EXECUTADO
CONDOMÍNIO
ELEVADORES
PENHORA
ADMISSIBILIDADE
Sumário

I– O elevador, tal como as suas peças componentes, que integram o conjunto, é parte integrante de um prédio, estando a ele ligado com carácter de permanência [art.º 204.º, n.º 3, do Código Civil].

II– O que releva verdadeiramente para a problemática da [im]penhorabilidade do elevador de um prédio urbano é a natureza e funcionalidade do elevador que, uma vez instalado em edifico urbano perde a sua individualidade e integra-se no conjunto [o edifício] como um todo, passando a ser tão-somente um elemento desse conjunto, como os patamares e as instalações gerais de água, gás, electividade e as demais partes comuns ou presuntivamente comuns nele integradas [art.º 1421-º do Cód. Civil].

III– O elevadores, uma vez instalados e colocados em funcionamento, estão materialmente ligados ao prédio com carácter de permanência, como sucede, designadamente com as instalações gerais de água, de gás e de electricidade.

IV– Por esse motivo, os elevadores ou algumas das suas peças componentes, neles integradas, não podem ser objecto duma penhora mobiliária autónoma, separadamente da penhora do imóvel do qual eles constituem parte integrante.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


1.– Em 29-10-2016, A [ M…O…, Lda.] , com os sinais dos autos, propôs execução para apagamento de quantia certa [€6.480, de capital e juros], baseada em de sentença, contra B [ Condomínio do Edifício ….] , melhor identificado nos autos.
2.– A execução prosseguiu os seus termos normais, tendo sido agendada a penhora de bens móveis pertencentes ao Executado.
3.– Este, face à notícia da intenção de penhora dos componentes dos elevadores do imóvel, ou dos seus componentes, veio deduzir incidente de oposição à penhora, através de requerimento que deu entrada em 23-01-2019, pedindo a suspensão/cancelamento imediato do agendamento da penhora dos componentes dos elevadores do Condomínio, defendendo, em substância, a insusceptibilidade e ilegalidade de tal penhora, com apelo à doutrina fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 31-01-1996, pulicado no DR n.º 132/96, de 07-06/1996, ao decidido nos Acórdãos Tribunal da Relação do Porto, de 14-05-2013 [proc.º n.º 1220/11.8TBGDM-B.P1] e de 24-01-2018 [proc. n.º 6356/08.0TBMTS-A.P1], disponíveis em www.dgsi.pt., e ao preconizado por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, no seu Tratado de Direito Civil, pág. 136 e segs.
4.– Pronunciando-se, a Exequente pugnou pela realização da penhora de componentes do elevador, defendendo a sua admissibilidade, com o subsídio dos fundamentos aduzidos, além do mais, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-11-2004, proc.º n.º 2469/04, disponível em www.dgsi.pt..
5.– Por Despacho proferido em 04-03-2019, com a ref.ª Citius 3077430, o Tribunal a quo julgou procedente a oposição à penhora e considerou que a “penhora dos componentes dos elevadores não deverá ser realizada por que estaríamos perante uma penhora ilegal”.
6.– Inconformada com o decidido, apelou a Exequente para esta Relação, pugnando pelo provimento do recurso e consequente substituição da decisão recorrida por outra que julgue improcedente a oposição à penhora, e formulou as seguintes Conclusões:
«28.– Estabelece o n.º 1 do artigo 3º do D.L. 320/2002 de 28 de Dezembro que “As instalações abrangidas pelo presente diploma ficam, obrigatoriamente, sujeitas a manutenção regular, a qual é assegurada por uma EMA, que assumirá a responsabilidade, criminal e civil, pelos acidentes causados pela deficiente manutenção das instalações ou pelo incumprimento das normas aplicáveis.”
29.– Estabelece o nº 1 do artigo 4º do mesmo diploma que “O proprietário de uma instalação em serviço é obrigado a celebrar um contrato de manutenção com uma EMA.”
30.– Já o Regulamento Geral das Edificações Urbanas estabelece no n.º 1 do art.º 50º que “Nas edificações para habitação colectiva, quando a altura do último piso destinado a habitação exceder 11,5m, é obrigatória a instalação de ascensores. A altura referida é medida a partir da cota mais baixa do arranque dos degraus ou rampas de acesso do interior do edifício.“
31.– A Exequente proporcionou a utilização dos elevadores sem que tenha recebido os valores que lhe eram devidos.
32.– O Executado usufruiu dos serviços prestados, serviços esses que possibilitaram o funcionamento e consequente utilização do elevador, furtando-se ainda agora ao pagamento do valor devido.
33.– Esta situação, comum a muitíssimas outras, provocará de forma inevitável a uma alteração da postura das empresas do ramo, resolvendo o contrato de forma imediata assim que ocorrer o incumprimento, impossibilitando assim a utilização dos elevadores face à inexistência de contrato de manutenção.
34.– Não deve ser ignorada a autonomia que o elevador mantém face ao prédio.
35.– A penhora de um componente do elevador – como in casu se pretendia – não impossibilita que o prédio continue a servir a sua função.
36.– Em igual sentido – julgando admissível a penhora de componente de elevador – decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra em caso de gritante semelhança com o destes autos apelando, sobretudo, ao bom senso e à razoabilidade que qualquer decisão judicial deve sempre assegurar:“ Decisivo para a resposta colocada com o presente recurso – pode ou não penhorar-se uma parte integrante do prédio, concretamente os comandos e máquinas dos elevadores? – é analisar a lógica das coisas: relação da parte com o todo, montante da quantia exequenda e sua origem, e bem ainda o objectivo e consequências da penhora (…) O escopo do exequente é, naturalmente, fazer-se pagar do seu crédito e quanto mais fácil e rápido isso for conseguido, tanto melhor, quer para ele quer para o executado.
Sabido que a nomeação à penhora de imóveis se torna morosa e dispendiosa, o que tudo se repercutirá negativamente sobre o devedor/executado, o exequente só em último caso nomeia à penhora bens imóveis. Mais morosa e dispendiosa ainda seria atacar o património dos condóminos por quota, já que as despesas respeitantes ao condomínio são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções. No caso presente, é notório que o exequente, compreensivelmente, procura evitar as delongas de nomear à penhora o próprio imóvel em que está instalado o elevador, ou o património dos condóminos.
Mas restar-lhe-á alternativa?
É o que por ora não sabemos, porquanto os autos nada referem no que concerne à existência de bens móveis pertencentes ao Condomínio executado, que é possível que os tenha, vg mobiliário da habitação do porteiro, se eventualmente existir, depósitos bancários, fundo de reserva do condomínio, etc.
É que, inexistindo a possibilidade de penhora em bens desta natureza, e a manter-se o rigor do princípio que não permite a penhora de parte integrante do prédio, então deparamo-nos perante a realidade de que haverá que proceder-se à penhora de todo o prédio, que vale milhões, para que o credor/exequente possa ressarcir-se do seu crédito, que é apenas de tostões”, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.11.2004, Proc.º 2469/04, disponível pra consulta em http://www.dgsi.pt. (negrito e sublinhado nossos)
37.–Depois, porque como salientou o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão supra citado: “O facto de os elevadores, uma vez instalados, se tornarem parte integrante do prédio, não anula a realidade material de se poder destacar um elemento deles - concretamente os comandos e máquinas – sem que o prédio deixe de satisfazer, no essencial, a sua função. Já o mesmo se não poderá dizer, das telhas da cobertura do prédio que, dentro dos mesmos princípios, são também parte integrante do prédio.” (negrito nosso)
38.–Diga-se, aliás, que a penhora do imóvel sempre seria bem mais desfavorável ao Executado: “sabendo-se que a penhora retira o bem penhorado da disponibilidade jurídica do proprietário, de imediato se haverá de questionar, ética e juridicamente, da necessidade de pôr em causa a disponibilidade do direito de propriedade dos condóminos sobre as respectivas fracções, quando o que se pretende é tão-somente o pagamento de uma relativamente pequena dívida que tem origem na reparação dos elevadores, sendo certo que, se estes ficarem inoperacionais, o edifício continua a satisfazer, no essencial, a sua função”. (negrito nosso)
39.– Em suma: “No caso presente, sendo suficiente o menos, seria uma violência obrigar à penhora do mais, só porque, em abstracto, o bem indicado à penhora se tornara parte integrante do prédio, com violação de um princípio do direito.
Tal solução prejudicaria o credor o devedor, e só agravaria o desequilíbrio do conflito entre as partes, precisamente o oposto do que se pretende com a criação do direito e seus princípios”, ob. Cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
40.– No mesmo sentido aqui apresentado pela Exequente, a 2ª Secção de Execução – J2 do Tribunal da Comarca da Maia defendeu através da sentença proferida em 06.05.2015 no âmbito do Proc. N.º 2770/14.0T8MAI-A que: “Ainda que concordemos que, após a sua integração no imóvel, os elevadores perdem a sua natureza originária de bens móveis, a questão que aqui se coloca é de cariz diverso, isto é, o que importa decidir é se a penhora da placa de comando de dois dos elevadores do prédio, afectando irremediavelmente a possibilidade de funcionamento dos mesmos, é legalmente inadmissível ou atentatória da boa-fé”.
“O credor de um condomínio, principalmente com a dimensão do executado (treze andares e consequente elevado número de condóminos) é titular de um crédito de cobrança difícil, cuja responsabilidade de pagamento cabe a todos, mas, ao mesmo tempo, não cabe a ninguém, não podendo penhorar um único condómino por valor superior à sua proporcional responsabilidadee, tendo um só executado, vê-se na contingência de multiplicar por vários a penhora de bens, com a especial onerosidade de, nesse percurso, afectar património de valor muito superior à dívida, criando situações de previsível injustiça relativa, em que os condóminos cumpridores das suas responsabilidades vão responder na mesma medida em que respondem os incumpridores, com todas as consequências gravosas associadas à existência de penhoras sobre o seu património pessoal”. (negrito e sublinhado nossos).
41.– De igual modo, a 3.ª Secção de Execução – J1, da Instância Central de Oliveira de Azeméis, Comarca de Aveiro, Proc. N.º 295/15.5t8OAZ-A entendeu que: “Quanto à alegação de que o elevador é indispensável a que um prédio em altura cumpra a sua função, importa esclarecer que, nos termos legais, é também essencial que o proprietário de uma instalação de elevador celebre contrato de manutenção com uma EMA (empresa de manutenção de ascensores) – art. 4º, n.º 1 do DL n.º 320/2002 de 28/12. De todo o modo, não é um direito absoluto a existência de elevadores em funcionamento, porquanto, caso não sejam observadas as regras de segurança, deve ter lugar a respectiva imobilização e selagem dos mesmos (cfr. Arts. 3º, n.º 5, 9º, n.º 2, 11º e 13º, n.º 3 do DL n.º 320/2002 de 28/12). Caso em que os elevadores ficarão inactivos e sem funcionamento, não obstante a existência de fracções nos correspondentes prédios.”. (negrito e sublinhado nossos).
42.– Ainda assim, não obstante o elevador ter perdido a sua natureza originária de bem móvel após a sua “integração no prédio, não é inédita a decisão de que o mesmo possa ser objecto de penhora.
43.– No processo nº 1493/11.6TBTNV que correu os seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, foi adjudicado à ali Exequente “Um Elevador de marca OTIS 2000 E com capacidade para 320kg-4 pessoas, número de série 60NSA695/1998”».

7.–O Executado, aqui Recorrido, não apresentou contra-alegações.

8.–Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II–Objecto do recurso
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 5.º, 635º, n.º 3 e 639º, n.ºs 1 e 3, do CPC), sem embargo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608, n.º 2., “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. E porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Consoante resulta das conclusões das alegações da Recorrente a questão crucial a decidir é a de saber se a penhora de componentes de elevador(es) de prédio urbano é legalmente admissível.

III–Fundamentação

A)–Motivação de Facto
Os factos que relevam para a decisão do recurso são os descritos no relatório supra que resultam da tramitação da causa.

B)–Mérito do recurso
A questão que cumpre dirimir é a de saber se a penhora de componentes de elevador(es) de prédio urbano é legalmente admissível.
A resolução desta questão convoca a averiguação da verdadeira naturezajurídica dos elevadores, depois de instalados/incorporados nos prédios urbanos que servem.

Nas décadas de 80 e 90, do século XX assistiu-se a uma grande querela na doutrina e na jurisprudência portuguesas a propósito da questão de saber se os elevadores, depois de instalados/incorporados nos prédios que servem, podem ser objecto de relações obrigacionais e, designadamente, se nos contratos que têm por objecto a compra e venda e a montagem desses elevadores, mesmo depois dessa incorporação, se mantém a vigência da cláusula de “reserva de propriedade” neles estipulada.

A querela jurisprudencial suscitada em torno de tal questão terminou com a prolação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 31-01-1996 [proc. n.º 87495-1.ª Secção], publicado no Diário da República, n.º 132/96, Série II, e relatado pelo Conselheiro CARDONA FERREIRA, no qual se ficou doutrina no sentido de que “a cláusula de reserva de propriedade convencionada em contrato de financiamento de fornecimento e instalação de levadores em prédios urbanos torna-se ineficaz logo que se concretize a respectiva instalação”.

Para alcançar esta doutrina, o Supremo Tribunal de Justiça discorreu sobre a natureza móvel ou imóvel dos elevadores, dos seus materiais e componentes, após a respectiva instalação nos edifícios que servem, utilizando argumentos que são transponíveis, mutatis mutandis, para a resolução da questão que nos ocupa, de saber se um elevador incorporado num prédio urbano ou qualquer dos seus componentes (placas de comando, motor de tracção, máquina de tracção, roldanas, etc.) podem ou não ser objecto de penhora, separadamente da penhora do próprio imóvel, considerado na sua globalidade.

Tais argumentos resumem-se, no essencial, ao seguinte:
– As coisas (“(...) tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas” - artigo 202.º, n.º 1, do Código Civil; ou, no impressivo e belo português do Código de 1867, “coisa diz-se em direito tudo aquilo que carece de personalidade" - artigo 369º) são, juridicamente, de múltiplas naturezas, conforme a vertente que se analise e se reflicta, designadamente, no artigo 203º do Código Civil, a começar por imóveis e móveis;
– Em face do artigo 204º do mesmo Código, fácil é constatar que os elevadores, em si próprios, originariamente, são coisas móveis;
– Aliás, o próprio elevador é, ele próprio, um conjunto de elementos que, antes de comporem ou integrarem o elevador, são, eles próprios, passíveis de negócios autónomos; mas, a partir do momento em que componham ou integrem o elevador, é este que existe juridicamente;
– Os próprios tijolos ou mesmo os quilos de cimento que vêm a compor um edifício começaram por ser coisas com autonomia;
– O mesmo acontece com os elevadores: originariamente, são coisas móveis e podem ser comprados e vendidos; isto é, em princípio, os elevadores podem ser objecto de vários tipos de negócios jurídicos;
– Porém, a partir do momento em que é colocado em prédio urbano, para servir os respectivos utentes, o elevador perde, seguramente, a sua individualidade;
– Desde logo, nas situações em que a própria lei (artigo 50º do RGEU) impõe a existência de elevador – o ocorre nos edifícios com mais de três pisos - o elevador é tão elemento do prédio urbano quanto o vidro de uma janela ou o degrau de uma escada; o que vale por dizer que é parte componente do imóvel, por isso que, sem elevador, o prédio urbano não estaria completo ou adequado para o seu próprio fim;
– E, em todas as outras situações, o elevador, após a sua colocação, é parte integrante do imóvel onde está instalado, nos termos do artigo 204º, n. 1, alínea e), do Código Civil, o que significa que, a partir da sua instalação, naturalmente para funcionamento, em prédio urbano, o elevador perde a sua natureza original a passa a fazer parte das coisas imóveis;
– A ligação de um elevador a um prédio urbano é, finalisticamente, de carácter fixo e permanente, desde as suas máquinas aos cabos, às roldanas, às cabinas, etc.: veja-se o absurdo que seria ter-se o vão do elevador e não se ter o elevador;
– Nesta linha de pensamento, os elevadores presumem-se partes comuns dos condomínios, tal como os pátios e jardins ou casa de porteiro ou garagens, ou como tudo o mais não afectado ao uso exclusivo de um condómino: artigo 1421º, nº. 2, do Código Civil;
– Em conclusão: os elevadores, componentes ou integrados num imóvel urbano, por causa deste e para complemento deste, tornam-se tão do proprietário do imóvel de que fazem parte como quaisquer outros elementos que sejam componentes ou integrantes do imóvel, haja a responsabilidade que houver de alguém perante o fornecedor do elevador.
Assente, pois, que os elevadores, não obstante serem, originariamente, coisas móveis por natureza, uma vez instalados/incorporados nos prédios urbanos que servem, passam a ter a natureza jurídica de partes integrantes do imóvel no qual estão instalados/incorporados (art.º 204º, n.º 1, al. e), e n. 3, do Cód. Civil), por estarem, a partir de então, materialmente ligados ao prédio com carácter de permanência – o que não colide, obviamente, com a possibilidade de serem substituídos, como também ocorre com uma porta indispensável à existência de um prédio ou até com as instalações gerais de água, de gás e de electricidade, sem que por isso deixem de fazer parte integrante do prédio -, forçoso se torna concluir que eles não podem ser objecto duma penhora mobiliária autónoma, separadamente da penhora do imóvel do qual eles constituem parte integrante: cfr., explicitamente neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07-02-2017 [proc. n.º 6994/15.4T8 FNC-A.L1, relatado por RUI VOUGA], que seguimos de perto e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2013 [Processo n.º 1220/11.8TBGDM-B.P1; Relator VIEIRA e CUNHA], citado naquele aresto, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Tal como se afirma na sentença recorrida, a mesma solução é preconizada, na doutrina, por ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (in Tratado de Direito Civil – Parte Geral, tomo II, pp. 136 e 137), fundando-se na interpretação do regime das coisas acessórias – art.º 210º, nºs 1 e 2, Cód. Civil – bem como no princípio da tipicidade dos direitos reais – art.º 1306º, n.º 1, do mesmo diploma, pelo qual não é permitido restringir ou tornar parcelar o direito que incide sobre as coisas, senão nos casos previstos na lei.
Esta tese é a que colhe a nossa adesão, pois o que releva verdadeiramente para a problemática em questão é a natureza e funcionalidade do elevador que, uma vez instalado em edifico urbano perde a sua individualidade e integra-se no conjunto [o edifício] como um todo, passando a ser tão-somente um elemento desse conjunto, como os patamares e as instalações gerais de água, gás, electividade e as demais partes comuns ou presuntivamente comuns integradas no edifício [art.º 1421-º do Cód. Civil]. E passa a estar funcionalmente ligado ao edifício. A ligação do elevador a um prédio urbano é finalisticamente de carácter fixo e permanente.
O mesmo é dizer que os elevadores, componentes ou integrados num prédio urbano, por causa deste e para complemento deste, tornam-se tão do proprietário do imóvel de que fazem parte, como qualquer dos componentes desse elevador[[1]] ou outros elementos que sejam componentes ou integrantes do imóvel, haja a responsabilidade que houver dos condóminos ou do proprietário desse imóvel perante o fornecedor desse elevador ou o fornecedor se serviços de manutenção desse elevador ou qualquer outro fornecedor de bens ou serviços aos condóminos ou proprietário do mesmo imóvel.
A este propósito, ponderou-se, com acerto, na decisão recorrida:
“(…)
Por conseguinte, não é o facto de se penhorar apenas um componente “móvel” dos elevadores, assim os inutilizando que lhe retira essa qualidade, pois a verdade é que materialmente não é isso que está penhorado - são os elevadores - e que fosse não passaria de fraude à lei, pois sem tal peça os elevadores não funcionam.
É verdade que o funcionamento dos elevadores não é um direito, dependendo do pagamento de um serviço de manutenção.
No entanto, isso é uma questão de responsabilidade do condomínio pelo funcionamento de elevadores sem manutenção, que em nada releva para a penhorabilidade - ou não - dos ditos elevadores.
Sendo pois os elevadores, e naturalmente as suas peças, partes integrantes do imóvel, não podem as mesmas ser penhoradas autonomamente daquele.
Sendo tais peças assim e por si, impenhoráveis, naturalmente procede a oposição - nesse sentido, vide, entre outros, os acs. da RL de 07.02.2017, da RP de 24.01.2018 e de 14.05.2013, respectivamente, processos n.ºs 6994/15.4T8FNC-A.L1-1, 6356/08.0TBMTSA.P1 e 1220/11.8TBGDM-B.P1, disponíveis in www.dgsi.pt.
Esta solução impõe-se, seja por aplicação directa ou analógica do artigo 1212.º, n.º 2, do Cód. Civil. “

Por tudo o que fico dito, só podemos acompanhar a referida fundamentação.

Consequentemente, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, por consideramos não ser juridicamente possível a penhora de elevador(es) de um prédio urbano para habitação, constituído em propriedade horizontal, ou de qualquer das suas peças componentes, por se tratar de partes componentes desse mesmo imóvel, cuja penhora é inseparável da penhora do imóvel na sua globalidade.

Improcede, portanto, a apelação.
*

Tendo decaído no recurso, terá a Exequente/Recorrente de suportar as custas respectivas – art.º 527.º do CPC.

III–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
*
Custas do recurso a cargo da Exequente/Recorrente.
*
Registe e notifique.
*



Lisboa, 24 de Outubro de 2019



Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Nuno Lopes Ribeiro



[1]Na feliz expressão empregue no Acórdão do STJ, Uniformizador de Jurisprudência, de 31-01-1996, “ um elevador é como um puzzle que só tem sentido no seu conjunto”.