CITIUS
JUSTO IMPEDIMENTO
INJUNÇÃO
Sumário

1 – Salvo havendo justo impedimento, a lei exige que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via electrónica, nos termos definidos na portaria prevista no nº 2 do artigo 132º.
2 – O regime de desmaterialização previsto para o Banco Nacional de Injunções não é integralmente coincidente com aquele que é estabelecido para o processo civil, permitindo a lei que a apresentação da oposição seja executada por meio diverso do sistema informático Citius, como se constata através da simples leitura do artigo 7º da Portaria nº 220-A/2008, de 04 de Março, entretanto alterada pela Portaria nº 267/2018, de 20/09.
3 – Este procedimento dispõe de uma regulamentação específica sobre a apresentação do requerimento de injunção e oposição, que afasta a regra geral prevista para o processo civil no artigo 144º do Código de Processo Civil, tornando admissível a apresentação da oposição à injunção através da entrega em suporte de papel, remessa pelo correio, sob registo ou envio através de telecópia.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo nº 2855/19.6YIPRT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Local de Competência Cível – J1
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
“(…) e (…), Recuperação de Crédito, Lda.” requereu providência de injunção contra (…), tendo o requerido interposto recurso do despacho que determinou o desentranhamento da oposição à injunção apresentada e, bem assim, da sentença proferida.
*
A sociedade demandante pediu que o Réu fosse condenado a pagar-lhe o montante de € 27.153,90, com fundamento na responsabilidade contratual do Réu decorrente do incumprimento de um contrato de prestação de serviços celebrado com o cessionário do crédito.
*
Devidamente citado, o Réu contestou, tendo os autos sido subsequentemente remetidos à distribuição, ocorrendo a transmutação da providência de injunção em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
*
Em articulado autónomo, a Autora veio arguir a nulidade da contestação decorrente da falta de apresentação da mesma por meios electrónicos, a qual foi verificada pelo tribunal que declarou nula a contestação apresentada e, em consequência, determinou o seu desentranhamento.
*
O despacho sub judice tinha o seguinte conteúdo:
«Veio a A. invocar a nulidade da contestação decorrente da falta de apresentação da mesma por meios electrónicos.
Notificado para se pronunciar, o R. assumiu posição contrária invocando anomalia no sistema Citius e a possibilidade legal da sua apresentação por telefax.
Compulsados os autos verifica-se que não assiste qualquer razão à R., porquanto o artigo 144.º, n.º 7 e 8, do NCPC é claro ao estipular a obrigatoriedade dos advogados de remeterem a juízo as peças processuais por meio do Citius, só podendo fazê-lo por telecópia ou correio quanto exista justo impedimento.
Sendo que o disposto no artigo 137.º, n.º 3, do NCPC não contraria tal norma, pois refere-se ao tempo da prática dos actos.
Ora, para que a ilustre mandatária do R. pudesse validamente ter apresentado a contestação por fax teria que imediatamente tê-lo alegado na referida peça processual, oferecendo de imediato as provas quanto à indisponibilidade do sistema Citius, conforme exige o disposto no artigo 140.º do NCPC.
Sucede que, compulsados os autos nada se encontra referido no articulado de contestação, inexistindo igualmente qualquer prova do justo impedimento, nem ao tempo da prática do acto, nem sequer depois.
Sendo que, ao contrário do pugnado pelo R., não há aqui qualquer hipótese de aproveitamento de actos, pois o artigo 202.º do NCPC refere expressamente que o acto nulo não pode ser renovado se já expirou o prazo dentro do qual devia ser praticado.
Neste âmbito veja-se o teor do Acórdão da Relação de Évora de 08-03-2018 (Proc. 360/17.4T8FAR-A.E1), in dgsi.pt, assim sumariado: «I – Face ao disposto no n.º 1 do artigo 144.º, do CPC a apresentação a juízo dos actos processuais por parte dos mandatários é feita, obrigatoriamente, através do sistema Citius, por transmissão eletrónica de dados, excepto em caso de justo impedimento;
II – O justo impedimento para a prática do acto por transmissão electrónica de dados deve ser alegado aquando da prática do referido acto por uma das restantes vias indicadas, devendo a parte oferecer logo a respectiva prova.
III – Tendo a Ré, por intermédio de mandatário, apresentado a contestação em suporte em papel e não tendo invocado justo impedimento para a não apresentação da peça processual por transmissão electrónica de dados, o acto não pode ter-se por validamente praticado, o mesmo é dizer que a contestação não pode ter-se por validamente apresentada, devendo ser desentranhada dos autos.».
Face ao exposto, conclui-se que se verifica a invocada irregularidade, tempestivamente arguida, e influindo a mesma na decisão da causa, ao abrigo do disposto nos artigos 195.º, n.º 1, 199.º, n.º 1, e 200.º, n.º 2, todos do NCPC, declaro nula a contestação apresentada nos autos e, em consequência, determino o seu desentranhamento.
Custas do presente incidente pelo R. cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC, nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do NCPC e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique».
*
No mesmo despacho foram ainda declarados confessados os factos constantes da petição inicial ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 567º do Código de Processo Civil.
*
Ambas as partes apresentaram alegações nos termos do nº 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil.
*
Nessa sequência, foi proferida sentença que condenou o Réu (…) a pagar à Autora “(…) e (…), Recuperação de Crédito, Lda.” a quantia de € 27.153,90 (vinte e sete mil, cento e cinquenta e três euros e noventa cêntimos).
*
O recorrente não se conformou com as referidas decisões e as alegações continham as seguintes alegações:
A – Recurso relativo ao desentranhamento da contestação apresentada:
1.º O presente recurso vem interposto do despacho datado de 05/07/2019, com a referência 29541605, do Tribunal a quo que conclui que se verifica a irregularidade invocada pela recorrida, erro na forma de envio da oposição – por telecópia – e que a mesma influi na decisão da causa, declarando nula a oposição apresentada nos autos e, em consequência, determinou o seu desentranhamento.
2.º Considera o recorrente que a arguição da irregularidade foi apresentada desde logo por requerimento que deu entrada em juízo, fora de prazo.
3.º A Autora foi notificada da oposição apresentada, bem como do despacho judicial para no prazo de 10 dias para se pronunciar quanto à questão da prescrição invocada pelo Réu, despacho com referência 29383862 expedido à mandatária da autora em 15/04/2019.
4.º Sucede que a Autora pronunciou-se quanto à invocada prescrição e veio ainda arguir a nulidade da oposição por erro na forma de envio, através de requerimento expedido via citius, com referência 1387917 em 06/05/2019, após os 10 dias concedidos para o efeito.
5.º A Autora apresentou o requerimento no dia 06/05/2019, sem comprovativo do pagamento imediato da multa por acto praticado fora de prazo, pelo que a irregularidade arguida, tendo sido fora de prazo, e sem pagamento da multa correspondente, deve o requerimento apresentado por esta ser desentranhado, por extemporâneo.
6.º O pagamento da multa é condição de validade da prática do acto, de tal modo que não tendo sido paga a multa o acto não tem validade, não produz qualquer efeito.
7.º Por sua vez, a extemporaneidade dos actos sujeitos a prazo peremptório, como é o caso, ao invés das irregularidades, é de conhecimento oficioso, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 139.º, n.º 3, do C.P.C., no que concerne ao conhecimento oficioso da prática do acto fora de prazo, e que extinguiu o direito da apresentação do requerimento.
8.º O Tribunal a quo ao considerar tempestivamente apresentado o requerimento a arguir a irregularidade no envio da oposição pelo recorrente, esta decisão que ora se sindica fica ela própria contaminada, com a consequente nulidade do despacho recorrido.
Sendo nulo o despacho recorrido, deverão ser anulados os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, conforme dispõe do artigo 195.º/2 do C.P.C, concretamente todos os actos praticados pelas partes e pela Mmª. Juiz do Tribunal a quo após a notificação do despacho recorrido devem ser anulados.
9.º Acresce que, através do requerimento com a referência 4827501, de 25/02/2019 através da plataforma citius, na qual já estava junta a aposição, a Autora juntou requerimento com comprovativo do pagamento de taxa justiça juntando ainda procuração.
10.º A arguição da irregularidade, verificando a situação a que alude a segunda parte do nº 1 do artigo 199.º, do C.P.C., deveria ter sido ser arguida pela Autora perante o Tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto no artigo 149.º, n.º 1, do C.P.C, o que não fez.
11.º O Tribunal a quo ao apreciar a irregularidade do modo de envio por telecópia, violou o douto despacho recorrido o disposto nos artigos 199.º, nº 1, 2ª parte e 149.º, nº 1, do C.P.C., devendo, também neste sentido, ser nulo, por violação de Lei.
12.º Não se verificando a nulidade da oposição atento o supra exposto, e versando o despacho recorrido sobre a não admissão de peça processual, o mesmo é passível de recurso, nos termos do artigo 644º, nº 2, alínea d), do C.P.C.
13.º Por outro lado, o Tribunal a quo considerou verificada a irregularidade no envio da oposição do recorrente, através de telecópia, sustentando a sua fundamentação no artigo 144º, nºs 7 e 8, do C.P.C.,
14.º A oposição do recorrente foi remetida dentro do prazo, via telecópia, para o Balcão Nacional de Injunções, entidade competente para a recepção da mesma, logo regulada pela Portaria nº 220-A/2008, de 04 de Março, e por indicação expressa no modo de envio, por este Balcão, conforme documento junto aos autos a fls. 23 e seguintes.
15.º Na senda do entendimento da doutrina maioritária, o Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria-geral, pressupondo naturalmente que é uma fase pré-judicial, uma vez que é no acto da distribuição que se inicia a fase judicial (conforme parecer 33/11 publicado no Diário da República nº 198/2012, Série II de 2012/10/12).
16.º Considera o recorrido que não pode a Mmª. Juiz do Tribunal a quo sustentar a não admissão da oposição com base no disposto no artigo 144º, nºs 7 e 8, do NCPC, porquanto, a obrigatoriedade de os advogados remeterem a juízo as peças processuais por meio da plataforma Citius, aplica-se apenas na fase judicial.
17.º O que obsta a aplicação do referido no C.P.C., em detrimento da Portaria nº 220-A/2008, de 1 de Março, concretamente nos seus artigos 7º e 8º, no qual está contemplada expressamente a possibilidade de envio via telecópia.
18.º Quanto às consequências do envio por via telemática, a não ser considerado validamente enviado nos termos da referida Portaria, seria o pagamento de uma multa, nos termos do artigo 19º, nº 2, do referido Decreto-Lei n.º 269/ 98, de 1 de Setembro.
19.º Ainda que se considere que as disposições do Código de Processo Civil devem ser aplicadas à forma de envio da oposição à injunção, enviada para o Balcão Nacional de Injunções, o que não se concede, ainda assim, tal irregularidade nunca poderá gerar a nulidade, pois não estamos perante uma nulidade processual mas uma mera irregularidade, que não influi no exame e discussão da causa.
20.º A consequência jurídica não poderá ser a nulidade e consequente desentranhamento da oposição, devendo tal irregularidade ser sanada, nomeadamente, através de convite que deveria ter sido formulado pela Mmª. Juiz do tribunal a quo, ao abrigo dos artigos 6º, 411º, 547º, 590º, nºs 2 e 3, C.P.C. para a parte vir regularizar a sua intervenção mediante a apresentação do acto através do sistema informático citius.
21.º Fazendo tábua rasa das disposições expressas na Portaria, no Decreto-lei e no próprio Código de Processo Civil, já referidos, o despacho ora recorrido, se não for revogado, acarretará para o recorrente tratamento desigual perante a existência de uma irregularidade processual passível de ser sanada, em violação expressa ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa que impõe que o Tribunal trate de modo igual situações de facto essencialmente iguais, como é o caso.
22.º Em simultâneo, o artigo 20º, nºs 1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo, sendo que o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que decidiu no despacho recorrido, criou ao recorrente, que apresentou atempadamente a sua oposição, a impossibilidade de defesa, em violação expressa do artigo 20º, nºs 1, 4 e 5 da C.R.P.
23.º Assim, o douto despacho recorrido deve ser revogado por violação expressa do disposto nos artigos 7º e 8º da Portaria 220-A/2008 de 1 de Março, artigo 19º do Decreto-Lei 269/98, artigos 6º, 411º, 547º, 590º, nºs 2 e 3, do C.P.C. e ainda os princípios constitucionais consagrados nos artigos 13º e 20º, nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, que expressamente se invocam.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido.
Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da Justiça!».
*
B – Recurso da sentença final:
No segundo recurso interposto o recurso recupera toda a argumentação apresentada relativamente ao despacho anterior e, assim, a única fundamentação relevante para a justa resolução da impugnação recursal neste segmento é a seguinte:
« (…)
23.º No que concerne à sentença recorrida o Tribunal a quo não poderia considerar procedente por provada a acção, com fundamento no disposto no nº 1 do artigo 567º Código de Processo Civil, pelo facto da oposição ao requerimento de injunção ter sido considerada extemporânea.
24.º A cominação do desentranhamento da oposição à injunção, em conformidade com o disposto no artigo 14º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01 Setembro, é conferir força executiva à injunção.
25.º A sentença é nula nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C. uma vez que o Tribunal a quo conheceu questões que não deveria conhecer, concretamente, não poderia dar como provados os factos alegados no requerimento de injunção, mas apenas ordenar a remessa dos autos ao balcão nacional de injunções, para efeitos de ser aposta forma executória no requerimento de injunção.
26.º Não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado, por um lado o vencimento das faturas descriminadas nas alíneas 4 e 5 da sentença, dado que as mesmas não foram juntas ao processo e tais factos, apenas deveriam ter sido dados como provados com base nas referidas faturas, as quais, como se disse, não foram juntas.
27.º Acresce que não poderia o tribunal a quo, pelos mesmo motivos invocados supra, ter considerado provados os pontos 6 e 7 da sentença uma vez não foi feita prova que a alegada cessão de créditos tenha sido notificada ao aqui recorrente, porquanto as referidas cartas também não foram juntas aos autos.
28.º Sendo os factos alegados pela requerente, concretamente, factos 4 a 7 dos factos provados, factos cuja prova se exija documento escrito, verifica-se nos termos do artigo 568º, alínea d), do C.P.C uma exceção à cominação prevista no artigo 567º, nº1, do C.P.C, pelo que a sentença recorrida também violou o disposto na alínea d) do artigo 568º do C.P.C., sendo nula, e, por conseguinte, deve ser revogada.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido, bem como a douta sentença recorrida. Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da Justiça!».
*
Houve lugar a resposta, na qual a recorrida defende que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho e a decisão recorridos.
*
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação:
a) da inadmissibilidade da apresentação da contestação, por erro na forma de apresentação a juízo.
b) do mérito da sentença recorrida.
*
III – Da factualidade:
3.1 – Factos provados
Resultaram provados os seguintes factos[1]:
1. O empresário espanhol (…) dedica-se à gestão da carreira de toureiros e à gestão das principais praças de touros da Estremadura espanhola.
2. O Réu (…) desenvolve a sua actividade como cavaleiro tauromáquico (rejoneador), sendo conhecido como “(…)”.
3. No desenvolvimento da sua actividade, (…) ajustou com o Réu um acordo de apoderamento taurino para a temporada de 2008, através do qual promoveu a representação do requerido nas praças de touros de Espanha e Portugal.
4. Pelos serviços prestados por (…) ao Réu foi emitida a factura nº 1/2008, emitida em 16/10/2009, no valor total de € 27.153,90 que se encontra por pagar, apesar das diversas insistências já efectuadas.
5. O Réu recebeu a referida factura e beneficiou dos serviços prestados.
6. Por acordo datado de 17 de Julho de 2018, o empresário (…) cedeu o referido crédito à sociedade “(…) e (…), Recuperação de Crédito, Lda.”, bem como todos os direitos acessórios a ele inerentes.
7. A referida cessão foi comunicada ao ora Réu, por duas vezes, por carta registada com aviso de recepção, a primeira das quais remetida a 27/07/2018, e, a segunda, em 05/09/2018, não tendo nenhuma das cartas sido reclamada.
*
3.2 – Outros factos com interesse para a resolução do recurso:
Do histórico do processo resulta ainda que:
3.2.1 – No 13/02/2019, pelas 15h55m, a sra. Dra. (…) enviou para o Banco Nacional de Injunções um mail com o seguinte escrito: «Após contacto derivado de não terem recebido a oposição à injunção do processo 2855/19.6YIPRT enviada dia 11/02/2019, via fax na totalidade, venho desta forma enviar novamente.
Agradeço que me digam se receberam».
3.2.2 – No 13/02/2019, pelas 16h03, por intermédio da Oficial de Justiça (…), o Banco Nacional de Injunções enviou para a sra. Dra. (…) um mail com a seguinte redacção:
«Nos termos da Portaria nº 220-A/2008, de 04/03, artigos 7º e 8º, esta forma de envio da oposição/desistência/requerimentos por email não se encontra prevista e como tal não será considerada.
Deve enviá-la, querendo, por qualquer das outras formas previstas na referida portaria que são:
- Sistema Electrónico Citius (apenas para advogados/mandatários).
- Pessoalmente/em mão.
- Por fax 220949505 ou por carta registada».
3.2.3 – No dia 13/02/2019, pelas 16h14m, a sr. Dra. (…) enviou para o Banco Nacional de Injunções um mail com o seguinte conteúdo: «é uma oposição não consigo enviar pelo Citius. Acabei de enviar novamente por fax. Agradeço que me diga se recebeu».
3.2.4 – No dia 14/02/2019, pelas 11h54m, a sra. Dra. (…) enviou para o Banco Nacional de Injunções um mail com o seguinte teor: «tentei contactar os vossos serviços telefonicamente sem sucesso.
Voltei a enviar por fax gostaria só que me dissesse se efectivamente receberam a oposição relativa ao processo de injunção 2855/19.6YIPRT».
3.2.5 – No dia 14/02/2019, pelas 13h41m, o Banco Nacional de Injunções, através da funcionária (…) enviou para (…), aqui advogada, o seguinte mail: «devido à greve da função pública, os serviços estão muito reduzidos pelo que o atendimento telefónico também é reduzido.
A oposição foi devidamente recepcionada».
*
IV – Fundamentação:
O presente recurso vem interposto do despacho datado de 05/07/2019 e nessa decisão o Tribunal «a quo» conclui que se verificava a irregularidade invocada pela recorrida, que se traduzia em erro na forma de envio da oposição, ao ter sido utilizada a telecópia. Em função disso, ao considerar que esse vício procedimental influía na decisão da causa, o Juízo Local de Competência Cível de Portalegre declarou nula a oposição apresentada nos autos e determinou o seu desentranhamento. Considerou os factos confessados e, posteriormente, lavrou sentença condenatória.
No desenvolvimento da sua argumentação o recorrente defende que a arguição da irregularidade foi apresentada, por requerimento que deu entrada em juízo fora de prazo. E, que além disso, falhado esse pressuposto da iniciativa pontual, a questão não poderia ser conhecida de forma oficiosa.
Na realidade, o recorrente contesta a tempestividade da apresentação do requerimento da nulidade, por o mesmo não estar acompanhado pelo comprovativo do pagamento imediato da multa por acto praticado fora de prazo.
Todavia, da análise da sequência processual resulta que o acto foi praticado no último dia do prazo e assim falece este tipo de justificação impeditiva. Para além disso, a apreciação da tempestividade da apresentação do articulado de contestação ou da regularidade dos meios utilizados para o fazer está sujeita uma verificação judicial e a actuação do julgador pode ser concretizada de forma oficiosa, não se encontrando dependente da arguição da nulidade por iniciativa da parte contrária, embora esta faculdade não esteja subtraída à contraparte.
Resta assim a apreciar a questão fundamental da possibilidade de apresentação do articulado de oposição em sede injunção através de meio alternativo.
*
É indiscutível que actualmente a lei exige que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no nº 2 do artigo 132º, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição, tal como decorre da simples leitura do artigo 144º do Código de Processo Civil.
Adicionalmente, a lei prevê que, quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos atrás indicados, estes podem ser praticados nos termos do disposto no nº 7 do artigo 144º do Código de Processo Civil.
Das interpenetrações entre o disposto nos números 1, 7 e 8 da norma sub judice resulta assim sem margem para divergências hermenêuticas que é obrigatória a apresentação a juízo dos actos processuais através do sistema Citius, para os profissionais forenses. Apenas o não será em caso de justo impedimento que, no entanto, tem que ser expressamente invocado[2].
Nestes enquadramento, tal como preconizam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, estabelecida, no nº 1, a regra da transmissão electrónica de dados sempre que haja mandatário constituído, fosse ou não fosse obrigatória a sua constituição, os outros meios de comunicação dos actos das partes só estão acessíveis à parte que não tenha constituído mandatário, sem prejuízo de os poder também utilizar o mandatário constituído quando ocorra justo impedimento (nomeadamente, avaria do sistema, acesso desrazoavelmente demorado, avaria de computador ou servidor)[3].
A definição de justo impedimento está conceptualizada no artigo 140º[4] do Código de Processo Civil e corresponde ao evento não imputável à parte contrária nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Nas linhas Orientadoras da Reforma da Nova Legislação Processual Civil fixou assente a opção pela flexibilidade do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria[5].
No relatório preambular da Reforma do Código do Processo Civil introduzida pelo DL 329-A/95 ficou então consignado que se tornava menos rígida a definição conceitual de «justo impedimento» em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia da culpa, que se afastou da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelavam.
Prevalece agora a posição proposta por Miguel Teixeira de Sousa, quando perspectivou que «o justo impedimento pode ter reconhecimento mesmo quando não tenha ocorrido nenhum facto imprevisível. Basta, neste caso, que a omissão do acto resulte de um erro desculpável da parte, para que se deva considerar relevante o referido justo impedimento e para que a parte seja admitida a praticá-lo fora do respectivo prazo»[6].
O novo conceito de justo impedimento faz apelo, em derradeira análise, à posição conciliatória proposta por Vaz Serra, ao falar de «meio termo». Defendia o Professor de Direito Civil que deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais[7].
De acordo com os cânones interpretativos dos Tribunais Superiores o justo impedimento exige agora a verificação de dois requisitos: (i) que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatário e (ii) que o evento determine a impossibilidade de praticar atempadamente o acto[8], ou pelo meio processualmente exigível, acrescentamos nós.
Dito de outro modo, para a verificação do justo impedimento, previsto no artigo 140º do Novo Código de Processo Civil, o que releva, mais do que a imprevisibilidade da ocorrência, é a inexistência de culpa da parte, do seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, sem prejuízo do especial dever de diligência e de organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das suas causas[9].
Porém, feito este circuito de circunavegação de avaliação processual sobre o modo de apresentação a juízo dos actos processuais e o conceito de justo impedimento, temos de concluir que o juízo avaliativo promovido pelo Tribunal de Primeira Instância se encontra errado, por não ter ponderado o regime excepcional provisionado para o regime do Balcão Nacional de Injunções.
A desmaterialização do procedimento de injunção que a Portaria nº 220-A/2008, de 4 de Março, executa contribui para facilitar o acesso e o trabalho de todos os profissionais envolvidos neste procedimento, através da utilização das novas tecnologias e de aplicações informáticas que permitam a circulação electrónica dos procedimentos, bem como a prática de actos por via electrónica, sem deslocações e com redução de custos directos e indirectos.
Todavia, o regime de desmaterialização ali estatuído não é integralmente coincidente com aquele que é estabelecido para o processo civil, permitindo a lei que a apresentação da oposição seja executada por meio diverso do sistema informático Citius, designadamente através de telecópia, como se constata através da simples leitura do artigo 7º do diploma específico.
A oposição do recorrente foi remetida dentro do prazo, via telecópia, para o Balcão Nacional de Injunções, entidade competente para a recepção da mesma, como ressalta do quadro legal aplicável pela Portaria nº 220-A/2008, de 04 de Março, entretanto alterada pela Portaria nº 267/2018, de 20/09[10].
Mais, foi por indicação expressa do Banco Nacional de Injunções que se concretizou o envio da oposição nos termos efectivados pelo agora recorrente e a simples leitura da factualidade integrada no ponto 3.2 da presente decisão permite concluir que, mesmo que este meio alternativo de apresentação de peças processuais não estivesse previsto, a situação se integraria na esfera de protecção do justo impedimento.
Aliás, de harmonia com o entendimento constante da doutrina e jurisprudência nacionais, o Balcão Nacional de Injunções é uma secretaria-geral, o que pressupõe naturalmente que estamos perante uma fase pré-judicial, uma vez que é no acto da distribuição que se inicia a fase judicial. Este procedimento dispõe de uma regulamentação específica sobre a apresentação do requerimento de injunção e da eventual correspondente oposição, que afasta a regra geral prevista para o processo civil no artigo 144º do Código de Processo Civil. Destarte, não tem aqui aplicação a jurisprudência convocada no despacho recorrido e na resposta ao recurso.
É assim admissível a apresentação da oposição à injunção por via da utilização do sistema informático CITIUS, entrega em suporte de papel, remessa pelo correio, sob registo ou envio através de telecópia. E, como tal, não poderia a Mmª. Juíza do Tribunal «a quo» sustentar a não admissão da oposição com base no disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 144º do Código de Processo Civil, dado que a obrigatoriedade dos advogados remeterem a juízo as peças processuais por meio da plataforma Citius se aplica apenas na fase judicial.
Deste modo, por via da aplicação da disciplina específica precipitada na Portaria nº 220-A/2008, de 1 de Março, concretamente no seu artigo 7, esta contempla expressamente a possibilidade de envio da oposição através de telecópia e, assim, revoga-se o despacho recorrido, anulando-se os termos processuais subsequentes. Nesta dimensão, fica igualmente prejudicada apreciação do segundo segmento do recurso interposto relativamente ao mérito da sentença recorrida e das respectivas implicações jurídicas.
*
V – Sumário:
(…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o primeiro recurso interposto, revogando-se assim o despacho recorrido quando considera que a oposição foi apresentada por meio processualmente não admissível e ordenou o respectivo desentranhamento, anulando-se os termos processuais subsequentes.
Custas a cargo da apelada nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 05/12/2019
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
__________________________________________________
[1] Ficou consignado na sentença recorrida que eram: «estes os factos relevantes para a decisão da causa, considerando os alegados pela A. e confessados pelo Réu».
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/09/2015, disponível em www.dgsi.pt.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 284.
[4] Artigo 140.º (Justo impedimento):
1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.
[5] Linhas orientadoras da nova legislação processual civil, Ministério da Justiça, publicadas na revista Sub judice, 19892, IV, pág. 38.
[6] Apreciação de alguns aspectos da “revisão do processo civil – projecto”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55, vol. II, pág. 387.
[7] Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 109.º-267.
[8] Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/03/2017 e 10/07/2018, disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/10/2017, publicado em www.dgsi.pt.
[10] Artigo 7.º (Apresentação da oposição)
1 - A oposição é apresentada no BNI por uma das seguintes formas:
a) Envio através do sistema informático CITIUS, acessível através do endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição;
b) Entrega, em suporte de papel, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva entrega;
c) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal;
d) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do acto processual a da expedição.
2 - A apresentação da oposição através do envio pelo sistema informático CITIUS, prevista na alínea a) do número anterior, é efectuada nos termos definidos pela portaria referida nos artigos 138.º-A e 150.º do Código de Processo Civil.
3 - Quando a oposição seja entregue por uma das formas previstas nas alíneas b) a d) do número anterior, compete ao funcionário do BNI proceder à sua digitalização e introdução no sistema informático das injunções.