INQUÉRITO
CONVERSÃO
PROCESSO DISCIPLINAR
DESPACHO
VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
RATIFICAÇÃO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
COMPETÊNCIA ORGÂNICA
RECLAMAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
RESERVA DA VIDA PRIVADA
DIREITO A RESERVA SOBRE A INTIMIDADE
INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
SEGREDO PROFISSIONAL
MÉDICO
ATESTADO MÉDICO
CONSENTIMENTO
FALTA JUSTIFICADA
DEVERES FUNCIONAIS
RECURSO CONTENCIOSO
JUIZ
Sumário


I - A ratificação-sanação caracteriza-se por ser um ato secundário através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência decorrente da prática do ato por um órgão relativamente incompetente (cfr. art. 164.º, n.º 3, do CPA). A competência decisória em matéria disciplinar – em que se insere a decisão de converter um procedimento de inquérito em processo disciplinar (cf. art. 135.º, n.º 1, do EMJ) - pertence, por um lado, ao Plenário do CSM, considerando-se, contudo, tacitamente delegada no Conselho Permanente desta entidade (cf. art. 152.º, n.º 2, do EMJ).

II - O Vice-Presidente do CSM não possui, no EMJ, quaisquer competências em matéria disciplinar (cf. art. 154.º, do EMJ), pelo que o despacho deste a converter um procedimento de inquérito em processo disciplinar padece de vício de incompetência. A deliberação do Plenário do CSM ao ratificar o acto do Vice-Presidente limitou-se a sanar o vício da incompetência que afetava aquele ato.

III - A apresentação de reclamação por banda da Autora constitui o meio processualmente adequado para reagir contra decisões do Vice-Presidente do CSM (cf. art. 166.º, do CSM), mostrando-se assim cabalmente exercitado o direito de defesa contra o ato por ele praticado.

IV - A decisão de ratificação não tem a virtualidade de prejudicar a apreciação administrativa (e eventual e subsequente judicial) da pretensa falta de fundamento da decisão de conversão do inquérito em procedimento disciplinar que a Autora associa a essa invocação, já que, em virtude do princípio da decisão (cf. art. 13.º, n.º 1, do CPA) e da eficácia suspensiva da reclamação (cf. art. 167.º-A, do), continua a impender sobre o CSM o dever de tomar posição sobre tal aspeto.

V - O direito à reserva da vida privada constitui um direito fundamental (art. 26.º da CRP) e simultaneamente um direito de personalidade ligado de forma estreita, direta e incindível à pessoa. Considera-se que são direitos indisponíveis, embora o seu titular possa consentir numa certa limitação. São direitos gerais e absolutos aos quais se contrapõe uma obrigação geral de respeito. A tutela da privacidade ou «vida privada», deverá ser definida por oposição ao conceito de «vida pública». A tutela da intimidade da vida privada vai excluir de proteção a liberdade da vida privada, os factos que o próprio interessado não resguarda dos outros.

VI - No âmbito da atividade médica, o direito à reserva da vida privada assume especial proteção, pois a esfera do segredo é essencial na relação médico-doente. Trata-se de uma relação que exige uma constante troca de informações impondo ao médico um dever de confidencialidade. Este dever de confidencialidade decorrente do direito à reserva da vida privada engloba todas as informações de que o médico tenha conhecimento por causa da sua profissão. O segredo médico abrange o específico tratamento a que o paciente está a ser sujeito ou o dia, a hora ou o local em que o paciente procurou o médico.

VII - A revelação de informações no âmbito do segredo apenas poderá ocorrer quando haja consentimento/acordo, nomeadamente, quando a pessoa a quem respeita o conteúdo das informações sigilosas permitir a sua divulgação, ou sempre que a própria pessoa titular daquela informação tiver divulgado essa informação. Nessa altura, aquilo que anteriormente estava no âmbito da sua reserva da vida privada, ou no âmbito da esfera privada, passou a integrar uma esfera de não reserva, uma esfera pública. O acesso a dados de saúde apenas poderá ocorrer com o consentimento do titular dessa informação, ou sempre que de algum modo o titular os tenha divulgado.

VIII - A sujeição a uma intervenção cirúrgica é um facto que se insere na esfera da vida privada da Autora, constituindo uma informação de saúde de que a mesma é titular (cfr. art. 3.º, n.º 1, al. a), da Lei 12/2005, de 26-01). Para efeitos de controlo da assiduidade/justificação de falta ao serviço, foi a própria Autora a revelar que fora submetida a uma intervenção cirúrgica numa determinada data.

IX - O direito à reserva da vida privada é, à semelhança de outros direitos de personalidade, disponível pelo respetivo titular. Tendo sido a Autora a dar nota da ocorrência da intervenção cirúrgica numa data determinada, revelar-se-ia manifestamente abusivo admitir que a mesma pudesse opor o direito da reserva da vida privada para obstar a que se apurasse a veracidade da data comunicada. Tal corresponderia a uma nítida desvirtuação da função social do aludido direito de personalidade que, a todas as luzes, não pode ser sancionada por corresponder a um claro abuso do direito.

X - A Autora revelou aquela informação (mediante a apresentação do atestado médico) porque disso necessitou para justificar as suas ausências, assim ocorrendo uma restrição do direito em atenção à salvaguarda de outro interesse que a Autora quis preservar. Acresce que a defesa da integridade e da veracidade nas relações profissionais, mormente naquelas que se estabelecem entre o juiz e o CSM, é um interesse valioso para a ordem jurídica; ora, perante uma denúncia quanto à inveracidade da informação contida em atestado médico, apresentado pela titular da informação, cabia ao CSM averiguar se deveres funcionais de verdade e lealdade tinham (ou não) sido violados.

XI - A obtenção da informação (data em que ocorreu a intervenção cirúrgica), na medida contida e estritamente observadora do direito à reserva da vida privada, e nos limites impostos pelo âmbito de divulgação do que já havia sido transmitido pela titular da informação, não se apresenta como ilícita.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Relatório


1. AA, Juíza ..., veio interpor recurso contencioso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 11 de julho de 2018, proferida no âmbito do inquérito disciplinar n.º …, que ratificou o despacho do Ex.mo Senhor Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de 02.07.2018, que determinou que se instaurasse o processo disciplinar à Senhora Juíza e que o processo de inquérito fosse convertido na parte instrutória do processo disciplinar, de harmonia com o disposto no art. 135.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

2. A Ex.ma Senhor Juíza ... peticionou, em súmula, que a deliberação referida é portadora dos vícios já assacados em sede de reclamação da decisão do Senhor Vice-Presidente, considerando que não existem indícios da prática de infração disciplinar, por se ter baseado em prova ilícita (qual seja: a informação do Centro Cirúrgico de …, através do seu diretor clínico, sobre a data da realização da intervenção cirúrgica que esteve na base do atestado médico apresentado para a justificação da sua ausência entre o dia …. e o dia …) por violação do direito à reserva da vida privada, e porque se destinava não a instruir processo disciplinar, mas apenas o processo de inquérito que decorria; assim sendo, a conversão do processo de inquérito em processo disciplinar e a sua integração neste como sua parte instrutória determina, igualmente, a invalidade do processo disciplinar por integrar prova ilícita. E daqui conclui pela nulidade da decisão do Senhor Vice-Presidente e, consequentemente, da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura que a ratificou.

Entende ainda que o seu direito de defesa, se encontra limitado por estar condicionado à decisão sobre a reclamação que apresentou contra a decisão do Senhor Vice-Presidente, a partir do momento em que o Plenário do CSM decide ratificar o ato do Senhor Vice-Presidente antes de ter expirado o prazo de reclamação — “ratificar a decisão antes de decidida a reclamação, consubstancia a violação do direito fundamental de defesa da Autora em processo sancionatório, direito esse que tem consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa” (art. 66.º da petição apresentada). Conclui, pois, que a deliberação do Plenário do CSM, ao ratificar o ato impugnado, é nula, nos termos do art. 161.º, n.º 2, al. d), do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

Daqui resulta, segundo a Autora, a nulidade da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 11.07.2018, que ratificou a decisão de instauração do procedimento disciplinar (com conversão do inquérito em instrução), e o arquivamento do inquérito, por inexistência de indícios de infração disciplinar.

3. Cumprido o disposto no art. 174.º, n.º 1, EMJ, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) apresentou resposta onde, em súmula, sustentou que a data da intervenção cirúrgica a que foi submetida começou por ser divulgada aquando da apresentação, pela Senhora Juíza ..., do atestado médico para justificação da sua ausência, tendo, a Senhora Juíza ..., com a apresentação do atestado médico, renunciado à reserva da vida privada relativamente aos factos que aduziu para expor os motivos da sua ausência. Perante os factos inscritos no atestado, nomeadamente, a realização de ato cirúrgico, apenas foi obtida informação sobre este mesmo dado, concluindo que “não existe qualquer dado sob reserva da vida privada envolvido no conhecimento posterior da data de uma cirurgia” (cf. art. 18.º, da resposta apresentada). Não existe, pois, prova ilícita, pelo que a ratificação do ato de conversão do inquérito em processo disciplinar não padece de qualquer vício.

Entende ainda que, tendo havido ratificação da decisão do Senhor Vice-Presidente, de 02.07.2018, cujos efeitos retroagem à data a que o ato respeita (cf. art. 164.º, n.º 5, do CPA), então “haverá que concluir-se que o acto em questão é da autoria do Plenário do CSM sendo que, das deliberações do CSM recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 168.º, n.º 1 do EMJ” (art. 35.º, da resposta apresentada).

Por fim, considera que não houve violação do direito de defesa, não só porque a Senhor Juíza ... declarou no inquérito não pretender prestar declarações, como ainda porque exerceu o seu direito de defesa mediante a apresentação de reclamação do despacho do Senhor Vice-Presidente.

Conclui pela improcedência do recurso contencioso.

4. Notificada nos termos do art. 176.º, do EMJ, a Autora apresentou alegações que concluiu nos seguintes termos:

« A) Reiteram-se todos argumentos vertidos na petição inicial nos artigos 24.° a 52.°, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos por motivos de economia processual;

B) O único meio de prova prova obtida nos autos de processo disciplinar prova ilícita, porque obtida de forma ilegal e com violação dos direitos fundamentais da Exma. Senhora Juiz, ora Recorrente, assim implicando a impossibilidade da sua utilização.

C) E inexistindo prova dos "indícios" de a que alude o artigo 135.° do EMJ, forçosamente se deverá concluir pela inexistência de indícios da prática de infracção disciplinar,

D) Assim inexiste fundamento para a conversão do inquérito em processo disciplinar, impondo-se a declaração de nulidade do despacho do Vice-Presidente do CSM, o que expressamente se requer, bem como a ratificação que se sucedeu.

E) Devendo, consequentemente, ser proferido despacho no sentido do arquivamento dos autos.

F) A prevalecer a tese agora defendida pelo Recorrido em sede de Resposta, no sentido de que é aceitável a violação do direito fundamental à reserva da vida privada, previsto no artigo 26.°, n.° 1 do CRP, sem que o titular tenha consentido de forma expressa nessa violação, estamos perante uma solução de direito que encerra uma interpretação inconstitucional, não devendo ser atendida a mesma.

G) Tanto mais que a violação do direito fundamental a supra aludimos, ainda que autorizada, sempre teria que obedecer ao princípio da proporcionalidade, o que não ocorre no caso: ficciona-se uma "autorização" para se colocar em causa o núcleo essencial do direito fundamental à reserva da vida privada previsto no n.°l do artigo 26.° da CRP.

Acresce que,

H) O despacho de admissão da reclamação apresentada pela Recorrente, e consequente suspensão do processo disciplinar em curso enquando aquela não foi apreciada, ocorre depois da ratificação do despacho de conversão;

I) O procedimento iniciado com a Reclamação deve ter despacho, que aprecie os fundamentos da mesma ou, em alternativa - o que não se afigura possível dado que a reclamação ainda tem objeto - decisão de inutilidade sob pena da violação do dever legal de decidir que impende sobre o CSM;

J) A não apreciação da reclamação - por condiciona o direito de defesa da Recorrente no âmbito do processo disciplinar - consubstancia a violação daquele direito de defesa, encerrando assim uma interpretação inconstitucional do disposto no artigo 32.° da CRP.

K) Pelo que, também nesta parte, deve o acto ser declarado nulo e de nenhum efeito, o que expressamente se requer.

Termos em que

Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, consequentemente,  ser  anulada  a  deliberação  do  Conselho Superior   de   Magistratura   de   ratificação   da   decisão   de instauração de procedimento disciplinar à Recorrente, com conversão  do  inquérito  em  instrução  e  julgando-se  ainda procedente a reclamação apresentada.

Consequentemente

Deve ser ordenado o arquivamento do inquérito instaurado à Recorrente por inexistência de indícios de infração disciplinar.»

5. O Conselho Superior da Magistratura apresentou alegações em que, no essencial, reafirmou os argumentos anteriormente expostos na resposta que, em súmula apertada, se podem sintetizar do seguinte modo:

- houve renúncia do direito à reserva da vida privada quanto ao momento em que foi realizada a intervenção cirúrgica a partir do momento em que a Autora junta o atestado médico com essa informação (embora inexata),

- além de que o dado “data” não se integra no âmbito da reserva da vida privada, concluindo que há indícios sólidos de se ter verificado uma violação de deveres funcionais e estatutários;

- acresce que a ratificação pelo Plenário do CSM do ato do Senhor Vice-Presidente permite que se possa recorrer desta deliberação para o STJ, nos termos do art. 168.º, nº 1, do EMJ, e o facto de a reclamação não ter sido apreciada, nem decidida, não impede os efeitos decorrentes do disposto no art. 167.º, n.º 3, do EMJ, ou seja, não tendo sido proferida a decisão no prazo de 3 meses (art. 167.º, n.º 2, do EMJ) “presume-se indeferida para o efeito de o reclamante poder interpor o recurso facultado pelos artigos 168.º e seguintes”, concluindo não ter sido prejudicado o direito de defesa.

6. O Ministério Público juntou douto parecer em que concluiu pela improcedência da ação, uma vez que a prova apresentada é legal, pode ser utilizada, porque não foi obtida com intromissão na vida privada da recorrente, e verificam-se os pressupostos da conversão do inquérito em instrução, não tendo sido violado o direito de defesa, tendo sido exercido através da apresentação da reclamação.

7. Notificado o parecer do Ministério Público à recorrente e recorrido, nada disseram.

Após os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II

Fundamentação


A. Valorada a documentação junta aos autos, consideram-se demonstrados os seguintes factos relevantes para a decisão.

1. A Autora esteve ausente do serviço por doença entre o dia … e …, tendo as faltas sido justificadas por documento médico enviado pela Senhora Juíza aos Serviços competentes;

2. O documento em causa “atestado médico”, datado de …, assinado por cirurgião …, atesta sob compromisso de honra que “AA (...) não pode comparecer no seu local de trabalho, dado ter sido submetida a uma cirurgia …, prevendo-se a sua ausência por um prazo provável de 30 dias” (cf. documento junto ao PA apenso a estes autos);

3.  No inquérito n.º ..., instaurado contra a Autora, o Exmo. Senhor Inspetor Judicial proferiu o seguinte despacho:

«(…) Considerando o teor da informação prestada pela Exma. Enfermeira Diretora, solicite, por ofício, que assinarei ao Exmo. Sr. Director Clínico do Centro Cirúrgico …, a seguinte informação:

- Em que data, compreendida ente 15 de maio de 2017 e 13 de julho de 2017, se realizou a cirurgia a que foi submetida a Sra. Juíza AA, com expressa referência ao seguinte: (…)

A informação solicitada circunscreve-se ao concreto aspeto acima referido, não se pretendendo obter qualquer dado clínico respeitante à visada e relacionado com o ato médico a que a mesma tenha sido eventualmente submetida (…)» (fls. 131);

4. Em escrito de 21.06.2018, o diretor clínico do “Centro Cirúrgico ….” declarou que «Em resposta ao V. pedido, vimos informar que a cirurgia a que foi submetida a Senhora Dra. AA realizou-se no dia 22 de maio de 2017.».

5. No inquérito n.º ..., foi apresentado relatório final no qual se inscreveu que foi apurado que a Autora «(…) com pleno e consciente conhecimento do inverdadeiro teor do atestado médico emitido, pois não fez qualquer intervenção no dia 15.05.2017, não se coibiu de o usar para justificar ausência ao serviço, desconsiderando os deveres funcionais de verdade, transparência e lealdade na sua atuação (…)» (fls. 84 e 85 do processo disciplinar apenso);

6. No inquérito n.º ..., o Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura proferiu, a 02.07.2018, o seguinte despacho:

«Concordo com o teor do relatório de fls. 140/141 e determino a instauração de processo disciplinar à Exma. Juíza ..., Dra. AA, constituindo o presente inquérito a parte instrutória do processo disciplinar.

Ao Plenário para ratificação» (fls. 87 do processo disciplinar apenso);

7. A 11.07.2018, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura deliberou «(…) ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de 02-07-2018, que concordou com o teor da proposta do Exmo. Sr. Inspector Judicial (…) e determinou a conversão do processo de inquérito n.º ... em processo disciplinar (…)» (fls. 112 do processo disciplinar apenso).

8. A Autora apresentou reclamação contra o despacho mencionado em 5. em 13.06.2018, tendo, nessa data, o Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura suspendido o processo disciplinar (fls. 104 e ss. do processo disciplinar apenso).

B. Apreciando:

1. Como resulta do teor da petição inicial e das conclusões das alegações finais, a pretensa invalidação da deliberação impugnada assenta em dois distintos fundamentos:

- intempestividade na decisão de ratificar o ato do Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura (em virtude da pendência de reclamação desse mesmo ato);

- ilegalidade substantiva da decisão de converter o inquérito em processo disciplinar, por se ter recorrido a prova ilícita, consubstanciando-se esta em intromissão não admissível na reserva da vida privada.

Dado que a Autora associa o primeiro daqueles fundamentos ao vício da nulidade do ato impugnado [já que entende ter sido preterido o direito fundamental à defesa – cfr. art. 161.º, n.º 1, al. d), do CPA], as regras de precedência lógica do conhecimento dos vícios determinam que o apreciemos em primeiro lugar.

2. Como se sabe, a ratificação-sanação caracteriza-se por ser um ato secundário através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência decorrente da prática do ato por um órgão relativamente incompetente (cfr. art. 164.º, n.º 3, do CPA)[1].

No caso, foi precisamente isso que aconteceu.

Vejamos.

A competência decisória em matéria disciplinar – em que se insere a decisão de converter um procedimento de inquérito em processo disciplinar (cf. art. 135.º, n.º 1, do EMJ) – pertence, por um lado, ao Plenário do Conselho Superior da Magistratura, considerando-se, contudo, tacitamente delegada[2] no Conselho Permanente desta entidade (cf. art. 152.º, n.º 2, do EMJ). Por outro lado, o Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura não possui, no Estatuto dos Magistrados Judiciais ainda em vigor, quaisquer competências em matéria disciplinar (cf. art. 154.º, do EMJ).   

Assim, é forçoso concluir que o despacho do Senhor Vice-Presidente do CSM transcrito no ponto n.º 5 do elenco factual estava, no segmento em que determina a falada conversão, manchado pelo vício de incompetência[3]

Feito este esclarecimento, impõe-se notar que, manifestamente, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura não apreciou a reclamação deduzida pela Autora contra o ato praticado pelo Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura. É o que logicamente resulta do facto de a deliberação impugnada ter sido adotada em data anterior à apresentação da reclamação.

Assim sendo, não se vislumbra em que medida a ratificação do ato praticado pelo Senhor Vice-Presidente do CSM contenda com o exercício de direito de defesa constitucionalmente assegurado ao arguido em processo disciplinar (art. 269.º, n.º 3, da CRP). Na verdade, a deliberação impugnada limitou-se a sanar o vício da incompetência que afetava aquele ato, sendo certo que, compulsada a reclamação apesentada, se constata que a Autora nem sequer aflorou tal questão nessa sede.

Acresce que não se reconhece qualquer ligação funcional entre o exercício do direito de defesa e o conhecimento da questão colocada nessa impugnação administrativa que essencialmente será apreciada neste acórdão.

Na verdade, e atenta a sequência temporal dos factos em apreço, a decisão de ratificação não tem a virtualidade de prejudicar a apreciação administrativa (e eventual e subsequente judicial) da pretensa falta de fundamento da decisão de conversão do inquérito em procedimento disciplinar que a Autora associa a essa invocação, já que, em virtude do princípio da decisão (cf. art. 13.º, n.º 1, do CPA) e da eficácia suspensiva da reclamação (cf. art. 167.º-A, do), continua a impender sobre o CSM o dever de tomar posição sobre tal aspeto. Note-se, de resto, que o processo disciplinar foi declarado suspenso pelo Senhor Vice-Presidente do órgão recorrido, o que torna premente tal decisão.

Cumpre, ainda, salientar que a apresentação dessa reclamação constitui o meio processualmente adequado[4] para reagir contra decisões do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura (cf. art. 166.º, do CSM), mostrando-se assim cabalmente exercitado o direito de defesa contra o ato por ele praticado.

Não cabe, por isso, reconhecer que se procedeu a destempo à ratificação do ato do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura e que tal é impeditivo do exercício cabal do direito de defesa que assiste à Autora.

Resta acrescentar que, em regra, o direito de defesa possui uma natureza instrumental, apenas assumindo a natureza de direito fundamental quando o direito que visa assegurar possua ele próprio essa índole[5].

Ora, não estando em causa, para já, a aplicação de uma sanção de natureza expulsiva (por via da qual estaria a ser colocado em causa o direito à segurança do emprego — cf. art. 53.º, da CRP), o direito de defesa não assume foros de direito fundamental.

Nessa medida, a pretensa limitação do direito de defesa jamais seria enquadrável na invalidade procedimental convocada pela Autora.

3. Analisemos agora a questão relativa à ilegalidade substantiva da decisão de converter o inquérito em processo disciplinar, por se ter recorrido a prova ilícita, consubstanciando-se esta em intromissão não admissível na reserva da vida privada.

Como atrás se expôs, a deliberação impugnada apenas sanou o vício da incompetência que afetava o ato praticado pelo Senhor Vice-Presidente do CSM, não tendo, dessa forma, tomado posição sobre o mérito da reclamação.

Todavia, tal não impede que, nesta sede, se aprecie a argumentação apresentada pela Autora, já que em «recurso contencioso interposto de acto de ratificação-sanação, nada obsta a que possa ser discutida e apreciada a legalidade do conteúdo do acto primário»[6]. Repare-se que a ratificação-sanação produz um efeito apropriativo, na medida em que absorve o conteúdo do ato primário[7], no caso o ato praticado pelo Senhor Vice-Presidente.

A argumentação apresentada pela Autora centra-se na consideração de que a informação reproduzida no ponto n.º 4 do elenco factual foi obtida com violação do direito à reserva da intimidade da vida privada[8] — previsto, no art. 26.º, n.º 1, da CRP, art. 12.º, da Declaração Europeia dos Direitos Humanos, art. 8.º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no art. 80.º, n.º 1, do Código Civil, e protegido por diversos tipos legais de crime, nomeadamente o art. 195.º, do Código Penal — o que impediria a sua utilização enquanto meio de prova no âmbito do processo disciplinar.

Vejamos.

No mundo atual, em que o cidadão se depara com um massivo desenvolvimento tecnológico e comunicacional altamente intrusivo e limitador da privacidade de cada um, e em que, a cada passo, se prefiguram crescentes necessidades securitárias, é inquestionável a necessidade de tutela do direito à reserva da vida privada[9].

O direito à reserva da intimidade da vida privada tem consagração constitucional no art. 26.°.  Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar inclui dois direitos menores: "(a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem"[10].

O "âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, com base num conceito de «vida privada» que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspetos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anominato; (3) o respeito da vida em relação"[11].

O direito à reserva da vida privada constitui um direito fundamental e simultaneamente um direito de personalidade ligado de forma estreita, direta e incindível à pessoa.  Considera­se que são direitos indisponíveis, embora o seu titular possa consentir numa certa limitação. São direitos gerais e absolutos aos quais se contrapõe uma obrigação geral de respeito.

A tutela da privacidade ou «vida privada», na expressão da lei, deverá ser definida por oposição ao conceito de «vida pública»[12]. Constitui o núcleo da vida privada os dados relativos à filiação, residência, número de telefone, estado de saúde, vida conjugal, amorosa e afectiva, os factos que decorrem dentro do lar, as informações transmitidas por carta ou outros meios de telecomunicações, os factos passados que caíram no esquecimento, objectos contendo recordações pessoais, situação patrimonial, encontros com os amigos, saídas e entradas de casa… "a pessoa tem em relação a estes acontecimentos, desde que sejam pessoais (…), um interesse de privacidade"[13].

Na verdade, a tutela da intimidade da vida privada vai excluir de proteção a liberdade da vida privada, os factos que o próprio interessado não resguarda dos outros.

No âmbito da atividade médica, o direito à reserva da vida priva assume especial proteção, pois a esfera do segredo é essencial na relação médico‑doente. Trata-se de uma relação que exige uma constante troca de informações impondo ao médico um dever de confidencialidade[14]. Este dever de confidencialidade decorrente do direito à reserva da vida privada engloba todas as informações de que o médico tenha conhecimento por causa da sua profissão.

Assim, aquele que tem conhecimento do segredo tem um dever de silêncio e um dever de preservar a inviolabilidade do segredo, violando este dever aquele que identifica os factos e as pessoas[15]. No que respeita ao segredo médico, este abrange “não só o tipo de tratamento sofrido pelo paciente, mas também que ele foi tratado ou apenas que ele visitou o médico”[16]. O segredo médico abrange o específico tratamento a que o paciente está a ser sujeito ou o dia, a hora ou o local em que o paciente procurou o médico[17].

A revelação de informações no âmbito do segredo apenas poderá ocorrer quando haja consentimento/acordo, nomeadamente, quando a pessoa a quem respeita o conteúdo das informações sigilosas permitir a sua divulgação, ou sempre que a própria pessoa titular daquela informação tiver divulgado essa informação. Nessa altura, aquilo que anteriormente estava no âmbito da sua reserva da vida privada, ou no âmbito da esfera privada, passou a integrar uma esfera de não reserva, uma esfera pública. Assim sendo, o acesso a dados de saúde apenas poderá ocorrer com o consentimento do titular dessa informação, ou sempre que de algum modo o titular os tenha divulgado.

Vejamos, então, o concreto e específico circunstancialismo em que foi obtida e utilizada a informação reproduzida no ponto n.º 4 do elenco factual.

A este respeito, cabe salientar que os conhecidos limites cognitivos deste Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto não inviabilizam que, no estrito âmbito do controle da legalidade, se sindique a eventual nulidade de meios de prova utilizados em processo disciplinar[18].

Regressando ao caso em apreço, há que, como dissemos, contextualizar o surgimento da informação reproduzida no ponto n.º 4 do elenco factual.

Note-se, em primeiro lugar, que a informação em questão foi, como resulta da consulta do processo disciplinar apenso, obtida após a anulação deliberada pelo Conselho Superior da Magistratura, de 20.04.2018, quanto à audição, como testemunha e com juramento, da Senhor Juíza ... (cfr. fls. 67-71); todavia, já após esta deliberação, e depois de o processo de inquérito ter sido atribuído a diferente inspetor, este último procedeu à recolha da informação em causa, pelo que é desprovido de sentido o que se alega no artigo 51.º da petição inicial.

E, como resulta do trecho do relatório final supra transcrito no ponto n.º 5 do elenco factual, o inquérito em causa destinou-se a averiguar o uso, pela Autora, de um atestado médico de conteúdo inverídico no que toca à data em que a mesma foi sujeita a uma intervenção cirúrgica. Sendo consabido que o segredo médico é, adicionalmente, um meio de tutela da reserva da vida privada (na medida em que respeita a elementos a ela atinentes[19]), percebe-se que o Senhor Inspetor Judicial tenha rodeado de particulares cautelas a solicitação da aludida informação (cfr. o despacho transcrito no ponto n.º 3 do mesmo elenco).

Conhecido este contexto, é indisputado que a sujeição a uma intervenção cirúrgica é um facto que se insere na esfera da vida privada da Autora[20], constituindo uma informação de saúde de que a mesma é titular [cfr. art. 3.º, n.º 1, al. a), da lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro].

Contudo, urge notar que, para efeitos de controlo da assiduidade/justificação de falta ao serviço, foi a própria Autora a revelar que fora submetida a uma intervenção cirúrgica numa determinada data[21]. Ora, como é sabido, o direito à reserva da vida privada é, à semelhança de outros direitos de personalidade, disponível pelo respetivo titular.

Assim, tendo sido a Autora a dar nota da ocorrência dessa intervenção numa data determinada, revelar-se-ia manifestamente abusivo admitir que a mesma pudesse opor o direito da reserva da vida privada para obstar a que se apurasse a veracidade da data comunicada. Tal corresponderia a uma nítida desvirtuação da função social[22] do aludido direito de personalidade que, a todas as luzes, não pode ser sancionada por corresponder a um claro abuso do direito.

Ora, não só foi a titular da informação que a retirou do âmbito privado, colocando-a na sua esfera pública, como se deve salientar que o direito à reserva da vida privada não é um direito absoluto. A Autora revelou aquela informação porque disso necessitou para justificar as suas ausências, assim ocorrendo uma restrição do direito em atenção à salvaguarda de outro interesse que a Autora quis preservar. A Autora, quando solicitou o atestado médico, admitiu a divulgação da informação que ali estava descrita — nomeadamente o dia em que teria sido sujeita a uma intervenção cirúrgica. Por isso, quando instado pelo Senhor Inspetor a reafirmar qual a data em que ocorreu a intervenção, o médico prontamente respondeu — na verdade, a autorização para a sua divulgação já lhe tinha sido dada pela Autora quando, em momento, lhe solicitou o atestado médico.

Acresce que a defesa da integridade e da veracidade nas relações profissionais, mormente naquelas que se estabelecem entre o juiz e o Conselho Superior da Magistratura, é um interesse valioso para a ordem jurídica; ora, perante uma denúncia quanto à inveracidade da informação contida em atestado médico, apresentado pela titular da informação, cabia ao Conselho Superior da Magistratura averiguar se deveres funcionais de verdade e lealdade tinham (ou não) sido violados. As limitações que poderiam existir quanto ao acesso à informação relativa à reservada da vida privada já não existiam a partir do momento em que a titular da informação as tinha divulgado mediante a apresentação do atestado médico.

Neste contexto, porque já não estávamos mais perante o acesso a informação no âmbito da reserva da vida privada, e dada a evidente premência para o apuramento de factos eventualmente subsumíveis a uma infração disciplinar[23], a obtenção da informação, na medida contida e estritamente observadora do direito à reserva da vida privada[24], e nos limites impostos pelo âmbito de divulgação do que já havia sido transmitido pela titular da informação, não se apresenta como ilícita.

Por isso, crê-se ser patente que a decisão recorrida não se mostra afetada de qualquer nulidade decorrente da utilização de prova proibida, sendo, pois, plenamente viável o recurso àquele meio de prova para sustentar a decisão de conversão do inquérito em procedimento disciplinar.

Porque vencida, as custas ficam a cargo da Autora (art. 527.º, n.º 1, do CPC).

Sendo o valor da presente ação o de € 30.000,01 (cf. art. 34.º, n.º 2, do CPTA), a taxa de justiça é de 6 unidades de conta (cf. tabela I - A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e art. 7.º, n.º 1, deste diploma).


III

Conclusão


Pelo exposto, acordam os juízes, que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao recurso.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de outubro de 2019

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

Graça Amaral

Oliveira Abreu

Alexandre Reis

Tomé Gomes

Manuel Augusto Matos

Ferreira Pinto

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Presidente da Secção)



_______________________
[1] Assim, Marcello CAetano , Manual de Direito Administrativo, tomo I, 10.ª ed., 5.ª reimpressão, Coimbra, p. 557 e Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/ Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., Almedina, p. 664.
[2] A delegação tácita ou legal de competências “verifica-se «(…) quando a própria lei considera delegadas num determinado órgão competências que atribui a outro, mantendo neste (…) o poder de revogar os actos praticados pelo delegado nessa matéria, bem como, em qualquer circunstância, o poder de fazer cessar a delegação, chamando assim o exercício da competência” — Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/ Pacheco de Amorim, ob. cit., p.. 213.
[3] Note-se que, no âmbito da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (artigo 231.º), a decisão de conversão que aqui está em causa é, similarmente, cometida à entidade que tem o poder de determinar a instauração de inquérito.
[4] Neste sentido, cf., entre outros, ac. do STJ, de 16.11.2014, proc. n.º 116/14.6YLSB in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/39a61e198979e26f80257db60050cb52?OpenDocument
[5] Assim, sumário do ac. do STJ, de 10.04. 2014, proc. n.º 100/13.7YFLSB in www.stj.pt; cf. também ac. do STA, de 24.10.2002, proc. n.º 044052, e ac. do STA, de 22.06.2010, proc. n.º 01091/08 in www.dgsi.pt
[6] Cita-se o sumário e o acórdão , do STA (3.ª Subsecção de Contencioso Administrativo) , de 14.04. 1999, proc n.º 041442 in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2ab73085e7eec3c2802568fc0039fb59?OpenDocument.
[7] Assim, José Pedro Fernandes, Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VII, pág. 10.
[8] Sobre os antecedentes históricos do direito a que vimos aludindo, v. RITA AMARAL CABRAL, O direito à intimidade da vida privada – Estudos em memória do Prof. Paulo Cunha, AAFDL, págs. 383 a 385.
[9] Neste ponto vai seguir-se de perto o já exposto pela relatora deste acórdão em Notas sobre a protecção de dados pessoais perante a informática (o caso especial dos dados pessoais relativos à saúde), RPCC, 1997, p. 231 e ss e Segredo Médico, RPCC, 2000, p. 629 e ss.
[10]            Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, p. 181.
[11]             Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 182.
[12]            Assim também, Rubenfeld «The right of privacy», Harvard Law Review, Vol. 102 (Feb. 1989), n.° 4, p. 805,807.
[13]            Paulo da Mota Pinto, O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1993, p. 526 e ss.
[14] A Lei de Bases da Saúde — lei 95/2019, de 04.09 — concede ao utente dos serviços de saúde o direito “à proteção da saúde com respeito pelos princípios da igualdade, não discriminação, confidencialidade e privacidade” [base 2, n.° 1, al. a)]  e considera que a “informação de saúde é propriedade da pessoa” (base 15, n.º 2). Considera que “profissionais de saúde os trabalhadores envolvidos em ações cujo objetivo principal é a melhoria do estado de saúde de indivíduos ou das populações, incluindo os prestadores diretos de cuidados e os prestadores de atividades de suporte” (base 28, n.º 1), e todos os profissionais de saúde, sem distinção entre pessoal médico, pessoal que presta cuidados de saúde e pessoa administrativo “pela relevante função social que desempenham ao serviço das pessoas e da comunidade, estão sujeitos a deveres éticos e deontológicos acrescidos, nomeada- mente a guardar sigilo profissional sobre a informação de que tomem conhecimento no exercício da sua atividade” (base 28, n.º 2).
[15] Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2012, art. 195°, § 38.
[16] Costa Andrade, Comentário…cit., art. 195°, § 21
[17] Já assim, Helena Moniz, Segredo médico cit. supra, p. 640.
[18] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2013, proferido no proc. nº 35/13.3YFLSB e sumariado em www.stj.pt
[19] Assim Paulo Mota Pinto, ob. cit., pág. 177.
[20] Sobre a integração de dados da saúde na esfera privada, cf. ac. do STJ, de 09.04.2003, in Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo II/2003, p. 159.
[21] O que não se coaduna com o facto de, em sede disciplinar, a Autora tenha recusado o consentimento à requisição de documentos respeitantes ao ato médico em causa (cfr. fls. 92).
[22] Que, relembra-se, assenta na proteção do controle da informação a si atinente.
[23] E, eventualmente, até ao crime previsto nos art. 260.º, n.º 5, do CP.
[24] Em sentido próximo, cf. ac. do STA, de 16.06.2011, proc. n.º 01106/09 in www.dgsi.pt.