RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CONTRAORDENAÇÃO
QUESTÃO DE DIREITO
QUESTÃO DE FACTO
CÚMULO JURÍDICO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I) O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, no âmbito contraordenacional laboral, é admissível nos termos dos artigos 437º a 448º, todos do Código de Processo Penal, por força do artigo 41º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e este também “ex vi” artigo 60º, do Regime Jurídico do Procedimento aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

II) Nos termos dos artigos 437º, n.º 2, do CPP, 54º, n.º 1, e 126º, n.º 2, estes da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a competência para dele conhecer pertence ao pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.
III) Para que se verifique oposição de julgados é necessário: a) que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; b) que as decisões em oposição sejam expressas; c) que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.

IV) A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos seus fundamentos.
V) No acórdão fundamento decidiu-se ter sido cometida a nulidade prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d), do CPP, aplicável por força dos artigos 60º, do RPCOLSS, e 41º, do RGCO, pelo que se ordenou a devolução dos autos à ACT porque, havendo conhecimento, na fase administrativa, da existência de outros processos de contraordenação instaurados contra a ali acoimada, entendeu-se que aquela devia ter-se pronunciado sobre o eventual concurso e se, fosse o caso, ter aplicado uma coima única.
VI) No acórdão recorrido entendeu-se que a decisão administrativa não padecia do vício da nulidade porque a ACT, desconhecendo a existência de mais algum processo contraordenacional instaurado contra a Recorrente, não é obrigada a proceder à averiguação oficiosa de todos os processos que a nível nacional corram contra a mesma, por inexistir disposição legal que o imponha.

VII) Inexistindo oposição de julgados, por a situação de facto de ambos os acórdãos não ser idêntica, é de rejeitar o recurso extraordinário interposto para fixação de jurisprudência.

Texto Integral

[Recurso para fixação de Jurisprudência – 4ª Secção][1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

            - Relatório:

           a). “AA, S. A.” interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência [uniformização de jurisprudência], nos termos dos artigos 437º a 448º, todos do Código de Processo Penal [CPP], por força do artigo 41º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro [RGCO], e este também “ex vi” artigo 60º, do Regime Jurídico do Procedimento aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro [RPCOLSS].

               

              b). Segundo a Recorrente, existe contradição entre o acórdão recorrido, proferido no Processo acima identificado, em 14 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal da Relação de Évora, e o acórdão de 21 de janeiro de 2016, proferido no Processo n.º 1216/15.0T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt, pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

               

               c). Para a Recorrente existe oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, pelos seguintes motivos:

                (…)

11. “Estabelece-se nos números 1 e 2 do artigo 437º do Código de Processo Penal que «quando no domínio da mesma legislação», «um tribunal da relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça», «cabe recurso para fixação de jurisprudência».

12. Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo estatui que «Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida» e do n.º 4 do referido preceito que «Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado».          

13. Incumbe, ainda, ao recorrente, «”[n]o requerimento de interposição do recurso […] identifica[r] o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica[r] a oposição que origina o conflito de jurisprudência[2]».

14. Tem sido entendido como contraditórios os Acórdãos que se pronunciaram de maneira oposta acerca de qualquer ponto jurídico ou seja «correspondam a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, o que implica, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica, i.e., que correspondam a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito - não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respetiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados».

15. A decisão judicial em apreço julgou como improcedente a nulidade invocada no que concerne à omissão de um ato que a lei prescreve como obrigatório - determinação oficiosa de se proceder ao cúmulo jurídico.           

16. No entanto, a decisão transitada em julgado nos presentes autos contradiz com um outro acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, relativamente a uma mesma questão - se existe ou não obrigatoriedade por parte da entidade administrativa de apensar oficiosamente todos os processos de contraordenação levantados contra determinado arguido, a fim de lhe aplicar uma coima única, sob pena de, não o fazendo, violar o disposto no art.º 19º, do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27.10 e incorrer na nulidade prevista no art.º 120º, n.º 2, alínea d), do Código do Processo Penal."

17. Em concreto, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.01.2016, processo n.º 1216/15.0T8VCT.G1, relator: ANTERO VEIGA, com o seguinte sumário: No cúmulo jurídico das sanções aplicáveis a uma arguida deve-se incluir não apenas as respeitantes às infrações cometidas dentro da área territorial da Delegação onde foram praticadas, mas também as sanções de todas as Infrações cometidas pela arguida em território nacional.

Disponível em dgsi.pt - http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a69Se4e7cb7S02579ec004d3S32/6e8dOfeef28e29e580257f7100597166?OpenDocument

18. Ambos os acórdãos, quer o recorrido quer o fundamento, consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação na medida em que o regime normativo que regulam as regras do instituto da apensação e cúmulo [artigos 19.º, 36.º e 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro; artigos 24.º e 120.º do Código Processo Penal, art.º 4º do Decreto-Regulamentar n.º 47/2012, de 31 de julho, artigo 60.º da Lei 107/2009, de 14 de setembro e artigo 32.º, n.º 10, da CRP] não sofreu, durante o intervalo da sua prolação, qualquer modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida que se levanta.

19. Na decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi decidido que "se impõe pois a aplicação de uma coima única nas situações de concurso, independentemente da área geográfico da entidade com competência para o procedimento. Tem razão o decisor em primeira instância quando refere que "não se compreende que por motivos de ordem prática e/ou dificuldades materiais e ou informáticas de qualquer ordem, não emergindo da lei contraordenacional laboral a impossibilidade de realizar/obter o cúmulo jurídico, se desvirtue um regime legal que se afigura imperativo''.

20. Constata-se assim que a figura do cúmulo jurídico em matéria de contraordenação, presente no artigo 19.º do DL 433/82, 27.10, se eleva a instituto cujo cumprimento é obrigatório para a entidade administrativa, independentemente de qualquer constrangimento operacional para a obtenção do conhecimento.

21. O que se compreende na medida em que, de acordo com o princípio da igualdade de armas, se a entidade administrativa releva oficiosamente outros institutos que possam determinar a agravação da moldura sancionatória, como a reincidência, não se mostra como admissível a falta de determinação da apensação e cúmulo jurídico quanto a outros processos de contraordenação.

22. Em sentido antagónico, o Tribunal “ad quo” considerou que não compete à entidade administrativa proceder à averiguação oficiosa de outros processos de contraordenação que a nível nacional estejam a correr contra determinado arguido por não inexistir dever legal para tal.     

23. Verifica-se assim que a interpretação dada ao regime jurídico do cúmulo jurídico em matéria de contraordenação, presente essencialmente no artigo 19.º do DL 433/82 de 27 de outubro, não se mostra uniforme na jurisprudência superior considerando que existem decisões a determinar o dever da entidade administrativa de proceder oficiosamente ao cúmulo e outras a imporem que esse dever apenas é exigível de cumprir quando for solicitado.

24. Importa então que seja uniformizada a interpretação quanto à regra ínsita no artigo 19.º do DL 433/82 de 27 de outubro no que respeita à circunstância da obrigação da entidade administrativa se proceder à apensação de todas as contraordenações imputadas a determinado arguido com vista à fixação de uma coisa única - cúmulo jurídico.

25. E evitar em contraponto a aplicação de coimas diversas, o que equivale a um cúmulo material, ao arrepio da imposição legal de realização de cúmulo”.

               Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, extraordinário de fixação de jurisprudência, seguindo o recurso os seus ulteriores termos, designadamente ser a Recorrente notificada, nos termos do disposto no art.º 442°, n.º n.ºs 1 e 2, para apresentar as suas alegações e conclusões.

*****

               d). O Mº Pº junto do Tribunal da Relação de Évora respondeu ao recurso, alegando que o mesmo deve ser rejeitado, por não haver oposição de julgados.

               

                Como fundamento da sua posição, alega o seguinte:

                “1. (…)

             Segundo a opinião do recorrente o identificado acórdão encontra-se em oposição com o acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 21.01.2016, transitado em julgado, [no âmbito do Processo n.º 1216/15.0T8VCT.G1 e não n.º 50/03.5TAFAR[3] e publicado em www.dgsi.pt].

 

               2. De harmonia com o estatuido no artigo 437° do CPP é admissível recurso extraordinario para fixação de jurisprudência quando, no domínio da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito, "um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça e dele não seja admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça” (n.º 2).

               "Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida" (n.º 3).

               Só pode invocar-se, como fundamento do recurso, acórdão anterior transitado em julgado (id. n.º 4), justificando o recorrente “a oposição que origina o conflito de jurisprudência” (id. artigo 438º, n.º 2).

               3. Podemos dizer que a lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial – art.ºs 437º, n.ºs 1, 2 e 3 e 438º n.ºs 1 e 2, do CPP.

Entre os primeiros a lei enumera:
- A interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido;
- A invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso;
- A identificação do acórdão fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição, indicando-se o lugar da sua publicação, se estiver publicado;
- O trânsito em julgado de ambas as decisões.

Entre os segundos, conta-se:
- A justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência;
- A verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.

               Segundo a doutrina seguida no Supremo Tribunal de Justiça, os requisitos substanciais ocorrem quando:
- As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;
- As decisões em oposição sejam expressas;
- As situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões idênticos.

               4. Se, bem que, os requisitos formais se verifiquem, outro tanto, não direi quanto aos substanciais.

               5. O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender uniformemente, no domínio do CPC, entendimento que tem mantido no âmbito do CPP que: "é indispensável para se verificar a oposição de julgados: a) que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; b) que as decisões em oposição sejam expressas; c) que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos. A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos seus fundamentos” - (Ac. Do STJ de 89.10.13, AJ, n.º 2).

               6. Aos requisitos resultantes diretamente da lei juntou esta jurisprudência outros dois requisitos: identidade dos factos contemplados nas duas decisões e decisão expressa e não só oposição entre as razões de direito (cf., por todos, os Acs. de 69-02-21, BMJ, n.º 184, pág. 249 e 63.02.19, BMJ, n.º 124, pág. 633) – cf. Simas Santos, Leal Henriques e David Borges de Pinho, CPP, anotado, 2º volume, página 657.         

               7. Volvendo ao caso concreto, no Acórdão recorrido decidiu-se: "Não constando do processo administrativo de contraordenação, referente à arguida, qualquer menção à existência de um outro processo contraordenacional em situação de concurso, a ACT, ao não determinar a respetiva conexão, não praticou qualquer nulidade, designadamente a prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 120º, do Código de Processo Penal, uma vez que desconhecia a existência dessa conexão e não lhe compete, por inexistência de dispositivo legal nesse sentido, proceder à averiguação oficiosa de todos os processos contraordenacionais a nível nacional que estejam pendentes contra a arguida”.

               A situação concreta não é equiparável à que foi tratada no Acórdão fundamento. Se não vejamos. É a seguinte a decisão aqui tomada:

               "A autoridade administrativa deveria ter analisado os processos existentes para averiguar a existência de uma eventual situação de concurso de contraordenações e apreciar a necessidade da aplicação de uma coima única, e que por o ter omitido, como determina o artigo 19º, do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, gera a nulidade da decisão impugnada, nos termos do artigo 120º, n.º 2, alínea d), do CPP, aplicável por força dos artigos 60º, da Lei n.º 107/2009, e 41º, do DL n.º 433/82 (…), determinando-se a devolução à Autoridade Administrativa do processo de contraordenação”.

               8. Ora, remetendo para a leitura dos acórdãos (fundamento e recorrido) inexiste identidade nas duas decisões proferidas.

               Uma coisa é ter conhecimento da existência de outros processos de contraordenação, o que obriga a entidade administrativa a apreciar a necessidade de aplicação de uma coima única, por via do concurso de infrações, outra, bem diferente, é a entidade administrativa desconhecer a existência dessa conexão, não lhe competindo, por inexistência de dispositivo legal nesse sentido, proceder à averiguação oficiosa de todos os processos contraordenacionais a nível nacional que estejam pendentes”.

               Termina dizendo que o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deve ser rejeitado nos termos do artigo 441º, n.º 1, do CPP.

II

               

                - Fundamentação:

               O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 440º, n.º 1, do CPP, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por ser inadmissível, dado serem diversas as situações tratadas em cada um dos acórdãos [recorrido e fundamento], e, por isso, não se verificar a oposição de julgados.

               “Na verdade”, afirma ele, “enquanto no acórdão fundamento existia conhecimento de outros processos de contraordenação, facto que obrigava a entidade administrativa a aplicar uma única coima, atento o concurso de infrações, já o mesmo não se verifica no que tange ao acórdão em análise, em que se demonstrou um total desconhecimento da existência de outras contraordenações praticadas pela ora recorrente, acrescendo a ausência de qualquer dispositivo legal que obrigue a entidade administrativa ou qualquer outro Serviço, a averiguar sobre a existência de outras contraordenações que possam conduzir à conexão respetiva”.

               

                Notificado à Recorrente, ao abrigo do artigo 3º, n.º 3, do CPC, aplicável por força do artigo 4º, do CPP, por ela não foi emitida qualquer pronúncia.

               Foi, pois, cumprido o contraditório relativamente à posição do Mº Pº [de rejeição do recurso].

*****

 

               Nos termos dos artigos 437º, n.º 2, do CPP, 54º, n.º 1, e 126º, n.º 2, estes da Lei de Organização do Sistema Judiciário, é admissível recurso de fixação de jurisprudência contraordenacional para o pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça[4].

                O recurso foi interposto do acórdão proferido, em 14 de fevereiro de 2019, pelo Tribunal da Relação de Évora, no processo contraordenacional n.º 1418/18.8T8STR.E1, levantado pela “ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho”, contra a aqui Recorrente e ali acoimada.

                Acresce que do mesmo não é admissível recurso ordinário[5].

                Por sua vez, o acórdão fundamento foi proferido, em 21 de janeiro de 2016, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo n.º 1216/15.0T8VCT.G1.

               O recurso foi, pois, interposto do acórdão proferido em último lugar.

*****

               Verifica-se, também, que os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação – artigos 60º, do RPCOLSS, 19.º, 32º, 36.º e 41.º todos do RGCO, artigos 24.º e 120.º do CPP, 4º do Decreto-Regulamentar n.º 47/2012, de 31 de julho [Reestruturação da Autoridade para as Condições do Trabalho] e 32º, n.º 10, da CRP.

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                Contudo, a situação de facto não é a mesma.

               Na verdade, as situações concretas de cada acórdão, recorrido e fundamento, não são equiparáveis, o que determina a inexistência de identidade de decisões.

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               Ora, no acórdão fundamento havia sido junto ao processo contraordenacional, na sua fase administrativa e antes da decisão condenatória, um registo com a epígrafe “registo para efeitos de reincidência”, verificando-se que ali constavam, pelo menos, oito infrações praticadas, pela ali acoimada, em eventual concurso.

               

               Por isso, decidiu-se, nesse acórdão, que a ACT “tendo conhecimento destas situações de concurso, deveria ter-se pronunciado sobre o mesmo, aplicando a lei e fixando a pena única sendo caso”.

                Em suma:

              - No acórdão fundamento, havendo conhecimento, nos autos, da existência de outros processos de contraordenação instaurados contra ali a acoimada, entendeu-se que a ACT devia ter-se pronunciado sobre o eventual concurso e se, fosse o caso, ter aplicado uma coima única.

               Ao não o ter feito, decidiu-se ter sido cometida a nulidade prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d), do CPP, aplicável por força dos artigos 60º, do RPCOLSS, e 41º, do RGCO, e, consequentemente, ordenou-se a devolução dos autos à autoridade administrativa.

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               Por seu lado, no acórdão recorrido, nomeadamente na fase administrativa dos autos, não há referência a qualquer outro processo contraordenacional instaurado contra a Recorrente, sendo certo que esta, por requerimento que apresentou, deu conhecimento à respetiva autoridade administrativa da existência de um processo que estaria em conexão com este.

               

               Ora, pronunciando-se sobre o mesmo, a ACT determinou a sua conexão.

               Assim, não se fazendo alusão a qualquer outro processo contraordenacional instaurado contra a acoimada, apesar de existir e de ser do conhecimento da Requerente, mas que do mesmo não deu conhecimento nos autos, decidiu-se, no acórdão recorrido, que a ACT não praticou qualquer nulidade, nomeadamente a prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 120º, do CPP, porque, desconhecendo a sua existência, não podia ter determinado a sua conexão, ou seja, não podia ter procedido à sua apensação.

                Em suma:           

                - Dado o desconhecimento, pela ACT, da existência de mais algum processo contraordenacional, instaurado contra a Recorrente, entendeu-se que a decisão administrativa não padece do vício da nulidade, por não competir à entidade administrativa proceder à averiguação oficiosa de todos os processos que a nível nacional estejam a correr contra a mesma.

               E não padece desse vício ou de qualquer outro porque inexiste disposição legal que a obrigue a fazer oficiosamente essa pesquisa.

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               Por fim, o acórdão recorrido reconhece a divergência da situação de facto dos autos com a do acórdão fundamento.

                A este respeito nele consta o seguinte:

               “Atente-se que o próprio acórdão citado do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 21.01.2016, no âmbito do processo n.º 1216/15.0TSVCT.G1, parte do pressuposto que a entidade administrativa teve prévio conhecimento das situações em concurso, conforme parte que se cita:

- Tendo conhecimento destas situações de concurso, deveria a entidade administrativa ter-se pronunciado sobre o mesmo, aplicando a lei e fixando a pena única sendo caso”.

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               Conclui-se, pois, que não se está perante uma mesma questão de direito, uma vez que no acórdão fundamento havia notícia, no processo administrativo contraordenacional, da existência de outros processos contraordenacionais em situação de concurso, e que, no acórdão recorrido, desconhecia-se, por completo, a existência de qualquer outro processo contraordenacional instaurado contra a Recorrente.

III

               Resulta do exposto que inexiste oposição de julgados por a situação de facto de ambos os acórdãos não serem idênticas.

               É, assim, de rejeitar este recurso extraordinário para fixação de jurisprudência – artigos 420º, n.ºs 1, alínea a), e 2, 441º, n.ºs 1 e 3 e 419º, n.ºs 1 e 2, todos do CPP, aqui aplicáveis por força dos artigos 60º, do RPCOLSS, e 41º, n.º 1, do RGCO.

IV

         - Decisão:

               Pelo exposto delibera-se rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

               Condena-se a Recorrente no pagamento das custas que se fixam em 5 Unidades de Conta [artigo 420º, n.º 3, do CPP].

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Lisboa, 2019.10.23

Ferreira Pinto – (Relator)

Chambel Mourisco

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[1] - N.º 001/2019 - Fixação Jurisprudência – (FP) – CM
[2] - Artigo 438º, n.º 2, do CPP.
[3] - Há lapso evidente na identificação do processo fundamento – tem o n.º 1216/15.0T8VCT.G1 e não 50/03.5TAFAR.
Na jurisprudência da Relação de Guimarães com data de 21.02.2019, publicada em www.dgsi.pt não se encontra qualquer processo com esta numeração.
[4] - O recurso de Fixação de Jurisprudência é admissível quando estejam em causa acórdãos da mesma Relação ou de diferente Relação que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, e no domínio da mesma legislação, desde que não haja jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou havendo, esta não seja no sentido do acórdão proferido em segundo lugar.
[5] - Em processo contraordenacional laboral só é admissível recurso ordinário até ao Tribunal da Relação – artigo 49º, do RPLCOSS.