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JUSTO IMPEDIMENTO
PROCESSO DE ESPECIAL COMPLEXIDADE
Sumário
- A complexidade e a enorme documentação trazída para os autos, não pode como é óbvio, revestir de facto imprevisível, ou desconhecido para os recorrentes, até porque, conforme referem nas respectivas motivações recursórias, teriam conhecimento do volume das apreensões e buscas efectuadas pelas autoridades policiais. Sabendo do prazo que usufruiriam no caso de se mostrar necessário requerer a abertura de instrução, e dada a complexidade e volume da prova careada para os autos, somos do parecer que ao contrário do que alegam, a boa prudência, e diligência, imporiam que se tivesse iniciado de imediato a consulta dos autos após a cessação do segredo de justiça, possibilitando assim um conhecimento atempado da prova indiciária recolhida e até das diligências que eventualmente poderiam requerer naquela fase processual. - O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico criado pelos Tratados em face da especificidade da EU (União de Estados dotada de personalidade jurídica) e com vista á aplicação uniforme do direito comunitário, pelos tribunais nacionais. - Para que se verifique o reenvio e a intervenção do TJUE essencial é que se trate de aplicar o direito comunitário ao caso em apreço (pois visa-se uma interpretação e aplicação uniforme deste e não do direito nacional), pois se estiver em causa a interpretação e aplicação do direito nacional não á lugar á intervenção do TJUE.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I RELATÓRIO:
Nos autos de inquérito que correm termos no DIAP de Lisboa, pela Mmª Juiz do TIC de Lisboa, J 7, foi proferido despacho que julgou não verificado o justo impedimento e a suspensão do prazo de abertura de instrução, alegado pelos arguidos, AJ..., FM..., AS..., Ma... e AM..., todos identificados nos autos.
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso, os referidos arguidos, para o que formularam as seguintes conclusões:
“I. O artigo 140° do Código de Processo Civil disciplina o denominado "Justo Impedimento".
II. Exatamente, "(...) evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato" - n.° 1 do citado inciso legal.
III. Por força da letra do artigo 107°, n.° 2 e artigo 4°, ambos do Código de Processo Penal, o aludido mecanismo tem cabimento em sede de processo penal.
IV. Vale, pois, por dizer que também em procedimentos em que estejam em causa factos de alegada natureza criminal é possível a emergência de situações - alheias aos intervenientes processuais ou aos seus mandatários - legitimadoras da prática de ato processual para lá do estrito prazo legalmente tarifado.
V. In casu, atenta a proporção, dir-se-ia bíblica, do processo principal (atualmente com 19 volumes) e dos apensos (27 apensos, desdobrados em cerca de 2000 pastas, contendo centenas de milhar de folhas), o facto dos mesmos não terem, em grande medida sido digitalizados - e logo de impossível cedência aos arguidos/recorrentes - e de, manifestamente, ser impossível copiá-los em tempo nas instalações públicas onde se encontram depositados, suscitou-se tal possibilidade, sugerindo-se a concessão de 45 dias destinados a permitirem o acesso a todo o processo.
VI. Stupete gentes, tal pretensão foi indeferida, desde logo atenta a oposição do Ministério Público na promoção que a propósito efectuou (e que, sem qualquer plus argumentativo ou palavra acrescida veio a constituir a decisão judicial, atenta a remissão integral que aí se efetua ...).
VII. Estranho procedimento este em que ao acusador é dada a oportunidade de tomar posição decisiva (definitiva?!) sobre requerimento dos acusados ... Mas é o que é!
VIII. O Ministério Público que, de resto, não se comoveu com o facto de os vários prazos sucessivamente fixados para encerramento do inquérito, pelo Exmo. Senhor Conselheiro Vice Procurador Geral da República, em decorrência de dois requerimentos de aceleração processual deduzido por um dos arguidos/recorrentes e de vários pedidos de prorrogação de prazo apresentados pela Digníssima Magistrada do Ministério Público responsável pelo andamento dos autos, se ter fundado na formidável magnitude dos autos que, mau grado poder ser livremente manejados, demandaram anos (5 anos, 3 meses e 20 dias, ou, mais precisamente, 1935 dias) para que proferido fosse despacho final.
IX. De facto, o Ministério Público e o Tribunal a quo acham justo, leal e correto que a defesa, em 50 dias, ponha em causa o que demorou anos a erigir.
X. Na verdade, é impossível aos arguidos sequer ler, muito menos analisar, judiciosa e integralmente, em escassos cinquenta dias, um processo com esta magnitude, com 18 volumes, 27 apensos desdobrados em 2000 pastas, 1193 das quais de vasta documentação contabilística e fiscal (e estamos a tratar de uma acusação que se espraia por centenas de artigos atinentes a movimentações financeiras, supostamente subsumíveis em crime económico), com centenas de milhar de folhas (não se consegue ser mais preciso porque os serviços do Ministério Publico nem sequer numeraram as folhas), para destarte prepararem a interposição de eventual requerimento de abertura de instrução.
XI. Aos arguidos é manifestamente impossível ler, sequer, toda a vasta materialidade apreendida.
XII. O Ministério Público e, por adesão, o Tribunal a quo obtemperam, na verdade, ao requerido pelos arguidos/requerentes/recorrentes que o segredo de Justiça cessou a 26 de Abril de 2016 e que deveriam ter sido prudentes e começado logo a copiar...
Est modus in rebus ...
XIII. Com efeito, em tal altura processual seria expectável que os arguidos adivinhassem que iam ser acusados?
XIV. Ou ser-lhes-ia permitido que, ombro a ombro com os investigadores, manuseassem o processo?
XV. A resposta é evidente.
XVI. Ao contrário de uma pugna leal, informada pela matricial ideia de respeito pelos direitos, liberdades e garantias de quem se encontra envolvido numa relação especial de poder com o Estado, perfila-se uma situação processual em que a essencialidade dos direitos de defesa dos arguidos é votada a um inominável ostracismo. Na verdade, é impossível aos arguidos analisarem integralmente, em cinquenta dias, o processo para prepararem a interposição de eventual requerimento de abertura de instrução.
XVII. Cinquenta dias são manifestamente escassos para analisar, com profissionalismo e cuidado, a vastíssima documentação existente nos autos - mais a mais quando a respetiva volumetria impede que a sua cópia/ digitalização ocorra em tempo côngruo- para elaboração de um judicioso requerimento de abertura de instrução, devidamente estruturado no conhecimento efetivo do processado.
XVIII. Neste conspecto, como aceitar que o Estado, que, a bem dizer, deveria, por todas as razões (desde logo para melhor e mais proficiente manejo da informação pelos Exmos. Senhores Magistrados chamados a intervir no processo) ter aproveitado o tempo do inquérito para, paulatinamente, o ir digitalizando, abstendo-se de o fazer- sabe-se agora!- por alegada e injustificável falta de meios materiais e humanos, como aceitar, dizíamos, que se venha agora negar aos arguidos- que solicitamente se aprestaram a colaborar, deslocando um digitalizador e uma equipa de digitalização para os serviços do Ministério Público, destarte suprindo uma lacuna do Estado promotor da ação penal-uma condição temporal basilar para o exercício de um dos indeclináveis direitos de defesa, qual seja a de pugnar pela sua não submissão a julgamento?
XIX. Como evidente é que a correta interpretação da norma contida no n.° 1 do artigo 140° do CP Civil demanda o reconhecimento de uma situação de justo impedimento,
XX. Até porque a tal hermenêutica impele a ideia do fair trial, designadamente na vertente da igualdade de oportunidades entre defesa e acusação.
XXI. Na verdade, a desconsideração desta interpretação normativa, bem como a subsequente espécie de tramitação processual prosseguida, emerge nos antípodas da principologia que deve perpassar todo o procedimento processual penal e decorrente do n.° 4 do artigo 20° da CRP, bem como do artigo 6°, parágrafo 1° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 14° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
XXII. Na verdade, o massacre dos direitos de defesa dos recorrentes traduzido no facto de os obrigar a requerer a instrução na impossibilidade fáctica de acederem integralmente aos autos ou a abdicar desse direito emerge como iniquidade violadora do due process of law e da estrutura acusatória do processo penal.
XXIII. Contrariando, também e ainda, práticas distintas adotadas em outros processos a cursarem no espaço judicial nacional.
XXIV. Vale por dizer, pois, que a interpretação sufragada na decisão recorrida do disposto no artigo 107°, 2 e 3 do Código de Processo Penal (por remissão também do artigo 140° do CPC) e n° 6 — também do 107° do CPP — emerge desconforme à - e à CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA (2000/C 364/01).
XXV. Na verdade, uma atividade hermenêutica sobre as aludidas normas que considere as exigências postuladas pelo n.° 1 do artigo 32° e n° 4 do artigo 20° da CRP (também n.° 2 do artigo 48° e 2° parágrafo do artigo 47° da CDFUE) não comporta a tipologia de decisão inflexivelmente aferrada ao rigorismo literal de que os autos dão nota.
XXVI. Com efeito, ao optar-se por esta espécie de decisão fez-se a apologia de uma interpretação contrária ao núcleo infrangível das normas constitucionais e convencionais convocadas.
XXVII. Assim é pertinente o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia da questão suscitada,
XXVIII. Designadamente para que esclarecido fique o cabal entendimento das disposições normativas europeias (maxime o n.° 2 do artigo 48° e o 2° parágrafo do artigo 47° da CDFUE) para a solução do litígio aqui em causa.
Termos em que após a subida ao Tribunal ad quem, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das "conclusões" tecidas — isto se a Mma. Juíza de Instrução não fizer imediato uso da faculdade concedida pelo n.° 4 do artigo 414° do Código de Processo penal, reparando a decisão.
SÓASSIM SE FARÁ A TÃO PORFIADA JUSTIÇA!
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Os recursos foram admitidos
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Na resposta, o MºPº defendeu a manutenção do despacho recorrido, concluindo nos seguintes termos:
1. Os arguidos/recorrentes alegam que, ao não considerar verificado o justo impedimento, não suspendendo a contagem do prazo para requerer a abertura de instrução, a Mmª Juiz de Instrução fez errada interpretação do disposto nos art.107°, n°2 e 3 do CPP e n°6, violando os art.32°, n°1, 20°, n°4 da CRP e 48°, n° 2 e 2° parágrafo do art.47° da CFDUE, e art.6° da CEDH e 14° do PIDCP. Ademais, requerem o reenvio prejudicial para o TJUE.
2. Nos autos foi declarada a excepcional complexidade, vigorou o segredo de justiça até 26.04.2016, tendo sido os mesmos tramitados de forma urgente, em face da aceleração processual requerida por alguns dos arguidos ora recorrentes. Foi proferido despacho de acusação em 20.3.2018, notificado aos arguidos em 22.03.2018. Desde a prolação do despacho de acusação que os autos estão disponíveis para consulta.
3. Os arguidos/recorrentes não consultaram os autos e seus apensos na secretaria e iniciaram os trabalhos de digitalização em 16.4.2018. À data em que requereram a abertura de instrução, em 25.5.2018, esses trabalhos não estavam finalizados.
4. O acesso efectivo aos autos não é sinónimo do acesso a cópia digital integral dos autos. O Ministério Público não tem a obrigação legal de digitalizar os autos e seus apensos. Nem, em consequência, sobre si impende o dever legal de facultar cópia digital integral dos autos e seus apensos aos arguidos ou a outros sujeitos processuais.
5. A dimensão excepcional dos autos resulta, em grande medida, mas não só, do volume da documentação apreendida (grande parte dela aos arguidos/recorrentes), o que justificou a excepcional complexidade que foi declarada e a prorrogação do prazo para requerimento da abertura de instrução pelo período máximo previsto no CPP de 30 dias, a acrescer aos 20 dias legalmente previstos, descontado o período de férias judiciais da Páscoa que, no entretanto, se verificou.
6. O prazo para requerer a abertura de instrução é um prazo peremptório. Não prevê a lei a interrupção ou a suspensão de tal prazo, antes preconiza a possibilidade de o mesmo ser prorrogado até ao máximo de 30 dias, verificados que estejam os requisitos previstos no art.107°, do CPP. E prevê o justo impedimento, para além do prazo de complacência.
7. "Para quebrar a rigidez dos prazos e o efeito peremptório e preclusivo inevitavelmente associado ao seu esgotamento, a lei admite a tolerância de prazo e, portanto, a prática de actos sujeitos a um prazo dessa natureza depois do seu terminus ad quem, em duas situações: em caso de justo impedimento; em qualquer hipótese, dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, embora a validade do acto fique dependente do pagamento de uma multa processual (art° 139 n°s 4 e 5 do CPC). (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.06.2015).
8. Os arguidos invocam o justo impedimento ancorado nas garantias de defesa, no constitucional acesso ao direito, no direito a um processo justo e equitativo e no princípio da igualdade de armas. Mas, ao longo do seu discurso argumentativo, mais não fazem do que fazer coincidir o acesso a uma cópia digital integral do processo ao acesso efectivo à justiça, alegando que sem aquela (cópia digital integral) não dispõem das condições necessárias para exercer os seus direitos de defesa, v.g. para requerer a abertura de instrução.
9. O direito ao processo justo e equitativo mostra-se consagrado no art.20°, n°4 da Constituição, para além do art.6° da CEDH que expressamente o prevê. E o legislador ordinário previu, quanto a esta matéria, um quadro que não contempla a dilação dos prazos para além da prorrogação suportada pelo art.107°, n°6 do CPP e sustentada, precisamente na excepcional complexidade, e do justo impedimento previsto no art.140° do CPC aplicável ex vi do art.107°, n°2 do CPP.
10. É pela aplicação das regras vigentes que se constrói o processo justo e equitativo, porquanto elas preexistem, são gerais e abstractas, e, por isso, expectáveis e esperadas para todos os intervenientes processuais. E foram fixadas pelo legislador inspirado nos comandos constitucionais citados.
11. "O conceito de justo impedimento desdobra-se, actualmente, em dois requisitos: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto (art° 140 n° 1 do CPC). Verifica-se um tal impedimento quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto que lhe não é imputável. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.06.2015)
12. E, in casu, não se verifica justo impedimento. Não se pode, agora, invocar um conceito jurídico já densificado - o do justo impedimento - dar-lhe uma nova veste, tornando-o o bastião de princípios como o do processo justo equitativo, o da igualdade de armas, com o propósito de, assim, dilatar os prazos que o legislador fixou para a prática do acto, incluindo o prazo máximo de prorrogação admitido.
13. No que concerne à questão da fundamentação da decisão da Mmª Juiz de Instrução, importa reafirmar que se queda satisfeito o dever de fundamentação, previsto no art.97°, n°5 do CPP com a remissão. Assim: "O que é necessário é que a fundamentação da decisão judicial, dando executoriedade ao respectivo dever, assegure sempre os fins para que existe isto é, o auto-controlo de quem a profere, a sua total transparência objectivada na percepção e compreensão, pelos seus destinatários directos e pela própria comunidade, dos juízos de facto e de direito que dela constam, e, já em momento posterior, a possibilidade de fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso." (vide, por todos, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.9.2015).
14. Por último, em processo penal vigora o princípio da sua suficiência, consagrado no art.7° do CPP.
15. Extrai-se da leitura da norma contida no art. 267° do TFUE que estão excluídas do reenvio prejudicial, as questões relativas à interpretação ou à apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno, bem como as de compatibilidade delas com o direito comunitário.
16. "Assim, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Do citado Art° 267° do TFUE, resulta que o reenvio prejudicial apenas tem em vista levar ao TJUE qualquer questão relativa á interpretação ou à apreciação da realidade de um acto de direito comunitário. (sublinhado nosso, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2.7.2013)
17. O despacho sub judicio contemplou todas as exigências legais, incluindo as de fundamentação (Cf. art.107° e 97°, n°5 CPP, 140° do CPC, bem como os art. 32°, n°1, 20°, n°4 da CRP e 48°, n°2 e 2° parágrafo do art.47° da CFDUE, e art.6° da CEDH e 14° do PIDCP 97° do CPP), pelo que não merece censura.
Termos em que deverá o despacho da Mma Juiz de Instrução de fls.4770 ser mantido nos precisos termos em que foi proferido.
Vossas Excelências, porém, decidirão como for de JUSTIÇA!
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O Sr. Procurador-geral Adjunto nesta Relação subscreveu os termos e os fundamentos da resposta do MºPº emitindo o seguinte parecer:
Apenas reiterando aqui as principais linhas argumentativas da Exma. Colega na 1.ª Instância:
Sobre a prorrogação do para requerer a instrução:
" O acesso efectivo aos autos não é sinónimo do acesso a cópia digital integral dos autos. O Ministério Público não tem obrigação legal de digitalizar os autos e seus apensos. Nem, em consequência, sobre si impende o dever de facultar cópia integral dos autos e seus apensos aos arguidos ou a outros sujeitos processuais ".
" O prazo para requerer a abertura da instrução é um prazo peremptório. Não prevê a lei interrupção ou a suspensão de tal prazo, antes preconiza a possibilidade de o mesmo ser prorrogado até ao máximo, verificados que estejam os requisitos previstos no art. 107.º do C.P. P. E prevê o justo impedimento, para além do prazo de complacência".
" O direito ao processo justo e equitativo consagrado no artigo 20.°, n." 4 da Constituição, para além do artigo 6.° da CEDH que expressamente o prevê. E o legislador ordinário previu, quanto a esta matéria, um quadro que não comtempla a dilação dos prazos para além da prorrogação suportada no artigo 107.°, n.° 6 do C. P. P. e sustentada, precisamente na excepcional complexidade, e o justo impedimento previsto no artigo 140.° do C.P.P. aplicável ex vi do artigo 107.°, n.° 2 do C.P.P.
" É pela aplicação das regras vigentes que se constrói o processo justo e equitativo, porquanto elas preexistem, são gerais e abstractas, e, por isso expectáveis e esperadas para todos os intervenientes processuais. E foram fixadas pelo legislador inspirado nos comandos constitucionais citados".
Sobre o dever de fundamentação:
" O que é necessário é que a fundamentação da decisão judicial, dando executoriedade ao respectivo dever, assegure sempre os fins para que existe isto é, o auto-controlo de quem a profere, a sua total transparência objectivada na percepção e compreensão, pelos seus destinatários directos e pela própria comunidade, dos juízos de facto e de direito que dela constam, e, já em momento posterior, a possibilidade de fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso".
Sobre o reenvio a titulo prejudicial para o Tribunal de Justiça:
O Tribunal de Justiça das Comunidades não é um Tribunal integrado na organização judiciária interna de cada Estado membro, não funcionando por isso como instância de recurso proprio senso.
(...) O Tribunal de Justiça dá uma interpretação abstracta da regra comunitária (...) pronuncia-se apenas sobre a interpretação ou a validade do direito comunitário ( e não direito nacional): quer isto significar que o Tribunal de Justiça não se pronuncia nem sobre a interpretação das disposições de direito interno, nem sobre a compatibilidade de uma medida de carácter nacional com o direito comunitário, nem mesmo sobre as características ou a qualificação jurídica de um regulamento nacional determinado em relação às categorias do direito comunitário".
" O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico criado pelos Tratados em face da especificidade da EU (União de Estados dotada de personalidade jurídica) e com vista à aplicação uniforme do direito comunitário pelos tribunais nacionais, pois são questões colocadas pelos juízes nacionais, uma vez que aquela depende de uma interpretação uniforme das mesmas regras, e constitui, ao mesmo tempo, fundamento e consequência da aplicabilidade directa (efeito directo) e da primazia das regras comunitárias".
"O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da união. Do citado artigo 267.° do T.F.U.E., resulta que o reenvio prejudicial apenas tem em vista levar ao Tribunal das Comunidades qualquer questão relativa à interpretação ou à apreciação da realidade de um acto de direito comunitário ".
Pelo exposto deve o recurso ser julgado improcedente e por consequência mantido o douto despacho recorrido.
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Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.
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II FUNDAMENTAÇÃO:
Têm interesse para a decisão do recurso as seguintes ocorrências processuais:
- Por despacho judicial de 16/05/2014(fls. 1836-1839) nos presentes autos foi decretada a excepcional complexidade, sendo que o segredo de justiça vigorou nos autos até 26/04/2016, data da última prorrogação do acesso aos autos (fls.2080).
- No dia 20/03/18 foi proferido despacho de encerramento do inquérito, que foi notificado aos arguidos em 22/03/2018, tendo-lhes sido entregue cópia digital do mesmo, porquanto já nesta data requereram o exame dos autos fora da secretaria (fls.4624).
- Por despacho de 23/03/2018, foi autorizada a entrega de cópia digital dos volumes principais dos autos e informado que os autos e seus apensos estavam disponíveis para consulta na secretaria.
- Entre os dias 25 de Março e 2 de Abril de 2018 decorreram as férias judiciais da Páscoa.
- Em 17/04/18 os recorrentes vieram requerer a prorrogação do prazo para a abertura de instrução nos seguintes termos:
1°- Nos termos do artigo 287°- 1 do Código de Processo Penal (CPP), a abertura de instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação.
2°- Quando o procedimento se revelar de excecional complexidade, nos temos da parte final do n° 3 do artigo 215° do CPP, o Juiz, a requerimento do arguido pode prolongar o prazo previsto no artigo 287°, até ao limite máximo de 30 dias (artigo 107°-6 CPP).
3°- O presente processo foi já considerado de excecional complexidade, por douto despacho de fls. 1836 a 1837.
4°- Nos termos do n° 3 do artigo 215° do CPP, o procedimento é considerado de excecional complexidade devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos e ao caráter altamente organizado do crime.
5°- Do advérbio de modo ínsito naquele preceito decorre a não taxatividade do elenco previsto no artigo 215°-3 do CPP.
6°- Tanto quanto foi possível apurar até ao presente, os presentes autos desdobram-se em:
a) Processo principal, atualmente com 19 volumes;
b) 27 apensos, desdobrados em cerca de 2000 pastas ou volumes, 1193 das quais constituídas por documentação contabilística apreendida- cfr. acusação, fls. 4582 a 4589.
7°- No pretérito dia 10 de abril os arguidos, através dos seus mandatários, procederam a uma consulta preliminar do processo, na presença das Digníssimas Procuradoras do Ministério Público, tendo, então, podido constatar a abundância documental que compõe o processo (documentação que se acha elencada no próprio despacho de acusação, concretamente a fls. 4582 a 4589).
8°- É consabido que, estando o processo sujeito ao segredo de justiça, só a partir da prolação da acusação os arguidos podem consultar os autos.
9°- Reconhecer-se-á que tal consulta é absolutamente imprescindível para ponderar a abertura de instrução, a qual deve respeitar o quadro previsto no artigo 287, n.° 2 do CPP.
10°- Nos presentes autos, tal consulta é imperiosa desde logo porque a acusação, espraiada em 269 páginas (fls. 4325 a 4594), optou por remeter, frequentes vezes, para 422 notas de rodapé, muitas das quais apelando ao confronto de documentação constante dos apensos e de relatórios.
11°- Neste conspecto, não é sequer possível entender a acusação pública, sem se aceder à documentação para a qual frequentemente remete.
12°- Num megaprocesso com estes contornos, torna-se absolutamente inviável "consultar" os autos, no horário de expediente dos Serviços do DIAP.
13°- A "consulta", necessária a uma judiciosa análise da acusação e preparação da defesa, não pode prescindir da confiança do processo, de resto negada por decisão do Ministério Público proferida a fls. 4634.
14°- A este propósito, cabe lembrar que os arguidos e, pelo menos, as sociedades G…, SA; GE…, S.A.; GP… S.A; G… Lda; CF… S.A.; CR… S.A.; CM… S.A.; CS… S.A.; ED… Lda, IE… S.A. (…); CQ… S.A.; CD… S.A.; ID… S.A.; PF… S.A. (…); CM… Lda; SI… S.A. (…); Pr… S.A. (…); IV… S.A., foram alvo de buscas e extensa apreensão de documentos.
15°- Mercê dessa apreensão, os arguidos ficaram totalmente privados dos documentos necessários à organização da sua defesa, pois que toda a documentação pedagógica e financeira das sociedades a que se encontravam ligados foram removidas para o edifício sede da Polícia Judiciária ou para as instalações da 9a Seção do DIAP.
16°- Seria de esperar que os autos estivessem totalmente digitalizados, destarte facilitando o acesso de todos os intervenientes processuais à documentação, maxime dos arguidos, a quem devem ser asseguradas todas as condições para garantir a sua defesa.
17°- Constata-se, ao invés, que apenas estão digitalizados 18 volumes do processo principal, disponibilizados em 23/03/2018, em suporte digital, a instâncias da defesa.
18°- Na prática, os arguidos não têm acesso aos documentos que constam do processo, sendo que, conforme já referido, alguns deles são mesmo parte integrante da acusação, por remissão.
19°- Acresce, ainda, que a esmagadora maioria dos factos constantes dos artigos 208. a 823. da acusação pública, e cuja autoria é imputada aos Arguidos, resultam das perícias de natureza financeira e contabilística levadas a cabo no âmbito dos presente autos de inquérito, que tiveram como objeto os documentos que se encontram apreendidos nos 27 apensos, desdobrados em cerca de 2000 pastas ou volumes (1193 das quais constituídas por documentação contabilística), que constituem os presentes autos.
20°- Colocada a questão ao Ministério Público, em reunião que decorreu no pretérito dia 10 de abril, com a presença dos mandatários de todos os arguidos, objetou, o Ministério Público, a indisponibilidade de meios materiais (equipamento) e humanos (funcionários) para assegurar a digitalização das 2.000 pastas/volumes em que se desdobram os apensos, imprescindível a assegurar todas as garantias de defesa aos cidadãos visados pela acusação.
21°- À data de hoje encontram-se apenas disponíveis nos Serviços do Ministério Público para consulta e digitalização cerca 38 volumes/pastas, tendo sido transmitido por estes serviços que as remascentes pastas/volumes (cerca de 1962) só serão disponibilizados para consulta e digitalização depois de numeradas e rubricadas, o que manifestamente demorará diversos dias a realizar.
22°- O enorme volume de documentação, e a falta de recursos dos Serviços do Ministério Púbico para proceder à sua digitalização, constitui um condicionamento grave dos direitos de defesa, que bloqueia a judiciosa elaboração do requerimento de abertura de instrução.
23°- Certo é que por razões de ordem prática, a que os arguidos são alheios, não lhes é possível exercer cabalmente o seu direito a lançar mão da instrução, pugnando pela não submissão a julgamento.
23°- Aos arguidos não pode ser cerceado um direito que lhes assiste, por razões de ordem operacional que ao Estado cabia assegurar.
24°- Os arguidos tem noção das dificuldades que os Tribunais sentem, mas não podem ficar indiferentes à postergação de elementares garantias de defesa, num processo com esta envergadura.
25°- Patenteando inegável espírito de colaboração, os mandatários dos arguidos prontificaram-se a assegurar a digitalização do vasto acervo documental em falta, para o que farão deslocar um equipamento digitalizador para as instalações da 9a seção do DIAP de Lisboa, e bem assim as pessoas aptas a operar com o equipamento.
26°- De acordo com o MP, tal digitalização deverá ocorrer naquelas instalações, no período compreendido no respetivo horário de expediente.
27°- Com tal limitação, é de prever que a digitalização consuma, no mínimo, os dias úteis dos próximos 45 dias.
28°- Um processo justo e equitativo, na asserção do artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), não dispensa, além da prorrogação do prazo para requerer a abertura da instrução 8artigo 107°-6 CPP), a suspensão de tal prazo até à conclusão da digitalização dos autos, materializando, afinal, o acesso ao processo.
29°- Nos termos da alínea b) do n° 3 do artigo 6° da CEDH, o acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: dispor do tempo e dos meios necessários para a prepação da sua defesa"
30°- "Para uma efetiva proteção dos direitos do homem não é suficiente uma consagração substantiva; será necessário estabelecer garantias fundamentais de processo, de modo a reforçar os mecanismos de salvaguarda desses direitos.
(...) A garantia de um processo equitativo tornou-se num princípio fundamental da proeminência do Direito, por isso, numa sociedade democrática, no sentido da Convenção, o direito a um processo equitativo ocupa um lugar tão essencial que uma interpretação restritiva do artigo 6° não corresponderia ao fim e ao sentido desta interpretação"- Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem- Anotada, Coimbra Editora, 2a edição, 1999, pag. 115 e 116.
31°- Referindo-se ao número 6 do artigo 107° do CPP, o Conselheiro Henriques Gaspar refere: "constitui um modo de satisfazer exigências do processo equitativo, que impõem que sejam dispensadas aos sujeitos processuais condições razoáveis para o exercício dos seus direitos no processo, respeitando o contraditório, a igualdade de armas e o tempo adequado e a possibilidade de preparação da defesa pelo arguido...". Cfr. Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2014, António Henriques Gaspar e outros, página 355.
32°- "A figura do processo equitativo não pode ser definida em abstrato, antes deve ser verificada segundo as circunstâncias particulares de cada caso, tomando em consideração o processo no seu conjunto (...). Um processo equitativo exige, como elemento co-natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender os seus interesses numa posição não inferior à da parte contrária; ou, de outro modo, a parte deve ter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em condições que não coloquem em substancial desvantagem face ao seu opoente (...). O princípio do contraditório e da igualdade de armas são elementos incindíveis de um processo equitativo"- lrineu Cabral Barreto, ob citada, pag. 134.
33°- Ora, a mais do que se referiu (com especial enfoque para a total privação de documentos apreendidos, até ao presente sonegados pelos ditames do segredo de justiça, absolutamente necessários para cotejar e até entender a acusação, que para eles amiudadamente remete, e privação, outrossim, do extenso acervo e vital acervo documental para organizar a defesa), cabe destacar que o MP dispôs de mais de 5 anos e 3 meses para, com recurso a toda a informação existente nos autos, produzir o despacho final do inquérito, contrastando, flagrantemente, com os parcos 20 dias, eventualmente ampliados até 50 dias, concedidos aos arguidos para desbravarem o processo de inquérito e estruturarem a sua defesa.
34°- É uma obrigação do Estado (que não foi capaz de alocar meios que permitam a digitalização de um processo que, por opção da investigação, se agigantou num megaprocesso), garantir os meios necessários à preparação da defesa, asserção imanente a uma das dimensões do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20°da CRP, maxime, no que ao caso interessa, no seu n° 4 da CRP.
35°- Tal garantia implica o acesso efetivo ao processo, em moldes tais, não meramente formais, que não esvaziem esse direito, reduzindo-o a um mero simulacro de acesso aos autos, o que de resto flui também das garantia de defesa asseguradas em processo criminal pelo artigo 32°-1 da CRP.
36°- Os presentes autos impõem, assim, pela sua extensão, a prorrogação de prazo legalmente previsto, com a qual se garantirá ao arguido, em termos práticos, a utilização das garantias de defesa impostas pela Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32, n.° 1, e que, no caso vertente, se reduzem à singela possibilidade de ter tempo para aceder, copiar, ler, estudar e analisar o vastíssimo acervo documental com que, após o resgate do processo ao segredo de justiça, os arguidos se viram confrontado, para, de seguida, prepararem o requerimento de abertura de instrução, caso venha a optar por fazê-lo.
37° - Por sua vez, o artigo 107.°, n.° 2 do CPP, estipula que os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.
38° - Ora, pelos motivos e razões supra explanados, parece-nos que in casu estamos perante uma situação de justo impedimento que na presente data é manifestamente do conhecimento de todos os sujeitos processuais, nomeadamente, dos Arguidos e Ministério Público, não existindo, na nossa opinião, qualquer fundamento legal que impeça que se declare imediatamente esse impedimento à luz daquele normativo, sendo desnecessário que se aguarde o decorrer do prazo legal que se encontra ora em curso, para que só depois se analise o ora impedimento invocado.
39°- Os sobreditos normativos e princípios impõem, assim, que declarada por este tribunal a situação de impedimento, que o prazo para requerer a abertura de instrução se encontre suspenso enquanto não cessar a situação de justo impedimento supra alegada, suspensão esta que se deverá manter pelo lapso temporal necessário à digitalização do processo, que se supõe de, pelo menos, 45 dias.
NESTES TERMOS, REQUEREM:
1) que seja prorrogado o prazo destinado à apresentação do requerimento de abertura de instrução pelo período adicional de mais 30 dias, consagrando assim um prazo total de 50 dias (20 dias previstos no artigo 287°-1 CPP + 30 dias permitidos pelo artigo 107°-6 CPP);
2) que seja declarada a situação de justo impedimento supra alegada, e, consequentemente, se suspenda a contagem do prazo de abertura de instrução pelo tempo necessário à digitalização de todo o processo de inquérito (o que os mandatários dos arguidos promoverão de imediato, em colaboração com os Serviços do Ministério Público), pelo prazo estimado de 45 dias;
3) que, para não existirem quaisquer dúvidas sobre a contagem do prazo para requerer a abertura de instrução, se determine que tal prazo se iniciará no termo do prazo concedido para a digitalização dos autos.
Esta prorrogação deve ser aplicada a todos os arguidos, independentemente de a haverem requerido- cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4a edição atualizada, UCP, página 294.
Pedem deferimento
- O MºPº não se opôs à prorrogação do prazo por 30ndias, tendo no entanto sustentado posição contrária quanto à suspensão do prazo nos seguintes termos:
"Os arguidos recorrem à figura do justo impedimento e às garantias de defesa, designadamente o direito de acesso efectivo aos autos, para alicerçar o seu pedido de suspensão da contagem do prazo.
Apelamos à jurisprudência do STJ para sintetizar o 'justo impedimento" (Acórdão STJ de 19.07.2007):
"Devem considerar-se requisitos do justo impedimento:
- a normal imprevisibilidade do evento (exige-se às partes que procedam com a diligência normal prevendo ocorrências que a experiência comum teve como razoavelmente previsíveis);
- estranho à vontade da parte (não se pode venire contra factum proprium);
- que determine a impossibilidade da prática do acto no prazo legal pela parte ou mandatário (deve verificar-se entre o evento imprevisível e a impossibilidade da prática tempestiva do acto uma relação de causa e efeito)."
O presente inquérito reveste, como se disse, excepcional complexidade, não apenas pela dimensão do objecto como pelo volume da documentação que integra e analisada, na sua maioria produto de buscas realizadas aos arguidos e suas sociedades.
Esta profusa documentação que integra os autos, pela escassez de meios, não pôde ter sido digitalizada e, deste modo, ser facultada à defesa, à semelhança do que sucedeu com a disponibilização imediata de cópia digital do despacho final e do conteúdo dos volumes principais do processo.
Conforme supra consignado, a defesa dos arguidos, pelos seus meios, encontra-se, desde o passado dia 16.4.2018, a digitalizar os apensos dos autos nas instalações do DIAP que se encontram, ademais e desde a prolação do despacho final, em 20.3.2018, disponíveis para consulta.
Sendo certo que o segredo de justiça cessou em 26.04.2016, pelo decurso do prazo da última prorrogação do acesso aos autos (cf. fis.2080).
Não desprezamos a complexidade da tarefa de análise dos autos e preparação da defesa, contudo estamos em crer que o quadro fixado pelo legislador não contempla a dilação dos prazos para além da prorrogação suportada pelo art.107°, n°6 do CPP e sustentada, precisamente na excepcional complexidade, e no justo impedimento previsto no art.140° do CPC aplicável ex vi do art.107°, n°2 do CPP.
E somos de entender, ainda, que a situação em apreço não enquadra, apesar de tudo, uma situação de justo impedimento, por não verificado, desde logo, o requisito da imprevisibilidade.
Por último, não deixaremos de afirmar que, sendo os fundamentos decorrentes do mesmo facto - a complexidade do processo que resulta da sua dimensão -, não se vislumbra como admissível a cumulação da prorrogação de prazo com a suspensão do mesmo."
- Foi então proferido o despacho judicial, objecto do presentes recursos:
"Pelas razões referidas pelo Ministério Público e considerando a complexidade dos autos defere-se o requerido no que concerne à prorrogação do prazo a que alude o art.287° do CPP, por mais trinta dias.
No mais requerido e pelas razões referidas pelo Ministério Público na douta promoção que antecede que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, indefiro o pretendido, ou seja a concessão de mais vinte dias por motivos de justo impedimento, que pelas razões referidas não se verifica.
Notifique com cópia da promoção que antecede e deste despacho."
O Direito
Atentas as conclusões do recurso, e face à inexistência de questões de conhecimento oficioso, as questões suscitadas residem em determinar:
- se o despacho recorrido incorre em falta de fundamentação.
- se os factos alegados pelos recorrentes são susceptíveis de integrar o justo impedimento e como tal fundamento para a suspensão do prazo de reabertura de instrução
- do renvio para o Tribunal de Justiça
a) Da falta de fundamentação do despacho recorrido
Os recorrentes começam por realçar que o despacho recorrido não faz mais do que remeter para os termos e os fundamentos da promoção do MºPº que o antecede.
Embora não o invoquem expressamente, dir-se-á dado o inconformismo manifestado que se estaria a por em causa a falta de fundamentação do mesmo.
Independentemente de entendermos que não assiste razão aos recorrentes o certo é que o vício por eles invocado não se enquadra entre aqueles que vêm enumerados nas alíneas do art. 119º do C.P.P. (diploma ao qual pertencerão todos os preceitos adiante citados sem menção especial) e também não vem cominado na lei como nulidade insanável.
Assim sendo, porque não se trata de questão de conhecimento oficioso e, obviamente, estamos fora do âmbito de aplicação do nº 2 do art. 379º do C.P.P. que, regula as nulidades da sentença, a questão deveria ter sido previamente arguida perante o tribunal recorrido, sendo então, nesse caso, admissível recurso da decisão que este viesse a proferir. Não o tendo sido, não pode ser conhecida em primeira linha pela instância de recurso, pois, como é sabido, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas.
Nessa medida, e ainda que o despacho recorrido padecesse do vício que os recorrentes lhes apontam, sempre o mesmo se teria de considerar sanado, em virtude de não ter sido arguido perante o tribunal a quo.
b) - se os factos alegados pelos recorrentes são susceptíveis de integrar o justo impedimento e como tal fundamento para a suspensão do prazo de reabertura de instrução
Em síntese, os recorrentes invocando a grande complexidade do processo com 19 volumes, 27 apensos, desdobrados em cerca de 2000 pastas e na impossibilidade de os mesmos serem digitalizados e copiá-los em tempo nas instalações públicas onde se encontram depositados, sustentam que tal circunstancialismo consubstancia a figura de justo impedimento, devendo como tal este ser reconhecido, e ser suspenso o prazo de abertura de instrução por um período de 45 dias, destinados a permitirem o acesso a todo o processo.
Uma das excepções que a lei prevê à regra da improrrogabilidade dos prazos relativos à prática de actos processuais vem consagrada no nº 2 do art. 107º, de acordo com o qual é admissível a prática de tais actos para além dos prazos estabelecidos por lei ou por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase processual a que os mesmos respeitem “desde que se prove justo impedimento”, o qual terá de ser invocado dentro do limite temporal definido no nº 3 do mesmo preceito.
À falta de outras normas que, na lei adjectiva penal, apontem os critérios a seguir na definição dos contornos desta figura jurídica, bem como no que respeita à tramitação do respectivo incidente, são aqui aplicáveis, ex vi do disposto no art. 4º, as normas do processo civil que regulam a matéria, em concreto a do art. 140º.
Na actual redacção deste preceito, o justo impedimento vem definido como “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.
A definição conceitual do justo impedimento, que na redacção anterior ao DL nº 329-A/95 de 12/12 era mais restrita, na medida em que exigia a normal imprevisibilidade do evento, passou a ser mais flexível, “em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam” como se refere no preâmbulo desse diploma. “O novo conceito de justo impedimento faz apelo, em derradeira análise, ao «meio termo» de que falava Vaz Serra (RLJ – Ano 109º/267): deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais”.[1]
Assim, a verificação do justo impedimento passou a depender, essencialmente e para além da prova de evento impeditivo da prática do acto dentro do prazo estabelecido por lei ou por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que ele respeitar, da comprovação da inexistência de culpa, negligência ou imprevidência – aferida por comparação com o procedimento que um bom pai de família teria adoptado se colocado perante as mesmas circunstâncias externas - da parte, seu representante ou mandatário, na produção desse evento.[2]
Revertendo ao caso sub judice, ressalta antes do mais que perante a complexidade, foi concedida a prorrogação do prazo de abertura de instrução para mais 30 dias nos termos do artº 107º nº 6 do CPP.
Por outro lado, o segredo de justiça terminou em 26/04/2016, sendo que o despacho de encerramento de inquérito foi proferido no dia 20/03/2018.
A complexidade e a enorme documentação trazída para os autos, não pode como é óbvio, revestir de facto imprevisível, ou desconhecido para os recorrentes, até porque, conforme referem nas respectivas motivações recursórias, teriam conhecimento do volume das apreensões e buscas efectuadas pelas autoridades policiais.
Sabendo do prazo que usufruiriam no caso de se mostrar necessário requerer a abertura de instrução, e dada a complexidade e volume da prova careada para os autos, somos do parecer que ao contrário do que alegam, a boa prudência, e diligência, imporiam que se tivesse iniciado de imediato a consulta dos autos após a cessação do segredo de justiça, possibilitando assim um conhecimento atempado da prova indiciária recolhida e até das diligências que eventualmente poderiam requerer naquela fase processual.
Dos autos não resulta que após a cessação do segredo de justiça e mesmo da elaboração do despacho final do inquérito, o tribunal tivesse negado aos arguidos o direito de consultar o processo, quando para tal solicitado, sendo que os mesmos tiveram acesso aos elementos do processo, com o direito de o consultar na íntegra, nomeadamente para efeitos de preparar o requerimento de abertura de instrução, caso pretendesse requerer esta fase processual. As limitações relativas à disposição integral do processo decorreram exclusivamente de razões de ordem prática, tiveram como fundamento problemas de logística relacionados com o elevado número de volumes e apensos, situação essa que com supra se referiu era do seu conhecimento.
Como tal forçoso será de concluir pela inexistência do justo impedimento invocado.
Refira-se aliás que embora referindo-se ao prazo de interposição de recurso, o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 07/02/2000 in B.M.J. 494º-400, referiu que “ A complexidade do processo, bem como a necessidade de análise de inúmeros documentos, não integram só por si, o conceito de justo impedimento”.
E a impossibilidade de proceder à digitalização do processo, no prazo referido, para além de não incumbir ao MºPº, deveria ter sido acautelada em devido tempo pelos recorrentes, já que a sua complexidade e o seu volume, eram factores bem conhecidos dos recorrentes. Não o tendo feito, “sibi imputet”.
Acresce ainda que a aceitarmos a tese dos recorrentes, estar-se-ia no fundo a utilizar o mesmo fundamento para fazer verificar a aplicação de dois normativos legais, isto é, a complexidade do processo e sua digitalização, iria justificar no fundo não só a prorrogação do prazo para a abertura de instrução (que foi concedida) como a invocação de justo impedimento para a sua suspensão.
É que é por demais evidente que a noção de complexidade de um processo, envolve como é óbvio, a dificuldade da sua análise e estudo, face não só à natureza jurídica das questões em apreço como ao volume do mesmo. Ora dúvidas não podem existir que nessa dificuldade se englobam como é óbvio não só a sua consulta, como todos os meios auxiliares desta, mormente as fotocopias ou mesmo a sua digitalização.
E a nosso ver, tal conclusão em nada afeta as garantias de defesa, ou viola o direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito, e a um processo justo e equitativo e no princípio da igualdade de armas.
Subscrevemos nesta parte as considerações tecidas pelo MºPº junto da 1ª instância, na sua resposta ao recurso: Citando Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada (PP.415), "O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. Uma densificação do processo justo ou equitativo é feita pela própria Constituição em sede de processo penal (cfr. art.32°) (...) A doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso (cfr. AcTC n°148/87); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas."
Não aferimos que nenhum destes direitos tenha sido posto em causa, realçando-se desde logo que de modo algum se pode tentar retirar do direito à igualdade de armas, uma igualdade de prazos para a investigação e para a defesa.
É um facto que o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos consagra o direito a um processo equitativo, o qual na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos “..não pode ser definida in abstracto, antes deve ser verificada segundo as circunstâncias particulares de cada caso, tomando em consideração o processo no seu conjunto”.[3]
As exigências de um processo equitativo são o princípio do contraditório, o princípio da igualdade de armas, sendo que a alínea b) do nº 3 do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos refere que o acusado tem o direito de dispor de tempo e dos meios necessários para a preparação da defesa, devendo como tal ser-lhe assegurada “a possibilidade de se organizar de maneira adequada e sem restrições” .[4]
Num direito processual penal do arguido, devem ser-lhe asseguradas as garantias de defesa, com tutela constitucional (art. 32º da Constituição da República Portuguesa). E é ao arguido que compete decidir sobre a sua defesa, escolhendo como e quando se quer defender, designadamente requerendo a abertura da instrução, ou antecipando na contestação a sua posição sobre os factos da acusação, ou antes relegando-a para a audiência de julgamento.
No caso em apreço, optando pela abertura e instrução terá que o fazer nos prazos legais estabelecidos e que são de 20 dias, com possibilidade de prorrogação até ao limite de 30 dias (artºs 287 e 107º nº 6 do C.P.P.).
Acresce ainda que por força do artº 140º do C.P.C, ex vi arº 4º do C.P.P., os prazos legais fixados poderão ser ultrapassados em caso de justo impedimento.
Será neste quadro de normas e de princípios – da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, da Constituição da República Portuguesa e do Código de Processo Penal - que o juiz deverá conformar a decisão sobre a prorrogação do prazo que o legislador estabeleceu como prazo-regra para o requerer a abertura de instrução, e de eventualmente considerar verificado o justo impedimento.
E avaliando todas as concretas circunstâncias processuais supra descritas, não se vislumbra a violação de nenhuma daquelas normas, de nenhum dos princípios apontados, o cometimento de ilegalidade, qualquer obstáculo ou impedimento ao exercício dos direitos de defesa.
Não existe fundamento sério para que no caso em apreço o Tribunal “ a quo” devesse ter decidido de modo diferente, deferindo a suspensão do prazo de abertura de instrução requerida pelos arguidos.
Apesar do código de processo penal ser um diploma orientado para o arguido, no sentido de lhe assegurar um quadro legal de protecção e de ampla possibilidade de se defender, isso não significa que seja o arguido o “dominus” do processo.
Só existiria um poder-dever de suspender esse prazo, se, ponderadas todas as circunstâncias concretas do caso, tal prazo se revelar necessário a uma defesa adequada, na garantia de um processo justo e equitativo.
Os presentes autos são complexos, e por isso foram declarados como tal, mas essa complexidade não é de modo que justifique o máximo de prorrogação do prazo.
Os arguidos não foram surpreendidos “à boca do prazo” com a natureza complexa e volumosa do processo, que anteriormente desconheciam, sendo que o prazo para requerer a abertura de instrução veio a ser prorrogado, a sua solicitação, pelo tempo pedido, tendo ainda beneficiado de uma extensão “informal” do prazo, por via da suspensão do seu decurso em férias da Páscoa.
Ou seja, ocorreu no caso em pareço um processo justo e equitativo, uma vez que as normas aplicadas foras as regras vigentes, que revestem de natureza geral e abstractas, e que obedecendo aos normativos e princípios constitucionalmente consagradossão expectáveis e esperadas para todos os intervenientes processuais.
Donde se conclui, sem necessidade de mais considerações, pela improcedência das razões invocadas pelos recorrentes para fundamentarem o justo impedimento.
Apenas mais uma consideração final quanto aos prazos de defesa e de acusação.
Conforme referem os próprios recorrentes a “estrutura acusatória que subjaz ao processo penal nacional impõe que à acusação e à defesa sejam asseguradas as mesmas possibilidades de fazerem valer as respetivas posições, emergindo totalmente proibidas quaisquer espécies de discriminações e/ou arbitrariedades”.
Por seu lado o art.º 6º da CEDH, prescreve:” Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá (…) sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ele”.
Por sua vez o art.º 20º, nº 4, da CR, em linha com a CEDH, refere que “ Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável”; e o art.º 32, nº2, estabelecendo a presunção de inocência do arguido até à condenação com trânsito, exige que ele seja “(…) julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
Quer isto dizer que a CRP impõe, à semelhança da CEDH, um prazo razoável para o inquérito e tão curto quanto as garantias de defesa o permitam, mas não fixa prazos máximos ou mínimos.
Impõe, sim, um prazo razoável e curto.
E este prazo terá que ter em conta como é óbvio a complexidade do processo, principalmente na fase da investigação, aonde se procura recolher os elementos indiciários necessários para fundamentar (ou não) uma acusação, envolvendo diligências e utilização de meios de prova que por vezes se podem mostrar complexos e morosos e cujo âmbito por vezes se mostra difícil de calcular.
Situação esta que já não se verifica relativamente à defesa, uma vez que com a dedução da acusação, fixado se encontra o objecto do processo e como tal os elementos indiciários e de prova a que a defesa terá que responder.
E daí que os prazos legalmente estabelecidos para inquérito (artº 276ºdo CPP) sejam superiores ao concedidos aos arguidos para preparação da sua defesa, nomeadamente para intervenção hierárquica (20 dias- artº 278º CPP), abertura de instrução (20 dias -287 CPPº) e contestação (20 dias- artº 315º do CPP), sendo que em caso de complexidade, a diferença entre os mesmos seja proporcionalmente maios (vidé 107º nº 107º nº 6 e 276º nºs 2 3 3 CPP).
Ou seja, os princípios de igualdade e de equidade do processo consagrados constitucionalmente e a nível de legislação comunitária, não exigem que os prazos de investigação e de defesa sejam iguais, nem que haja mesmo um limite fixado, mas que o inquérito seja concluído num prazo razoável.
Foi o que ocorreu no caso dos autos, atenta a natureza complexa do processo como aliás os próprios recorrentes reconhecem, não havendo assim a nosso ver qualquer reparo a fazer, quer no período em que decorreu a investigação, quer no prazo concedido à defesa, prorrogado por mais 30 dias, para querendo exercer o direito de requerer a abertura de instrução.
c) do renvio para o Tribunal de Justiça
Vêm os arguidos/recorrentes reclamar o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia da questão suscitada.
O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico criado pelos Tratados em face da especificidade da EU (União de Estados dotada de personalidade jurídica) e com vista á aplicação uniforme do direito comunitário, pelos tribunais nacionais.
Ora tal (o reenvio prejudicial) ocorre ou deve ocorrer “quando um tribunal nacional tem fundadas dúvidas sobre a interpretação a dar a uma norma comunitária ou sobre a validade de um acto jurídico das instituições …”, ou de outro modo, o TJUE pronuncia-se “a pedido da jurisdição nacional de um estado membro que deve aplicar uma regra de direito comunitário ou que deve constatar as consequências jurídicas de um acto levado a cabo por uma instituição.. .”[5]
Para que se verifique o reenvio e a intervenção do TJUE essencial é que se trate de aplicar o direito comunitário ao caso em apreço (pois visa-se uma interpretação e aplicação uniforme deste e não do direito nacional), pois se estiver em causa a interpretação e aplicação do direito nacional não á lugar á intervenção do TJUE.
Ora conforme referiu o MºPº junto da 1ª Instância e o Sr Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal, e respectiva jurisprudência citada que subscrevemos, no caso em apreço, não estamos perante qualquer questão relativa à interpretação ou à apreciação da realidade de um acto de direito comunitário. “O Tribunal de Justiça dá uma interpretação abstracta da regra comunitária … (…) pronuncia-se apenas sobre a interpretação ou a validade do direito comunitário (e não direito nacional): quer isto significar que o TJ não se pronuncia nem sobre a interpretação das disposições de direito interno, nem sobre a compatibilidade de uma medida de carácter nacional com o direito comunitário, nem mesmo sobre as características ou a qualificação jurídica de um regulamento nacional determinado em relação ás categorias do direito comunitário” .[6](sublinhado nosso)
Assim sendo não há que proceder ao reenvio prejudicial ao TJUE
*
III DECISÃO
Pelo exposto, os juízes desta Relação julgam os recursos não providos e, em consequência, mantêm na totalidade os despachos recorridos.
Vão os recorrentes condenados nas custas fixando-se a cada um, a taxa de justiça de 5 UCs .
(Processado em computador e revisto pela 1º signatário – art. 94 nº 2 do CPP)
Lisboa, 24 de Outubro de 2018
Vasco Freitas
Rui Gonçalves
[1] cfr. Abílio Neto, CPC anot., 16ª ed., p. 258 [2] “O que deverá relevar decisivamente para a verificação do «justo impedimento» – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº2 do art. 487º do CC (…)”- cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil”, p. 125. [3] (cfr. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, Irineu Cabral Barreto, 2005, p. 132/3 e acórdãos aí citados). [4] (Irineu C. Barreto, loc cit., p. 167). [5] M. Melo Rocha, O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Coimbra ed. 1982, pag. 45 e 46 [6] - M.M. Rocha, ob. cit. pág. 52.