EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE FACTO FUNGÍVEL
FIXAÇÃO DE PRAZO
Sumário


Sumário (elaborado pela Relatora):

I. Se a execução para prestação de facto tiver por base sentença condenatória em que não esteja determinado o prazo, a mesma inicia-se com a indicação pelo exequente do prazo que reputa suficiente, sendo o devedor citado para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, devendo, se tiver fundamento para se opor à execução, deduzi-la logo e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo, após o que este é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias.

II. Inexiste qualquer vício do requerimento executivo se o exequente afirma que «(…) requer, nos termos do artigo 874º do CPC que seja fixado judicialmente prazo para que seja prestado o facto, considerando o Exequente como prazo suficiente para o início e conclusão do tratamento o prazo de 30 dias», ainda que, simultaneamente, requeira logo a prestação do facto por outrem e a fixação de indemnização moratória, o que, no contexto, pode e deve ser entendido como requerido para o caso de a executada não prestar o facto dentro do prazo fixado judicialmente.

III. Se a executada não foi citada nos termos acima indicados mas para, em 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, deve, em face do teor do requerimento executivo, considerar-se sanada ipso facto a irregularidade cometida, e, ainda que assim não se entenda, se não for arguida a nulidade da citação pela executada dentro do prazo previsto no art. 191.º do CPC.

IV. Deste modo, findo o prazo assinalado na citação, se nada for requerido, deve o juiz, em cumprimento do art. 875.º do CPC, fixar o prazo, procedendo se necessário a diligências, ocorrendo nulidade se a execução passar para a avaliação do custo da prestação e para diligências de penhora com vista ao pagamento da quantia liquidada no requerimento executivo, posto que, nos termos do n.º 2 daquela norma, tais actos só têm lugar se o devedor não prestar o facto dentro do prazo e depois de praticados os que, naqueles termos, os antecedem.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado C. R. e responsável SEGURADORAS …, S.A., foi proferida sentença em 18/11/2015, que, além do mais, condenou a «a ré a prestar ao autor o tratamento médico que foi considerado adequado pelos senhores peritos médicos, o qual deve ser realizado por um médico e no estabelecimento de saúde que venha a ser indicado pela ré.».
Conforme resulta do auto de perícia por junta médica de medicina dentária a que se procedera em 12/05/2015, está em causa a «colocação de implantes e prótese metalo-cerâmica».
Não tendo sido interposto recurso da sentença, em 19/04/2016 o sinistrado apresentou requerimento executivo para prestação de facto, tendo a responsável deduzido embargos de executado, que aquele contestou.

Em 22/09/2016, procedeu-se a audiência prévia, de cuja acta consta:

«Seguidamente, foi pedida a palavra pelas partes, através dos respectivos Mandatários, e sendo-lhes concedida, declararam o seguinte: --
Atendendo a que a executada já iniciou os tratamentos ao exequente, consideram que a execução dos autos principais e os presentes embargos de executado devem ser considerados extintos por inutilidade superveniente da lide relativamente à prestação de facto por outrém, à fixação do prazo para início dos tratamentos, à atribuição de uma quantia diária até ao final dos tratamentos e à sanção pecuniária compulsória que era reclamada, mantendo-se apenas a pretensão do exequente relativamente à indemnização moratória no valor de 10.000,00 euros que reclama. --
Acrescentam que o tratamento médico do exequente encontra-se suspenso porque este sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). --

* * *
Pelo MM.º Juiz foi proferido o seguinte:
D E S P A C H O:
Atenta a posição que foi assumida pelo exequente C. R. e pela executada … SEGUROS, SA., declaro extintos por inutilidade superveniente da lide a execução dos autos principais e os presentes embargos de executado relativamente à prestação de facto por outrém, à fixação do prazo para início dos tratamentos, à atribuição de uma quantia diária até ao final dos tratamentos e à sanção pecuniária compulsória que era reclamada (art. 277º al. e) do Cód. de Processo Civil). --
*
Custas nesta parte a cargo da executada. --
*
Notifique. --
*
A execução dos autos principais e os presentes embargos de executado prosseguirão apenas para discutir a pretensão do exequente relativamente à indemnização moratória no valor de 10.000,00 euros que reclama. –
(…)
Pelo MM.º Juiz foi proferida a seguinte:
D E C I S Ã O:
(…)
*
O estado do processo permite conhecer imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, o que passaremos a fazer (art. 593º nº2 al. a), 595º nº1 al. b) e 732º nº2 do Cód. de Processo Civil). –
II. Fundamentação:
1. Factos provados:
Podem considerar-se assentes os seguintes factos:
(…)
6. No dia 8 de Março de 2016, o exequente teve uma consulta médica numa clínica dentária que foi marcada pela executada. –
(…)
Nos presentes embargos de executado apenas está em causa a indemnização que o exequente reclama pelos danos que foram causados no atraso no início do tratamento médico que a executada foi condenada a prestar. --
O exequente pretende o pagamento de uma indemnização no valor de € 10.000,00, o qual corresponde à quantia de € 100,00 por cada dia que decorreu desde o trânsito em julgado da sentença até à data em que intentou a execução dos autos principais. --
(…)
A sentença que foi proferida transitou em julgado no dia 4 de Janeiro de 2016. No dia 8 de Março de 2016, o exequente teve uma consulta médica numa clínica dentária que foi marcada pela executada. Esta consulta médica corresponde ao início do tratamento médico do exequente, o qual, como bem se compreende, tinha necessariamente que iniciar-se por uma avaliação do seu estado actual e da inexistência de qualquer impedimento ao seu tratamento, bastando atentar que, tal como foi declarado pelos mandatários, após o início do tratamento o exequente sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). É certo que entre o trânsito em julgado da sentença e esta consulta médica decorreram cerca de dois meses.
Porém, não era exigível à executada que iniciasse o tratamento médico do executado rigorosamente a seguir ao trânsito em julgado da sentença, sendo certo que o período de dois meses não é excessivo para a marcação de uma consulta médica para o início do tratamento. Seguramente que o executado, como qualquer outra pessoa, não teria iniciado o tratamento médico num período de tempo mais curto se o tivesse feito pelos seus meios. --
Entendemos, assim, que os presentes embargos de executado são integralmente procedentes. --
III. Decisão:
Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado são integralmente procedentes e, em consequência, determino a extinção da execução dos autos principais. –
Nos termos do art. 306º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil, fixo à causa o valor de € 10.025,50 (dez mil e vinte cinco euros e cinquenta cêntimos). --
*
Custas nesta parte a cargo do exequente. --»

Em 8/12/2018, o sinistrado apresentou novo requerimento executivo para prestação de facto, onde refere, além do mais:

«(…)
28. Atenta a natureza fungível do facto a prestar e ao facto de a Executada permanecer, até hoje (quase 3 anos), numa situação de incumprimento da sentença em que foi condenada, desde já se requer, nos termos do artigo 868º, nº 1 do CPC a prestação de facto por outrém, indicando como perito para avaliar o custo do tratamento, nos termos do artigo 870º, nº 1 do CPC, o Sr. Médico Dentista P. F., com domicílio profissional na Clínica Dentária …, sita na Rua … Braga.
29. Nos termos do artigo 868, nº 1 do CPC o Exequente requer ainda que lhe seja fixada indemnização moratória, atenta a falta do cumprimento da execução condenatória por parte da executada, com valor nunca inferior a 25,00€ (vinte e cinco euros) por dia, contados desde o dia 4 de Janeiro de 2016 até ao dia da entrada em juízo da presente execução, num total de (1067 dias X 25 euros) 26.675,00€ (vinte e seis mil seiscentos e setenta e cinco euros).
30. A cujo valor deverá acrescer a quantia de 25,00€ (vinte e cinco euros) por dia, contados desde o dia da entrada em juízo da presente execução e até efectivo e completo tratamento do Exequente, igualmente a título de indemnização devida ao Exequente pela mora na prestação.
31. Mais se requer, nos termos do artigo 874º do CPC que seja fixado judicialmente prazo para que seja prestado o facto, considerando o Exequente como prazo suficiente para o início e conclusão do tratamento o prazo de 30 dias.
32. O Exequente requer ainda a aplicação à Executada de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 868º, nº 1, 2ª parte e artigo 874º, ambos do CPC, cujo valor deverá ser fixado pelo douto tribunal mas que, no entender do Exequente, não deverá ser inferior a 100,00€ (cem euros) por cada dia de atraso na execução do tratamento em que foi condenada, a contar do último dia do prazo que for judicialmente fixado para tal.
33. Deverá ainda a Executada ser condenada a pagar ao Exequente todas as despesas, custas e honorários de solicitador que este se tenha visto forçado a desembolsar com a presente execução.»
Em 7/01/2019, foi proferido despacho a determinar a citação da executada para os efeitos do art. 868.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nada tendo sido requerido por aquela no prazo assinalado (com termo em 4/02).
Em 18/02, a agente de execução deu início a diligências de penhora com vista ao pagamento da quantia liquidada no requerimento executivo.

Em 19/02/2019, a executada veio apresentar requerimento a requerer a prolação de despacho sobre alegadas questões de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 726.º e 734.º do Código de Processo Civil, concluindo que:

«a) Deve a execução ser declarada extinta, por falta ou insuficiência de título executivo, sem que, previamente, seja a executada notificada para se pronunciar sobre o prazo do cumprimento ou prestação do facto ou sem que este esteja judicialmente fixado
b) Deve, em consequência, ser anulado todo o processado nestes autos após a omissão de notificação da Ré para se pronunciar sobre o prazo de cumprimento do facto ou após a omissão de prolação de decisão na qual esse prazo seja fixado;
c) deve ser extinta a execução na parte correspondente à indemnização moratória, por falta de título, seja porque essa indemnização não é devida enquanto não for fixado prazo para a prestação do facto e este não seja cumprido, seja por não estar judicialmente liquidada a indemnização moratória;
d) deve ser extinta a execução por falta de título executivo no que toca à sanção pecuniária compulsória
e) deve ser julgada procedente a exceção de caso julgado, decorrente da decisão proferida no apenso “B” dos presentes autos, no sentido de que não assiste ao A direito a indemnização moratória pela não prestação do facto entre 04/01/2016 e 22/09/2016, extinguindo-se a execução nessa parte, ou seja, no que toca à indemnização moratória nesse período, ainda que se considerasse existir título para a mesma.»

O sinistrado veio opor-se ao requerido, após o que foi proferido despacho em 8/03/2019, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, decido:
1. Indeferir o requerimento executivo relativamente ao pagamento pela executada da sanção pecuniária compulsória reclamada pelo exequente;
2. No mais, indeferir o requerido pela executada;
3. Determinar que a presente execução passe para a avaliação do custo da prestação, nos termos do art. 870º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil.»

A seguradora, inconformada, interpôs recurso do despacho, arguindo separadamente a sua nulidade no respectivo requerimento e formulando as seguintes conclusões:

«Conclusões respeitantes à nulidade da douta decisão da qual se recorre

I) No seu requerimento de 19/02/2019, com a Ref citius 162179242, a executada arguiu a exceção dilatória de caso julgado, decorrente da decisão proferida nos autos de embargos de executado que constituem apenso desta ação (n.º 1027/12.5TTBRG-B), no sentido de que o A não tinha direito a indemnização moratória pela não prestação do facto no qual a executada foi condenada no período compreendido entre 04/01/2016 e 22/09/2016;
II) Sobre tal matéria de exceção, aliás de conhecimento oficioso, o Tribunal não se pronunciou no douto despacho do qual se recorre;
III) Assim, é o douto despacho em mérito nulo, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alínea d) do CPC, vicio esse que, expressamente, se invoca;

Conclusões relativas ao mérito do recurso

IV) No título executivo (sentença proferida nos autos principais) não se encontra fixado prazo para a prestação do facto no qual a executada foi condenada (prestação de cuidados médico-dentários).
V) Nos termos do disposto no artigo 874º n.º 1 do CPC, a execução deveria iniciar-se pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial do prazo para a prestação do facto, sob pena de inexequibilidade, cabendo ao juiz, uma vez realizadas as diligências necessárias, fixá-lo, e assistindo à executada a possibilidade de realizar a prestação dentro daquele prazo.
VI) Assim, impunha-se que, previamente ao prosseguimento da execução, fosse a executada notificada para se pronunciar sobre o prazo para o cumprimento do facto, o que não aconteceu.
VII) Ou, caso se entenda que a citação realizada no processo executivo terá servido, para além do fim constante do artigo 868º, n.º 2 do CPC, também para o fim previsto no artigo 874º, n.º 1, ambos do CPC, deveria então previamente ser fixado prazo pelo tribunal nos termos do artigo 875º, n.º 1, do CPC.
VIII) O certo, porém, é que, não estando o prazo para a prestação do facto fixado o título e enquanto este for fixado nos presentes autos, o exequente não dispõe de título executivo bastante para as prestações que reclama
IX) Assim, por esta razão, verifica-se a inexistência ou insuficiência do título.
X) O que impunha por parte do tribunal a quo, a rejeição da execução ou o suprimento desse obstáculo ao prosseguimento desta, com a consequente anulação de todos os atos praticados no processo após omissão de notificação da executada para se pronunciar sobre o prazo ou após a omissão de prolação de douto despacho que o fixe, o que não aconteceu.
XI) Efectivamente, o exequente tem direito a que a sentença seja cumprida, contudo, legalmente, o cumprimento da prestação do facto é determinado pelas normas processuais e estas expressamente estabelecem que quando o prazo para a prestação do facto não esteja determinado no título executivo exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente- cfr artigo 874º, nº1, do Código de Processo Civil.
XII) Pelo que, o prazo para a realização da prestação deveria de ser previamente fixado, cumprindo-se assim o preceituado no artigo 874º do Código Civil, o que não aconteceu.
XIII) Além do mais, entende a executada que não existe título executivo no que toca à indemnização moratória requerida.
XIV) Ora, tratando-se de uma prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível e com prazo certo, em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre:

a) A prestação da obrigação por terceiro, acrescida de indemnização pela mora;
b) a indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito;

Da leitura do disposto nos artigos 868º, 874º e 875º do CPC, decorre que:

XV) Ora, não estando fixado o prazo da prestação do facto na execução, não pode o exequente, por total falta de título, obter a indemnização moratória que pretende, o que constitui exceção de conhecimento oficioso.
XVI) De facto, tal indemnização só seria devida se, depois de se encontrar fixado o prazo para a prestação do facto, este não fosse cumprido pela executada, o que ainda não se verificou.
XVII) Mesmo que se entendesse que o Exequente poderia optar e optou, desde já, pela prestação do facto por terceiro – o que, como acima dissemos, a lei não permite antes de estar fixado o prazo para a prestação pela executada –antes de a execução prosseguir para pagamento de quantia certa (quanto à indemnização moratória), deve proceder-se à liquidação da eventual indemnização.
XVIII) Pelo que, a exequente terá no caso em concreto e quanto aos danos moratórios, de convolar a execução em execução para pagamento de quantia certa, devendo apresentar requerimento de liquidação referente a esses danos moratórios decorrentes do atraso no cumprimento.
XIX) E, seja em que circunstância for, o valor peticionado pelo exequente não depende de simples cálculo aritmético, devendo o tribunal apreciar e pronunciar-se sobre o valor que deve ser atribuído ao exequente para indemnização da invocada mora, caso haja lugar a esta.
XX) Assim, também quanto à indemnização moratória, não dispõe, neste momento, o exequente de título executivo bastante, já que não apresentou ainda requerimento de liquidação, nem esta liquidação – que não depende de simples cálculo aritmético – foi efetuada pelo Tribunal.
XXI) Logo, impunha-se que o Tribunal, caso entendesse ser devida a indemnização moratória- o que, como vimos, não deve ser o caso - tivesse ordenado a notificação do A para liquidar a sua indemnização moratória, procedendo-se à sua liquidação depois de concedido prazo à executada para o prestar e esta não o prestasse.
XXII) Pelo menos, ainda que se entendesse que a liquidação foi operada no requerimento executivo, sempre se impunha que o Tribunal tivesse fixado, previamente ao prosseguimento da execução, a indemnização moratória devida.
XXIII) E, enquanto essa liquidação não for operada – e deve-o ser por via de decisão judicial e não por mera indicação do exequente – este não tem quanto à mesma, título executivo bastante.
XXIV) Pelo que, em qualquer circunstância – e se nada do que acima se disse for atendido, o que não se espera – sempre se impõe que seja revogada a douta decisão da qual se recorre e ordenado o regresso dos autos ao tribunal a quo para proferir decisão que liquide a indemnização moratória, anulando-se todo o processado posterior à omissão desse despacho que seja incompatível com a necessidade de liquidação prévia da dita indemnização.
XXV) No seu requerimento de 19/02/2019, com a Ref citius 162179242, a executada arguiu a exceção dilatória de caso julgado, decorrente da decisão proferida nos autos de embargos de executado que constituem apenso desta ação (n.º 1027/12.5TTBRG-B), no sentido de que o exequente não tinha direito a indemnização moratória pela não prestação do facto no qual a executada foi condenada no período compreendido entre 04/01/2016 e 22/09/2016;
XXVI) Sobre tal matéria de exceção, aliás de conhecimento oficioso, o Tribunal não se pronunciou no douto despacho do qual se recorre;
XXVII) Assim, é o douto despacho em mérito nulo, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 alínea d) do CPC, vicio esse que, expressamente, se invoca;
XXVIII) Correu termos por apenso aos autos principais, embargos de executado, sob o n.º 1027/12.5TTBRG-B, deduzidos no âmbito de execução para prestação de facto intentada pelo exequente contra a executada.
XXIX) Nos embargos de executado, foi proferida decisão que julgou procedentes os embargos de executado, constante na Ata de Audiência Prévia, datada de 22 de Setembro de 2016, já transitada em julgado.
XXX) Nessa decisão entendeu-se que o exequente não tinha direito a reclamar uma indemnização moratória pela não prestação pela executada do facto entre a data do trânsito em julgado da decisão proferida nos autos principais (04/01/2016) e a data da prolação daquela douta sentença dos embargos com o numero 1027/12.5TTBRG-B (22/09/2016).
XXXI) Assim, face ao exposto, verifica-se que o Tribunal já proferiu decisão de mérito sobre a questão da existência ou não de direito do Exequente a uma indemnização moratória pela não prestação do facto entre a data do trânsito em julgado da decisão proferida nos autos principais (04/01/2016) e a data da prolação daquela douta sentença dos embargos com o numero 1027/12.5TTBRG-B (22/09/2016).
XXXII) Portanto, ao reclamar, na presente ação executiva, indemnização moratória pelo atraso no cumprimento da prestação naquele período (de 04/01/2016 a 22/09/2016), o exequente deduz, pela segunda vez, a mesma prestação, já objecto de decisão judicial.
XXXIII) Logo, verifica-se a exceção de caso julgado no que toca à inexistência de direito do exequente a reclamar indemnização moratória naquele período, exceção de conhecimento oficioso.
XXXIV) Pelo que deveria ser declarada extinta a execução no que toca à liquidação de indemnização nesse período.
XXXV) A douta decisão sob censura violou as normas dos artigos 868º, 874º, 875º, 726º, 734º, 577º e 578º, do Código de Processo Civil.

Termos em que deve ser julgado procedente o recurso, revogando-se ou anulando-se o douto despacho sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, nomeadamente proferindo-se decisão que:

a) Ordene a notificação da executada para se pronunciar sobre o prazo do cumprimento ou prestação do facto ou, caso assim não se entenda, fixe o prazo para o cumprimento do facto, anulando-se todo o processado posterior à omissão dessas diligências/decisão, nomeadamente todos os atos de penhora;
b) Declare extinta a execução na parte correspondente à indemnização moratória, por falta de título, seja porque essa indemnização não é devida enquanto não for fixado prazo para a prestação do facto e este não seja cumprido, seja por não estar judicialmente liquidada a indemnização moratória;
c) Anule a sentença por omissão de pronuncia quanto à exceção de caso julgado invocada pela Ré no seu requerimento de 19/02/2019 ou, julgue procedente a exceção de caso julgado, decorrente da decisão proferida no apenso “B” dos presentes autos, no sentido de que não assiste ao A direito a indemnização moratória pela não prestação do facto entre 04/01/2016 e 22/09/2016, extinguindo-se a execução nessa parte, ou seja, no que toca à indemnização moratória nesse período, ainda que se considerasse existir título para a mesma.
d) Subsidiariamente em relação ao mencionado na alínea b), ou seja, caso se entenda que o prazo foi já fixado e incumprido, ordene, em qualquer circunstância, a anulação de todos os atos de penhora e o regresso dos autos ao Tribunal de primeira instância para prolação de douta decisão no que toca à liquidação da indemnização moratória, ainda não liquidada»
O sinistrado não apresentou resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito suspensivo, atenta a prestação de caução.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi cumprido o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público entendido que lhe não compete emitir parecer na situação em apreço.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia sobre a excepção de caso julgado arguida e conhecimento de tal excepção;
- extinção da execução ou anulação do processado desde o despacho liminar ou, subsidiariamente, desde o termo do prazo assinalado à executada na citação, por inexistência ou insuficiência do título executivo por falta de prévia fixação de prazo para prestação do facto pela executada e de prévia decisão sobre a liquidação da indemnização moratória.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do Recurso

4.1. A Apelante veio arguir a nulidade do despacho recorrido, por não se ter pronunciado sobre a excepção de caso julgado no que respeita à indemnização moratória pela não prestação do facto entre 04/01/2016 e 22/09/2016, sendo certo que observou devidamente o disposto no art. 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, na redacção então vigente.

Antes de mais, tenha-se em conta que, nos termos do art. 551.º do Código de Processo Civil (diploma a que se referem todas as normas doravante citadas sem outra indicação), são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva (n.º 1), e, por outro lado, à execução para prestação de facto são aplicáveis, na parte em que o puderem ser, as disposições relativas à execução para pagamento de quantia certa (n.º 2).

Estabelece o art. 734.º, com a epígrafe «Rejeição e aperfeiçoamento», no seu n.º 1, que o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, acrescentando o n.º 2 que, rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte.
Por seu turno, prevê o art. 726.º, n.º 2, al. b) que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.
O caso julgado é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i) e 578.º), pelo que, sendo constatada pelo juiz no âmbito duma acção executiva, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, deve ser apreciada pelo mesmo nos termos das acima citadas disposições legais; e, por outro lado, sendo expressamente arguida por alguma das partes, deve o juiz pronunciar-se sobre a questão, padecendo de nulidade a decisão proferida em termos a que aquela excepção pudesse obstar (arts. 608.º, n.ºs 1 e 2, 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d)).
Ora, retornando ao caso dos autos, decorre do Relatório supra que, no seu requerimento de 19/02/2019, a ora Recorrente arguiu a excepção de caso julgado no que respeita à indemnização moratória pela não prestação do facto entre 04/01/2016 e 22/09/2016, bem como, que o despacho de 8/03/2019 que sobre aquele se pronunciou, ora recorrido, não tomou conhecimento de tal questão.
Verifica-se, pois, a nulidade de tal despacho nessa parte, a qual cumpre suprir nos termos dos arts. 615.º, n.º 1, al. d) e 665.º, n.º 1.

Vejamos.
Nos termos dos arts. 580.º e 581.º, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, ou seja, que se proponha uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Ainda, esclarece-se que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.

Conforme resulta da acima transcrita acta de audiência prévia realizada em 22/09/2016, no âmbito dos embargos de executado deduzidos contra a execução para prestação de facto que o sinistrado instaurou em 19/04/2016, esta foi julgada extinta, no que se refere à indemnização moratória requerida, à razão de 100 €/dia:

- por decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente, quanto ao período subsequente ao início do tratamento do sinistrado pela seguradora, entretanto suspenso porque aquele sofreu um AVC, tendo em conta o declarado e requerido pelas partes naquela ocasião;
- por decisão que julgou procedentes os embargos, no que respeita ao período decorrido desde o trânsito em julgado da sentença condenatória (4/01/2016) até ao início do tratamento do sinistrado pela seguradora em 8/03/2016.

Assim, tendo em conta que não oferece dúvida a verificação dos respectivos pressupostos nos termos legais citados, conclui-se, sem necessidade de maiores considerações, que ocorre a excepção de caso julgado quanto à indemnização moratória requerida nos presentes autos, à razão de 25 €/dia, pela não prestação do facto devido pela executada entre 04/01/2016 e 22/09/2016.

Procede, pois, o recurso nesta parte.

4.2. A Apelante insurge-se ainda contra o despacho recorrido por não ter determinado a extinção da execução ou a anulação do processado desde o despacho liminar ou, subsidiariamente, desde o termo do prazo assinalado à executada na citação, e, ao invés, ter determinado que a execução prosseguisse para avaliação do custo da prestação, sem prévia fixação de prazo para prestação do facto pela executada e sem prévia decisão sobre a liquidação da indemnização moratória.
Sustenta a Recorrente que se impunha o conhecimento oficioso da questão nos termos conjugados do citado art. 734.º e do art. 726.º, n.º 2, al. a), de acordo com o qual o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título.

Vejamos.
Nos termos do art. 10.º, n.ºs 4, 5 e 6, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, com vista à realização coactiva duma obrigação devida. O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo.
A presente execução tem por base a sentença proferida em 18/11/2015, da qual não foi interposto recurso, na parte em que condenou a seguradora a prestar ao sinistrado tratamento médico consistente em «colocação de implantes e prótese metalo-cerâmica».
Assim, estando-se perante uma sentença condenatória para prestação de facto (fungível (1)), transitada em julgado, a mesma constitui título executivo e é imediatamente exequível (arts. 703.º, n.º 1, al. a) e 704.º, n.º 1 e n.º 6 a contrario sensu).
No que concerne à pretensa insuficiência do título executivo, designadamente por se não ter procedido a prévia fixação de prazo para prestação do facto pela executada e a prévia liquidação da indemnização moratória, importa analisar os termos da acção executiva a que aquele título serve de base, com incidência nas questões que nos interessam.
Na verdade, desde já se adianta que a tramitação a observar diverge consoante a prestação de facto devida esteja ou não sujeita a prazo certo.

Assim, resulta do art. 868.º que, se alguém estiver obrigado a prestar um facto fungível em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer, em alternativa:

- a prestação por outrem, bem como a indemnização moratória a que tenha direito; ou
- a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação. (2)

Nesse caso, o devedor é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.
De acordo com o art. 869.º, n.º 1, findo o prazo estabelecido para a oposição à execução (ou julgada esta improcedente, tendo a execução sido suspensa), se o exequente pretender a indemnização do dano sofrido, observar-se-á o disposto no art. 867.º, ou seja, o exequente pode, no mesmo processo, fazer liquidar o valor da indemnização do dano sofrido com a mora ou com a não realização da prestação, observando-se o disposto nos artigos 358.º, 360.º e 716.º, com as necessárias adaptações.
Acrescenta o n.º 2 que, feita a liquidação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa.
O art. 870.º, por seu turno, estabelece que, se o exequente optar pela prestação do facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação, e, concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa.
Não obstante, segundo decorre do art. 874.º, n.º 1, tratando-se de situação em que o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente.
Neste caso, acrescenta o n.º 2, se o executado tiver fundamento para se opor à execução, deve logo deduzi-la e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo.
Seguidamente, nos termos do art. 875.º, n.º 1, o prazo é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias.
Finalmente, estabelece o n.º 2 da mesma norma que, se o devedor não prestar o facto dentro do prazo, observa-se o disposto nos arts. 868.º a 873.º, mas a citação prescrita no artigo 868.º é substituída por notificação e o executado só pode deduzir oposição à execução nos 20 dias posteriores, com fundamento na ilegalidade do pedido da prestação por outrem ou em qualquer facto ocorrido posteriormente à citação a que se refere o artigo anterior e que, nos termos dos artigos 729.º e seguintes, seja motivo legítimo de oposição.

Retornando ao caso dos autos, constata-se que na sentença condenatória exequenda não está determinado o prazo para realização da prestação devida, sendo ainda certo que da acima transcrita acta de audiência prévia realizada em 22/09/2016, no âmbito dos embargos de executado deduzidos contra a execução para prestação de facto que o sinistrado instaurou em 19/04/2016, esta foi julgada extinta, por inutilidade superveniente, relativamente à fixação do prazo para início dos tratamentos – que aí se considerou como tendo ocorrido em 8/03/2016 –, mas sem que tivesse sido fixado prazo durante o qual deveriam ser completados.
Ora, como lembra José Lebre de Freitas (3), “(…) pode haver lugar à fixação judicial de prazo nos termos do art. 874.º quando, embora tenha sido estipulado prazo para o início da prestação, não tenha sido fixado o período de tempo em que ela deve ser realizada.”
Com efeito, como salientam os autores, designadamente Rui Pinto (4), a execução para prestação de facto tem a característica de a prestação devida não ser necessariamente instantânea, podendo ser continuada ou duradoura, sendo que “(…) o que aqui está em causa é o prazo, não de vencimento da obrigação (i.e., a exigibilidade stricto sensu), mas de conclusão da própria prestação de facto, porque não instantânea.”
Deste modo, atendendo aos citados arts. 874.º e 875.º, trata-se de caso em que, em conformidade com o preceituado no art. 713.º (5), bem como no art. 777.º, n.º 2 do Código Civil (6), a execução se inicia com a indicação pelo exequente do prazo que reputa suficiente, sendo o devedor citado para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, devendo, se tiver fundamento para se opor à execução, deduzi-la logo e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo, após o que este é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias.
Sucede que, conforme decorre do Relatório, o exequente, no requerimento executivo, mais concretamente sob o ponto 31., «(…) requer, nos termos do artigo 874º do CPC que seja fixado judicialmente prazo para que seja prestado o facto, considerando o Exequente como prazo suficiente para o início e conclusão do tratamento o prazo de 30 dias», embora, simultaneamente, diga sob os pontos 28. a 30. que «(…) requer, nos termos do artigo 868º, nº 1 do CPC a prestação de facto por outrem (…)», e «(…) ainda que lhe seja fixada indemnização moratória (…) num total de (1067 dias X 25 euros) 26.675,00€ (…)», o que, no contexto, pode e deve ser entendido como requerido para o caso de a executada não prestar o facto dentro do prazo fixado judicialmente, como expressamente requerido pelo exequente, antecipando o que resulta conjugadamente dos arts. 868.º e 875.º, n.º 2.
Isto para concluir que o requerimento executivo não enfermava de qualquer vício que pudesse fundamentar o indeferimento liminar ou mesmo o convite ao aperfeiçoamento (7), devendo o juiz, em face do mesmo, ter determinado a citação da executada nos termos do art. 874.º, isto é, para em 20 dias dizer o que se lhe oferecesse sobre o prazo, devendo, se tivesse fundamento para se opor à execução, deduzi-la logo e dizer o que se lhe oferecesse sobre o prazo,

Ora, a executada foi citada nos termos do art. 868.º, n.º 2, ou seja, para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, sendo certo que, tendo o exequente requerido expressamente, com referência ao art. 874º, a fixação judicial do prazo, indicando como suficiente o de 30 dias, deve considerar-se sanada ipso facto a irregularidade cometida, e, ainda que assim não se entendesse, por não ter sido arguida a nulidade da citação pela executada dentro do prazo legal (art. 191.º).

Deste modo, findo o prazo assinalado na citação, sem nada ter sido requerido, devia o juiz, em cumprimento do art. 875.º, ter fixado o prazo, procedendo se necessário a diligências, ao invés de ter determinado que a execução passasse para a avaliação do custo da prestação, e de a agente de execução ter dado início a diligências de penhora com vista ao pagamento da quantia liquidada no requerimento executivo, posto que, nos termos do n.º 2 daquela norma, tais actos só têm lugar se o devedor não prestar o facto dentro do prazo e depois de praticados os que, naqueles termos, os antecedem.

Tal não significa que se verificasse insuficiência do título executivo, pois este revestia todos os requisitos que o tornavam apto a servir de base a uma execução para prestação de facto que, nos termos legais, se inicia por diligências destinadas à fixação de prazo e comporta em fase ulterior, se necessário, um incidente de liquidação de indemnização do dano moratório, não fazendo sentido sustentar que o título executivo é susceptível de manter ou perder os requisitos legais em função da observância ou violação da tramitação estipulada.
Acresce que, nos termos dos arts. 726.º, n.º 2, al. a) e 734.º, o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo ou rejeitar oficiosamente a execução quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título, ou seja, como se diz no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2019 (8), “[a] insuficiência do título (…) tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta”” – o que não é o caso.
O que sucede é que, violada a tramitação processual, com a omissão do acto devido – de fixação de prazo para prestação do facto pela executada –, com influência decisiva no curso e desfecho da acção, ocorreu nulidade tempestivamente arguida no requerimento da executada de 19/02, já que não resulta dos autos que pudesse ter sido do seu conhecimento antes do prazo terminado em tal data, com a consequente anulação dos actos dele dependentes, designadamente os de penhora, e revogação do despacho de 8/03/2019 na parte recorrida (arts. 195.º, 197.º e 199.º).
Procede, pois, o recurso também nesta parte.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência:

- julga-se procedente a excepção de caso julgado quanto à indemnização moratória requerida nos presentes autos, à razão de 25 €/dia, pela não prestação do facto devido pela executada entre 04/01/2016 e 22/09/2016, absolvendo-se a mesma da instância nessa parte;
- revoga-se o despacho de 8/03/2019, na parte recorrida, o qual deve ser substituído pela fixação de prazo para prestação do facto pela executada nos termos do art. 875.º do Código de Processo Civil, observando-se subsequentemente o mais aí previsto;
- anulam-se os actos já praticados dependentes do acto indevidamente omitido, designadamente os de penhora.
Custas pelo Apelado, sem prejuízo da isenção ou apoio judiciário de que beneficie.
Guimarães, 7 de Novembro de 2019

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

I. Se a execução para prestação de facto tiver por base sentença condenatória em que não esteja determinado o prazo, a mesma inicia-se com a indicação pelo exequente do prazo que reputa suficiente, sendo o devedor citado para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, devendo, se tiver fundamento para se opor à execução, deduzi-la logo e dizer o que se lhe ofereça sobre o prazo, após o que este é fixado pelo juiz, que para isso procede às diligências necessárias.
II. Inexiste qualquer vício do requerimento executivo se o exequente afirma que «(…) requer, nos termos do artigo 874º do CPC que seja fixado judicialmente prazo para que seja prestado o facto, considerando o Exequente como prazo suficiente para o início e conclusão do tratamento o prazo de 30 dias», ainda que, simultaneamente, requeira logo a prestação do facto por outrem e a fixação de indemnização moratória, o que, no contexto, pode e deve ser entendido como requerido para o caso de a executada não prestar o facto dentro do prazo fixado judicialmente.
III. Se a executada não foi citada nos termos acima indicados mas para, em 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, deve, em face do teor do requerimento executivo, considerar-se sanada ipso facto a irregularidade cometida, e, ainda que assim não se entenda, se não for arguida a nulidade da citação pela executada dentro do prazo previsto no art. 191.º do CPC.
IV. Deste modo, findo o prazo assinalado na citação, se nada for requerido, deve o juiz, em cumprimento do art. 875.º do CPC, fixar o prazo, procedendo se necessário a diligências, ocorrendo nulidade se a execução passar para a avaliação do custo da prestação e para diligências de penhora com vista ao pagamento da quantia liquidada no requerimento executivo, posto que, nos termos do n.º 2 daquela norma, tais actos só têm lugar se o devedor não prestar o facto dentro do prazo e depois de praticados os que, naqueles termos, os antecedem.

Alda Martins




1. Como referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2016, p. 591), “(…) o facto é fungível quando a realização do mesmo tanto pode ser feita pelo devedor como por um terceiro, satisfazendo de igual forma o interesse do credor na realização da prestação.”
2. Esta possibilidade de opção compreende-se na economia do regime geral do incumprimento das obrigações, que ora se recorda, nas palavras de José Lebre de Freitas (A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2014, pp. 451-453): “Atrasando-se o devedor na realização da prestação, mas sendo esta ainda possível, ocorre a situação de mora do devedor (art. 804-2 CC), pela qual este é constituído na obrigação de reparar os danos causados ao credor em consequência do atraso (art. 804-1CC; cfr art. 806-1 do CC), sem prejuízo de permanecer obrigado a efetuar a prestação, com o correspondente direito do credor de exigir judicialmente o cumprimento (art. 817 CC). Mas, se em consequência da mora, o credor perder o interesse objetivo que tinha na prestação ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado (art. 808º CC), tal como quando a prestação se torne impossível por causa imputável ao devedor (art. 808º-1 CC), a simples mora cede lugar ao incumprimento da obrigação e, então, o credor tem direito, em lugar da prestação, a uma indemnização compensatória. Ora, de acordo com este esquema de soluções, uma vez não prestado certo facto pelo devedor, na data do vencimento, o credor fica com direito à indemnização moratória, mantendo o de exigir a prestação que lhe é devida: a simples mora do devedor não lhe confere o direito de, desde logo, pedir a indemnização compensatória. Mas, quando, citado para uma ação que pode revestir natureza executiva, o réu não realize a prestação, na impossibilidade legal de o forçar fisicamente a fazê-lo, a obrigação deve ter-se por definitivamente incumprida e só no plano da indemnização é que o credor poderá fazer valer o seu direito contra o devedor. Ora, quer tenha lugar a realização do facto por terceiro, quer o simples recebimento, pelo credor, duma indemnização compensatória. Isso traduz-se sempre para o devedor, no pagamento duma indemnização em dinheiro; a execução para prestação de facto positivo fungível visa menos a execução específica da obrigação, no sentido comum do termo, do que «garantir ao credor a prestação do facto por outrem sem contestação do seu custo e sem se expor a ter de suportar o excesso sobre esse custo». A ser assim, quando a prestação de facto fungível não é efetuada, das duas uma: - ou é ainda possível a prestação por terceiro e a indemnização compensatória a suportar pelo devedor deve ser calculada em função do custo atual da prestação do facto por terceiro: o devedor pagará o que ao credor for necessário para que fique em situação idêntica àquela em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida; - ou a prestação por terceiro já não é possível e a indemnização compensatória deve ser calculada em função do incumprimento: o devedor compensará o credor dos danos sofridos por ter ficado sem a prestação a que tinha direito. No primeiro caso, é indiferente ao devedor que o credor, recebida a indemnização devida, recorra ou não à prestação por terceiro. Mas se o credor pretender efetivamente a prestação do facto por terceiro, poderá o seu custo efetivo ser controlado pelo tribunal e não correrá o risco de, recebida a indemnização, vir a pagar mais do que aquilo que recebeu. Tendo o credor a faculdade de optar, atende-se ao seu interesse, sem sacrifício de qualquer interesse atendível do devedor.”
3. Op. cit., pp. 459-460.
4. A Ação Executiva, Almedina, 2018, pp. 1018-1019.
5. Artigo 713.º (Requisitos da obrigação exequenda) A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.
6. Artigo 777.º (Determinação do prazo)
Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.
Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.
7. Sendo certo que, “[s]e o exequente não proceder à indicação do prazo, deve o juiz convidá-lo a suprir tal irregularidade, não sendo de indeferir liminarmente por inexequibilidade, por falta de exigibilidade da prestação improprio sensu” (Rui Pinto, op. cit., p. 1019). No mesmo sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 145/13.7TBFUN.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
8. Proferido no processo n.º 35949/11.6TYYLSB-L1-7, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, a propósito da norma do Código de Processo Civil de 1961 correspondente ao art. 734.º do Código de Processo Civil de 2013, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Fevereiro de 2010, proferido no processo n.º 2621/08.4TBALM.L1-7, disponível no mesmo sítio, em cujo sumário se diz: “A rejeição oficiosa da execução ao abrigo do art. 820º do CPC deve ser reservada para situações em que inequivocamente estejam verificados os pressupostos que do mesmo constam.”