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ACÇÃO EXECUTIVA PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
Sumário (da relatora):
1- A ação executiva para prestação de facto tem lugar sempre que o objeto da obrigação, tal como configurado pelo título executivo, é uma prestação de facto, seja de natureza positiva (obrigação de facere) ou negativa (obrigação de non facere).
2- Tratando-se de prestação de facto fungível, a lei (art. 868, nº1, do CPC) consagra a possibilidade de o credor optar entre a execução por outrem ou por indemnização compensatória.
3- É fungível o facto em que para o credor é indiferente que o mesmo seja praticado pelo devedor ou um terceiro, por o seu resultado material e jurídico ser o mesmo. Exemplo é a reposição em caixa de cimento do caudal da água captado por um determinado furo.
4- Na execução para prestação do referido facto, findo o prazo para a oposição, pode o exequente requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação e, feita a avaliação, procede-se à penhora dos bens do executado necessários a suportar tal custo e ao pagamento das custas processuais, seguindo-se a tramitação do processo de execução para pagamento de quantia certa (art. 870º, nº1 e 2, do CPC). A execução de custeamento tem caráter acessório ou instrumental da execução para prestação de facto, e corre, incidentalmente, com esta.
5- A avaliação a efetuar destina-se a, com celeridade mas na observância do contraditório, não afastado (cfr. nº2, do art. 3º, do CPC), a determinar o custo provável (a estimar custos) necessário à prestação por outrem.
6- Concluída a avaliação - mera estimativa de custos da prestação por outrem a realizar por perito/s -, após notificação do relatório pericial às partes com decurso do prazo de reclamações contra o mesmo e uma vez satisfeito o ordenado ou determinado nos termos do nº3 e 4, do art. 485º, do CPC, em caso disso, segue-se, de imediato, a penhora, mesmo que haja sido interposto recurso de decisões que se prendam com aquela, a menos que seja prestada caução.
7- Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do CPC -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual, estando associada à responsabilidade por litigância de má fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito meramente processual.
8- A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
9- Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça.
10- O recurso - garantia constitucionalmente consagrada (nº1, do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa), compreendendo o próprio direito de acesso aos tribunais o direito de recorrer (art. 20º, daquela Lei) - é meio específico de impugnação de decisões judiciais que visa o reexame da matéria apreciada na decisão recorrida e não a obtenção de decisão de uma questão nova.
11- Sendo o recurso um pedido de reapreciação de uma decisão judicial apresentado a um órgão judiciário superior, não é pelo facto de não vir a ser reconhecida razão ao recorrente e de o recurso improceder que se pode concluir pela litigância de má fé daquele.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1)
I. RELATÓRIO
Apelante: (…) Apelados: (…)
(…), executado, notificado da decisão que julgou improcedente a oposição à penhora e determinou a manutenção das penhoras, apresentou recurso de apelação, pugnando por que a mesma seja revogada, formulando, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:
“A- Estando a decisão sobre o relatório e sobre o valor da execução bem como a própria alteração da execução de prestação de facto para execução para pagamento de quantia, dado que se encontram pendentes recursos neste Tribunal da Relação de Guimarães sobre o assunto, em crise e porquanto não se pode considerar como transitadas, as mesma não produziram efeito processuais e por isso nunca o tribunal a quo podia considerar já fixado o valor da prestação de facto e muito menos alterar a execução para execução para quantia certa uma vez que esse despacho foi diretamente visado em recurso que ainda está pendente. B- Pelo que a invocação do constante do artigo 870.º até seria correta, caso a avaliação e o/s despacho/s que se seguiram a estes atos processuais não tivessem sido objeto de recurso ainda pendentes. C- Por via disso a decisão de que se recorre violou as normas jurídicas nela invocadas, designadamente os n.º 1.º e 2.º do art.º 870.º do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare a oposição à penhora procedente por provada e consequentemente as penhoras levantadas”.
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Os exequentes responderam pugnando por que seja negando provimento ao recurso e condenando o apelante como litigante de má-fé, em multa condigna e em indemnização, concluindo:
“1. O recurso referido na alínea A) das conclusões do apelante foi recebido com efeito meramente devolutivo, apesar de ter sido requerida a fixação do efeito suspensivo, porquanto ele não fundamentou a sua pretensão em nenhuma das regras excetivas consignadas nos n.os 2 e 3 do artigo 647º do Cód. Proc. Civil, ou na possibilidade prevista no nº 4 da mesma norma. 2. Por isso, a interposição daquele recurso não constituía obstáculo ao prosseguimento do processo. 3. Noutro conspecto, a haver alguma razão do apelante – que apenas para efeito de raciocínio ab absurdo se concede – verificar-se-ia uma impossibilidade superveniente da lide. 4. Na verdade, o apelante funda o seu recurso, de modo exclusivo, na inexistência de decisão com trânsito em julgado das questões que acometeu na apelação autuada sob o n.º 4281/16.0T8GMR-B.G1. 5. Ora, sucede que a identificada apelação foi julgada improcedente por Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, em 14 de março de 2019, que transitou em julgado no dia 28 de março de 2019. 6. O recorrente tem vindo a fazer um uso manifestamente reprovável dos meios processuais, visando com isso entorpecer a justiça e delongar o cumprimento da sentença, ao deduzir pretensões com total falta de razão legal que, objetivamente, não pode ignorar, acometendo toda e qualquer decisão judicial com argumentos completamente espúrios na ordem jurídica, pelo que o seu comportamento processual configura uma flagrante situação de litigância de má-fé. 7. A verdade é que, com os expedientes que vem utilizando, o recorrente tem obstado à execução de uma sentença judicial transitada há mais de três anos e meio, 8. causando aos recorridos graves danos morais e patrimoniais que, modicamente, computam em € 2.500,00”.
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A decisão recorrida, que apreciou a oposição à penhora tem o seguinte teor:
“Relatório:
Opoente/executado: - (…), melhor identificado nos autos principais. Exequentes: - (…) e outros, melhor identificados nos autos principais. Pedido: - ser declarada extinta a penhora dos três depósitos bancários efetuada no Banco ..., respetivamente de 3856,88€, 2518,34€ e 2401,94€ tudo no total de 8777,16€ ao executado (...) e levantadas as penhoras.
Causa de pedir:
1º A presente execução tem por base uma sentença em que o executado/embargante e outros foram condenados a, segundo a exposição dos factos do requerimento executivo, “condenados a reporem na caixa de cimento referida no facto provado 15 todo o caudal da água captada pelo furo descrito no facto provado 14, para aí ser dividida em partes iguais.” 2º A execução, segundo o requerimento executivo, para Entrega de coisa certa [Instância Local Cível]. 3º A prestação é fungível e os exequentes pretendem a prestação de facto por outrem, requerendo 4º O valor dado à execução foi indicado pelos exequentes em 2.500,00€. 5º Acontece que por vicissitudes do processo e das peritagens efetuadas nos autos de execução veio a ser dado o seguinte despacho: “Fixo o valor a prestação exequenda nos termos indicado pelo Sr. Perito no relatório pericial junto aos autos. Determino o prosseguimento da execução. Informe o AE do teor do presente despacho. 6º Esse despacho veio a ser notificado às partes e ao Agente de Execução por ofícios elaborados e enviados em 12-09-2018. 7º O despacho, porque recorrível, apenas transitava passado 15 dias após a data em que se considerava notificado, essa data era no mínimo em 02 de outubro de 2018, e que sempre poderia e seria recorrível até dia 08-10-2018, por via do previsto no artigo 139.º do CP como foi. 8º Ora, tendo a presente penhora efetuada sobre os três depósitos à ordem e a prazo no Banco ..., respetivamente de 3856,88€, 2518,34€ e 2401,94€ tudo no total de 8777,16€, sido na sequência e por causa do despacho referido no art.º 6.º desta petição. 9º Caso assim não fosse já há anos que teria sido feita a penhora de saldos bancários. 10º E não foi porque até à presente data e até dia 17-10-2018, e agora até decisão do recurso, a execução era para prestação e facto e não para pagamento de quantia certa. 11º E na execução para prestação de facto não existe a figura da penhora de saldos bancários. 12º Pelo que a penhora é ilegal por violação do previsto no n.º 2, do art.º 870.º do CPC, por ser inadmissível a penhora destes bens. Bem como todo o Título V do CPC desde o artigo 868.º até ao 877.º 13º Isto porque não se pode considerar concluída a avaliação quando o executado se opôs aos termos da mesma requereu que a mesma fosse desconsiderada até pela sua impraticabilidade que se irá verificar no futuro caso a mesma venha a prevalecer. 14º Não tendo o executado sequer tido direito a resposta do tribunal antes de ter sido proferido o despacho transcrito no artigo 6.º desta petição.
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Questão a decidir:
- Ilegalidade da penhora.
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Factos provados com relevância para a decisão:
1.- Por sentença proferida nos autos e confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado, foram os ora executados condenados a reporem na caixa de cimento referida no facto provado 15 todo o caudal da água captada pelo furo descrito no facto provado 14, para aí ser dividida em partes iguais. 2.- Apesar de interpelados para cumprirem a decisão, até ao momento não o fizeram, o que determinou o recurso à presente execução. 3.- O Sr. Perito avaliou o custo dessa prestação no valor total de 7.135,90 euros. 4. O agente de execução procedeu à penhora de três depósitos à ordem e a prazo no Banco ..., respetivamente de 3856,88€, 2518,34€ e 2401,94€ tudo no total de 8777,16 euros.
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- O direito:
A penhora pode ser definida como o “…ato judicial de apreensão dos bens do executado, que ficam à disposição do tribunal para o exequente ser pago por eles…”- cfr. PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, Almedina, 2008, p. 1035. A penhora constitui, assim, o ato fundamental do processo de execução de pagamento de quantia certa, aquele em que é mais manifesto o exercício do poder coercitivo do Tribunal quando, numa situação de incumprimento, vai privar o executado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, a partir de então, ficará especificadamente sujeito à finalidade última de satisfação de crédito do exequente – cfr. LEBRE DE FREITAS, José, e RIBEIRO MENDES, Armindo, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, pp. 339-340.
No caso, invoca o opoente que a penhora em causa é ilegal.
Ora, no termos do disposto no artigo 870.º (Avaliação do custo da prestação e realização da quantia apurada), n.º 1, se o exequente optar pela prestação do facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação. Acrescenta, depois, o n.º 2, do mesmo preceito legal, que concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa. Ora, compulsados os autos, não verificamos que o agente de execução, ao proceder à penhora após a consolidação do relatório pericial que avaliou o custo da prestação, cometeu a apontada ilegalidade. Assim, no caso em apreço, atendendo ao valor do custo da prestação confessadamente incumprida e ao valor penhorado pelo agente de execução, é nosso entendimento que o valor penhorado não só não é excessivo como essa penhora não é ilegal. Improcede, portanto, a pretensão do opoente.
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Decisão:
Nestes termos, decide-se: Julgar improcedente a presente oposição à penhora e, consequência, determino a manutenção das penhoras supra identificadas e em discussão nos autos. Custas pelo opoente. Registe e notifique”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª - Se as penhoras são ilegais e devem ser levantadas, por terem sido efetuadas antes do transito em julgado do resultado da avaliação efetuada e dos despachos que com ele se prendem;
2ª - Da admissibilidade do pedido de condenação do apelante como litigante de má fé, formulado pelos apelados.
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II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1ª - Da ilegalidade das penhoras efetuadas antes do trânsito em julgado dos despachos proferidos após a avaliação
Decorre do nº5, do art. 10º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, que para se determinar o tipo de ação executiva se recorre ao título executivo, sendo por ele que se determinam o fim e os limites da ação executiva.
E o nº6, do referido artigo, estatui que “O fim da execução, para efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo”.
E é de acordo com o objeto da pretensão formulada que se determina se seguirá a tramitação correspondente ao pagamento de quantia certa, à entrega de coisa certa ou à prestação de facto, positivo ou negativo. Enquanto a tramitação da ação executiva para pagamento de quantia certa está moldada para integrar fundamentalmente os atos de penhora, convocação de credores, venda dos bens e posterior pagamento, já quando se trata da entrega de coisa certa tem-se em vista a execução específica da prestação, através da substituição do devedor pelo Tribunal, o mesmo ocorrendo perante execução para prestação de facto (2).
A ação executiva para prestação de facto tem lugar sempre que o objeto da obrigação, tal como configurado pelo título executivo, é uma prestação de facto, seja de natureza positiva (obrigação de facere) ou negativa (obrigação de non facere).
Para a “prestação de facto fungível (3), o artigo 868-1 consagra, aparentemente, a possibilidade de o credor optar entre a execução específica (por outrem) e a indemnização compensatória” (4).
Correndo execução para prestação de facto fungível – reposição em caixa de cimento da água de um furo - e não tendo o devedor realizado a prestação, o exequente optou pela prestação de facto por outrem e requereu a nomeação de perito que avalie o custo de tal prestação.
Avaliado tal custo e realizadas penhoras para lhe fazer face, mantidas pelo Tribunal a quo, pretende o apelante que se revogue a decisão recorrida, se declare a oposição à penhora procedente e se ordene o levantamento das penhoras efetuadas, por as mesmas violarem os n.º 1 e 2, do art.º 870.º.
Conclui que a invocação do constante do artigo 870.º até seria correta caso a avaliação e os despachos que lhe seguiram não tivessem sido objeto de recurso mas que “o relatório, o valor da execução bem como a própria alteração da execução de prestação de facto para execução para pagamento de quantia” não transitaram em julgado, estando pendentes de recurso, pelo que se não pode considerar já fixado o valor da prestação de facto e, muito menos, alterar a execução para execução para pagamento de quantia certa.
Os apelados afirmam que a interposição do recurso não constitui obstáculo ao prosseguimento do processo executivo, pois que lhe foi atribuído efeito meramente devolutivo, sendo, até, que tal recurso foi já julgado improcedente por Acórdão deste Tribunal, de 14 de março de 2019, transitado em julgado.
É, pois, objeto do presente recurso, apenas e tão só, saber se o recurso interposto constituía impedimento da realização das penhoras, isto é, se a execução não podia prosseguir com a penhora em causa.
Vejamos.
Estatui o artigo 870.º, inserido nas disposições que regulam a “execução para prestação de facto” com a epígrafe “Avaliação do custo da prestação e realização da quantia apurada”, que:
“1. Se o exequente optar pela prestação do facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação. 2. Concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa”.
Destarte, “findo o prazo para a oposição (ou julgada ela improcedente, quando suspenda a execução), o exequente requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação (art. 870-1) (5) e, feita a avaliação, procede-se à penhora dos bens do executado necessários ao custo da prestação e ao pagamento das custas, seguindo-se a tramitação do processo de execução para pagamento de quantia certa (art. 870-2)” (6).
Assim, se dentro do prazo de oposição à execução, o executado não cumprir voluntariamente a prestação a que se encontra obrigado e se o exequente pretender que o facto seja prestado por outrem, ao abrigo do disposto no art. 828º, do CC (desde que se trate, obviamente de um facto fungível), este deve requerer a nomeação de perito, o qual procederá à avaliação do custo da prestação (7).
A lei não prevê expressamente a possibilidade de discussão contraditória prévia relativa ao custo da prestação, sendo, contudo, certo, que o princípio do contraditório prévio relativamente a esse custo não pode deixar de ser observado, como princípio geral que é (art. 3º), sendo a sua observância se impõe, como regra, também nos processos executivos e persiste ao logo de todo o processo, pelo que o executado tem de ser notificado do requerimento do exequente e de ser ouvido nos termos do art. 476-1, podendo requerer, se a ação executiva tiver valor superior a metade da alçada da Relação, a avaliação colegial (art. 46, nº1-b) e 3) e intervir, nos termos genéricos que, em geral, são consentidos à parte contrária, na produção de prova pericial (8).
Tal decorre, na verdade, do nº2, do artigo 3º, que consagra que “Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida” e do nº3, do referido artigo que impõe ao juiz o dever de “observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo”, seja ele declarativo ou executivo, o princípio do contraditório.
Não afastando a lei, neste caso, o contraditório nem o restringindo, tem o mesmo de ser observado, quer antes de ordenada a avaliação quer durante a efetivação da avaliação, tendo de se assegurar às partes, também, o direito ao recurso.
Contudo, a avaliação a efetuar é tão só para determinar o custo provável, sendo que, na verdade, o “credor que queira executar o direito à prestação requererá a nomeação de perito que avalie o custo provável da prestação (art. 870º, nº1)”, ditando “o nº 2 do art. 870º, que, concluída a avaliação, se procede à penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa.
No final o produto da venda dos bens penhorados será depositado para custear a obra por terceiro” (9).
A lei fala apenas na conclusão da avaliação, que é efetuada pelo perito. A essa conclusão da avaliação segue-se, sem mais demoras, num procedimento que se pretende célere, a penhora.
Ora, a conclusão da avaliação ocorre quando o perito termina os trabalhos solicitados, com a apresentação do relatório e prestação de eventuais esclarecimentos que lhe sejam solicitados.
Uma vez “concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens do executado que sejam necessários para custear a prestação por outrem, bem como as custas da execução, seguindo-se, com as devidas adaptações, os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa (art. 870º, nº2). Contudo, neste caso, em concreto, o crédito do exequente não se converte em “crédito por quantia certa, continuando a prestação a ser de facto” (10).
Esta execução de custeamento tem caráter acessório ou instrumental da execução para prestação de facto, e corre incidentalmente com esta, correspondendo, pois, a dois tipos diversos de execução, sendo que obtida a quantia necessária à realização da prestação devida, não se extingue, obviamente, a execução para prestação de facto (11).
Acresce que a importância calculada (que se procura obter para custear a realização da prestação de facto e as custas) pode vir a revelar-se superior (caso em que será restituído o excesso) ou inferior (caso em que será necessária maior obtenção) à importância efetivamente necessária a fazer face à realização da prestação e às custas processuais, nada justificando in casu a suspensão da execução e levantamento de penhoras, porventura ainda insuficientes.
Como já se considerou neste Tribunal “sendo certo que na execução para prestação de facto, optando-se pela prestação por outrem, se tem de avaliar o custo da prestação, esta avaliação é apenas um cálculo que pode ser confirmado ou desmentido pela realização das obras.
Conforme nos ensina o Prof. Alberto dos Reis (Processo de Execução, vol. II, pag.560), «embora a lei fale em avaliação, não deve concluir-se daí que têm necessariamente de aplicar-se as normas relativas à avaliação (…).
Deu-se à diligência o nome de avaliação, porque o que se pede realmente aos peritos é uma avaliação: o cálculo provável das despesas a fazer com a prestação do facto» (sublinhado nosso).
Temos, em conclusão, que se trata de uma avaliação de custos que mais se consubstancia numa mera estimativa, cujo fim é o de permitir determinar a extensão da penhora, mas que sempre será sindicável posteriormente, com recurso a alargamento do âmbito da mesma ou a novas, mostrando-se necessário para satisfação integral do crédito” (12) (13) (negrito e sublinhado nosso).
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/2/2014 (14) “Pretende o legislador que esta avaliação, que não tem carácter definitivo e se destina a fornecer uma mera estimativa do custo provável da prestação, a efectuar por terceiro e a acertar na prestação de contas final (…) seja célere (…), não se justificando a realização de uma segunda perícia, dado que o valor final será encontrado na prestação de contas que a lei prevê.
(Neste sentido, cfr. Ac. da RC de 21-06-2011, Proc. nº 30-D/2002.C1, publicado in www.dgsi.pt).
O regime atrás exposto mantém-se no CPC, actualmente em vigor, nos correspondentes arts.870º a 872º, com a diferença de que as contas serão prestadas ao juiz do processo e não já, à antecedente figura do agente de execução.
Esta interpretação implica um menor relevo do relatório de peritagem, já que, a final, as contas podem importar num valor diferente do sugerido.
E sendo assim, também o rigor do juiz na apreciação das reclamações contra aquele relatório, não deixarão de sobrepesar esse factor.
Não obstante o exposto, o certo é que produzida a prova, o resultado da perícia é formalizado num relatório, no qual o perito ou peritos se pronunciam de forma fundamentada sobre o respectivo objecto (cfr. nº1 do artº. 484º do actual Cód. Proc. Civil).
As partes são notificadas da apresentação do relatório pericial (nº 1 do artº. 485º do Cód. Proc. Civil) e, caso entendam que o mesmo enferma de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou que suas conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular reclamações (cfr. nº 2 do mesmo artº. 485º).
São estes os únicos fundamentos passíveis de sustentar a apresentação de reclamação contra o relatório pericial”.
Ora, concluída a avaliação, pelo perito do valor que ele reputa ir ser necessário, bem se seguiu, sem mais, a penhora, como impõe a lei, e isso independentemente das decisões relacionadas com o resultado da avaliação poderem vir a ser modificadas por via de recurso.
Quanto à questão suscitada, de as penhoras serem ilegais por terem sido efetuadas estando o resultado da avaliação e os despachos que se seguiram pendentes de recurso, tal não se verifica, pois que não decorre que, com o recurso, a tramitação da execução se tenha suspendido.
Na verdade, a regra geral é a de que a apelação tem efeito meramente devolutivo (nº1, do art. 647º), permitindo a execução imediata da decisão (art. 704º, nº1) ou, sendo o caso, a produção de outros efeitos. O efeito suspensivo está especialmente previsto para as situações do nº3, do art. 647º, sendo que nos restantes casos, a declaração de tal efeito depende de requerimento do interessado e da prestação de caução, nos termos do nº2, do art. 649º, o que se não ocorre.
E, caso o executado caucionasse o montante correspondente à avaliação do custo da prestação, a penhora do seu património deixaria de se justificar e deveria ser levantada (15).
Assim, concluída a avaliação - mera estimativa de custos da prestação por outrem a realizar por perito/s que, em concreto, uma vez realizada a prestação, se pode verificar que divergiu, sendo o valor a suportar pelo executado o que, efetiva e realmente, se vier a revelar mais tarde -, após notificação do relatório pericial às partes com decurso do prazo de reclamações contra o mesmo e uma vez satisfeito o ordenado ou determinado nos termos do nº3 e 4, do art. 485º, do CPC, em caso disso, segue-se, de imediato, a penhora, mesmo que seja interposto recurso de decisões que se prendam com aquela, a menos que seja prestada caução, o que não é o caso.
Bem decidiu, pois, o Tribunal a quo ao considerar que o agente de execução, ao proceder à penhora após a consolidação do relatório pericial que avaliou o custo da prestação, não cometeu a apontada ilegalidade.
Assim, no caso em apreço, atendendo ao valor estimado do custo da prestação, confessadamente incumprida, e ao valor penhorado pelo agente de execução, bem julgou o Tribunal recorrido que o valor penhorado não só não é excessivo, antes se revela equilibrado, como essa penhora não é ilegal, sendo, até, que a avaliação corresponde ao custo provável da prestação a executar por outrem (que pode vir a ser superior), sendo a penhora, também, para fazer face às custas do processo.
O recurso interposto nenhuma influência tem sobre as penhoras, legal e validamente efetuadas, e a manter para custear a prestação, por outrem, bem como as custas da execução.
Tal solução, proporcional e equilibrada à satisfação dos interesses que estão em causa nos autos, impõe a improcedência das conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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2ª - Da responsabilidade processual do apelante por litigância de má fé
Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.
O instituto da má fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.
Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes. Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.
Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em quea parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em quea parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada) (16).
Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro (17).
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))” (18).
“Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios” (19) – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
“Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão” (20).
Assim, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão (21).
Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual (22). Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” (23).
A má fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material (24); as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental (25).
A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual” (26).
Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civi”, Colecção Teses, Almedina ).
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça” (27).
A questão da má fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.
A má fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.
Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada" (28).
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e \o saber que se está a actuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida” (29).
Emergente dos princípios da cooperação, da boa fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça.
Quanto à sua aplicabilidade, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, vindo aquela a ser restritiva na admissão da litigância de má fé.
Esta interpretação impõe-se por ser a mais razoável e a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo: não é humanamente exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas e o litígio. O inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais): provado isto, haverá litigância de má-fé. Esse é o limite à compreensão e aceitação, relativamente à posição vivida pelas partes.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir (30).
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes (31).
À litigância de má fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos (32).
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Pedem os apelados a condenação do apelante como litigante de má fé, sustentando que o recorrente tem vindo a fazer um uso manifestamente reprovável dos meios processuais, visando, com isso, entorpecer a justiça e delongar o cumprimento da sentença, ao deduzir pretensões com total falta de razão legal que, objetivamente, não pode ignorar, acometendo toda e qualquer decisão judicial com argumentos completamente espúrios na ordem jurídica, pelo que o seu comportamento processual configura uma flagrante situação de litigância de má-fé, que lhes vem a causar danos morais e patrimoniais que computam em € 2.500,00.
Cumpre deixar claro que este Tribunal é um Tribunal de recurso pelo que as questões a apreciar são as já suscitadas junto da 1ª Instância e que a mesma apreciou e decidiu.
Na verdade, o recurso visa, tão só, o reexame da matéria apreciada pela 1ª Instância na decisão recorrida, não podendo ter por objeto questões novas (cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Os recursos são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se visa a sua modificação.
Recurso é, pois, um “pedido de reapreciação de uma decisão judicial apresentado a um órgão judiciário superior” (33).
Acresce que o direito ao recurso é uma garantia constitucionalmente consagrada, expressamente prevista pelo nº1, do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, podendo mesmo dizer-se que o direito de acesso aos Tribunais compreende o direito de recorrer (art. 20º, daquela Lei Fundamental), pelo que não é pelo facto de este ter recorrido, no exercício do seu direito e em defesa dos seus interesses, mesmo que lhe não venha a ser reconhecida razão e o recurso improceda, que se pode concluir que esteja a litigar de má fé.
Consagrando o legislador o direito de acesso aos Tribunais, a lei não reserva tal acesso aos detentores da razão, embora estabeleça entraves à introdução em juízo de toda e qualquer pretensão e comine certas atuações como litigância de má fé.
E, na verdade, “não deve confundir-se a litigância de má fé com:
a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo;
b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 2-3-10, 6145/09) (34).
Assim, mesmo resultando não ter o Apelante razão e improcedendo o recurso, não se segue, como consequência necessária, a condenação como litigante de má fé, sendo que a condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando alcançar o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
Assim, e sem prejuízo do tribunal a quo, poder/dever apreciar a eventual litigância de má fé, que os apelados imputam ao apelante, a qual é de conhecimento oficioso do tribunal, improcede a pretensão, questão nova, que os apelados formulam na resposta às alegações de recurso.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida, improcedendo, também, o pedido de condenação do apelante por litigância de má fé.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 6 de junho de 2019
(Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores)
Eugénia Marinho da Cunha
José Flores
Sandra Melo
1. Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha; 1º Adjunto: José Manuel Alves Flores; 2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo 2. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, Almedina, pág 39 3. O facto é fungível quando para o credor é indiferente, de direito e de facto, que o pratique o devedor ou um terceiro, por o seu resultado ser natural e juridicamente o mesmo (OTHMAR JAUERNIG, JVR cit. p. 579). Exemplos (ressalvada sempre a estipulação contrária): a reparação dum automóvel, a instalação duma canalização, a construção dum imóvel. 4. José Lebre de Freitas, A ação executiva à luz do código de processo civil de 2013, 7ª Edição, Gestlegal, pág. 454 5. A colocação da norma do art. 870º após a do art. 869, que só nesse momento prevê o requerimento de liquidação da indemnização pelo exequente, mostra que este pode então optar entre a indemnização compensatória e a prestação de facto por outrem, requerendo neste caso a nomeação de perito. 6. José Lebre de Freitas, idem, pág. 461 7. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pág 437 8. José Lebre de Freitas, idem, pág 461, nota de rodapé 23 9. Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora pág1021 10. Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág 438 11. Ac. da RC de 20/1/2015, Processo 95/05.0TBCTB-F.C1(Moreira do Carmo),indgsi.net e citado in Abílio Neto, pág 1335 12. Ac. da Relação de Guimarães de 4/10/2007, Processo 1454/07-2 (Raquel Rêgo), in dgsi.net, onde se considerou que “1.Na execução para prestação de facto, a avaliação tem em vista apenas o cálculo provável do custo da prestação, cujo objectivo é o de permitir determinar a extensão da penhora. 2.Esta avaliação pode ser confirmada ou desmentida pela realização das obras. 3.Daí que, no âmbito deste processo, não seja admissível a segunda avaliação”. 13. Ac. da Relação de Guimarães de 8/5/2014, Processo 362-E/2002.G1(Antero Veiga), in dgsi.net 14. Ac. da RL de 27/2/2014, processo 30/11.7YYLSB-B.L1-8,(Maria Amélia Ameixoeira) in dgsi.net “INo incidente de conversão deduzido em execução para prestação de facto, a avaliação destina-se a fornecer apenas uma estimativa do custo provável das despesas; o valor indicado pelo perito não é definitivo e o exequente fica obrigado a prestar contas que podem ser contestadas pelo executado.II) A celeridade do incidente de conversão da execução e a natureza provisória da avaliação dos custos não se coaduna com a realização de uma segunda perícia. III) Os únicos fundamentos passíveis de sustentar a apresentação de reclamação contra o relatório pericial são a sua deficiência, obscuridade, contradição, ou a falta de fundamentação”. 15. Marco Carvalho Gonçalves, Idem, pág 438 16. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes 17. Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou s eja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”. 18. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457 19. Ibidem, pág 457 20. Ibidem, pág 457 21. Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente. Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”. 22. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221 23. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457 24. Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264). 25. Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net 26. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461 27. Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net 28. José Alberto dos Reis,Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263. 29. Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703 30. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263 31. Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net 32. Ac. do STJ de 10/12/2015, Processo551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706 33. Ana Prata, Dicionário Jurídico, 5ª Edição, Vol. I, 2019 , Almedina, pág 1237 34. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol.I, Almedina, pág. 593