PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
VALIDADE
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA INTERNA
PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O DIREITO EUROPEU
SUBEMPREITADA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Sumário


I. — As disposições do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, incluindo a disposição do art. 25.º, têm prioridade sobre as disposições do Código de Processo Civil.
II. — As situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.
III. — A validade dos pactos atributivos de jurisdição concluídos ao abrigo do art. 25.º do Regulamento é independente de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, “não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo”.
IV. — Entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição concluído ao abrigo do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 seja substantivamente válido está o de que designe, com suficiente determinação, duas coisas — a relação jurídica e o tribunal em que as questões emergentes da relação jurídica designada hão-de ser apreciadas e decididas.
V. — Entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição seja substantivamente válido não está, em todo o caso o de que o tribunal designado tenha alguma conexão objectiva com a relação jurídica designada, com os seus sujeitos ou com o seu objecto.
VI. — O conceito de invalidade substancial do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 deve interpretar-se em termos de não abranger a invalidade por violação das regras de competência interna e, designadamente, das regras de competência interna dos arts. 94.º, 95.º e 104.º do Código de Processo Civil.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA




I. — RELATÓRIO


           

   1. AA, LDA, propôs contra BB CONSTRUCTION, S.A.S. (1.ª Ré) e BB, SGPS (2.ª Ré), acção de condenação ao pagamento das quantias alegadamente devidas no quadro de um contrato de subempreitada.


    2. O Tribunal da Comarca de … proferiu despacho saneador, em que:

     I. — julgou a 2.ª Ré BB, SGPS, parte ilegítima;

    II. — julgou o tribunal incompetente para conhecer do litígio entre a AA, LDA, e a BB CONSTRUCTION, S.A.S., por a Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S., ser uma sociedade de direito francês.


   3. A Autora AA, LDA, notificada do despacho saneador sentença que julgou o Tribunal da Comarca de …, interpôs recurso de apelação, alegando e concluindo que:


1ª- Tendo em consideração que estamos perante duas entidades domiciliadas em dois diferentes Estados-Membros da União Europeia, é aplicável a esta relação jurídica o Regulamento (UE) nº 1215/2012.

2ª- Face ao disposto no art. 25º deste Regulamento, que prevalece sobre o direito nacional face ao princípio do primado do direito europeu, e ao teor da cláusula 14ª do contrato, o tribunal competente para julgar a presente ação é o Tribunal da Comarca de ….

 Sem prescindir,

3ª- Nos termos do art. 82º do CPC, nº 2, face à coligação de réus, a A podia optar por um dos tribunais territorialmente competente, tendo optado pelo tribunal da sede da 2ª Ré.

4ª- O facto da 2ª Ré ter sido absolvida da instância no despacho saneador, não afasta a aplicação da referida previsão legal.

5ª- Nos termos do disposto no art. 38º nº 1 da LOSJ, a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

6ª- A atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da ação, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior.

7ª- A sentença “a quo” ao julgar incompetente o Tribunal da Comarca de … não fez uma correta interpretação do regulamento (UE) 1215/2012, bem como do art. 82º do CPC e do art. 38º nº 1 da LOSJ.

 Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença da 1ª instância e ordenando-se o prosseguimento dos autos.


     4. BB CONSTRUCTION, S.A.S., contra-alegou, formulando a final as seguintes conclusões:


A. O objecto do Recurso da Autora confina-se à aplicabilidade do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e o exacto momento em que se impõe aferir e fixar da competência [ou falta dela] para o conhecimento do mérito de cada acção.

B. A Recorrente faz uma interpretação parcial e errónea do artigo 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012.

C. Não estava na disponibilidade das Partes, Autora e 1.ª Ré, o direito a convencionar o foro no que respeita ao cumprimento da prestação no contrato de empreitada que celebraram a 18 de Dezembro de 2014.

D. Nos termos da aplicação conjugada dos artigos 95º n.º e 104.º n.º 1 alínea a), ambos do CPCiv, não era, em 18 de Dezembro de 2014, nem é hoje, um direito disponível das partes, a possibilidade de convenção de foro, relativamente à propositura de acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações.

E. A Autora / Recorrente não pôs em crise a decisão do Tribunal a quo que desconsiderou o domicílio convencionado das Partes, afastando com isso as regras da competência para o cumprimento da obrigação.

F. A Autora / Recorrente limitou-se a dizer que o M.mo Juiz a quo se “esqueceu” de aplicar o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012.

G. Efectivamente o artigo 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012 prevê a possibilidade das partes poderem convencionar o tribunal competente para dirimir os litígios contratuais, desde que o façam por escrito. Mas não diz só isso!!! Também diz que a bondade de qualquer convenção jurisdicional deve ser aferida à luz do direito processual local (português, in casu) que, tal como demonstrou o Despacho Saneador Sentença, não vale…

H. Por aplicação do artigo 25.º nº 1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, o Tribunal competente para dirimir o litígio entre as Partes – incumprimento contratual da 1.ª Ré, tal como foi configurado pela Autora –, é o tribunal francês, porquanto, o artigo 104º n.º 1 alínea a) do CPCiv., por força do artigo 95º n.º 1 do mesmo diploma, “[…] determina a impossibilidade das partes contraentes acordarem na estipulação de foro convencional para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento.[…]”

I. E declarando-se o Tribunal a quo incompetente, também foi decisão do Tribunal julgar parte ilegítima a 2.ª Ré, decisão essa que não foi posta em crise pela Recorrente e nem constitui objecto do seu Recurso.

J. É no despacho saneador que o Tribunal averigua da bondade da mencionada fixação de competência “adjudicada” ao Autor, enquanto impulsionador processual.

K. O disposto no artigo 38º n.º 1 da LOSJ há-de ser interpretado em conjugação com o artigo 595º nº 1 do CPCiv., sob pena de se desmerecer o necessário “saneamento” do processo.

L. Saneado o processo, julgada a incompetência relativa e a ilegitimidade da única Ré com domicílio em Portugal, muito embora mande a lei à remessa do processo para outro tribunal, o envio automático do processo não tem aplicação nos casos em que a competência for de um tribunal estrangeiro.

M. Por força do Princípio do primado do direito europeu - Regulamento (UE) n.º 1215/2012, terá de ser apresentada nova acção junto do tribunal competente.

O Tribunal a quo julgou no estrito limite dos elementos carreados para o processo.

Pelo exposto, de nenhuma ilegalidade enferma a sentença injustamente colocada em crise pela Recorrente, devendo manter-se na totalidade o sentenciado.


     5. O Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso de apelação interposto, “mantendo[], por isso, o despacho proferido e o alcance da decisão que lhe é implícita”.


     6. Inconformada, a Autora AA, LDA, interpôs recurso de revista.

            Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


1.ª- A  apelante suscitou a seguinte questão no seu  recurso: A atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da ação, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior.

2a- O douto acórdão recorrido, embora tenha destacado esta questão como englobando o objeto do recurso, não se pronunciou sobre a mesma.

3a- Esta omissão de pronúncia traduz, nos termos do disposto na alínea d) do n° 1 do art. 615° do CPC, uma nulidade do acórdão que expressamente se invoca.

4a- Tendo em consideração que estamos perante duas entidades domiciliadas em dois diferentes Estados-Membros da União Europeia, é aplicável a esta relação jurídica o Regulamento (UE) n° 1215/2012.

5a- Face ao disposto no art, 25° deste Regulamento, que prevalece sobre o direito nacional face ao princípio do primado do direito europeu, e ao teor da cláusula 14a do contrato, o tribunal competente para julgar a presente ação é o Tribunal da Comarca de ….

Se assim não se entender,

6a- Nos termos do art. 82° do CPC, n° 2, face à coligação de réus, a A podia optar por um dos tribunais territorialmente competente, tendo optado pelo tribunal da sede da 2a Ré.

7a- O facto da 2a Ré ter sido absolvida da instância no despacho saneador, não afasta a aplicação da referida previsão legal.

8a- Nos termos do disposto no art. 38° n° 1 da LOSJ, a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

9a- A atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da ação, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior.

10a- O douto acórdão "a quo", ao julgar incompetente o Tribunal da Comarca de … não fez uma correta interpretação do regulamento (UE) 1215/2012, bem como do art. 82° do CPC e do art. 38° n° 1 da LOSJ.

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se o prosseguimento dos autos.


     7. As Rés BB CONSTRUCTION, S.A.S.. e BB SGPS, S.A. Sociedade Aberta, contra-alegaram.

            Finalizaram a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:


A. A Recorrente, não só percebeu a pronúncia do Tribunal a quo, como a explica, nas suas alegações de revista, pelo que o Acórdão Recorrido pronuncia-se sobre todas as questões suscitadas pela Recorrente, pelo que terá que improceder o fundamento de nulidade.

B. O Acórdão Recorrido não padece de qualquer omissão de pronúncia, não revestindo qualquer nulidade nos termos do disposto no artigo 615° n.° 1 alínea d) do CPCiv..

Acresce que,

C. Da decisão constante (de parte) do Acórdão Recorrido que negou procedência à apelação no que respeita à questão "da atribuição da competência territorial do tribunal dever ser efectuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da acção, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior", não é cabe o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça no quadro de uma revista normal, sendo o presente Recurso de Revista, NESSA PARTE, inadmissível nos termos do artigo 671 .°,n.° 3 do CPCiv..

D. A fundamentação recursória da 2a questão levantada pela Recorrente, nada tem que ver com a violação das regras de competência internacional (susceptível de permitir uma terceira instância de apreciação), mas antes uma fundamentação com base numa (alegada) errada interpretação de normas de fixação de competência territorial.

E. Ou seja, a Recorrente limitou as suas conclusões 6a; 7a; 8a e 9a, e necessariamente a correspondente parte do seu recurso - intencionalmente ou não, desconhece-se - à primeira das questões apreciadas negativamente pelo Tribunal da Relação, que não resultou ex novo do Acórdão Recorrido, mas que vinham já da Sentença Apelada e na qual há dupla conformidade entre as decisões das instâncias.

F. Temos uma manifesta "Dupla Conforme", mesmo que parcial, uma vez que não houve inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos aduzidos no Acórdão Recorrido relativamente aos utilizados na Sentença Apelada, o que justifica claramente a ablação do terceiro grau de jurisdição nessa questão suscitada pela Recorrente.

 Sem prescindir no que à Dupla Conforme respeita,

G. O objecto do Recurso da Autora confina-se à aplicabilidade do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 e o exacto momento em que se impõe aferir e fixar da competência [ou falta dela] para o conhecimento do mérito de cada acção.

H. A Recorrente motiva erradamente o seu recurso quando considera existir uma deficiente aplicação daquilo que são as regras da fixação de competência territorial aplicáveis aos sujeitos processuais por si configurados no momento em que deu entrada em juízo da sua, mui douta, petição inicial, laborando em erro quanto a uma coligação de réus, que confunde com uma "cumulação de pedidos", que não existe, porque o pedido é só um.

I. A Recorrente faz uma interpretação parcial e errónea do artigo 25° do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012.

J. Não estava na disponibilidade das Partes, Autora / Recorrente e 1 .a Ré, o direito a convencionar o foro no que respeita ao cumprimento da prestação no contrato de empreitada que celebraram a 18 de Dezembro de 2014.

K. Nos termos da aplicação conjugada dos artigos 95° n.° e 104.° n.° 1 alínea a), ambos do CPCiv, não era, em 18 de Dezembro de 2014, nem é hoje, um direito disponível das partes, a possibilidade de convenção de foro, relativamente à propositura de acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações.

L. A Autora / Recorrente não pôs em crise a decisão do Tribunal de 1a instância a quo que desconsiderou o domicílio convencionado das Partes, afastando com isso as regras da competência para o cumprimento da obrigação.

M. A Autora / Recorrente limitou-se a dizer o Regulamento (UE) n,° 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012 prevalece sobre o direito nacional, nada considerando às necessárias conexões.

N. Efectivamente o artigo 25.° do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012 prevê a possibilidade das partes poderem convencionar o tribunal competente para dirimir os litigios contratuais, desde que o façam por escrito. Mas não diz só isso!!! Também diz que a bondade de qualquer convenção jurisdicional deve ser aferida à luz do direito processual local (português, in casu) que, tal como demonstraram os doutos Despacho Saneador Sentença e Acórdão Recorrido, não vale…

O. Por aplicação do artigo 25.° n° 1 do Regulamento (UE) n.° 1215/2012, o Tribunal competente para dirimir o litígio entre as Partes - incumprimento contratual da 1.a Ré, tal como foi configurado pela Autora - é o tribunal francês, porquanto, o artigo 104° n.° 1 alínea a) do CPCiv., por força do artigo 95° n.° 1 do mesmo diploma, "[...] determina a impossibilidade das partes contraentes acordarem na estipulação de foro convencional para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento. […]"

 P.  E declarando-se o Tribunal a quo incompetente, também foi decisão do Tribunal julgar parte ilegítima a 2.a Ré, decisão essa que não foi posta em crise pela Recorrente e nem constitui objecto do seu Recurso de Apelação,

Q. É no despacho saneador que o Tribunal averigua da bondade da mencionada fixação de competência "adjudicada" ao Autor, enquanto impulsionador processual.

R. O disposto no artigo 38° n.° 1 da LOSJ há-de ser interpretado em conjugação com o artigo 595° n° 1 do CPCiv., sob pena de se desmerecer o necessário "saneamento" do processo.

S. Não estando prescrita na lei processual uma ordem imperativa para o conhecimento das várias excepções dilatórias e, atentas as particularidades do caso presente, a todos se afigura a necessidade de iniciar o conhecimento das excepções deduzidas pela ilegitimidade passiva da 2.a Ré, assim se respeitando a "ordem imposta pela sua precedência lógica" a que alude o artigo 608.° n.° 1 do CPCiv..

T. O Tribunal a quo fez uma correcta interpretação da lei processual, pois que interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei. A significar, pois, que o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que expressa ser o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico.

U. Se a fixação da competência fosse a determinar, tout court, pela Autora no momento em que propôs a sua mui douta petição inicial de acordo com os sujeitos processuais à data, haveriam de andar muitas rés a ser demandas, apenas e só, por conveniência de domicílio!!!!, em descaradas tentativas ilícitas de desaforamento, proibidas no artigo 107.° do CPCiv.

V. Saneado o processo, julgada a incompetência relativa e a ilegitimidade da única Ré com domicílio em Portugal, muito embora mande a lei à remessa do processo para outro tribunal, o envio automático do processo não tem aplicação nos casos em que a competência for de um tribunal estrangeiro,

 W. Por força do Princípio do primado do direito europeu — Regulamento (UE) n.° 1215/2012, terá de ser apresentada nova acção junto do tribunal competente.

X. O Tribunal a guo julgou no estrito limite dos elementos carreados para o processo.

Pelo exposto, de nenhuma ilegalidade enferma o Acórdão injustamente colocado em crise pela Recorrente, devendo manter-se na totalidade o sentenciado.


       8. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


     9. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são três:

      1.° — se o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia;

      2.º — se o pacto de jurisdição contido na cláusula 14.ª do contrato concluído entre a Autora AA, LDA, e a Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S, é válido;

    3.º — se, em consequência da validade do pacto de jurisdição contido na cláusula 14.º, o Tribunal de … é competentes para julgar a acção proposta pela Autora AA, LDA, contra a 1.ª Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S..


II. — FUNDAMENTAÇÃO


            OS FACTOS


    O acórdão recorrido dá como “ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos”, destacando, em particular:

  — “no caso concreto estamos perante um contrato de subempreitada, outorgado em 18 de Dezembro de 2014, sendo certo que na respectiva cláusula 14 estabelece-se que “verificando-se impossível a resolução amigável o litígio será resolvido pelo Tribunal de … com renúncia expressa de qualquer outro”;

— “Na sequência do contrato,” escreve-se no artigo 9º da petição inicial “apesar da boa execução da obra, conforme é atestado pelo referido auto de recepção provisória, a 1ª Ré não procedeu ao pagamento integral das facturas emitidas pela A, encontrando-se em débito para com esta pelos seguintes valores…”;

 — “além de que “para além desta quantia, a 1ª Ré é também devedora da quantia de € 30.897,34, referente às retenções de 5% já vencidas em Janeiro de 2016” (artº 11º);

— e “assim, na presente data, a 1ª Ré é devedora para com a A. da quantia de €106.390,78” (artº 12º).


            O DIREITO


     1. As Recorridas BB CONSTRUCTION, S.A.S., e BB, SGPS, alegam que o recurso é inadmissível, por ocorrer a situação prevista no art. n.º 3 do art. 671.º do Código de Processo Civil (dupla conforme).

      O n.º 3 do art. 671.º do Código de Processo Civil começa contudo com as palavras “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”; entre os casos em que o recurso é sempre admissível, estão os casos previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil — e, entre os casos previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 629.º estão aqueles em que o recurso tem como fundamento a violação das regras de competência internacional [1].

     Como a Recorrente AA, LDA haja interposto o recurso ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil, e o haja interposto com fundamento na violação das regras de competência internacional, deve admitir-se a revista.


     2. A Recorrente AA, LDA, alega que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia sobre se “[a] atribuição da competência territorial do tribunal deve ser efetuada de acordo com os sujeitos processuais à data da propositura da acção, sendo irrelevante, para essa atribuição, a absolvição da instância de um dos réus decretada em momento processual posterior”.

     O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, constantemente, que deve distinguir-se entre os argumentos e as questões: aos argumentos, ou às considerações deduzidas pelas partes, o tribunal não tem de dar resposta especificada ou individualizada [2]; às questões, sim.

      O argumento deduzido pela Recorrente é tão-só isso — um argumento.

    O tribunal recorrido não tinha de lhe dar uma resposta especificada ou individualizada — e, como não tivesse de lhe dar uma resposta individualizada, não procede a arguição da nulidade.


     3. Esclarecida a improcedência da arguição de nulidade do acórdão recorrido, põe-se a questões da validade do pacto de jurisdição contido na cláusula 14.ª do contrato.  


          4. A cláusula 14.ª do contrato de subempreitada concluído entre a Autora e a 1.ª Ré, ao determinar que o tribunal competente para dirimir qualquer litígio emergente do contrato é o tribunal de …, contém um pacto de jurisdição e um pacto de competência.

      Contém implicitamente um pacto de jurisdição, através do qual as partes convencionaram que são competentes para apreciar o litígio os tribunais portugueses [3], e contém explicitamente um pacto de competência, através do qual as partes convencionaram que, entre os tribunais portugueses, “no seu confronto recíproco”, é competente para apreciar o litígio o Tribunal de … [4].

       Como escrevem os Professores José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,


“nada impede que, por determinada convenção, seja ao mesmo tempo determinado o tribunal internacionalmente competente (pacto de jurisdição) e o tribunal nacionalmente competente (pacto de competência): assim será se, não tendo competência internacional legal os tribunais portugueses, as partes determinarem que o litígio deve ser resolvido por determinado tribunal português” [5].


     5. A validade ou invalidade do pacto atributivo de jurisdição deve ser apreciada de acordo com o art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro [6]:


“1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;

b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou

c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato. […]” [7].


     Face ao art. 25.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012, a controvérsia está sobretudo em averiguar se o pacto será, ou não, substantivamente nulo, nos termos da lei portuguesa.

      A Autora, agora Recorrente, AA, LDA., alegou que a validade da cláusula 14.ª deve ser apreciada em função do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012, e que, desde que fosse apreciada em função do art. 25.º do Regulamento, a cláusula 14.ª seria válida; as Rés, agora Recorridas BB CONSTRUCTION, S.A.S.. (1.ª Ré) e BB, SGPS (2.ª Ré), alegaram que, ainda que a validade da cláusula 14.ª fosse apreciada em função do art. 25.º do Regulamento, a cláusula 14.ª seria inválida — substantivamente nula [8].

           

      6. O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, constantemente, que as disposições do Regulamento n.º 1215/2012, incluindo a disposição do art. 25.º, têm prioridade sobre as normas do Código de Processo Civil [9]; que as situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 [10]; e que a validade dos pactos atributivos de jurisdição concluídos ao abrigo do art. 25.º do Regulamento é independente de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, “não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo” [11].

       Entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição concluído ao abrigo do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 seja substantivamente válido está o de que designe, com suficiente determinação, duas coisas — a relação jurídica e o tribunal em que as questões emergentes da relação jurídica designada hão-de ser apreciadas e decididas [12].

       O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se já no sentido de que “uma cláusula atributiva de jurisdição […] que […] designa como órgãos jurisdicionais competentes os tribunais de uma cidade de um Estado-Membro, cumpre os requisitos [do antigo art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, cujo conteúdo corresponde sensivelmente ao art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012] relativos ao consentimento das partes e à precisão do conteúdo dessa cláusula” [13].

      Entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição seja substantivamente válido não está, em todo o caso o de que o tribunal designado tenha alguma conexão objectiva com a relação jurídica designada, com os seus sujeitos ou com o seu objecto.

Como se escreve em comentário de referência ao Regulamento,


“o art. 25.º não exige uma conexão objectiva entre o tribunal escolhido e as partes, ou o objecto do seu litígio. A escolha de um foro ‘neutral’, sem nenhuma conexão com o litígio é perfeitamente válida — pode, p. ex., escolher-se um tribunal de Londres para decidir um litígio entre partes domiciliadas na França e na Alemanha — e pode proporcionar-lhes precisamente a vantagem que pretendiam obter com a sua escolha” [14].


    O raciocínio procede, por maioria de razão, para quando as partes escolhem um determinado foro, um  tribunal, dentro de um Estado com uma conexão objectiva com o litígio, sem que haja uma conexão das partes ou do objecto do litígio com tal foro específico — o conceito de invalidade substancial do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 deve interpretar-se em termos de não abranger a invalidade por violação das regras de competência interna e, designadamente, das regras de competência interna dos arts. 94.º, 95.º e 104.º do Código de Processo Civil.


      7. O resultado é confirmado pelo teor do considerando 19 do Regulamento n.º 1215/2012:


“A autonomia das partes num contrato que não seja de seguro, de consumo ou de trabalho quanto à escolha do tribunal competente, no caso de apenas ser permitida uma autonomia limitada de escolha do tribunal, deverá ser respeitada sem prejuízo das competências exclusivas definidas pelo presente regulamento”.


     Interpretar-se o conceito de invalidade substancial do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 em termos de abranger a invalidade por violação das regras de competência interna seria condicionar o exercício da autonomia privada à existência de uma conexão objectiva, de uma ligação do litígio à ordem jurisdicional portuguesa — e, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1,


“… qualquer interpretação, desproporcionadamente exigente, que levasse a condicionar o exercício da autonomia da vontade à existência de uma ligação profunda do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, estabelecida apenas com base na verificação dos elementos típicos que normalmente (não havendo pacto de jurisdição) relevam no estabelecimento do tribunal internacionalmente competente, implicaria uma desproporcional restrição ao princípio da autonomia da vontade, condicionando-a muito para lá do que seria razoável e adequado”.


     8. O segmento “a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo” desempenha a função de harmonizar o do art. 25.º do Regulamento com o art. 5.º da Convenção de Haia de 30 de Junho de 2005 sobre os acordos de eleição do foro [15].

        O relatório explicativo da Convenção de Haia de 30 de Junho de 2005 distingue entre motivos formais e motivos não formais, relativos a uma invalidade de mérito e, distinguindo-os, diz que os motivos não formais, relativos a uma invalidade de mérito, são sobretudo “motivos geralmente reconhecidos”, como o erro, o dolo, a coacção ou a incapacidade [16] [17] — não são motivos relacionados com as regras de competência interna da ordem jurisdicional designada [18].


      9. O Supremo Tribunal de Justiça tem chegado a resultados em tudo semelhantes, sustentando  que “os tribunais portugueses podem receber competência internacional por efeito de aplicação de normas de regulamentos europeus, de normas de outros instrumentos internacionais ou de normas de direito interno português” e que as normas de regulamentos europeus, “no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código de Processo Civil” [19].

    Ora a aplicação do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 permite uma “derrogação dos critérios gerais […] em matéria de competência […], em homenagem ao princípio da autonomia da vontade das partes” [20] e, da derrogação dos critérios gerais em matéria de competência, decorre que


 “as partes, independentemente do seu domicílio, e não se colocando qualquer vício ou imperfeição formal relativamente ao pacto atributivo de jurisdição, podem convencionar que um tribunal (ou tribunais) de um Estado-Membro da União Europeia tenha competência para decidir quaisquer litígios surgidos ou a surgir entre elas de ‘uma determinada relação jurídica’” [21],


em termos tais que “à luz do Regulamento, não cabe aferir da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, como as vertidas no Código de Processo Civil” [22].

           

     10. Em consequência, o pacto atributivo de jurisdição constante da cláusula 14.ª do contrato concluído entre a Autora AA, LDA, e a Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S.., por que se determina que “… o litígio será resolvido pelo Tribunal de … com renúncia expressa de qualquer outro”, deve considerar-se como um pacto substantivamente válido.


III. — DECISÃO


   Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, nos termos seguintes:

         I. — declara-se a validade do pacto atributivo de jurisdição contido na cláusula 14.ª do contrato concluído entre a Autora AA, LDA., e a Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S.;

      II. — declara-se a competência do Tribunal de … para conhecer do litígio entre a Autora AA, LDA., e a Ré BB CONSTRUCTION, S.A.S.


        Custas pela Recorrida BB CONSTRUCTION, S.A.S.



Lisboa, 9 de Maio de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes

Maria dos Prazeres Beleza

_____________

[1] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 19 de Novembro de 2015 — processos n.º 602/13.5TJVNF.G1.S1 e n.º 2864/12.6TBVCD.P1.S1 —, de 6 de Setembro de 2016 — processo n.º 1386/15.8T8PRT-B.P1.S1 — e  de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 2312/16.2T8FNC.L1.S1 —, em que se sustenta expressamente, nos termos do acórdão de 6 de Setembro de 2016, que “[é] sempre admissível o recurso de revista fundamentado na violação das regras de competência internacional, independentemente de o acórdão da Relação ter confirmado a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente”.

[2] Como se escreve, designadamente, no sumário acórdão do STJ de 27 de Março de 2014, no processo n.º 555/2002.E2.S1, “[p]ara efeitos de nulidade de sentença/acórdão há que não confundir ‘questões’ com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, e aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem como isso incorrer em omissão de pronúncia”.

[3] Sobre o conceito de pacto de jurisdição, vide designadamente José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 94.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 213-222 (214); ou António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 94.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2019, págs. 120-122 (121).

[4] Sobre o conceito de pacto de competência, vide designadamente José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 94.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, cit., pág. 214; anotação ao art. 95.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, cit., págs. 222-224 (223); ou António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 95.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., págs. 122-123.

[5] José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 95.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Artigos 1.º a 361.º, cit., pág. 223.

[6] O art. 66.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 determina que “[o] regulamento [se] aplica apenas às acções judiciais intentadas, aos instrumentos autênticos formalmente redigidos ou registados e às transações judiciais aprovadas ou celebradas em 10 de Janeiro de 2015 ou em data posterior”.

[7] O art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 prevalece, na sua aplicação, sobre o art. 94.º do Código de Processo Civil, tornando “ainda mais residual o âmbito de aplicação do art. 94.º […], que só pode ser aplicado a acordos que retirem competência internacional a um tribunal português e a atribua aos tribunais de um Estado que não seja membro do Reg. 1215/2012” [cf. Miguel Teixeira de Sousa, “Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte I”, disponível em: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2014/04/aspectos-gerais-do-reg-12152012-reg.html >].

[8] O raciocínio das Rés, agora Recorridas, BB CONSTRUCTION S.A.S. e BB, SGPS, S.A., poderá reconstituir-se nos termos seguintes: Estando em causa uma pessoa colectiva, o art. 95.º, em ligação com o art. 71.º, n.º 1, e com o art. 104.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, determinaria que a acção para o cumprimento do contrato de empreitada tivesse de ser proposta no tribunal da sede da 1.ª Ré, BB CONSTRUCTION, S.A.S. [cf. art. 71.º, n.º 1, primeira alternativa, do Código de Processo Civil], ou no tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida [cf. art. 71.º, n.º 1, segunda alternativa, do Código de Processo Civil]. Ora o tribunal designado pela cláusula 14.ª do contrato de empreitada não era nem uma coisa nem outra — não era o tribunal da sede da 1.ª Ré, BB CONSTRUCTION, S.A.S., porque a 1.º Ré tem sede em França, e não era o tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, porque a obrigação da Autora AA, LDA, deveria ser cumprida em França. A cláusula 14.º seria inválida — e, dentro das cláusulas inválidas, seria nula — por violar as disposições imperativas do art. 95.º, em ligação com o art. 71.º e com o art. 104.º do Código de Processo Civil.

[9] Cf. acórdãos do STJ de 11 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 —, de 19 de Novembro de 2015 — processo 2864/12.6TBVCD.P1.S1 —, de 26 de Janeiro de 2016 — processo n.º 540/14.4TVLSB.S1 —, de 4 de Fevereiro de 2016 — processo n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1 —, de 16 de Fevereiro de 2016 — processo n.º 135/12.7TCFUN.L1.S1 —, de 21 de Abril de 2016 — processo n.º 538/14.2TVLSB.L1.S1 —, de 6 de Setembro de 2016 — processo n.º 1386/15.8T8PRT-B.P1.S1 —, de 9 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A —, de 13 de Novembro de 2018 — processo n.º 6919/16.0T8PRT.G1.S1 —, de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 2312/16.2T8FNC.L1.S1 — e de 7 de Março de 2019 — processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1 —, em cuja fundamentação se diz, expressamente, que “decorre do primado do direito comunitário, da sua prevalência sobre o direito português e da sua aplicação directa na ordem interna que, à luz do Regulamento, [que] não cabe aferir da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, como as vertidas no CPC (nomeadamente a do art.º 94.º)”.

[10] Cf. acórdãos do STJ de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 2312/16.2T8FNC.L1.S1 — e de 7 de Março de 2019 — processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1

[11] Cf. acórdãos do STJ de de 11 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 —, de 19 de Novembro de 2015 — processo 2864/12.6TBVCD.P1.S1 —, de 26 de Janeiro de 2016 — processo n.º 540/14.4TVLSB.S1 — e de 4 de Fevereiro de 2016 — processo n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1.

[12] Vide desenvolvidamente Rui Dias, Pactos de jurisdição societários, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 216.

[13] Cf. acórdão do TJUE de 7 de Julho de 2017, proferido no processo C‑222/15 (Hőszig).

[14] Cf. Ulrich Magnus, anotação ao art. 25, in: Ulrich Magnus / Peter Mankowski (coord.), Brussels I-bis Regulation, Verlag Dr. Otto Schmidt / Sellier European Law Publishers, Köln, 2016, págs. 613-614.

[15] Cf. conclusões n.ºs 49 e 50 do advogado geral Szpunar no processo n.º C‑222/15 (Hőszig): “49. No meu entender, a razão principal que levou a que a referida expressão fosse incluída no atual artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 é a intenção de alinhar este artigo com o teor do artigo 5.° da Convenção da Haia sobre os Acordos de Eleição do Foro, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2015. Nos termos do n.° 1 do referido artigo 5.°, ‘[o] tribunal ou os tribunais de um Estado Contratante designados por um acordo exclusivo de eleição do foro têm competência para decidir qualquer litígio a que o acordo se aplica, salvo se este for considerado nulo nos termos do direito desse Estado’. 50. A União Europeia é membro da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e parte contratante na Convenção da Haia sobre os Acordos de Eleição do Foro. Dado que a matéria abrangida pela convenção se insere num domínio em que, por força dos Regulamentos n.° 44/2001 e n.° 1215/2012, a União tem exercido a sua competência, há interesse em alinhar, tanto quanto possível, a convenção e o sistema instituído pela União nos referidos regulamentos”.

[16] Cf. n.ºs 125 e 126 do relatório explicativo da Convenção de 30 de Junho de 2005 sobre os acordos de eleição do foro, disponível in: < https://assets.hcch.net/docs/a90b5aea-89cf-4541-b7b7-e5e960703845.pdf >.

[17] Estendendo os critérios da Convenção ao Regulamento n.º 1215/2012, cf. Jürgen Basedow, “Exclusive Choice-of-Court Agreements as a Derogation from Imperative Norms”, in: Patrik Lindskoug / Ulf Maunsbach / Göran Millqvist / Per Samuelsson / Hans-Heinrich Vogel (coord.), Essays in Honour of Michael Bogdan, Juristförlaget, Lund, 2013, págs. 15-31 (19-20); ou Ulrich Magnus, “Gerichtsstandsvereinbarungen unter der reformierten EuGVO”, in: Normann Witzleb / Reinhard Ellger / Peter Mankowski / Hanno Merkt / Oliver Remien (coord.), Festschrift für Dieter Martiny zum 70. Geburtstag, Mohr Siebeck, Tübingen, 2014, págs. 785-802 (791-793).

[18] Trevor Hartley conclui que o alcance do termo validade substancial deve restringir-se, de forma a que só se aprecie as questões que podem surgir em qualquer cláusula de qualquer contrato, e não as questões especificamente relacionadas com as cláusulas de eleição do tribunal competente [cf. Choice-of-court Agreements under the European and International Instruments, Oxford University Press, Oxford, 2013, n.º 7.05 — com a concordância, p. ex., de Monica Herranz Ballesteros, “The Regime of Party Autonomy in the Brussels I Recast. The Soluctions Adopted for Agreements on Jurisdiction”, in: Journal of Private International Law, vol. 10 (2014), págs. 291-308 (pág. 303 — nota n.º 50)].

[19] Cf. acórdão do STJ de 7 de Março de 2019 — processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1.

[20] Cf. acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2018 — processo n.º 6919/16.0T8PRT.G1.S1.

[21] Cf. acórdão do STJ de 7 de Março de 2019 — processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1.

[22] Cf. acórdão do STJ de 7 de Março de 2019 — processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1.