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RECURSOS HÍDRICOS
INTERESSE PÚBLICO
LOCALIZAÇÃO
IMÓVEL
VALORIZAÇÃO
PARECER TÉCNICO
VALOR DA EMISSÃO DE PARECER
AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE
Sumário
I - A razão de introdução do regime simplificado da al. c) do nº5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005 (Estabelece a titularidade dos recursos hídricos) que se traduz em simplificar o regime de prova, sem prejuízo considerável para o interesse público, está nas próprias condições instituídas pela norma para a respectiva aplicação, isto é, estamos perante zonas urbanas consolidadas, já estabilizadas, onde não há risco de erosão ou de invasão do mar e onde há já alguma segurança jurídica a tutelar por força da parcela de terreno estar ocupada com construção anterior a 1951, cujo controlo de construção não foi feito pelo facto de apenas depois dessa data ele ter começado a fazer-se. II - Para aferição do requisito exigido na al. c) do nº5 do artigo 15º da Lei nº 54/2005, traduzido na localização do prédio fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, o tribunal não pode deixar de valorar a classificação administrativa vigente para determinado recurso hídrico, nem pode deixar de valorar a pronúncia que sobre essa matéria emitir a Agência Portuguesa do Ambiente, IP, autoridade nacional da água, nomeadamente ao nível do cadastro e do registo, nem pode deixar de valorar as particularidades do prédio em apreciação.
Texto Integral
Proc. nº 240/17.3T8ESP.P1
Ação de Processo Comum
Acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.
1. B… Lda, com sede na Rua …, n.º …, freguesia, …, …. – … Espinho, instaurou a presente ação declarativa sob a forma comum contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, peticionando seja declarado e reconhecido que a autora é proprietária do prédio que identifica, com a área total de 133 m2.
2. Alegou para o efeito e em síntese a cadeia de transmissões e atos materiais pela qual invoca o direito de propriedade sobre o prédio que identifica, o qual apesar de ter sido inscrito na matriz predial urbana em 1938, foi construído antes desta data, mas cuja implantação se manteve inalterada, com frente para a Rua 2 de Espinho, ou seja, virada para o mar. Alegou ainda que o prédio encontra- se inserido em zona urbana consolidada tal como definido na o) do artigo 2º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), estabelecido pelo D.L.555/99 de 16/12 alterado pelo D.L.136/2014 de 9 de setembro, que o prédio situa-se frente ao mar e dentro da faixa de 50 m de largura a contar da linha da máxima praia-mar das águas vivas equinociais, na denominada margem das águas do mar, pelo que requer o reconhecimento do direito de propriedade a fim de permitir a conclusão do processo de licenciamento de obras que apresentou na Câmara Municipal de Espinho.
3. Devidamente citado contestou o réu Estado Português, alegando, em síntese: (i) que a autora não identificou devidamente o prédio nem juntou documento ou planta topográfica que permita apurar a sua posição em relação ao domínio hídrico, mas que o prédio em causa ocupa uma parcela de margem do mar, “presumindo-se pública”; (ii) que não foi junta pela autora qualquer auto de delimitação do domínio público hídrico, nem informação de processo de delimitação em curso para a zona em apreço; (iii) que a exceção invocada pela autora, ao abrigo da al. c), do n.º 5, do art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005 refere-se apenas a parcelas que se encontrem fora da zona de risco de erosão ou invasão do mar, “o que não é o caso dos autos”, na posição do réu.
4. Por decisão de 20-09-2017 foi fixado à ação o valor de 90.000€ e declarada a Instância Local de Espinho da Comarca de Aveiro incompetente para apreciar a presente ação e competente a Instância Central Cível da Comarca de Santa Maria da Feira.
5. Procedeu-se ao saneamento dos autos, no qual foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, tendo sido fixado como objeto do litígio: “aferir do reconhecimento da propriedade, fundada na posse, de uma parcela da margem do mar, sobre a qual se encontra edificado o prédio urbano constituído por uma casa de um pavimento com terraço na cobertura e quintal, com área total de 133m2, sito na Rua …, nrs. … e …, freguesia …, concelho de Espinho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º 2119/20060929 e inscrito na matriz urbana sobre o art.º 23.º, ao abrigo do disposto no art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro”.
6. Foram fixados os seguintes temas de prova:
«1) Se o prédio identificado pela autora, na parte virada para o mar, encontra-se dentro da faixa de 50 m de largura a contar da linha da máxima praia-mar das águas vivas equinociais, na denominada margem das águas do mar;
2) Se a autora, por si e seus antepossuidores, há mais de 80 anos sem interrupção, têm usado a parcela de 133m2, na parte enunciada em 1), fruindo-a e cedendo o seu gozo, a título gratuito ou oneroso, na convicção de que exerce um direito próprio que é de propriedade, pagando os impostos, com o conhecimento da generalidade das pessoas, designadamente dos proprietários dos prédios confinantes e moradores das redondezas e sem a oposição de quem quer que seja.
3) Se a concreta parcela de 133m2, objeto dos presentes autos, encontra-se fora de zona de risco de erosão e de invasão do mar.
4) Se, entre o prédio identificado pela autora e o mar existe um passeio com 2,35 metros de largo, uma bainha de estacionamento para veículos com 1,90 metros de largo, faixa de rodagem com 3,45 metros de largo, degrau de passeio com 0,32 metros de largo, faixa de circulação de bicicletas com 2,05 metros de largo, passeio marítimo com 5,05 metros de largo e um muro com 0,65 metros de largo por outro tanto de altura a separar o passeio do areal.
5) Se, do prédio identificado pela autora até ao início do areal da praia distam 16 metros, com separação entre o areal da praia e o passeio marítimo assegurada por muro construído em betão, com 65 centímetros de espessura.
6) Se na Rua …, em Espinho, todos os prédios aí situados, incluindo o prédio identificado pela autora, encontram-se implantados na parte nascente da rua e se a mesma constitui zona urbana consolidada.»
7. Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância das formalidades legais. Após o encerramento da audiência final, o Tribunal procedeu à reabertura da audiência e, por despacho de 15-11-2018, determinou «a notificação da Agência Portuguesa de Ambiente para informar se com referência ao prédio dos autos e, em complemento da declaração desta Entidade junta a fls. 80, se o mesmo prédio se encontra igualmente excluído da zona de erosão e invasão do mar, considerando-se nesta sede os elementos existentes desde a data da instauração da ação». Após resposta da referida entidade, junta a fls 108, as partes pronunciaram-se sobre a mesma, por escrito, no processo.
8. Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou o réu Estado Português a reconhecer que a autora B…, Lda, é proprietária do prédio, fundada na posse privada, de uma parcela da margem do mar, sobre a qual se encontra edificado o prédio urbano constituído por uma casa de um pavimento com terraço na cobertura e quintal, com área total de 133m2, sito na Rua …, nºs … e …, a confrontar de norte com C…, de sul com Edifício …, de nascente D… e de poente com Rua …, da freguesia, …, concelho de Espinho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º 2119/20060929 e inscrito na matriz urbana sobre o art.º 23.º, ao abrigo do disposto no art.º 15.º, da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro. 9. Inconformado, o Estado Português , representado pelo Ministério Público, interpôs recurso de apelação, com impugnação do facto provado nº da decisão de facto e formulou as seguintes Conclusões:
1. O Estado foi aqui condenado a reconhecer a propriedade privada de um prédio id. na P.I. com a área de 133m2.
2. O Ministério Público não se conforma com a matéria de facto provada e consequente condenação do Estado.
3. Considera que, face à prova produzida em audiência, bem como à que consta dos autos, foi incorrectamente julgado o facto que consta do artigo “11” dos factos provados.
Questão prévia do ónus da prova:
4. A presente acção tem como objecto o reconhecimento de propriedade privada, assente no disposto no art. 15º, da Lei 54/2005, de 15.11.
5. A A. pede que seja reconhecida a propriedade do solo da parcela de terreno sobre a qual se encontra edificado o prédio urbano, com área total de 133m2,
6. Invoca a excepção prevista na alínea c), do nº. 5, do art. 15º, da Lei 54/2005, que exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos relativos ao prédio cujo reconhecimento da propriedade se requer: se integre em zona urbana consolidada, esteja fora da zona de risco de erosão e de invasão de mar e se trate de construção edificada no solo desde data anterior a 1951.
7. Resulta do disposto nos arts. 3º e 4º da Lei 54/2005, que o leito e a margem das águas do mar estão compreendidos no domínio marítimo (hídrico), e integram o domínio público do Estado, sem prejuízo de ser possível o reconhecimento de propriedade privada de parcelas de tais leitos e margens mediante o cumprimento, pelos particulares interessados, do estabelecido no referido art. 15º, dessa mesma lei.
8. Ou seja, não existe qualquer presunção de prova a favor do particular, muito pelo contrário.
9. O art. 15º da Lei 54/2005 é um mecanismo excepcional: a coisa pública é do domínio público, permitindo a lei o reconhecimento através do tribunal comum da propriedade privada de certas parcelas, mediante uma prova segura e exigente.
10. O Estado é titular único do domínio marítimo, nos termos da Lei 54/2005, e è à A. que incumbe provar os factos constitutivos do direito que pretende ver declarado.
11. Ora a A. não logrou provar nos autos de o prédio cuja propriedade privada pretende ver reconhecida, se encontra fora da zona de risco de erosão ou invasão do mar.
Da matéria de facto:
12. O Mm. Juiz fundamentou a prova do facto referido no ponto “11”, no depoimento da testemunha E…, e nos documentos elaborados pela Agência Portuguesa do Ambiente, e que constam de fls. 80 e 100 dos autos.
13. Mas nem do depoimento da referida testemunha, nem dos referidos documentos, se retira a prova de que o prédio aqui em apreço esteja fora da zona de risco de erosão ou invasão do mar, muito pelo contrário.
14. A testemunha
E… limitou-se a referir que «o prédio em causa se encontra fora da zona de erosão e de invasão do mar no POOC» – conforme áudio do dia 10.10.2018, relativo a esta testemunha, minuto 02m40seg.
15. Ao contrário do que se encontra plasmado na fundamentação de facto da sentença recorrida, nunca esta testemunha referiu que o prédio em causa se encontra fora da zona de erosão e de invasão do mar no PDM, mas sim no POOC, pelo que nesta parte a fundamentação está errada.
16. Também não é verdade que o depoimento desta testemunha esteja conforme o teor da declaração emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente de fls. 80.
17. Essa declaração apenas refere que: «a carta síntese do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha- Espinho em vigor não classifica o local como zona de risco». Aí não é feita qualquer referência nem a zona de erosão nem a de invasão do mar.
18. A referida testemunha começou por afirmar que«o prédio em causa se encontra fora da zona de erosão e de invasão do mar no POOC» – conforme áudio do dia 26.10.2018, minuto 02m40seg.
19. Mas quando confrontada com o teor da declaração emitida pela Agência Portuguesa de Ambiente de fls. 80, mudou o seu depoimento.
20. Quando confrontada com o facto de a referida declaração apenas fazer referência a «fora da zona de risco», e inquirida sobre qual a diferença entre zona de risco e zona de invasão de mar, o seu depoimento já foi bem diferente – conforme áudio do dia 26.10.2018, minuto 09m.
21. Começou por explicar que se trata de dois conceitos diferentes e explicou porquê: que zona de risco se reporta à erosão costeira, e esclarece que tal ocorre quando «há erosão e a maré vai retirando a costa, vai fazendo com que as dunas sejam movimentadas», e que invasão de mar é o «que o próprio nome indica».
22. Ou seja, são dois vectores completamente distintos, significando “zona de risco” a erosão costeira (retirada de areia pelas marés), e “invasão do mar” ocorre, como o próprio nome indica, quando existe o risco do próprio mar invadir do prédio.
23. Mais esclareceu essa testemunha que estes dois vectores «podem ser cumulativos ou não» – conforme áudio do dia 26.10.2018, minuto 10m.
24. Confrontada com o facto de, da declaração emitida pela Agência Portuguesa de Ambiente de fls. 80, constar apenas a referência a “zona de risco”, a testemunha referiu que tal poderá dever-se ao facto de em Espinho, e naquela zona específica não haver perigo de erosão costeira, segundo o POOC actualmente em vigor - – conforme áudio do dia 26.10.2018, minuto 11m.
25. Pelo que, afirmar-se na fundamentação de facto da sentença recorrida, que o depoimento da testemunha E… está conforme ao teor da declaração de fls. 80, e que da conjugação desses dois vectores resulta provado o vertido no ponto “11” dos factos provados, não é correcto nem verdade.
26. Existe contradição na fundamentação de facto quando refere que a referida testemunha afirmou que: «… a declaração da APA ao se referir apenas à questão da zona de risco e não de invasão do mar, resulta de no concelho de Espinho não haver qualquer zona de invasão do mar.»
27. Omitiu-se o mais importante do depoimento dessa testemunha: a mesma não se limitou a dizer isso, tendo acrescentado àquela frase, como supra já referido, o seguinte:
«segundo o POOC actualmente em vigor» – conforme áudio do dia 26.10.2018, minuto 11m.
28. Ora a mesma testemunha não pode numa parte do seu depoimento ter referido que o prédio se encontrava «fora da zona de erosão e de invasão do mar (em conformidade com a declaração emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, junta a fls. 80) …)», e noutra «que a declaração da APA ao se referir apenas à questão da zona de risco e não de invasão do mar, resulta de no concelho de Espinho não haver qualquer zona de invasão do mar…»
29. Uma declaração está em contradição com a outra, e por isso o raciocínio que serviu de base à fundamentação de facto relativamente a esta testemunha está inquinada.
30. Também não resulta das declarações da Agência Portuguesa do Ambiente a prova do facto contido no ponto “11” da matéria de facto provado.
31. Na declaração da Agência Portuguesa do Ambiente de fls. 80, refere-se que: «a carta síntese do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha- Espinho em vigor não classifica o local como zona de risco».
32. Por sua vez a declaração de fls. 100 refere que o prédio aqui em causa: “não se encontra classificado como zona de risco”.
33. Mais acrescenta que: «considerando os elementos existentes desde a data da instauração da presente acção (20.10.2017), isto é, estudos científicos mais recentes que suportaram a proposta do Programa da Orla Costeira Caminha-Espinho (POC-CE), actualmente em discussão pública, insere o prédio urbano em causa, na faixa de salvaguarda à erosão costeira e faixa de salvaguarda ao galgamento e inundação costeira, ambas nível I, correspondendo a cenário temporal 2050. A primeira faixa corresponde à área terrestre em que há probabilidade de erosão (possível migração da linha de costa para o interior) e a segunda faixa corresponde à probabilidade de ocorrência de galgamentos ou inundações costeiras pelo oceano, tendo em conta os cenários de subida no nível médio da água do mar expectáveis e de ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos.»
34. Ou seja, esta última informação da Agência Portuguesa do Ambiente confirma que, actualmente, se entende que o prédio se insere em zona de erosão e de invasão do mar.
35. E esclarece que tal entendimento deriva dos estudos científicos mais recentes que suportaram a proposta do Programa da Orla Costeira Caminha-Espinho (POC-CE), e que esta se encontra ainda “em discussão pública”.
36. Ou seja, actualmente, os peritos da referida entidade, entendem que o prédio se insere em zona de erosão e de invasão do mar.
37. E que esta conclusão está plasmada na proposta do Programa da Orla Costeira Caminha-Espinho (POC-CE), que não está ainda em vigor, por se encontrar em fase de em discussão pública.
38. Mas o Mm. Juiz entendeu que este facto obsta a que se possa considerar como provado que o prédio aqui em causa se insere em zona de erosão e de invasão do mar.
39. Justifica-se que: «nesta matéria o Tribunal só pode considerar e relevar o POOC vigente e não qualquer projecto, proposta ou estudo ainda em discussão».
40. Tal não é correcto nem possui qualquer fundamento legal.
41. Resultando do depoimento da testemunha E… que “zona de risco” e “de invasão de mar” são realidades e conceitos diversos, nunca poderia o Mmº Juiz fazer a interpretação extensiva que fez das declarações emitidas pela Agência Portuguesa do Ambiente (e que constam de fls. 80 e 100).
42. Porque, não obstante as referidas declarações referirem que o prédio aqui em causa apenas se encontra fora da “zona de risco”, o Mm. Juiz entendeu que tal significava também que o mesmo se encontrava fora de zona de “ invasão do mar” Tais conceitos são diversos e essa interpretação não pode ser efectuada.
44. E sempre tal interpretação não poderia colher face ao referido pela Agência Portuguesa do Ambiente a fls.100, de que, actualmente, se entende que o prédio se insere em zona de risco e de invasão de mar.
45. A A. invoca a excepção prevista na alínea c), do nº. 5, do art. 15º, da Lei 54/2005, mas em apreciação neste recurso está apenas a prova ou não do seguinte requisito: parcelas que se encontrem fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar.
46. Sobre o modo como este requisito se deve considerar como provado há dois entendimentos: um defende que todos os requisitos previstos na al. c), do nr. 5, do art. 15º, da Lei 54/2005 obedecem à exigência efectuada na parte final dessa mesma alínea - «documentalmente comprovado», e outro que, esta exigência de prova documental se cinge apenas ao último requisito: «ocupados por construção edificada no solo é anterior a 1951».
47. Qualquer que seja posição, o que se retém é que quando o legislador entendeu exigir uma prova qualificada o fez – exigindo que determinados requisitos apenas fossem provados por documento.
48. Mas esse mesmo legislador, não exigiu que nenhum desses requisitos fosse apenas considerado como provado por recurso a um documento administrativo ou à classificação oficial do prédio cuja propriedade se discute.
49. Em nenhum lado da referida lei se exige que o requisito «fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar» apenas possa ser provado pelo POOC em vigor na data da entrada da acção judicial.
50. A prova de que um prédio se encontra fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar exige determinados conhecimentos específicos, pelo que, apenas poderá ser considerado como provado mediante prova pericial, ou mediante prova efectuada por um documento oficial que assim classifique o prédio.
51. Nunca a lei restringe essa prova à classificação que o POOC vigente faz do prédio.
52. O que deve relevar é a efectiva situação de facto do prédio em relação ao domínio hídrico, neste caso concreto o mar.
53. Dos autos consta que o prédio actualmente se insere em zona de risco e de invasão do mar, e tal resulta de estudos efectuados, conforme foi informado pela Agência Portuguesa do Ambiente a fls.100.
54. Mas esta prova foi completamente desvalorizada pelo Mm. Juiz, sem que haja qualquer fundamento legal para tal.
55. A declaração de fls. 100 é uma informação prestada pela Agência Portuguesa do Ambiente, que é a entidade competente para aferir a posição dos prédios relativamente ao domínio hídrico, e por isso, uma prova com validade reforçada e equivalente a uma perícia, uma vez que se baseia em estudos efectuados propositadamente com aquela finalidade.
56. No entanto, e sem qualquer base legal para o efeito, o Mm. Juiz desvalorizou tal prova, entendendo que apenas podia valorar o teor do POOC ainda em vigor.
57. Tal não é correcto, uma vez que a real situação de facto do prédio é o que deve relevar para aferir da sua posição relativamente ao domínio hídrico.
58. A própria exposição de motivos da Lei 54/2005 reflecte isso mesmo quando refere que: «… quando situadas fora da zona de risco, que constitui a preocupação fundamental deste regime, ou das margens de águas interiores não sujeitas à jurisdição marítima, pois é nestas últimas que incidem com maior acuidade os valores da segurança de pessoas e bens e da protecção da natureza e do ambiente, subjacentes à tutela da dominialidade.» (sublinhado meu)
59. A grande preocupação da lei é evitar serem considerados privados prédios que se situem em zona de risco, por motivos de protecção das pessoas e bens, bem como da natureza.
60. Não se percebe por isso, que um prédio que actualmente se sabe estar em zona de risco de invasão do mar, e que, apenas por tal realidade não se encontrar ainda reflectida no POOC, seja aqui considerado como fora dessa zona de risco.
61. O facto do POOC em vigor se encontrar desactualizado da situação de facto em que efectivamente o prédio se encontra, não implica que não possa ser valorada a efectiva situação desse prédio face ao domínio hídrico.
62. O entendimento aqui perfilhado pelo Mm. Juiz coloca em perigo pessoas e bens, situação essa que a lei mais quis acautelar.
63. O que aqui deve ser valorado é a concreta, actual e real situação do prédio, e não uma classificação administrativa efectuada há muitos anos, a qual se encontra precisamente por isso em fase de revisão.
64. Tal entendimento é aliás perfilhado no douto acórdão do Ac. do STJ de 01.03.2018: «A localização do terreno cujo direito de propriedade o particular reivindica terá de se localizar fora da zona de risco de erosão ou de invasão das águas por razões de segurança e protecção públicas.».
65. E continua explicitando que: «Incluem-se nessas zonas, pelo menos as “zonas ameaçadas pelo mar”, previstas na Lei, algumas das zonas tidas pro faixas e áreas de risco nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), regulados no D.L. 159/2002, de 24.07, sem prejuízo das demais situações em quês e comprove facticamente a existência de algum dos previstos riscos.» (sublinhado meu)
66. Este acórdão defende que, o que releva para a apreciação dos requisitos previstos na al. c), do nº. 5, do art. 15º, da Lei 54/2005, é a concreta situação de facto do prédio, e não a sua classificação administrativa.
67. A sua classificação administrativa, por poder estar desactualizada face à concreta e real situação do prédio, não acautela os perigos que a Lei 54/2015 pretendeu acautelar.
68. O Ministério Público considera pois que foi incorrectamente julgado o seguinte ponto da matéria de facto: «Da Matéria de Facto Provada: 11. «A concreta parcela de 133m2 encontra-se fora de zona de risco de erosão e de invasão do mar.»
69. Este ponto da matéria de facto deverá ser considerado como NÃO provado.
70. Sendo este requisito essencial para ser reconhecida a propriedade privada do prédio descrito na P.I., ao abrigo da alínea c), do art. 15º, da Lei 54/2005, de 15.11, não poderá a acção proceder, devendo o Estado ser absolvido.
Pelo exposto, entende-se que deve ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se o Estado do pedido formulado.
10. Foram apresentadas contra-alegações, pelas quais, a recorrida pugnou pela confirmação da sentença recorrida.
11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II- DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Impugnação da decisão de facto no que se reporta ao item 11 dos factos provados.
- Entre os pressupostos cumulativos do reconhecimento do direito de propriedade da Autora previstos no art. 15.º, nº 5, al. c), da Lei nº 54/2005, de 15-11, na redacção dada pela Lei n.º 34/2014, de 19-06, no caso está preenchido o pressuposto relativo “ a localização do prédio em apreço fora da zona de risco de erosão ou de invasão”?
III- FUNDAMENTAÇÃO.
3.1 - NA 1ª INSTÂNCIA FORAM JULGADOS PROVADOS E NÃO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS.
II. A.Factos provados
01.Encontra-se inscrito a favor da autora B…, Lda, na matriz predial urbana sob o artigo 23º, com valor patrimonial de 46.877,50€ e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o nº 2119, aí registado a seu favor pela Insc. Ap. 1084, de 17 de dezembro de 2013, o prédio urbano, casa de um pavimento com terraço na cobertura e quintal, com área coberta de 119 metros quadrados e descoberta de 14 metros quadrados, com 133 m2 de área total, sito na Rua …, nºs … e …, a confrontar de norte com C…, de sul com Edifício …, de nascente D… e de poente com Rua …, da freguesia…, concelho de Espinho.
02. Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Espinho, da Drª F…, lavrada a folhas 55 e seguintes, do Livro de 69-E, em 17 de dezembro de 2013, G… declarou vender à autora e esta declarou comprar o prédio id. em 1), conforme doc. 5 junto com a petição, cujo teor se considera reproduzido.
03. O prédio id. em 1) foi inscrito na matriz predial urbana vigente no ano de 1938, conforme doc. 2 junto com a petição inicial, cujo teor se considera reproduzido.
04. A primeira aquisição do prédio id. em 1), levada a registo predial, na Conservatória do Registo Predial de S. M. da Feira, data de 23 de janeiro de 1943, a favor de H…, com implantação com frente para a Rua 2, conforme descrição nº 64072, do Livro nº 164 e inscrição nº 22891, do Livro G-45, doc. 3 junto com a petição inicial, cujo teor se considera reproduzido.
05. A autora submeteu à Câmara Municipal de Espinho o projeto de licenciamento de obras no prédio id. em 1), que deu origem ao Processo LE-EDI71/2013.
06. Pelo ato designado de “Informação”, emitido pelos Serviços Técnicos da Câmara Municipal de Espinho, constante do doc. 6 junto com a petição inicial e cujo teor se considera reproduzido, foi designadamente exarado que:
«(…) 4. O presente processo visa licenciar obras de edificação, sendo que o prédio se encontra inserido no PGUE em espaço classificado como zona da beira-mar.
5. Da análise do processo verifica-se que foi solicitado parecer à CCDR em razão da localização nos termos do artigo 13º-A do D.L. 555/99 de 16/12 alterado pelo D.L.136/2014 de 9 de setembro, uma vez que a pretensão carecia de parecer de duas entidades da administração central (APA/Administração da Região Hidrográfica do Norte no âmbito da localização em zona de servidão do domínio público marítimo e CCDRN no âmbito das medidas preventivas), sujeita a decisão global e vinculativa da CCDR.
6. Da consulta efetuada resultou o parecer global e definitivo desfavorável em razão da localização em virtude de a Agência Portuguesa do Ambiente APA indicar que caso o requerente pretenda realizar obras de remodelação do edifício terá de obter previamente, o reconhecimento da posse da sua propriedade sobre o lote em causa, nos termos do artigo 15º da Lei nº 34/2014 de 19 de junho.
7. Face ao descrito, propõe-se que o requerente seja notificado para, num prazo de 60 dias, vir apresentar os elementos que eventualmente diligenciou junto da APA, para obter o reconhecimento da posse privada do lote em causa, nos termos do nº 5 do artigo 15º da lei nº 34/2014 de 19/09, para posteriormente se proceder a nova consulta das entidades envolvidas».
07. A Câmara Municipal de Espinho notificou a autora, por carta registada de 09-12-2016 para, no prazo de 180 dias, completar o processo com os elementos solicitados no parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
08. A Câmara Municipal de Espinho emitiu em 07-12-2016, a pedido da autora, a certidão junta sob doc. 8 com a petição inicial, da mesma constando designadamente que:
«(…) de acordo com o Plano de Ordenamento da Orla Costeira – Caminha-Espinho, o prédio sito na Rua ..., n.os … e … da freguesia …, concelho de Espinho encontra-se dentro da “área de aplicação regulamentar dos PMOT `s” e fora da delimitação de zona de risco. Na planta Síntese e de Condicionantes do POOC-CE não são identificadas zonas de invasão do mar. No Plano Diretor Municipal de Espinho – 1ª Revisão, publicado em Diário da República, II- Série em 01/09/2016, através de Aviso nº 10906/2016, na Planta de Ordenamento – Qualificação de Solo, o prédio sito na Rua …, nº… e … da freguesia…, concelho de Espinho, insere-se na Categoria de Espaço Central Nível I- Cidade de Espinho- Consolidado, e na Planta de Condicionantes é abrangida pela margem. O prédio em análise encontra-se inserido em zona urbana consolidada tal como definido na al. o) do artigo 2º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), estabelecido pelo D.L.555/99 de 16/12 alterado pelo D.L.136/2014 de 9 de setembro».
09. O prédio id. em 01), na parte virada para o mar, encontra-se dentro da faixa de 50 m de largura a contar da linha da máxima praia-mar das águas vivas equinociais, na denominada margem das águas do mar.
10. A autora, por si e seus antepossuidores, há mais de 80 anos sem interrupção, têm usado a parcela de 133m2, na parte enunciada em 1), fruindo-a e cedendo o seu gozo, a título gratuito ou oneroso, na convicção de que exerce um direito próprio que é de propriedade, pagando os impostos, com o conhecimento da generalidade das pessoas, designadamente dos proprietários dos prédios confinantes e moradores das redondezas e sem a oposição de quem quer que seja.
11. A concreta parcela de 133m2 encontra-se fora de zona de risco de erosão e de invasão do mar.
12. Entre o prédio id. em 01) e o mar existe um passeio com 2,35 metros de largo, uma bainha de estacionamento para veículos com 1,90 metros de largo, faixa de rodagem com 3,45 metros de largo, degrau de passeio com 0,32 metros de largo, faixa de circulação de bicicletas com 2,05 metros de largo, passeio marítimo com 5,05 metros de largo e um muro com 0,65 metros de largo por outro tanto de altura a separar o passeio do areal.
13. Do prédio id. em 01) até ao início do areal da praia distam 16 metros, com separação entre o areal da praia e o passeio marítimo assegurada por muro construído em betão, com 65 centímetros de espessura.
14. Na Rua …, em Espinho, todos os prédios aí situados, incluindo o prédio identificado em 1) encontram-se implantados na parte nascente da rua.
15. No Plano Diretor Municipal de Espinho – 1ª Revisão, publicado em Diário da República, II- Série em 01/09/2016, através de Aviso nº 10906/2016, na Planta de Ordenamento – Qualificação de Solo, o prédio sito na Rua …, nº… e …, da freguesia…, concelho de Espinho, insere-se na Categoria de Espaço Central Nível I- Cidade de Espinho- Consolidado (“zona urbana consolidada”) e na Planta de Condicionantes é abrangida pela margem.
16. O prédio id. em 1) dos factos provados constava assinalado como construído na Carta Militar de 1948, conforme doc. 5 junto com o req. ref.ª 27285145, cujo teor se considera reproduzido.
17. No Plano de Ordenamento da Orla Costeira – Caminha-Espinho, o prédio sito na Rua …, n.os … e … da freguesia …, concelho de Espinho encontra-se dentro da “área de aplicação regulamentar dos PMOT`s” e fora da delimitação de zona de risco.
18. Na planta Síntese e de Condicionantes do POOC-CE, o prédio id. em 1) não consta incluído na zona de invasão de mar.
II. B.Factos não provados:
Não existem.
3.2 - DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O recorrente impugna o facto vertido no item 11 dos factos provados, o qual, refere: “11.A concreta parcela de 133m2 encontra-se fora de zona de risco de erosão e de invasão do mar”
Alega o recorrente que a A. não logrou provar nos autos que o prédio cuja propriedade privada pretende ver reconhecida, se encontra fora da zona de risco de erosão ou invasão do mar.
Prossegue e alega que o Mm. Juiz fundamentou a prova do facto referido no ponto “11”, no depoimento da testemunha E…, e nos documentos elaborados pela Agência Portuguesa do Ambiente, e que constam de fls. 80 e 100 dos autos, referindo que nem do depoimento da referida testemunha, nem dos referidos documentos, se retira a prova de que o prédio aqui em apreço esteja fora da zona de risco de erosão ou invasão do mar, muito pelo contrário.
Pretende que este Tribunal julgue não provado o facto vertido no item 11 dos factos provados.
Apreciando e decidindo.
Procedemos à audição integral do depoimento da testemunha E…, arquitecta que trabalha na Câmara Municipal de Espinho, na área do urbanismo, responsável pelo Plano e Projecto Estratégico, vulgarmente denominado PDM, aprovado em 2016, e que revelou conhecimento técnico em razão da sua actividade profissional sobre o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha–Espinho (POOC), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/99, Instrumento de Gestão e posteriormente alterado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 154/2007, bem como, do prédio dos autos, tendo convencido este tribunal que o prédio em apreço , de acordo com o POOC em vigor , está fora da zona de erosão costeira e zona de invasão de mar.
Revelou conhecer em pormenor aquele Plano, bem como, revelou que o mesmo está a ser objecto de discussão pública e esclareceu que no concelho de Espinho não existe área catalogada como área de invasão de mar e que a única zona de risco é o bairro piscatório a sul.
No tocante ao POOC Caminha – Espinho vigente revelou que a zona de risco abrange a zona de erosão costeira.
Referiu-se ainda à antiguidade do prédio, referindo que a casa em concreto está registada na carta militar de 1948, junta aos autos, referiu tratar-se de uma área já consolidada a essa data.
E resulta do POOC Caminha – Espinho, em vigor à data da instauração da acção e à data do julgamento, que o prédio em apreço não está classificado como zona de risco.
Acresce ainda que foram por nós reapreciados os documentos elaborados pela Agência Portuguesa do Ambiente, e que constam de fls. 80 e 100 dos autos.
No 1º documento, junto a fls 80, a APA(Agência Portuguesa do Ambiente, IP) refere que o prédio em apreço não está classificado na carta síntese do POOC Caminho-Espinho como zona de risco.
No 2º documento, junto a fls 100, a APA responde ao despacho de 15-11-2018, pelo qual, apenas foi determinado que fosse a referida entidade oficiada para informar se com referência ao prédio dos autos e, em complemento da sua declaração junta a fls. 80, o mesmo se encontra igualmente excluído da zona de erosão e invasão do mar, considerando-se nesta sede os elementos existentes desde a data da instauração da ação até à data do despacho. Ora nesse documento a APA voltou a informar que o prédio dos autos “não se encontra classificado como zona de risco”, fazendo referência, todavia, que “estudos científicos recentes que suportaram a proposta do Programa da Orla Costeira Caminho-Espinho, em discussão pública, inserem o prédio em Faixa de salvaguarda à zona costeira e Faixa de salvaguarda ao galgamento e inundação costeira, ambas nível I, correspondendo ao cenário temporal de 2050.”
Ora, a propósito desta referência genérica a estudos científicos dos quais decorre a probabilidade de erosão, sem densificar esse grau de probabilidade nos anos mais próximos, afigura-se-nos que, no caso, o que releva é a classificação da zona de risco operada pelo mencionado POOC Caminho- Espinho.
Aliás, no caso, sempre se dirá, que os mencionados estudos científicos, os quais, naturalmente incidem sobre uma zona localizada maior que o prédio dos autos, nada revelam sobre as particularidades do prédio dos autos situado em frente ao mar e que constam dos itens 12, 13 e 14 dos factos provados na Fundamentação Fáctica:
“12. Entre o prédio id. em 01) e o mar existe um passeio com 2,3 metros de largo, uma baínha de estacionamento para veículos com 1,90 metros de largo, faixa de rodagem com 3,45 metros de largo, degrau de passeio com 0,32 metros de largo, faixa de circulação de bicicletas com 2,05 metros de largo, passeio marítimo com 5,05 metros de largo e um muro com 0,65 metros de largo por outro tanto de altura a separar o passeio do areal.
13. Do prédio ed. Em 01) até ao início do areal da praia distam 16 metros, com separação entre o areal e o passeio marítimo assegurada por muro construído em betão, com 65 centímetros de espessura.
14.Na Rua …, em Espinho, todos os prédios aí situados, incluindo o prédio identificado em 1) encontram-se implantados na parte nascente da rua”.
Efectivamente, não se trata de desvalorizar aquela informação fornecida pelo APA.
O que se trata é que a prova a valorar para efeito do preenchimento do requisito “ fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar” não pode deixar de ter em consideração a classificação administrativa no que concerne às zonas de riscos.
Mais.
O documento 8 que instrui a petição inicial, junto a fls 18-verso, é uma certidão emitida pela C.M. de Espinho em 07-12-2016, que atesta que “de acordo com o Plano de Ordenamento da Orla Costeira – Caminha-Espinho, o prédio na Rua …, nºs … e … da freguesia …, concelho de Espinho encontra-se dentro da “área de aplicação regulamentar dos PMOT´s” e fora da delimitação de zona de risco. O documento atesta ainda que “Na planta Síntese e de Condicionantes do POOC-CE não são identificadas zonas de invasão do mar…”
E atesta também que “No Plano Diretor Municipal de Espinho – 1ª revisão, publicada em Diário da República, II- Série em 01/09/2016, através de Aviso nº 10906/2016, na Planta de Ordenamento – Qualificação de Solo, o prédio sito na Rua …, nº … e … da freguesia …, concelho de Espinho, insere-se na Categoria de Espaço Central Nível 1- Cidade de Espinho-Consolidado, e na Planta de Condicionantes é abrangida por margem.
Desse documento resulta que,
-que o prédio em questão está integrado em zona urbana consolidada como tal definida pelos RJUE, e que está localizado fora da zona de risco
E, não podemos de deixar de assinalar que presentemente, a classificação de Zonas Ameaçadas pelo Mar está prevista no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de Caminha Espinho, aprovado na Resolução do Conselho de Ministros nº 25, de 7 de abril de 1999, alterada pela resolução nº 154 de 2 de Outubro de 2007, no seu artigo 23º, que refere o seguinte:
“1 - A barreira de protecção e as zonas de risco coincidem com áreas sujeitas a erosão costeira, passíveis de virem a integrar zonas ameaçadas pelo mar, nos termos do disposto no artigo 13º do Decreto Lei nº 468/71, de 5 de Novembro.
2 - Enquanto não ocorrer a classificação das zonas ameaçadas pelo mar, observar-se-á nestas áreas o disposto no presente regulamento relativamente à barreira de protecção e zonas de risco.”
E, por sua vez, o artigo 25º daquele mesmo diploma, no seu nº 1, refere que “a zona de risco inclui as faixas de áreas de aplicação regulamentar dos PMOT onde se prevê o avanço das águas do mar.”
Os conteúdos dessa certidão camarária e a declaração da APA, foi corroborado em sede de audiência de julgamento pelo depoimento da testemunha arquitecta E…, técnica da C.M. de Espinho.
Por último, sempre se dirá, que acompanhamos a motivação da decisão de facto quanto a este segmento impugnado quando, a propósito , refere: “nesta matéria o Tribunal só pode considerar e relevar o POOC vigente e não qualquer projeto, proposta ou estudo ainda em discussão; aliás, nesse âmbito, o 2.º parágrafo do ofício da APA extravasa o determinado pelo Tribunal, na medida em que, por despacho de 15-11-2018 apenas foi determinado fosse a referida entidade oficiada para informar se com referência ao prédio dos autos e, em complemento da sua declaração junta a fls. 80, se o mesmo se encontra igualmente excluído da zona de erosão e invasão do mar, considerando-se nesta sede os elementos existentes desde a data da instauração da ação”, não tendo sido solicitado se estava em curso algum estudo ou projeto, porque tal seria (e é) totalmente irrelevante para a decisão, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito em causa nos autos. Sem prejuízo, na referida resposta, a APA confirmou que o prédio em causa “não se encontra classificado como zona de risco” – por conseguinte, também o de invasão de mar, porque de outro modo, se fosse outro o seu enquadramento no POOC vigente, teria de responder de forma diversa”
Em face das considerações expostas, consideramos que no documento de fls 100, a APA emitiu um juízo conclusivo, o qual, encerra um facto, traduzido, na exclusão do prédio dos autos da zona delimitada pelo POOC Caminho-Espinho, vigente, como zona de risco .
Consequentemente, a reapreciação dos elementos de prova convocados pelo recorrente não lograram criar neste Tribunal convicção distinta daquela formada pelo tribunal recorrido, improcedendo, assim, o recurso da decisão de facto.
3.3. O DIREITO. 3.3.1
A Autora pediu o reconhecimento do direito de propriedade sobre o seu prédio identificado em 01), o qual, na parte virada para o mar, encontra-se dentro da faixa de 50 m de largura a contar da linha da máxima praia-mar das águas vivas equinociais, na denominada margem das águas do mar e que por isso está sujeito à jurisdição da autoridade marítima.
A acção foi proposta em 5-05-2017 e tem natureza constitutiva – art. 10.º, n.º 3, al. c), do CPC - pelo que à titularidade dos recursos hídricos aplica-se a (então) vigente Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que veio estabelecer a titularidade dos recursos hídricos, na versão alterada pela Declaração de Rectificação n.º 4/2006, de 11/01 e pelas Leis n.º 78/2013, de 21-11 e 34/2014, de 19-06, diploma a que nos reportaremos daqui por diante.
E a propósito tecem-se aqui algumas considerações sobre a matéria.
De acordo com esta Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, os recursos hídricos, em função da titularidade, compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, ou pertencentes a entidades públicas ou particulares – art. 1.º, n.º 2;
O domínio público hídrico abarca o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas – art. 2.º, n.º 1;
O domínio público marítimo compreende, por sua vez e entre outros, as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas às influências das marés – art. 3.º, al. e);
A margem é a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas – art. 11.º, n.º 1 – que, quando referente a águas do mar ou águas navegáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima, tem a largura de 50 metros – art. 11.º, n.º 2; o leito é o terreno coberto pelas águas quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades – art. 10.º, n.º 1.
Está adquirido nos autos que o prédio está integrado no domínio público marítimo, conforme itens 12 a 18 dos factos provados.
E como se sabe o domínio público marítimo pertence ao Estado – art. 4.º - mercê da importância e afectação públicas das águas, que devem situar-se fora do comércio jurídico privado e devam ser inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.
Esta titularidade não é, porém, absoluta.
E pese embora, no caso em apreço apenas seja objecto do recurso apreciar e decidir se o prédio em apreço está fora da zona de risco de erosão costeira e de invasão de mar, releva ainda assim, acompanhando o Acórdão do STJ de 01 de Março de 2018, relatado pelo Mmo Juiz Conselheiro Távora Victor (Relator), assinalar os pontos essenciais da evolução histórica/legislativa sobre a consagração dos direitos de propriedade privada de terrenos inseridos no domínio do Estado.
Assim, os Decretos de 31 de Dezembro de 1864 e de 5 de Dezembro de 1892, o Regulamento dos Serviços Hidráulicos de 19 de Dezembro de 1892, o Decreto 5.787 - III, de 10 de Maio de 1919 ("Lei das Águas"), e o Decreto-Lei 12445, de 29 de Setembro de 1926, não tratavam especificamente o tema do reconhecimento de propriedade privada sobre margens de águas públicas.
O Decreto-Lei n.º 468/71, de 05 de Novembro, previu o reconhecimento de direito de propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens de águas públicas pertencentes ao domínio público hídrico, mas estabeleceu uma presunção ilidível de dominialidade – cf. preâmbulo e art. 8.º.
No respectivo preâmbulo pode ler-se:
“Já quanto ao reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens públicas se tocou num aspecto mais relevante, que, sem envolver modificação profunda do direito vigente, beneficia contudo num ponto importante, aliás, com inteira justiça, os proprietários particulares: quando se mostre terem ficado destruídos por causas naturais os documentos anteriores a 1864 ou a 1868 existentes em arquivos ou registos públicos, presumir-se-ão particulares os terrenos em que relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas. Aliviando deste modo o peso do ónus da prova imposto aos interessados, vai-se ao encontro da opinião que se tem generalizado no seio da Comissão do Domínio Público Marítimo, dada a grande dificuldade, em certos casos, de encontrar documentos que inequivocamente fundamentem as pretensões formuladas à Administração Dominial. Não pode, no entanto, esquecer-se que esta orientação, baseada em princípios gerais firmemente assentes na nossa ordem jurídica - o princípio da não retroactividade das leis e o princípio do respeito pelos direitos adquiridos - não deverá prejudicar, na prática, os interesses gerais da colectividade, em razão dos quais, precisamente, se foi criando e se mantém na titularidade do Estado o domínio público hídrico. (…)”.
Em consonância, consagrou-se no art. 8.º: “1 - As pessoas que pretendam obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis devem provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular, ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1862. 2 - Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do n.º 1 deste artigo, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, naquelas datas, estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa. 3 - Quando se mostre que os documentos particulares anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas. 4 - Não ficam sujeitos ao regime de prova estabelecido nos números anteriores os terrenos que, nos termos da lei, hajam sido objecto de um acto de desafectação”.
Por fim, a Lei 54/2005, de 15 de Novembro, que revogou este último diploma, na versão alterada pela Declaração de Rectificação n.º 4/2006, de 11/01 e pelas Leis n.º 78/2013, de 21-11 e 34/2014, de 19-06, regulou a matéria no art. 15.º – Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos –, aquele que importa à procedência da acção, nos seguintes termos: “1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses colectivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respectivas acções, agindo em nome próprio. 2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objecto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868. 3 - Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa. 4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de Dezembro de 1892, eram objecto de propriedade ou posse privadas. 5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que: a) Hajam sido objecto de um acto de desafectação do domínio público hídrico, nos termos da lei; b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias; c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
O confronto deste diploma com o diploma antecedente revela que (I) se manteve a presunção de propriedade do Estado sobre o domínio público marítimo e (II) se alargaram os casos de ilisão dessa presunção e reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos inseridos nesse domínio, sem recurso a probatio diabólica da propriedade anterior a 1864 ou 1868.
3.3.2.OS PRESSUPOSTOS LEGAIS DO RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DA AUTORA À LUZ DO ART. 15.º, N.º 5, AL. C) DA LEI N.º 54/2005.
No caso em apreço, o autor-recorrido pretendeu ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado em 1) dos factos provados e somente está em causa o regime visado no artigo 15º n.º 5 al. c), da citada Lei, por a tanto se reconduzir a causa de pedir da acção.
Dessa norma resulta que são pressupostos do reconhecimento desse direito que os respectivos terrenos:
(1) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação;
(2) Fora da zona de risco de erosão ou de invasão; e,
(3) Se encontrem ocupados por construção anterior a 1951.
O particular que pretenda ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre terrenos incidentes sobre leitos e margens públicos à luz deste art. 15.º, n.º 5, al. c), tem de alegar e provar – art. 342.º, n.º 1, do Código Civil- pois, que o seu terreno (1) está inserido numa zona com estas características (zona urbana consolidada), (2) fora da zona de risco de erosão ou de invasão; e, (3) se encontrem ocupados por construção anterior a 1951.
Passemos à análise de cada uma desses pressupostos.
(1) Integração em zona urbana consolidada.
A norma enuncia expressamente que a definição do conceito de zona urbana consolidada deve ser a acolhida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE).
O RJUE foi aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e o D.L. n.º 60/2007, de 04 de Setembro, introduziu o conceito de zona urbana consolidada no art. 2.º, al. o), como “a zona caracterizada por uma densidade de ocupação que permite identificar uma malha ou estrutura urbana já definida, onde existem as infra-estruturas essenciais e onde se encontram definidos os alinhamentos dos planos marginais por edificações em continuidade”.
A leitura do conceito ressalta a tríplice exigência que a densidade de ocupação da zona urbana consolidada deve satisfazer: - malha ou estrutura urbana já definida; - infra-estruturas essenciais; e definição dos alinhamentos dos planos marginais por edificações em continuidade.
Assim, o que releva para a subsunção ao conceito de zona urbana consolidada são as características urbanísticas, física e materialmente existentes no local.
(2) Fora da zona de risco de erosão ou de invasão.
A localização do terreno cujo direito de propriedade o particular reivindica terá de se localizar fora da zona de risco de erosão ou de invasão das águas por razões de segurança e protecção públicas.
No que concerne a este requisito, e como nota José Miguel Júdice e José Miguel Figueiredo[1], o legislador não fez o melhor uso da linguagem técnica, diferentemente do que lhe era exigível. Efectivamente, não é claro para o intérprete, o que seja efectivamente aquela zona de risco de erosão ou invasão do mar, quando essa certeza se exigia estando em causa, como está, o reconhecimento ou não da propriedade privada sobre determinados recursos hídricos.
E prosseguem, referindo: “Outro ponto que deveria estar explicita ou implicitamente, resolvido prende-se com a questão de saber se apenas integram as zonas de risco em causa aquelas que assim sejam administrativamente qualificadas ou se uma qualquer apreciação casuística e objectivamente comprovável se mostra suficiente para considerar determinada parcela de terreno se situa numa zona de erosão ou de invasão do mar.”
E mais à frente, após darem nota que a norma revela falta de certeza e indeterminabilidade dos conceitos utilizados, concluem: “Em face do exposto, não nos é possível indicar, de forma rigorosa e absoluta, todas as zonas que possam ser consideradas como “ zona de risco de erosão ou de invasão do mar”. No entanto, e ressalvadas as dificuldades interpretativas evidenciadas, é-nos possível dizer que, com toda a certeza, integram este conceito, pelo menos : (i) as chamadas «zonas ameaçadas pelo mar» previstas na Lei nº 54/2005, que são classificadas como» zonas adjacentes» ; (ii) e algumas das zonas que sejam consideradas como faixas e áreas de riscos nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), regulados no Decreto – Lei nº 159/2012, de 24-07.”
E a propósito deste requisito, aqueles autores, dão nota que: “De qualquer forma, e dadas as competências da Agência do Ambiente nesta matéria, enquanto autoridade nacional da água, nomeadamente ao nível do cadastro e do registo, parece-nos que os particulares deverão solicitar a esta entidade que se pronuncie que se pronuncie quanto à integração ou não de determinado recurso hídrico em zona de risco de erosão ou de invasão do mar, juntando ao processo a respectiva pronúncia”.
3) Da ocupação por construção anterior a 1951.
Este requisito torna-se compreensível porquanto o ano de 1951 foi o ano em que foi publicado o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, o qual, passou a exigir o licenciamento municipal das construções, o que, até aí não se exigia.
Assim, como referem os autores citados “ pode dizer-se que a escolha deste marco temporal se prende com o facto de, após 1951, as construções que existem já terem sido licenciadas, pelo que, a propriedade a elas relativa, em princípio se encontrará regularizada”.
Consequentemente, apenas relativamente às construções anteriores a 1951 é que se colocam dúvidas quanto à titularidade das parcelas de terreno em que tais construções se encontram localizadas. Logo, relativamente a estas justifica-se o regime de reconhecimento da propriedade privada.
E afigura-se-nos que é relativamente a este último requisito que se reporta a exigência de prova documental a que alude a alínea c) do nº 5 do art. 15º da Lei nº 54/2005.
Para tanto, basta atentar que na forma masculina do adjectivo (documentalmente comprovado). Logo, não se liga, linguística e gramaticalmente, a qualquer das partes anteriores da norma, porque nenhuma delas está na forma masculina.
De resto, a prova documental destina-se naturalmente a colmatar a inexistência de licenciamento municipal. Por último, convocando de novo os mesmos autores [2] urge assinalar, porque releva para compreensão de soluções que possam ser tomadas pelos tribunais, que a razão de introdução do regime simplificado desta alínea c) está nas próprias condições instituídas pela norma para a respectiva aplicação.
Isto é, estamos perante zonas urbanas consolidadas, já estabilizadas, onde não há risco de erosão ou de invasão do mar e onde há já alguma segurança jurídica a tutelar por força da parcela de terreno estar ocupada com construção anterior a 1951, cujo controlo de construção não foi feito pelo facto de apenas depois dessa data ele ter começado a fazer-se. Por tudo isso, o legislador decidiu simplificar o regime, sem prejuízo considerável para o interesse público.
3.3.3. A VERIFICAÇÃO DESSES PRESSUPOSTOS EM CONCRETO.
Feitas as considerações expostas sobre os pressupostos legais do reconhecimento do direito da autora impõe-se agora apreciar e decidir sobre se os factos apurados permitem preencher o requisito exigido na al. c) do nº5 do artigo 15º da citada Lei nº 54/2005, traduzido na localização do prédio fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, único que está em discussão no presente recurso.
Assim, as partes aceitam que o prédio em apreço se localiza em zona urbana consolidada e que a construção nele edificada é anterior a 1951.
Encontra-se necessariamente preenchido o primeiro pressuposto, isto é, a integração do prédio em zona urbana consolidada, tal como definida no art. 2.º, al. o), do RJUE e está preenchido o terceiro pressuposto relativo à construção edificada no prédio ser anterior a 1951.
Por fim, relativamente ao seguindo requisito traduzido na localização do prédio “ fora da zona de erosão ou de invasão do mar” apurou-se a seguinte factualidade. 11. A concreta parcela de 133m2 encontra-se fora de zona de risco de erosão e de invasão do mar. 12. Entre o prédio id. em 01) e o mar existe um passeio com 2,35 metros de largo, uma bainha de estacionamento para veículos com 1,90 metros de largo, faixa de rodagem com 3,45 metros de largo, degrau de passeio com 0,32 metros de largo, faixa de circulação de bicicletas com 2,05 metros de largo, passeio marítimo com 5,05 metros de largo e um muro com 0,65 metros de largo por outro tanto de altura a separar o passeio do areal. 13. Do prédio id. em 01) até ao início do areal da praia distam 16 metros, com separação entre o areal da praia e o passeio marítimo assegurada por muro construído em betão, com 65 centímetros de espessura. 14. Na Rua …, em Espinho, todos os prédios aí situados, incluindo o prédio identificado em 1) encontram-se implantados na parte nascente da rua. 15.No Plano Diretor Municipal de Espinho – 1ª Revisão, publicado em Diário da República, II- Série em 01/09/2016, através de Aviso nº 10906/2016, na Planta de Ordenamento – Qualificação de Solo, o prédio sito na Rua … nº… e … da freguesia, …concelho de Espinho, insere-se na Categoria de Espaço Central Nível I- Cidade de Espinho- Consolidado (“zona urbana consolidada”) e na Planta de Condicionantes é abrangida pela margem. 16.O prédio id. em 1) dos factos provados constava assinalado como construído na Carta Militar de 1948, conforme doc. 5 junto com o req. ref.ª 27285145, cujo teor se considera reproduzido. 17.No Plano de Ordenamento da Orla Costeira – Caminha-Espinho, o prédio sito na Rua …, n.os … e … da freguesia…, concelho de Espinho encontra-se dentro da “área de aplicação regulamentar dos PMOT`s” e fora da delimitação de zona de risco. 18.Na planta Síntese e de Condicionantes do POOC-CE, o prédio id. em 1) não consta incluído na zona de invasão de mar.
Perante esta factualidade, concluímos que o prédio em apreço se situa fora da zona de risco de erosão ou de invasão de mar, sem prejuízo naturalmente do disposto no artigo 21º da Lei nº 54/2005, relativo a Servidões administrativas sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas e outros condicionamentos legais relativos a obras que queira executar.
Tal permite dar também por verificado o segundo pressuposto, isto é, o prédio situa-se fora de zona de risco de erosão, acolhendo-se a posição do tribunal recorrido quando refere:
“Finalmente, subsiste a aferição do requisito de o prédio se situar da zona de risco de erosão ou de invasão do mar. A Resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, de 7/04, no seu artigo 25.º, define a zona de risco como “as faixas de áreas de aplicação regulamentar dos PMOT onde se prevê o avanço das águas do mar”. Ora, conforme facto provado 17), no Plano de Ordenamento da Orla Costeira – Caminha-Espinho, o prédio sito na Rua …, n.os … e … da freguesia…, concelho de Espinho encontra-se dentro da “área de aplicação regulamentar dos PMOT`s” e fora da delimitação de zona de risco, não sendo aqui nesta sede de utilizar qualquer outro conceito diverso do legal (v.g., “zona de erosão ou invasão do mar”) e muito quaisquer projetos, estudos ou propostas, em virtude de o PMOT em vigor igualmente não o prever e apenas relevar a aplicação regulamentar vigente à data da instauração da ação.”
Nesta conformidade o recurso de apelação terá que improceder, confirmando-se a sentença recorrida.
Sumário.
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IV- DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os Juizes do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Não se condena o réu em custas, por das mesmas estar isento- art.º 4.º, al. a), do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
Porto, 27-06-2019
(processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Mário Fernandes
_____________ [1] In Acção de Reconhecimento da Propriedade Privada sobre Recursos Hídricos,2015-2ª Edição, pag. 113 e ss. [2] Ob. Cit.pág. 117.