CRIME DE INJÚRIA
INJÚRIA
DIFAMAÇÃO
EXCESSOS DE LINGUAGEM
Sumário

I - A linha de distinção entre a difamação e injúria reside em que o ataque à honra e consideração do ofendido é direto, no caso da injúria, e indireto ou através de terceiros, no caso da difamação.
II - Quem, no contexto especial em que o arguido atuou, nomeadamente em estado de exaltação devido a intervenção policial a que não deu causa, diz, dirigindo-se a outrem, “esta psicopata roubou-me toda a vida e quer-me continuar a roubar, mas de mim não verá mais nada”, não comete o ilícito típico de injúria.

Texto Integral

Processo n º 1146/16.9PBMTS.P1

Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa
Adjunto: Nuno Pires Salpico

Decisão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
B…, Assistente nos presentes autos e neles melhor identificada, notificada da Douta Sentença que absolveu o arguido C… da prática de factos suscetíveis de integrarem a comissão, em autoria material, de um crime de injúria e um crime de difamação, previstos e punidos pelo art.º 181 e 180 do Código Penal e com ela não se conformando, vem INTERPOR RECURSO da Douta Sentença proferida em processo coMatosinhos-J3
…………………………………………………
…………………………………………………
…………………………………………………
A este recurso respondeu o M.P. a fls. 536 e ss, pugnando pela sua improcedência.
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra a folhas 547 e ss, pugnando pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.
Matéria de Direito.
Contradição entre factos provados e não provados - (vicio do erro notório na apreciação da prova).
Errado enquadramento legal dos factos, pugnando pela condenação.

Matéria de facto.
B- Erro no julgamento da matéria de facto, pugnando pela condenação.

Do enquadramento dos factos.
1.
2.1.1. Factos Provados
Discutida a causa, e com interesse para a sua decisão, provou-se que:
a) Assistente e arguido contraíram casamento no dia 23 de Fevereiro de 2000 e divorciaram-se no dia 23 de Janeiro de 2017.

b) Tem 2 filhos em comum, nascidos em 1999 e 2001.
c) Desde Junho de 2014 arguido e assistente deixaram de fazer vida em comum, cessando qualquer tipo e contacto, não partilhando despesas nem mantendo diálogo, embora continuassem a residir na mesma casa, propriedade do arguido (sita na Estrada Exterior da Circunvalação, Matosinhos).
d) Nesse contexto e desde aquela data, a ofendida passou a ocupar a suite do casal, onde se fechava e passava a quase totalidade do tempo em que estava no imóvel, embora o arguido passasse a exigir à ofendida que abandonasse a casa.
e) A assistente não se sentia obrigada a sair do imóvel nem dele saiu de facto, até Agosto de 2016, uma vez que ali havia criado os seus filhos e passado parte da sua vida.
f) A ofendida, nascida em Setembro de 1965, reformara-se antecipadamente em 2001, aquando do nascimento do filho mais novo, por opção sua, para se dedicar exclusivamente á família.
g) A ofendida decidiu deixar a casa de morada de família até ao dia 15 de agosto de 2016, o que comunicou em requerimento datado de 18 de Julho de 2016 ao incidente de atribuição da casa de morada de família que corria termos sob o n.º 944/16.8T8MTS no tribunal de Família e Menores de Matosinhos.
h) Pouco antes das 24 horas do dia 13 de Agosto de 2016, quando procurava entrar naquela que era a sua residência, a assistente viu-se impedida de o fazer em virtude de a fechadura ter sido mudada pelo arguido e a própria não ter batido à porta.
i) A assistente já sabia que tal fechadura havia sido mudada, porquanto pelas 15h 56 m desse dia 13 havia recebido no seu telemóvel mensagem do arguido com o seguinte teor “Mudei a fechadura da porta da rua. Tens “livre trânsito”até ao dia 15 próximo às 24h como combinado (tribunal), bastando para tal bateres à porta. Agradeço que saias até ao dia indicado. Obrigado.”, mensagem essa que a ofendida até já havia comunicado às autoridades policiais, pelas 22h 36m desse dia 13, quando se deslocou à esquadra, onde também informara que depois de receber a mensagem se deslocara ao domicílio e constatara que a sua chave já não abria a fechadura (apurado em audiência).
j) Não obstante, a arguida voltou à residência, como descrito em h) e chamou a polícia ao local, tendo-se ali deslocado pelo menos dois agentes da PSP.
k) Pelas 00h 05m do dia 14 de Agosto o arguido pediu aos agentes que entrassem na residência.

l) Os dois filhos do casal estavam em casa, na ocasião, como a ofendida sabia.
m) O arguido ficou exaltado com a situação e, em agitação verbal, manifestou a sua indignação com a morosidade da justiça, referindo-se ao processo de divórcio e apensos que pendiam no Tribunal de Família de Matosinhos (o proc. 773/14.3T8MTS, de divórcio fora instaurado pelo arguido em 2014).
n) Nesse contexto, e na presença dos agentes da autoridade, o arguido disse para a assistente “esta psicopata roubou-me toda a vida e quer-me continuar a roubar, mas de mim não verá mais nada”

Da contestação
o) O arguido proferiu as palavras descritas em n) como um desabafo, no contexto descrito em m) e p) e seguintes.
p) De facto, o divórcio entre arguido e assistente foi conturbado e conflituoso, com múltiplas diligências no tribunal, o que sucedeu igualmente nos apensos de regulação do poder paternal.
q) Foi apresentada queixa crime pela ofendida contra o arguido, por violência doméstica, sendo que o processo em causa (1719/14.4PBMTS), que continha múltiplos aditamentos foi arquivado em Janeiro de 2016, e depois foi objecto de despacho de não pronúncia.
r) Os filhos do casal residem com o pai, a quem foi atribuído o poder paternal, e não falam com a mãe desde bem antes da sua saída da residência comum, por decorrência da situação descrita.
s) O arguido apresentou queixa crime contra a ofendida, pela apropriação indevida de jóias que pertenciam a si e aos filhos, ocorrida em 2015, o que deu origem ao processo 1054/15.0PBMTS.
t) Após a realização da audiência de julgamento nesses autos, com a produção de prova, mas antes da leitura da sentença, marcada para 17 de Maio de 2018, os bens em causa foram devolvidos pela ofendida ao aqui arguido, que por isso consentiu na extinção do procedimento criminal.
2.1.2 - Factos não provados:
1. Tenha sido o descrito em f) que permitiu ao arguido progredir na sua carreira profissional.
2. A ofendida, em 14 de Agosto pelas 00h 05 m tenha sido forçada a solicitar ao arguido que a deixasse entrar em casa.
3. A ofendida sempre tenha pautado a sua vida por uma total rectidão, educação e honestidade.
4. O arguido, com as expressões descritas em n) tenha ofendido a assistente no mais íntimo do seu ser e esta se tenha sentido vexada e humilhada.
5. O arguido soubesse que a assistente não lhe tinha subtraído quaisquer bens e estivesse ciente de que a ofendida não padecia que qualquer psicopatia.
6. O arguido tenha agido com o propósito de ofender a honra e consideração da assistente e lançar sobre ela acusações que sabia serem falsas, imputando-lhe ainda juízos ofensivos da sua honra e consideração.
7. A assistente sempre tenha sido uma mãe exemplar e atenciosa, sacrificando a carreira em prol da família, beneficiando de elevada consideração dos seus familiares e amigos e sendo reputada como exemplo de resiliência e dedicação por outras mães.
8. A ofendida se tenha sentido também constrangida e humilhada por as expressões referidas em n) serem audíveis para os seus filhos.
9. A ofendida sinta pesado estigma por força do descrito e se tenha tornado pessoa mais fechada, temerosa e circunspecta.
10. A ofendida tenha sido expulsa da casa onde criou os filhos até á adolescência e nada tenha “roubado”.
11. A ofendida tema que o arguido reincida na sua conduta.
Da contestação.
12. A presença dos agentes da autoridade na casa do arguido, referida em j) se tenha destinado a evitar que a arguida dali levasse coisas que não lhe pertenciam.
13. A ofendida tenha retirado da casa do arguido um armário que não lhe pertencia.
Os demais factos descritos na acusação particular, no seu ponto 11 não integram o objecto destes autos, circunscrito a crimes particulares de injúria e difamação, uma vez que nenhuma das expressões ali referidas (vou dar cabo de ti até ao fim, hei-de pôr-te de rastos, vou-te tirar tudo) tem qualquer conexão com injúria ou difamação, tendo sido apreciados no despacho final destes autos, no enquadramento de crime de ameaça, e determinado o seu arquivamento, como de fls. 252 e seguintes consta.
2.1.3 – A convicção do Tribunal
…………………………………………………………..
…………………………………………………………..
…………………………………………………………..
Conhecendo.

Quanto aos vícios previstos no art. 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal, todos eles têm forçosamente, como decorre do texto do corpo do n.º 2, que resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas ou documentos juntos durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento – cfr. Ac. STJ de 19-12-90, citado por Maia Gonçalves em anotação a este artigo.
Tais vícios são intrínsecos à própria decisão considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais.
No tocante a todos os vícios previstos no nº2 do artº 410º do CPP, já a respetiva existência tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida.
Alega a recorrente que existe um contradição entre os factos dados como provados e não provados.
No seu dizer “Analisada e interpretada a decisão quanto à matéria de facto, desde logo de excogitam incompatibilidades entre alguns factos dados como provados e outros dados por não provados.
IV. A matéria das als. h) e i) dos factos provados é incompatível com a decisão de se dar como não provada a matéria do ponto 2. dos factos não provados. Consequentemente, deverá dar-se como provada a matéria constante de facto não provado n.º 2, i.e., que “[a] ofendida, em 14 de Agosto pelas 00h05m tenha sido forçada a solicitar ao arguido que a deixasse entrar em casa.”
Ora tal situação a ocorrer poderá configurar um situação de vício do Nos termos do artigo 410.º, n.º 2, c), do C. P. P. é também fundamento de recurso o erro notório na apreciação da prova.
Este erro é aceite como aquele em que incorre o tribunal de modo ostensivo, evidente aos olhos de um observador comum, patente a esse homem de formação média – Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 3.º volume, página 326, e por exemplo, Ac. da R. Coimbra de 17/12/2014, www. dgsi.pt -.
Ora, a violação de análise de regras de experiência poderia ser um dos motivos para sustentar um tal erro no sentido de que o tribunal valorava regras de experiência que entendia como existentes quando afinal não existiam ou valorava tais regras existentes num sentido contrário àquele que as mesmas determinavam.
O erro notório na apreciação da prova consiste num desacerto evidente e objetivamente percetível por todos, de acordo com as regras gerais da experiência; isto é, a decisão dá como provadas circunstâncias ou factos, que notoriamente não poderiam ter acontecido dessa forma. Trata-se de um erro de raciocínio percetível no próprio texto da decisão que consiste em dar como provado ou como não provado determinado facto contrariando as regras da experiência ou da lógica – intolerância lógica.
Por outro lado, do corpo do art. 410º do C.P.P. resulta inequívoco que para ser atendível, deve resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum». Ou seja, o vício há-de ressaltar do próprio contexto da sentença, não sendo permitida, neste âmbito, a consulta de outros elementos constantes do processo de onde esse vício se possa evidenciar.
Ora, a análise da decisão recorrida, parcialmente transcrita supra, não revela este vício, encontrando-se logicamente estruturada em premissas que conduzem às conclusões que foram extraídas.
Se não vejamos.
O tribunal recorrido entendeu que se provou:
h) Pouco antes das 24 horas do dia 13 de Agosto de 2016, quando procurava entrar naquela que era a sua residência, a assistente viu-se impedida de o fazer em virtude de a fechadura ter sido mudada pelo arguido e a própria não ter batido à porta.
i) A assistente já sabia que tal fechadura havia sido mudada, porquanto pelas 15h 56 m desse dia 13 havia recebido no seu telemóvel mensagem do arguido com o seguinte teor “Mudei a fechadura da porta da rua. Tens “livre trânsito” até ao dia 15 próximo às 24h como combinado (tribunal), bastando para tal bateres à porta. Agradeço que saias até ao dia indicado. Obrigado.”, mensagem essa que a ofendida até já havia comunicado às autoridades policiais, pelas 22h 36m desse dia 13, quando se deslocou à esquadra, onde também informara que depois de receber a mensagem se deslocara ao domicílio e constatara que a sua chave já não abria a fechadura (apurado em audiência).
E deu como não provado:
2. A ofendida, em 14 de Agosto pelas 00h 05 m tenha sido forçada a solicitar ao arguido que a deixasse entrar em casa.
Ora, a nosso ver inexiste qualquer contradição entre aqueles fatos provados e não provados no sentido que lhe pretender dar a recorrente. Bastava-lhe que batesse à porta para aceder à casa. Ou seja, a assistente continuava com possibilidade de aceder à casa, bastando-lhe apenas bater à porta. Portanto, ela não foi forçada a pedir ao arguido para poder entrar em casa. Tinha livre-trânsito. Apenas não tinha a chave de casa por o arguido ter mudado a fechadura em preparação para o que anteriormente havia sido combinado noutra sede com a assistente de que abandonaria a casa no dia 15 de agosto.
Nesse mesmo sentido a motivação da Srª juíza a quo “Considerou-se depois as declarações do arguido, que confirmou o que consta em a) a d), f), confirmou ter mudado a fechadura antes de 15 de Agosto, porque iria de férias e o chaveiro também não se podia deslocar ali nesse dia, pelo que a mudou a 13 mas avisou a ofendida por mensagem, como resulta de fls. 28 e 58, sendo que esta não tocou à porta para entrar, optando por chamar a polícia.”
“A ofendida sabia que a fechadura fora mudada, reportara-o á polícia, mas ainda assim decidiu esperar até perto do meia noite para se deslocar à casa e chamar as autoridades por alegadamente não poder entrar. Sem ter tentado que a porta lhe fosse aberta (o que a ofendida não desmentiu) e tudo embora os filhos estivessem em casa, que era a casa onde moravam.”
O sentido dos factos não provados em causa refere-se a situação anómala de mudança de fechadura sem qualquer tipo de aviso, obstrução tout court de acesso à casa que impusesse reação da recorrente a ter que se humilhar e a forçar a sua entrada com recurso a expedientes impositivos de abertura da porta. O que não foi seguramente o caso.
Assim, e quanto a este fundamento não assiste qualquer razão ao recorrente, não denotando também a sentença qualquer dos outros vícios previstos no citado art. 410º do CPP.

Da impugnação da matéria de facto.

Da análise da motivação e conclusões do recurso indicia-se que o que a recorrente pretende é a reapreciação da prova produzida em julgamento e considera que alguns factos terão sido considerados assentes com base em erro de julgamento e errada valoração da prova.
Porém, o art. 412º nº3 do CPP dispõe: «Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto. O recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
Acrescenta-se no seu n.º 4 que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do nº2 do art. 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»
Os tribunais da Relação conhecem de facto e de direito nos termos do disposto no art. 428 do CPP.
Porém, o modelo de recurso em processo penal português não é o da repetição do julgamento, mas da sindicância do juízo decisório da matéria de facto efetuado pela primeira instância, no sentido de verificar-se se houve ou não erro de julgamento na apreciação/valoração das provas.
A impugnação da matéria de facto há de traduzir-se, pois, na indicação dos pontos incorretamente julgados e na indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, isto é, das razões da discordância que não corroboram o raciocínio lógico-analítico que formou a convicção do tribunal.
Ora, no caso concreto em análise a recorrente embora especifique os pontos concretos em que acha que o tribunal decidiu mal não indica as provas que impõem decisão diversa ou que contrariem o senso comum e as regras da experiência, limitando-se a divergir opinião diversa, querendo sustentar uma versão diferente da encontrada pelo tribunal a quo.
Ora, a matéria de facto tem vários itens, pelo que, sem saber a que provas em concreto impõem versão diferente da do tribunal, fica o tribunal de recurso sem possibilidade de verificar onde se produziu o aludido erro de julgamento.
Torna-se evidente que a recorrente está em divergência com a forma como o tribunal formou a sua convicção atento que na sua argumentação da sua motivação de recurso se refere expressamente à divergência com análise crítica da matéria de facto.
No entanto atenta a regra da livre apreciação da prova prevista no art. 127ºdo CPP tal divergência, torna-se insindicável, deste que o tribunal recorrido explicite e fundamente o seu raciocínio de forma lógica e não contrariada por regras da experiência, como fez no caso concreto.
Na verdade, o juízo de valoração sobre a suficiência ou insuficiência de prova para a decisão de facto que concretamente foi proferida pela sentença em recurso, resulta da convicção do Julgador e das regras da experiência.
A credibilidade, em concreto, de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do Julgador e a sua aplicação concreta, apenas poderá ser questionada caso careça de razoabilidade, já que, o Julgador, em primeira instância, apreende os meios de prova com imediação e valora uns em detrimento de outros sempre com o objetivo de perseguir a “verdade material”.
Ao tribunal de recurso cabe nesta matéria analisar o relato efetuado pelo juiz de primeira instância e controlar a sua plausibilidade, ou seja, a verosimilhança do raciocínio explanado na sentença com o sentido comum.
Tudo visto e ponderado, nenhuma censura nos merece a decisão sobre a matéria de facto e o juízo critico da prova que foi efetuado pelo tribunal recorrido devidamente explanado na motivação e constituindo uma versão possível e lógica da qual o tribunal recorrido se convenceu e indicou as razões pelas quais assim procedeu, cumprindo inteiramente com o poder-dever de fundamentação exigido pelo disposto no art.374º nº 2 do CPP de forma a possibilitar o respetivo controlo por este tribunal de recurso.
Diz a recorrente que a Srª Juíza não podia ter concluído que ofendida não tenha sempre pautado a sua vida por uma total retidão, educação e honestidade, para o que foi decisiva a matéria constante dos factos s) e t).
E que mal andou o Tribunal a quo, porquanto não se pode afirmar que o facto de o aqui Arguido ter apresentado queixa-crime contra a Recorrente por “apropriação indevida de jóias ” e de esta, antes da leitura da sentença, ter devolvido esses bens, desminta as suas qualidades éticas (facto provado s), ou demonstre se tenha apropriado dolosamente de bens do Arguido ou de quem quer que seja.
Ora, a Srª juíza fez a sua explicação e a mesma não contraria as regras da experiência, quando afirmou “Esclareceu que o processo de separação foi penoso e demorado, sendo que muitas diligências não se realizavam por falta de comparência da ofendida, que esteve 2 anos a morar na suite da casa do casal, onde se trancava, o próprio ficou no escritório, teve 27 participações criminais contra si, todas arquivadas, algumas relacionadas com os filhos, que se foram afastando da mãe. Disse que no dia em causa, cansado das múltiplas vezes em que a arguida chamara a polícia e das múltiplas queixas que apresentara contra si, excedeu-se, até porque a ofendida cultivava a imagem de vítima que não era, sendo certo que a sequência dos acontecimentos descrita em h), i) e j) denota, na verdade, um intuito de alguma teatralidade e vitimização. A ofendida sabia que a fechadura fora mudada, reportara-o á polícia, mas ainda assim decidiu esperar até perto do meia noite para se deslocar à casa e chamar as autoridades por alegadamente não poder entrar. Sem ter tentado que a porta lhe fosse aberta (o que a ofendida não desmentiu) e tudo embora os filhos estivessem em casa, que era a casa onde moravam.”…” Disse, porém, que não recebeu mensagem nenhuma do arguido a falar de mudança de fechaduras, até porque o tinha bloqueado no seu telemóvel, que o que recebeu foi contacto da sua Advogada a dar-lhe conta dessa situação. Deve a arguida ter-se esquecido que ela própria fora à polícia reportar a mensagem que recebera do arguido e o que demais consta em i). Disse que foi posta de casa e que foi o tribunal que decidiu que sairia a 15 de Agosto, também fazendo tábua rasa do que consta a fls. 44.”…” Quanto aos demais factos não provados, para além do supra referido, há que considerar que o facto s) e t) desmentem as elevadas qualidades éticas da assistente, sendo que o próprio processo de separação, com a arguida a permanecer largo tempo numa casa onde não era bem vinda, sem contar com o afecto dos filhos e com um casamento desfeito não denota também total rectidão mas vontade de causar o máximo de perturbação.”…” Mas se os filhos cortaram o contacto com a mãe, e já o faziam desde antes de 2016, sendo que residem com o pai, dificilmente se poderia assentar o que consta em 7, sendo que também há que notar que a ofendida decidiu agir pela forma que consta em h), i) e j) mesmo sabendo que os filhos estavam em casa, portanto que veriam o seu sossego perturbado.”
Quanto ao demais, na verdade o arguido sabia da apropriação das joias pela ofendida, pelo que é legítimo que pensasse que a assistente as tinha “roubado.”
Ainda relativamente à questão da apropriação de joias. Indubitavelmente também não abona a favor da recorrente, já que tendo evitado eventual condenação, com a sua restituição em pleno processo, temos desde já por certo que as tinha na sua posse e sabia não poder tê-las consigo, tendo-as restituído. E só fez já depois da audiência de julgamento do processo atinente, o que parece ter revelou relutância, não obstante a desculpa apresentada que é desconforme às regras da experiência, já que objetos em ouro, pela sua natureza mais valiosa, não desaparecem e aparecem sem mais.
Por sua vez, toda a situação de “guerra familiar” e perturbação constante, permite seguramente concluir da falta de qualidades pessoais que justificaram quer a motivação quer os factos não provados a propósito.
Alega ainda a recorrente que se deveria ter dado como provado o ponto 4º dos factos não provados - “ O arguido, com as expressões descritas em n) tenha ofendido a assistente no mais íntimo do seu ser e esta se tenha sentido vexada e humilhada.”
O ponto n dos factos provados refere: “Nesse contexto, e na presença dos agentes da autoridade, o arguido disse para a assistente “esta psicopata roubou-me toda a vida e quer-me continuar a roubar, mas de mim não verá mais nada”.
Justificação da pela juíza a quo: “Instada a descrever o que ouviu do arguido no dia em causa, remeteu para os escritos. Apenas foi capaz de aludir ao pôr de rastos, tirar tudo, ficar sem nada. Nada mais lhe veio à memória, designadamente o que consta em n).
Depôs de forma confusa, pouco explicativa e contradizendo as suas próprias acções anteriores.”
(…) “Acresce que a ofendida, em audiência, nem se recordou das expressões referidas em n). E se a tivessem marcado tanto, como alegou, jamais se esqueceria do que tinha sido dito e tanto a tinha magoado. Ademais, a própria ofendida apelidou o arguido de “maluco” em audiência, pelo que é natural que nem tenha retido o que consta em n), que considerará uma palavra como outra, sem ser entendida no seu teor literal.”
A explicação está dada e nada se nos aduz referir em acrescento, pois se a própria não se recordava das expressões usadas, como pode ter ficado marcada pelas mesmas?
Nenhuma prova foi produzida a este respeito. Os próprios agentes viram a utilização daquelas expressões como um desabafo, não reportando qualquer reação da recorrente às mesmas. Se é certo que num litígio são proferidas expressões amiúde e que nem sempre é fácil relembra-las e localizá-las no tempo, as regras da experiência indicam-nos que aquelas que mais nos indignam e enxovalham são recordadas e mantidas na memória. O que não foi o caso e sendo assim a Srº juíza concluiu bem.

Os tribunais da Relação conhecem de facto e de direito nos termos do disposto no artº 428º do CPP.
Porém o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio jurídico, um expediente jurídico que visa colmatar erros do julgamento feito pela 1ª instância.
Na verdade, fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância; não se procura encontrar uma nova convicção, mas apenas verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso. Ao tribunal de recurso cabe apenas “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração”. Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253.
Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados. Com efeito, no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, No sentido apontado, veja-se o Decisão desta Relação, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.
Para consubstanciar a motivação de recurso alegam os recorrentes a discordância por si manifestada relativamente ao resultado interpretativo da prova produzida em julgamento pelo Tribunal a quo.

Nenhuma razão assiste, pois, à recorrente, sendo o presente recurso manifestamente improcedente nesta matéria.

Analisada a sentença recorrida constata-se que a mesma não padece de erro de apreciação da prova.

O recorrente limita-se a impugnar a convicção do julgador em contraposição com a convicção que ele próprio adquiriu, pondo em causa o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Mas o dissentimento dos recorrentes situa-se no domínio da credibilidade dada pelo Tribunal ao depoimento do assistente, dando pouco enfase aos demais depoimentos e prova documental.
A opção entre dois depoimentos contrapostos é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento; uma decisão pessoal possibilitada pela sua atividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais. Refere Figueiredo Dias (In Direito Processual Penal, I, 1974, p. 204) que a decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais”.
O tribunal de recurso apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou o abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha (Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 140 e ss.158-9.)
Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reações imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Não significa isto, no entanto, que não haja limites à discricionaridade do julgador, pois o art. 127.º, do Código de Processo Penal indica, desde logo, um limite: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.
Não é, pois, decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas diretas e cabais do seu envolvimento nos factos. Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.
Por outro lado, o tribunal de recurso só pode modificar a convicção do julgador quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum.
O Supremo Tribunal de Justiça, não afastando totalmente a sindicabilidade da credibilidade atribuída aos depoimentos, afirma: «(1) - A obrigatoriedade da indicação na sentença de provas que serviram para o Tribunal formar a convicção tem por fim e por justificação habilitar o Tribunal ad quem a averiguar se as provas a que o Tribunal a quo atendeu são, ou não, permitidas por lei e garantir que os julgadores seguiram um processo lógico e racional na apreciação da prova, não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum. (2) - Para que tal sindicância seja possível é imprescindível que se especifiquem não só os meios concretos de prova, mas também as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, com expressa menção da razão de ciência das testemunhas, nomeadamente para controlo dos chamados depoimentos indirectos, vozes públicas e convicções pessoais.» (AcSTJ de 02/12/1998, Processo nº 714/98).
O juiz deve, pois, ter uma atitude crítica de “avaliação da credibilidade do depoimento” não sendo uma mera caixa recetora de tudo o que a testemunha (ou também o arguido) disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber. E, para se impugnar essa credibilidade, não basta procurar substituir a visão do Tribunal recorrido pela visão subjetiva de quem recorre, tornando-se necessário demonstrar que foram, então e aí, violadas as regras de experiência e a lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, objetivando as razões da discordância.
Ora, e voltando ao caso sub judice, refere-se expressamente na douta sentença qual a prova em que a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, se alicerçou, quer quanto à prova testemunhal, quer quanto à prova pericial. E também ali se refere a prova apresentada em audiência pelos recorrentes, qual o seu teor, tendo-se explicado cabal e convincentemente as razões pelas quais o Tribunal se acreditou na versão dos factos trazida a juízo e assente na sentença - conjugada com o exame pericial junto aos autos.
Face ao exposto, concatenando a prova testemunhal, documental, impõe-se concluir que a factualidade provada enão provada questionada se encontra suficientemente sustentada nos elementos probatórios produzidos em sede de audiência e constantes dos autos. A Meritíssimo Juiz a quo realizou uma correta e ponderada análise crítica da prova, fundamentando a apreciação de todos os elementos probatórios, em estrito respeito pelo princípio da livre apreciação da prova plasmado no art. 127 do Código Civil.
Por conseguinte, a sentença proferida em primeira instância não merece qualquer censura.
Ou seja, a decisão recorrida elucida sobre as razões que moveram o Tribunal ao dar credibilidade a uma versão dos factos em detrimento da outra. E fá-lo de forma congruente e lógica, o que afasta o espectro da arbitrariedade que poderia fundar uma impugnação e a que a recorrente se reporta nas suas alegações de recurso.
É oportuno lembrar, a este propósito, o seguinte aresto do Supremo Tribunal de Justiça: «10 - A garantia de legalidade da "livre convicção" a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efetuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.
11 - Esta forma de interpretar e aplicar o princípio da livre convicção, porque arredando a possibilidade de arbítrio, permite um mínimo de controlo - porventura o possível - sobre o processo de formação da convicção do tribunal, pelo que não fere o texto constitucional, mormente o princípio de presunção de inocência com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
12 - O princípio da livre apreciação - que contém sempre uma certa margem de intervenção pessoal do juiz - essa garantia de legalidade terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo de formação da convicção, de forma a ficar claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção (possibilitando a partir daí o necessário controle da sua legalidade), como também o processo lógico que a partir dele o tribunal E quando se trata de usar as regras da experiência e da vida, obviamente que tal uso se tem de haver como pressuposto de todo e qualquer julgamento de um homem por outro ou outros, pelo que seria, no mínimo, excessivo, exigir a torto e a direito, menção expressa feita de tal uso, a explicar que o tribunal tenha dado por provados factos a que porventura ninguém tenha assistido (AcSTJ de 11/11/2004, proc. n.º 3182/04-5).»
A credibilidade de um depoimento não se mede pelo número de pessoas que repete o seu conteúdo, como pretendem fazer valer os arguidos.
E é nas pequenas coisas que o Juiz (neste caso, do julgamento) tem que perceber o que de facto se passou.
Assim, e sendo notório e evidente que a prova produzida em audiência de discussão e julgada foi bem apreciada e conjugada à luz das regras da experiência comum, devidamente cotejada com os relatos ali produzidos, entendemos que nenhum reparo se nos merece a factualidade considerada demonstrada na douta sentença recorrida.
O tribunal de recurso só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos de erro na apreciação da prova. Mesmo quando o recurso verse sobre o erro de julgamento, o Tribunal superior não procede a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, limitando-se antes a fazer o reexame dos erros de julgamento que tenham sido referidos no recurso.
In casu, a recorrente, para além de pretender a realização de um novo julgamento pelo Tribunal de recurso, faz uma apreciação diferente da prova produzida em audiência, impugnando a convicção adquirida pelo tribunal “a quo”.
Ao contrário do alegado pelo recorrente, a sentença não nos merece qualquer reparo, entendendo-se que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e conjugada com os documentos constantes dos autos foi corretamente apreciada.
Entendemos que a fundamentação de facto é bastante clara e exaustiva sobre a forma conjugada como todas as provas foram examinadas e apreciadas e ainda demonstrativa das razões de ciência que conduziram à formação da convicção do Tribunal em ordem à decisão sobre a matéria de facto.
Da análise dos elementos de prova de que o tribunal se baseou para formar a sua convicção, expressamente referidos na motivação, não resulta que o tribunal tenha apreciado arbitrariamente a prova produzida ou que tenha incorrido em qualquer erro lógico.
Não existiu por parte da Exmo. Sr.ª Juiz qualquer apreciação arbitrária ou discricionária da prova, mas uma apreciação objetivada, motivada, com observância das regras da experiência comum, utilizando-se como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos e perfeitamente percetíveis à generalidade das pessoas.

O que ressalta da motivação é que a recorrente tem opinião diversa do tribunal recorrido no que respeita à análise e valoração da prova.
A recorrente não concorda com a valoração e a apreciação da prova feita pelo tribunal, mas é a esta entidade que tem competência para o efeito.
Ora, a decisão, explícita claramente qual o processo seguido para formar a convicção do tribunal recorrido.
A Recorrente com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto visa o vencimento da sua versão dos factos, mormente daqueles que possam alterar a convicção do Tribunal no que se refere aos elementos do tipo legal do crime imputado, no sentido da impetrada condenação.
Ou seja, o que está em causa no presente recurso mais não é do que a discordância da Recorrente com a factualidade dada como provada e não provada na versão do Tribunal fundamentada na livre apreciação da prova produzida na oralidade e imediação da audiência, moldada nas regras da experiência comum de acordo com o disposto no art. 127º do CPP, assim determinando que o arguido fosse condenado na prática dos crimes imputados.
Sendo assim de concluir que, com o recurso nos moldes em que o fez tem em mira a reapreciação da prova produzida, qual novo julgamento pelo Tribunal ad quem, no intuito de lograr vencimento de decisão diversa da recorrida, mas não é seguramente esse o escopo final do recurso da decisão sobre a matéria de facto estruturado nos termos do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP.
Cita-se, a propósito, o Ac. TRC de 28/01/2015 (proc. Nº 11/13.6PBCVL.C1):
“I – O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal da 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova.
II – O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1ª instância pura e simplesmente não tivesse existido”.
Também no Ac. TRP de 26/11/2008 (in RLJ, ano 139º, nº 3960, págs. 176 e ss.), consta o seguinte entrecho: Tribunal da Relação do Porto 1ª Secção “O recurso da decisão sobre a matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. …”.
Não enferma, assim e em nosso entender, decisão recorrida dos vícios imputados no recurso, antes revelando na respetiva fundamentação, quer na enumeração dos factos provados e não provados, quer no que toca à apreciação e integração da prova produzida e respetiva análise crítica, um raciocínio lógico, verosímil, credível e convincente, com respeito do ordenamento jurídico atinente e das regras de experiência comum, pelo que deve ser confirmada.

Não se oferecem dúvidas quanto ao modo de formação da convicção do Tribunal, que se mostra, assente num processo lógico, face à prova produzida em audiência e documental, sem erros de julgamento, em conformidade com o disposto no artº 127º do CPP. Coisa diferente é a convicção do Tribunal não coincidir com a do recorrente, mas tal diferença não invalida aquela, porque a solução encontrada não é como já afirmado contrariada pelas regras da experiência, ou por prova vinculada.
Na verdade, como elucidativamente, se escreve no decisão do STJ de 21/03/2003, proc. 02ª4324, relator Conselheiro Afonso Paiva,
“ A admissibilidade da respectiva alteração (referência à matéria de facto) por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram ) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado.
c) Apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.

A prova apresentada pela recorrente não impõe outra versão.
Última palavra para referir que muito embora a Srª Juíza a quo pudesse ter mencionado todas as expressões usadas pelo arguido naquela noite, para elucidação do contexto, não as retratando justificando que não faziam parte do objeto deste processo, o certo é que em face dos factos dados por assentes, deles pode-se extrair por si só o estado emocional do arguido, tanto mais que o mesmo admitiu as expressões constantes da al. n) dos factos provados dos autos, pelo que, no caso, as demais seriam inócuas ao thema decidendum.
Divergência da recorrente quanto integração jurídica dos factos.

Do enquadramento jurídico.
“I) A assistente já sabia que tal fechadura havia sido mudada, porquanto pelas 15h 56 m desse dia 13 havia recebido no seu telemóvel mensagem do arguido com o seguinte teor “Mudei a fechadura da porta da rua. Tens “livre trânsito”até ao dia 15 próximo às 24h como combinado (tribunal), bastando para tal bateres à porta. Agradeço que saias até ao dia indicado. Obrigado.”, mensagem essa que a ofendida até já havia comunicado às autoridades policiais, pelas 22h 36m desse dia 13, quando se deslocou à esquadra, onde também informara que depois de receber a mensagem se deslocara ao domicílio e constatara que a sua chave já não abria a fechadura (apurado em audiência).
j) Não obstante, a arguida voltou à residência, como descrito em h) e chamou a polícia ao local, tendo-se ali deslocado pelo menos dois agentes da PSP.
k) Pelas 00h 05m do dia 14 de Agosto o arguido pediu aos agentes que entrassem na residência.
l) Os dois filhos do casal estavam em casa, na ocasião, como a ofendida sabia.
m) O arguido ficou exaltado com a situação e, em agitação verbal, manifestou a sua indignação com a morosidade da justiça, referindo-se ao processo de divórcio e apensos que pendiam no Tribunal de Família de Matosinhos (o proc. 773/14.3T8MTS, de divórcio fora instaurado pelo arguido em 2014).
n) Nesse contexto, e na presença dos agentes da autoridade, o arguido disse para a assistente “esta psicopata roubou-me toda a vida e quer-me continuar a roubar, mas de mim não verá mais nada”

Da contestação
o) O arguido proferiu as palavras descritas em n) como um desabafo, no contexto descrito em m) e p) e seguintes.
p) De facto, o divórcio entre arguido e assistente foi conturbado e conflituoso, com múltiplas diligências no tribunal, o que sucedeu igualmente nos apensos de regulação do poder paternal.
q) Foi apresentada queixa crime pela ofendida contra o arguido, por violência doméstica, sendo que o processo em causa (1719/14.4PBMTS), que continha múltiplos aditamentos foi arquivado em Janeiro de 2016, e depois foi objecto de despacho de não pronúncia.
r) Os filhos do casal residem com o pai, a quem foi atribuído o poder paternal, e não falam com a mãe desde bem antes da sua saída da residência comum, por decorrência da situação descrita.
s) O arguido apresentou queixa crime contra a ofendida, pela apropriação indevida de jóias que pertenciam a si e aos filhos, ocorrida em 2015, o que deu origem ao processo 1054/15.0PBMTS.
t) Após a realização da audiência de julgamento nesses autos, com a produção de prova, mas antes da leitura da sentença, marcada para 17 de Maio de 2018, os bens em causa foram devolvidos pela ofendida ao aqui arguido, que por isso consentiu na extinção do procedimento criminal.”

Com base no facto n) diz a recorrente que foram preenchidos os tipos legais de difamação e injúria dos arts 180º e 181º do C.P.
Artigo 180º
Difamação
1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 – A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa-fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.

A propósito do crime de injúria dispõe o n.º 1 do artigo 181.º, do Cód. Penal «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com ena de multa até 120 dias».
Em causa está o direito ao bom nome e reputação que consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem.
Na lição do Prof. Beleza dos Santos, «a honra refere-se ao apreço de cada um por si, à autoavaliação no sentido de não ter um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração, ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos, de o não julgar um valor negativo» (em «Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria», na Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), ano 92.º, pág. 166) – vale por dizer que o bem jurídico honra traduz uma presunção de respeito, por parte dos outros, que decorre da dignidade moral da pessoa, sendo o seu conteúdo preenchido, basicamente, pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.
São elementos constitutivos deste tipo legal de crime: Injuriar outrem; Dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração; O dolo, em qualquer das suas formas.
“Injúria é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo, ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao próprio visado. O bem jurídico lesado pela injúria é, prevalentemente, a chamada honra subjetiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal.”
“Honra «é a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à retidão, à lealdade, ao carácter...». Consideração é «o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspeto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros».
Por outras palavras pode dizer-se que a honra é a dignidade subjetiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui. Diz assim respeito ao património pessoal e interno de cada um - o próprio eu. A consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objetiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão - a opinião pública.”
Como escreve JOSÉ DE FARIA COSTA “...entre nós, BELEZA DOS SANTOS: “a lei não exige, como elemento do tipo criminal, em nenhum dos casos, um dano efetivo do sentimento da honra ou da consideração. Basta, para a existência do crime, o perigo de que aquele dano possa verificar-se.”
A linha essencial da distinção entre a difamação e injúria reside no facto de o ataque ser direto à pessoa do ofendido, sem intermediação, no caso da injúria, ou ser feito de forma enviesada, indireta, através de terceiros, no caso da difamação.
No crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do CP, o bem jurídico protegido com a incriminação é a honra e consideração, tal como acontece no crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do CP.
De um modo geral, os autores distinguem entre uma conceção subjetiva ou interna da honra (o sentimento de estima por si próprio ou, ao menos, de não desestima, o sentimento de dignidade própria, o conceito que cada um faz das suas próprias qualidades morais) e uma conceção objetiva ou externa, traduzida no apreço e respeito ou, pelo menos, na não desconsideração de que somos objeto; a reputação e boa fama, isto é, a consideração que merecemos, graças ao património moral que, com esforço próprio, fomos construindo, impondo-se à consideração dos outros.
Tanto no caso da honra em sentido subjetivo, como objetivo, a lei não protege, de uma banda, os sentimentos exagerados de amor-próprio e da outra, o exclusivo valor que a opinião pública consagra a uma determinada pessoa e que pode não corresponder à sua real valia. Como, por outro lado, tutela a honra mesmo em relação a pessoas que não têm capacidade para sentir a ofensa ou das pessoas que não têm sentido de autoestima e, em sentido inverso, de pessoas que não gozam dos favores da admiração pública. Assim, Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal, Rio de Janeiro, 1956, vol. 6.º, 3.ª ed., págs. 36 e ss.; Beleza dos Santos, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria, RLJ, ano 92, n.º 3152, págs. 152 e ss.; Alberto Borciani, As ofensas à honra, Coimbra, Arménio Amado Editor, 1950, págs. 13 e ss.; Vincenzo Manzini, Trattato di Diritto Penale, Turim, 4.ª ed., tomo 8.º, págs. 475 e ss..
Numa conceção simultaneamente mais moderna e mais elaborada, não devem prevalecer neste domínio conceções puramente fácticas da honra (sejam elas subjetivas ou objetivas), mas uma conceção predominantemente normativa, temperada por uma conceção fáctica, em que se atenda ao valor da personalidade moral radicado na dignidade inerente a toda a pessoa humana, mas também à reputação de que goza determinada pessoa (cf. Faria e Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, págs. 602 e ss.).

O elemento subjetivo vem a traduzir-se na vontade livre de praticar o ato com a consciência de que as expressões utilizadas são idóneas a ofender a honra e consideração alheias e que tal ato é proibido por lei. Este é o chamado tipo subjetivo do ilícito. Doutrinária e jurisprudencialmente, defende-se hoje que o elemento subjetivo se basta com o chamado dolo genérico: a simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando o meio social e cultural e a «sã opinião da generalidade das pessoas de bem».

Não é necessário que tais expressões atinjam efetivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a suscetibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.

Será a factualidade imputada suscetível de preencher os elementos constitutivos do tipo legal de crime de difamação e de injúria, p. e p. pelos arts.180º e 181.º, n.º 1, do Cód. Penal?

Cremos desde logo que o crime de difamação está excluído. Exatamente porque as expressões em causa forma proferidas na presença da assistente e da autoridade policial e não por interpostas pessoas.
O crime de injúria, tendo como objeto o mesmo bem jurídico do crime de difamação – a honra e consideração – distingue-se desta por a imputação de factos ou utilização de expressões ofensivos serem diretamente dirigidos ao ofendido, ao passo que naquela há a intermediação de um terceiro, com quem o agente comunica por qualquer forma verbal ou escrita, imputando ao ofendido ausente factos ou formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração.

Por sua vez, tendo em vista o contexto imediato em que foram proferidas e o contexto global ou relacional em que os cônjuges se moviam, as expressões utilizadas pelo arguido – «Esta psicopata roubou-me toda a vida e quer-me continuar a roubar, mas de mim não verá mais nada» – e dirigidas à ainda sua esposa não possuem essa idoneidade para ofender a honra e consideração.
O arguido proferiu aquelas expressões num contexto emocional prolongado por mais de dois anos, com várias intervenções policiais a pedido da assistente, adiamentos de diligências, no decurso de uma intervenção policial que a assistente convocou para aceder à casa onde ainda habitava, sendo certo que o arguido tendo mudado a fechadura de casa lhe havia comunicado que continuava a ter livre acesso bastando-lhe tocar à porta até ao dia 15 de agosto, data combinada com a assistente par sair de casa. O ambiente de tensão era evidente em face dos diferentes processos-crime, divórcio e regulação da responsabilidades parentais, tendo sido referenciadas cerca de 27 participações criminais da parte da assistente contra o arguido e deste para com ela, sendo que uma deles tinha que ver com o desaparecimento de joias pertencentes ao arguido que gerou uma acusação por furto contra a assistente que terminou com desistência de queixa imediatamente antes da prolação de sentença por aquela as ter supervenientemente encontrado na sua posse e subsequentemente entregado a tempo da leitura da decisão. Independentemente da condenação era convicção do arguido que a assistente tinha na sua posse as referidas joias sem o seu consentimento, bem como estava convencido que durante processo de rutura, a mesma estava a retirar objetos de casa, pretendendo continuar a fazê-lo, constatando igualmente que a assistente não pretendia cumprir com o combinado quanto à sua saída de casa. O certo é que o facto gerou mas um momento de tensão, no decorrer da qual o arguido usou as referidas expressões.
Para além do mais, a expressão “roubar” deve ser interpretada no contexto em que foi proferida. A ofensa da honra ou consideração, através de palavras, depende da conotação que o contexto lhes confere. No caso em apreço, o arguido estava convencido de que o assistente “roubara” joias e o armário. Nessa convicção disse à mulher.
A indagação do elemento subjetivo – representação de que estava a cometer um crime, nestas condições, não existe. O arguido estava convencido de que as informações eram verdadeiras e, por esse motivo, lho disse em frente aos polícias. Estava portanto convencido de que a assistente tinha roubado, ou seja, estava convencido da verdade da imputação.
Não existem, assim, dados objetivos minimamente seguros que permitam afirmar que o arguido representou como possível a prática de um crime de injúria.
A lei não pune o uso de expressões injuriosas quando estas são proferidas prosseguindo interesses legítimos e o agente prove a verdade das mesmas, ou creia de boa-fé na sua veracidade [art. 180.º, n.º 2, do Cód. Penal ex vi art. 181º, n º 2 do mesmo código], o que cremos abrangerá a frase proferida pelo arguido sobre o roubo, tanto que justificou uma acusação e um julgamento no que diz respeito às joias desaparecidas.

No que diz respeito ao termo psicopata, traduz um juízo de valor, que associado a alguém frio, calculista, sem sentimentos ou remorsos e que o arguido justificou com a alegada perseguição criminal em consequência das sucessivas queixas apresentadas pela arguida, pelas diversas chamadas da PSP sem olhar à presença das crianças, desnecessárias, no seu entendimento, como também terá sido o caso dos factos ocorridos no dia 13 de agosto de 2016, já que bastaria à assistente bater à porta para poder entrar sem necessidade de se apresentar escoltada pela PSP.
Entre o casal eram frequentes as discussões, em que havia excessos de linguagem de parte a parte. Com ambos admitem nas suas declarações.
Tendo em vista o contexto imediato em que o arguido proferiu as expressões e tendo presente todo o contexto mais amplo referido, as expressões proferidas pelo arguido não têm relevância jurídico-penal.
Essas expressões não tinham, no contexto relacional, um significado ofensivo com carga bastante para constituírem crime, ou, pelo menos, ambos eles não lhe atribuíram esse significado, tanto é assim que a assistente não foi capaz de as recordar na audiência dando enfase a outras expressões.
Para aquelas expressões, no contexto em que se inserem, existe alguma tolerância social (que não, aceitação social) de uma margem de aspereza de linguagem, que convive com o correspondente poder de encaixe por parte de um casal desavindo.
Para que um facto ou um juízo possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devidas a qualquer pessoa, deve constituir comportamento objetiva e eticamente reprovável de forma que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando, assim, a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. No caso em apreço estamos perante um casal desavindo em situação de rutura altamente litigiosa associada ao divórcio em si, aos filhos, desavindo também com a mãe, à casa de morada de família que era do arguido, em que este em jeito de desabafo manifesta o seu desagrado perante o comportamento da assistente e alegada morosidade da justiça. Ora, as expressões proferidas pelo arguido, num contexto de discórdia, não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso. Daí que não se indiciando no caso vertente que o arguido com o seu comportamento quisesse ofender a honra e consideração da assistente ou que previsse sequer essa ofensa de modo a que a mesma lhe possa ser imputada dolosamente, é de manter a decisão.
No crime de injúria, a análise da verificação do ilícito não se pode circunscrever ou limitar á valoração isolada e objetiva das expressões proferidas, exigindo-se que as mesmas sejam apreciadas em função do circunstancialismo de tempo, de modo e de lugar em que foram proferidas, tendo ainda em conta as realidades relacionadas com o contexto sociocultural e a maior ou menor adequação social do comportamento. As expressões proferidas pelo arguido no quadro de uma situação de discussão verbal e de profundo litígio com a assistente, sendo seguramente uma forma (mal) utilizada de se afirmar os seus pontos de vista, não atinge o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não reveste uma carga ofensiva de tal forma evidente que a faça alcançar o patamar da tipicidade e justifique a atribuição de dignidade penal.
Nos presentes autos, nas apontadas asserções poderá deparar-se com algum tipo de censura, ao nível de deselegância, de injusto possivelmente – mas no fundamental trata-se de um tom expositivo mais convicto, se bem que pautado por emotividade e impulsividade.
Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de gerir, mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com o personagem que se arroga ofendido.
Encontramo-nos numa zona de fronteira entre as expressões socialmente inadequadas e as expressões depreciativas da honra e consideração da pessoa visada. Se é certo que a expressão do arguido não denuncia “boa educação”, nem traduz socialmente a melhor forma de relacionamento entre marido e mulher, também é verdade que não atinge valores ética e socialmente relevantes.
A propósito ver Ac. TRE de 7-12-2012, Ac. TRE de 5-03-2013, Ac. TRP de 12-02-2014, Ac. TRE de 20-05-2014, Ac. TRG de 23-03-2015.

Como é referido em Ac RPorto, 07 de Dezembro de 2005 “É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte da sua estrutura ontológica as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades.
Estas situações, entre outros meios, expressam-se ao nível da linguagem, por vezes de forma exagerada ou descabida. Onde uns reconhecem firmeza, outros qualificam de gritaria, impropérios, má educação ou indelicadeza.
Mas como se escreveu em recentes acórdãos desta Relação e Secção, “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” – ac. de 12.6.02, Recurso 332 /02, de que foi relator o Des. Dr. Manuel Braz.
Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira.
Não se pode pretender que as conversas discordantes tenham todas um discurso sereno, com adjectivação civilizada e detentoras de uma argumentação racional: isso seria privar do direito de manifestar o seu desagrado aos menos dotados do ponto de vista retórico, das boas maneiras, até da capacidade de raciocínio, recorrendo-se aos tribunais para punir tais excessos e ficando a discordância confinada ao grupo das pessoas polidas.
Apenas há um limite: não pode ser atingida a honra do visado – um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - Comentário Conimbricence, Tomo I, pág. 607.
Também esta ideia do Prof. Faria Costa a ter em conta: o facto de a honra ser um bem jurídico pessoalíssimo e imaterial, a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a dignidade penal, mas um bem jurídico, apesar de tudo, de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe. Uma prova evidente de tal realidade pode encontrar-se nas molduras penais- de limites extraordinariamente baixos - que o legislador considerou adequadas para a punição das ofensas à honra. E a explicação para tal “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, para uma certa perda da sua importância relativa, pode justificar-se, segundo cremos, de diferentes modos e por diferentes vias. Por um lado, julgamos poder afirmar-se uma sua verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que chamamos honra. Referimo-nos a valores como a privacidade, a intimidade ou a imagem, que hoje já têm expressão constitucional e específica protecção através do direito penal. Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa, a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem- tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal – págs. 104-105, ”Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004.
Pendemos a considerar que a proferição da palavra maluco, no circunstancialismo tão sumariamente caracterizado, não tem sem mais a virtualidade de ser considerada acção típica de um crime de injúrias, sendo mais uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo de falta de educação ou cultura. Uma expressão corrente num contexto de uma acesa discussão acerca de uma disputa que os autos lateralmente indiciam ser de natureza cível.
Não vemos como se pode depreender que em resultado dela, a honra do ofendido ficou abalada ou diminuída.
Como ensinou o Ilustre Penalista Quintano Ripolles - “Tratado de la parte especial del Derecho Penal”, I, tomo II, a pág.1198, (Editorial Revista de Direito Privado, 1972, Madrid) deve sempre distinguir-se, no que diz respeito à gravidade das expressões proferidas, as que podemos denominar de imprecativas, das que perseguem um fim referido a factos ou condutas de carácter concreto. Aquelas, a maior parte das vezes, não constituem mais que um simples desafogo verbal, que pode incomodar ou perturbar alguém mas intranscendentes para abalar a ordem jurídica.”

Também AcRPorto, 11 de Novembro de 2015 de Borges Martins e Ernesto Nascimento:
A protecção penal conferida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém.
Na jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores mantém-se esta orientação, como se pode ver no Ac. TRL, de 14.4.2015, CJ, Tomo II, pág. 314, o qual considerou que «apelidar a ex-cônjuge de “estúpida” e “gorda” não consubstancia um crime de injúrias; e o Ac. do STJ, de 22.1.2015, que a aplicou a um caso em que um funcionário foi apelidado de “farsola”, aresto este relatado também pelo Conselheiro Dr. Manuel Braz.
Igualmente o mencionado acórdão deste TRP de 10.12.2008 (relatado pelo Desembargador Dr. Ernesto Nascimento) na motivação de recurso, resulta elucidativo: trata-se, não de olhar para a árvore, mas para a floresta; para as estrelas, e não para o dedo que para elas aponta.”

Entende-se, pois, que os factos provados não constituem crime.
Nessa medida soçobra igualmente o pedido de indemnização cível.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso penal totalmente improcedente e consequentemente, nos termos e fundamentos expostos, confirmar-se a decisão recorrida.

Mais se condena a assistente nas custas deste recurso fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) Ucs (515.º, n.º 1, al.b) do Código Processo Penal).

Notifique.

Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
.............................................................
.............................................................
.............................................................

Porto, 25 de setembro de 2019.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico