigo ( os magistrados, os advogados, as próprias partes) um conteúdo informativo descritivo.
Ora, no caso vertente, a perícia realizada faz menção a todos os elementos pertinentes ao caso concreto, sendo certo, para além dos esclarecimentos de fls. 145, é circunstanciada, referindo-se especificamente aos exames e relatórios médicos realizados. Se a perícia não for circunstanciada, tudo isto se esvai em generalidades.
Ora, o que distingue uma perícia qualificada de uma “perícia” vulgar é justamente esta capacidade de descrever, distinguir e captar o que é especioso e relevante.
Daí que, repete-se, uma das funções da perícia seja fornecer os elementos factuais que permitam a quantificação dos danos, por forma a que a subjetividade do avaliador e a dos recetores seja objetivada tanto quanto possível através da descrição factual.
No caso temos que a perícia cumpre tal função, sendo certo que dá conta, além do mais, das várias percentagens que lhe foram atribuídas e no atestado multiusos a que igualmente faz referência ( cfr. Página 11 da perícia-fls. 131v deste processo), descreve a “história do evento”, descreve as “queixas” e faz menção ao “exame objetivo” do autor, retirou as conclusões e fixou as desvalorizações respetivas de acordo com a tabela em vigor, tendo prestado esclarecimentos escritos a fls. 145, nomeadamente a razão das diferenças de avaliações e de que não houve agravamento clínico entre a avaliação feita em 2013 e que atribuiu uma IPP de 43% e a de 2014 ( em que já interveio) e a atual ( de 2018).
Assim sendo, podemos concluir que o perito inclusive tomou em consideração o teor do atestado multiusos junto aos autos pelo autor.
Sem embargo, e como se faz referência na sentença a respeito do atestado multiusos “ é um documento com finalidade prevista na lei, com efeitos fiscais e administrativos junto do Estado, não consubstanciando um laudo pericial, contraditório e sujeito às regras do processo, não constituindo, por si só, meio de prova idóneo para a determinação de uma incapacidade e sobretudo para aferição do agravamento das lesões que vem invocado pelo Autor. Por outro lado, as próprias partes, no contrato subscrito nos autos, previram expressamente que “a comprovação de reforma por incapacidade ou invalidez pelos Serviços da Segurança Social ou organismo equiparado, por estes conferida e arbitrada, através de certificado, não é prova suficiente para o funcionamento da presente garantia”.
Em acórdão recente deste Tribunal da Relação de Guimarães (6), já foi afirmado que “ o certificado multiuso não tem a virtualidade de abalar a perícia médico legal, destinada precisamente à avaliação do dano corporal em termos civis, e cujo objeto se orientou pela factualidade concreta que estava em causa nestes autos”.
E foi o que ocorreu no caso sub judicio.
Diga-se ainda que a avaliação foi feita de acordo com os critérios legais, pelo que se confirma a cientificidade da prova.
“Se essas condições de cientificidade da prova ocorrerem, as máximas da experiência especializadas trazidas pelo perito deverão, em princípio, prevalecer sobre a prova testemunhal. Note-se que a testemunha não observa o facto da mesma forma que um observador com conhecimentos técnicos, ou seja, o leigo não é competente para observar corretamente o acontecimento de um ponto de vista científico. Em suma, se está em causa apurar um facto cuja solução depende de uma apreciação científica e se a prova pericial for produzida segundo os padrões científicos pertinentes e atendíveis, deverá prevalecer esta sobre a opinião de um leigo” (7)
Aplicando tais considerandos ao caso vertente, temos que a prova testemunhal produzida não teve a virtualidade de abalar a força probatória da perícia. Com efeito, a filha do autor, contabilista, por muito que afirmasse que na sua opinião era visível e notório o agravamento da situação clínica do seu pai, na verdade, tais convicções pessoais da filha do autor-, mera contabilista numa matéria tão especializada como é a médico-legal, nomeadamente em face dos esclarecimentos da perita-, não foram suficientes para fazer prevalecer a prova testemunhal sobre a perícia.
Com efeito, reforçou o juízo de prevalência do laudo pericial aqueles esclarecimentos da perita, com dados técnicos referidos ao caso concreto do autor que acompanha desde 2014, porquanto em mais outros dois processos já tinha feito avaliações ( para além da outra avaliação que também tinha conhecimento do processo nº 205/12).
Aliás a sentença refere-se a tal circunstância quando ali se lê “ a própria condição de saúde do Autor, apesar da incapacidade do Atestado estar referida a 2013, mantém-se inalterada, de acordo com o relatório pericial, sendo que foi a mesma perita que avaliou o Autor mais do que uma vez e especialmente no âmbito do primeiro processo que garantiu que, com exceção das queixas psiquiátricas, as restantes são sobreponíveis e sem documentada evolução clínica.”.
Destarte, porque em sede de julgamento da impugnação da decisão de facto, há de o Tribunal da Relação evitar introduzir alterações quando não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados, e porque os considerandos invocados pelo apelante não têm o valor suficiente para conduzir e forçar este Tribunal a introduzir alterações na decisão de facto, inevitável é manter a decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto.
Improcede, pois, a impugnação dos referidos pontos fácticos.
*
Considerando que não houve nenhuma alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir é a já constante de III.
*
V. Reapreciação de direito.
Como resulta das conclusões do recurso da autora/apelante, é manifesto que a pretendida alteração da decisão de direito dependia no seu todo da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, pois que não suscitou o autor/apelante quaisquer outras questões relacionadas com uma eventual e pretensa interpretação e aplicação erradas das regras de direito pertinentes à matéria de facto tal como a mesma foi fixada pelo tribunal a quo.
Contudo, como já se viu, considerou este tribunal da Relação não existirem quaisquer motivos para se introduzirem modificações nas respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados pelo autor/apelante.
Assim, considerando o disposto pelo artº 608º nº2 aplicável ex vi do nº2, do artº 663º, ambos do Código de Processo Civil, e não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção jurídica dos factos, pois que com a mesma se concorda, na íntegra, a apelação do autor inevitavelmente improcede.
Nestes termos, também neste segmento, improcede o recurso do autor.
*
Em conclusão, resta concluir pela improcedência da apelação, e confirmação da decisão recorrida.
*
*
*
3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, confirmando a decisão recorrida.
*
Custas pelo apelante.
Guimarães, 6 de Fevereiro de 2020
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha e
Lígia Venade
1. cfr. RITA LOBO XAVIER, INÊS FOLHADELA E GONÇALO ANDRADE E CASTRO, Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral, Princípios e Pressupostos, 2ºed, pág. 160 2. Vide Neste sentido AC da RE de 10.10.2019. 3. Para as diferenças de regime entre cláusulas excluídas e cláusulas nulas, vide o AC do STJ de 29-10-2009; 6644/04.4TJSLB.L1-2-relatora: Teresa Albuquerque. 4. Como se refere no Ac. da Rel. de Lisboa de 29/11/2012, in www.dgsi.pt (com referência aos preceitos correspondentes do Velho CPC), tudo indicia que o conceito de relação jurídica a que alude o nº 6 do artigo 265º do C.P.C. é diverso do conceito de causa de pedir traçado no artigo 581º, nº 4 do mesmo diploma. É que a lei, ao regular a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, atendeu a um conceito de causa de pedir e a uma noção de objecto de litígio de certo modo semelhante ao traçado pela teoria da individualização, no qual a causa de pedir não respeita aos factos concretos geradores do direito invocado, mas sim à relação jurídica material ou relações jurídicas que legitimam a pretensão, como defendia Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 165-168 e 205 -. Esclarece LEBRE DE FREITAS, in Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 1996, 169 a 172 e também Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 1999, 484-487, que a norma do nº 6 do artigo 273º do CPC (agora 265º) deve ser interpretada no sentido de possibilitar a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, não só quando algum dos factos que integram a nova causa de pedir coincidam com factos que integram a causa de pedir reconvencional ou fundem excepções deduzidas, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporte a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira.
5. In “ O que significa o conhecimento oficioso da nulidade?” (paper publicado em 20/02/2015) https://blogippc.blogspot.pt- “ Em relação à invocação, numa acção posterior, de uma causa de nulidade não apreciada numa acção anterior, o processo civil português impõe, no entanto, uma diferença entre a posição do réu e a do autor. O princípio da concentração da defesa na contestação impede que o réu possa invocar, em acção posterior, um fundamento de defesa que não alegou numa acção anterior (por exemplo, uma causa de nulidade que não foi apreciada numa acção anterior). Esta preclusão não existe para o autor quanto a uma possível causa de pedir concorrente: depois de o autor não ter conseguido obter a procedência da acção com fundamento numa certa causa de pedir nada obsta a que esse mesmo autor procure obter a procedência do mesmo pedido com base numa outra causa de pedir. Isto é, há preclusão de fundamentos de defesa, mas não há nenhuma preclusão de causas de pedir. Sendo assim, nada obsta a que o autor proponha uma acção posterior, alegando nesta uma diferente causa de nulidade daquela que invocou na acção anterior.” 6. AC da RG de 26.09.2019:relatora: Lígia Venade. 7. In “ Prova Testemunhal”, Luís Filipe Pires de Sousa,p. 353.