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VALOR DA CAUSA
DOENÇA PROFISSIONAL
Sumário
I - O nº 2 do artigo 120º do CPT estipula métodos de cálculo para situações diferentes. Se estiverem em causa indemnizações temporárias ainda não vencidas, o valor será ficcionado, correspondendo a cinco vezes o valor anual da indemnização. Se todas as prestações estiverem vencidas, o valor da causa é o correspondente à soma de todas as prestações.
II - Para um acidente poder ser considerado de trabalho exige-se que tenha ocorrido um evento, um facto súbito, externo ao sujeito, imprevisto e temporalmente delimitado.
III - A doença profissional consiste numa enfermidade adquirida no exercício de uma profissão e em consequência dele, sendo por regra de manifestação lenta, podendo no entanto não ser assim e resultar de curtos períodos de exposição.
IV - Na doença a característica marcante consiste na exposição do corpo do lesado, exposição mais ou menos longa no tempo, a um agente nocivo, tais como a título de exemplo, agentes químicos, agentes físicos e biológicos. Surpreendendo-se um acontecimento súbito que determinou a exposição, estaremos face a um acidente de trabalho e não a doença profissional.
V - Não constitui acidente de trabalho, podendo constituir doença profissional, a contracção de uma infecção por legionella, ocorrida (eventualmente) no exercício normal da atividade de motorista e nas condições usuais desse exercício.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
Por participação entrada neste Tribunal do Trabalho em 13.09.2017 deu-se conta da eventual ocorrência de um acidente de trabalho de que teria sido vítima H. J., quando exercia as funções de motorista internacional (TIR) sob a autoridade e direção de X – Transportes, Lda., sendo seguradora a Y – Companhia de Seguros, S.A..---
Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo (fls. 80/81), uma vez que a entidade seguradora não aceitava a caraterização do acidente como de trabalho, considerando ainda que a patologia apresentada pelo Autor nenhum nexo causal tinha com a ocorrência participada.---
O sinistrado requereu a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora, pedindo a respetiva condenação no pagamento de: € 3.042,53, a título de indemnização por ITA; € 666,00, como indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, designadamente com os óculos de que o Autor era portador, ou, em alternativa, a sua reconstituição natural; € 959,60, a título de reembolso pelas despesas relativas à hospitalização do Autor, € 119,00, para reembolso das despesas suportadas pelo Autor com o respectivo regresso a território nacional; € 25,00, a título de despesas suportadas pelo Autor com deslocações obrigatórias ao GML e ao tribunal; juros de mora vencidos e vincendos à taxa de legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações até integral pagamento.---
O Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, I.P. veio a fls. 112 e segs. deduzir contra a ré pedido de reembolso da quantia de € 439,65, acrescida de juros de mora a contar da respetiva citação, relativo a subsídio de doença pago ao autor no período de 15.07.2017 a 29.09.2017.---
A entidade seguradora contestou mantendo o anteriormente afirmando em sede de tentativa de conciliação, nos termos da qual não aceitou a descrição do acidente e sua caraterização como de trabalho, nem o nexo de causalidade entre este e a patologia descrita.---
No despacho saneador considerou-se que os autos habilitavam a conhecer do mérito, proferindo-se decisão julgando a ação improcedente.
Inconformado o autor interpôs o presente recurso, invocando nulidade e contestando o valor dado à ação, apresentando as seguintes conclusões:
1. A decisão sobre a matéria de facto dada como provada não teve em devida conta e ponderação todos os elementos e documentos que constam dos autos; 2. Na douta decisão recorrida, o Meritíssimo Juiz à quo fixou o valor da acção em montante distinto daquele atribuído pelo Autor, mas em desconformidade o disposto no art. 120.º, n.º 2 do Código do Processo de Trabalho (doravante CPT); 3. Consequentemente, o valor da ação deverá ser de € 43.362,00 (quarenta e três mil, trezentos e sessenta e dois euros);
Posto isto,
4. O Tribunal à quo decidiu que o pedido formulado pelo Autor era “manifestamente improcedente” porquanto entendeu que o Sinistrado/Recorrente não sofreu qualquer evento subsumível ao conceito jurídico-legal de acidente de trabalho, padecendo de “doença natural”; 5. Não obstante a fundamentação vertida na decisão, os argumentos expostos pelo Tribunal à quo não procedem;
Primum, 6. Com o devido respeito, no que aos factos dados como provados respeita, deveria a respetiva identificação e enumeração ser evidentemente mais extensa; 7. A Recorrida “Y – Companhia de Seguros, S.A.” impugnou diversos factos elencados na petição inicial, alegando para tanto ignorar, entre outros, os factos ínsitos nos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 13.º, 20.º alíneas vii) e x) e 21.º, por não ter obrigação de os conhecer; 8. Sucede que a Ré Y conhecida e bem os factos articulados na petição inicial, porque lhe foram comunicados pela entidade empregadora do Autor/Recorrente, por ocasião da participação do acidente de trabalho, 9. Participação que a Ré Y expressamente confirmou ter recebido e que serviu de base à intervenção e análise médica prestada ao Autor pelos seus serviços clínicos (Cfr. documentos oferecidos com a petição inicial, sob os n.ºs 5, 6 e 7); 10. Consequentemente, porque conhecia suficientemente os factos alegados nos art.ºs 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 13.º, 20.º alíneas vii) e x) e 21.º da petição inicial, deveriam aqueles factos integrar o elenco dos factos provados, porquanto confessados, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 574.º do CPC; 11. Destarte e salvo o devido respeito por distinto entendimento, o Meritíssimo Juiz à quo analisou erradamente a prova produzida, impondo-se a sua reapreciação e a alteração do elenco dos factos provados e não provados;
Sem embargo,
12. Como resulta aos autos, o Recorrente foi vítima de uma infecção por “Legionella Pneumophila”, motivo pelo qual necessitou de receber tratamento médico hospitalar, prestado pelo Centro Hospitalar CH Pierre Dezarnaulds, em Gien, departamento do Loire, França; 13. Consequência daquele evento, ocorrido enquanto desempenhava as funções para as quais foi contratado, o Recorrente esteve internado naquela unidade hospitalar entre os dias 18 a 26 de Junho de 2017, apenas retornando a território nacional no dia subsequente, por meios próprios; 14. Decorre do disposto no n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09, que “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”; 15. Assim, acidente de trabalho é todo aquele facto ou evento, com natureza súbita ou inesperada, que ocorre no local e tempo de trabalho e do qual resulta, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença, que cause redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou, ainda e malogradamente, a morte! 16. Ou seja, além dos eventos que causam lesão corporal ou perturbação funcional, dos quais resulta redução na capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador; 17. Consubstancia igualmente acidente de trabalho, todo aquele evento do qual resulte doença que afecte aquela capacidade de trabalho ou de ganho; 18. Não obstante e ressalvado o merecido respeito por douta e distinta interpretação, não consta do corpo da lei, nem tão pouco resulta do seu espírito, uma clara intenção do legislador em limitar a definição de doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho, à lista de doenças do foro profissional que viesse a ser regulada em momento posterior; 19. Perfilhamos a opinião de que afastar os casos de infecção por doença contagiosa, ocorridos no tempo e local de trabalho e por exclusiva inerência dessas funções, do conceito de acidente de trabalho, porquanto aparentemente resultam de uma qualquer doença natural, coarcta inequivocamente a protecção legal que o Código do Trabalho e o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (doravante C.T. e RRATDP, respetivamente) pretenderam assegurar aos trabalhadores, deixando-os assim entregues à sua sorte; 20. A par do antes exposto, oferece-nos dizer que o conceito “doença natural”, mencionado na douta decisão em crise e igualmente utilizado pelas entidades responsáveis no âmbito do RRATDP é notoriamente ambíguo, permanecendo por esclarecer a real abrangência deste conceito no domínio laboral; 21. Não obstante a especial dificuldade na obtenção e produção de prova nos casos de infecção por doença contagiosa, demonstrado que seja, que o evento que a lei exige, ocorreu no tempo e local de trabalho, 22. E que aquele evento causou doença que tolheu a capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador, encontram-se suficientemente preenchido os requisitos previstos no º 1 do art.º 8.º do RRATDP.
Pelo que, 23. No caso sub iudicio, atento à inexistência de duvidas sobre o período de tempo em que o Recorrente esteve ausente do território nacional, ao serviço e sob ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, 24. Conjugado com o período normal de incubação da doença (5-10 dias) e a data em que se reconhece terem sido verificados os sintomas que permitiram o diagnóstico positivo de infecção por Legionella, 25. Facilmente e sem grande esforço se conclui, que o evento, súbito e inesperado, que o regime de protecção e reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais reclama – o contágio ou infeção – ocorreu no local de trabalho e durante a jornada de trabalho do Recorrente; 26. De igual sorte, facilmente se alcança que aquele evento ocorreu exclusivamente por ocasião do desempenho das funções laborais a que o Recorrente se obrigou, aniquilando por completo a sua capacidade de trabalho e, por maioria de razão, a sua capacidade de ganho, não lhe tendo igualmente reclamado a vida apenas devido à eficácia dos serviços médicos e à celeridade do diagnóstico;
27. Assim, encontram-se suficientemente preenchidos todos os requisitos legais previstos e necessários à subsunção do evento descrito ao conceito de acidente de trabalho!
Sem prescindir,
28. Ainda que assim não fosse, sempre se dirá que o evento supra descrito se enquadra no conceito de doença relacionada com o trabalho (doravante DRT); 29. A DRT distingue-se da doença profissional na medida em que não é possível estabelecer plenamente uma relação causal única entre a doença ou manifestação clinica e a exposição aos factores de risco em contexto de trabalho; 30. Compulsados os regimes legais em vigor, resulta assaz evidente que, nos casos em que seja possível estabelecer aquela relação causal, não estamos já perante uma DRT, mas perante uma verdadeira doença profissional (vide RRATDP e Decretos Regulamentares n.ºs 6/2001, de 05/05 e 76/2007, de 17/07); 31. Ora, atento a que no caso em apreço resultam suficientemente provados os elementos daquela relação causal, bem como os factores de risco inerentes à actividade profissional do Recorrente, 32. Facilmente e sem grande esforço se conclui que a doença contraída pelo Recorrente consubstancia, in extremis, uma verdadeira doença profissional, subsumível ao regime jurídico do RRATDP; 33. Consequentemente e apesar das prorrogativas de que dispunha, salvo o devido respeito que nos merece diverso entendimento, o Tribunal à quo não procedeu à correcta subsunção dos factos ao direito aplicável;
Sem embargo do antes exposto,
34. Além do evento supra descrito, que julgamos configurar acidente de trabalho nos termos propugnados, o Recorrente/Autor alegou na sua peça processual ter sofrido um outro evento – um queda, enquanto abastecia o radiador do veículo pesado que tripulava – passivel, per si, de configurar um acidente de trabalho autónomo; 35. Evento esse que, alem das diversas sequelas suficientemente descritas e comprovadas nos autos, lhe causou igualmente prejuízo patrimonial directo, por efeito da quebra dos óculos que o Autor utiliza diariamente, por prescrição médica, essenciais à sua vida quotidiana e profissional; 36. Assim, ao preferir a (anti)tese avançada pela Ré, em evidente detrimento da propugnada pelo Autor, não podia o Tribunal à quo olvidar ou desconsiderar o evento ali descrito, em evidente prejuízo do ora Recorrente; 37. Analisada a fundamentação vertida na douta decisão em crise, facilmente se alcança que em momento algum o Tribunal à quo fundamentou ou sequer analisou aquele evento, passível de consubstanciar acidente de trabalho, nos precisos termos legais; 38. Nestes termos, salvo o devido respeito por distinto e elevado entendimento, as falhas agora apontadas consubstanciam os vícios de falta de fundamentação e de pronúncia, determinando assim a nulidade da decisão em apreço; 39. Ao decidir como decidiu, o Tribunal à quo violou o disposto nos art.ºs 281.º e 283º, n.º 1 do Código do Trabalho; 8.º, n.º 1 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais; e 573.º, n.º 3 e 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
*
Apenas contra alegou a Segurança Social aderindo ao recurso.
O Emº PGA deu parecer no sentido da improcedência.
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Factos:
3.1. O Autor nasceu no dia .. de … de 1962.---
3.2. Entre os dias 18 e 26 de Junho de 2017, o Autor encontrou-se internado no Centro Hospitalar CH Pierre Dezarnaulds, em .., …, França, onde lhe foi diagnosticada uma infecção pulmonar grave, causada pela bactéria “Legionella Pneumophila”.---
3.3. Naquela data e desde o dia 15.03.2017, o Autor exercia funções na categoria profissional de motorista de veículos pesados de mercadorias de longo curso, internacionais, por conta, sob a direcção e fiscalização de “X – Transportes Internacionais, Lda”, mediante a retribuição anual e ilíquida de € 15.553,54.---
3.4. Na mesma data, a entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, tendo por referência a retribuição anual ilíquida referida.---
3.5. Aos 27 de Junho de 2017, o Autor regressou a Portugal, tendo sido acompanhado pelos serviços clínicos da ré até 10 de Julho de 2017.---
Aditado:
Consta do auto de tentativa de conciliação:
No início da diligência, pelo sinistrado foi dito que sofreu um acidente de trabalho, no dia 18.06.2017, que se verificou pela seguinte forma: quando, no seu local de trabalho, em França, se deslocava em direção ao camião com um garrafão de água para atestar o radiador deste, caiu ao chão devido ao seu estado febril provocado por infeção por legionella, tendo partido, em consequência da queda, os seus óculos. Em consequência, esteve de setenta e quatro (74) dias de ITA, contados desde 19 de Junho a 31 de Agosto de 2017.
À data do referido acidente exercia funções de motorista internacional (TIR) sob ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora "X - Transportes Lda", melhor id. nos autos, mediante, pelo menos, as seguintes remunerações, conforme recibo de remunerações que agora junta aos autos:
- €580,73x14meses - salário base;
- €326,70x13mes -cláusula 74.º;
- €125,00x13meses - prémio TIR;
- €6,41x22diasx11meses - subsídio de alimentação;
- O que perfaz a retribuição anual e ilíquida €15.553,54.
Destarte, reclama o pagamento das seguintes prestações:
-€2.207,42 de indemnização por ITA;
- €666,00 para a reparação dos óculos;
- €959,60 de despesas com a sua hospitalização em França;
- €119,00 de despesas com o seu regresso a Portugal;
- €25,00 de despesas com deslocações obrigatórias ao GML do Minho-Lima e a este tribunal.
Não aceita o resultado do exame médico de fls. 45 e segs., pelo que irá requerer exame por junta médica.
De seguida, pelo(a) representante da seguradora foi dito:
Aceita que o sinistrado sofreu uma queda durante a execução da sua actividade. Porém, não aceita a caraterização do acidente como de trabalho, considerando que a patologia apresentada não tem nexo causal com a ocorrência participada como acidente de trabalho. Não aceita as lesões, o período de ITA atribuído pelo GML e a data da alta.
Aceita a transferência da responsabilidade infortunística laboral pela retribuição anual ilíquida de €15.553,54 (€580,73x14meses - salário base; €326,70x13mes -cláusula 74.º; €125,00x13meses - prémio TIR;€6,41x22diasx11meses - subsídio de alimentação).
*
Por revestir interesse transcreve-se parcialmente o que consta da petição:
4º. No dia 17 de Junho de 2017, quando se encontrava em França, a conduzir o veículo pesado de mercadorias registado sob a matrícula LO, ao serviço e sob ordens, direção e fiscalização da sua entidade patronal, 5º. Em hora que não é possível concretamente apurar, mas se situa no período da tarde, entre as 14H00 e as 16H00, 6º. E enquanto se dirigia para o referido veículo, transportando um garrafão contendo água que havia recolhido para atestar o radiador daquele, o Autor caiu ao chão, desamparado, sem motivo aparente ou causa conhecida. 7º. Consequência da queda ao solo de que padeceu, o Autor ficou inanimado por tempo indeterminado, logrando apenas recuperar a consciência largos minutos depois, mediante os esforços e apoio da sua esposa, que o acompanhava na viagem. 8º. Fruto do episódio ora narrado, o Autor sofreu diversas contusões e escoriações na face, assim como no membro superior direito – Cfr. Doc. 1 e 2. 9º. Alem destas sequelas e como consequência direta daquela queda ao solo, o Autor partiu os óculos que utiliza diariamente, por prescrição médica, essenciais no seu dia-a-dia, tanto nas suas funções profissionais, como nas tarefas quotidianas. 10º. Não obstante ter recuperado a consciência no dia do funesto incidente, o Autor não mais recuperou o seu estado de saúde, 11º. Vindo a recair no dia seguinte, no parque de apoio/descanso denominado “…”, anexo à A77 - Autoroute de L’Arbre, sentido sul-norte, próximo da cidade de Gien, departamento do Loire, em França. 12º. Consequência da recaída, o Autor apresentava um quadro clinico ambíguo, caracterizado pelo estado febril elevado, arrepios, dor de cabeça, dores musculares e dificuldades respiratórias, que lhe coartava a capacidade de movimentos e raciocínio, 13º. Motivo pelo qual necessitou o Autor de ser recolhido, do interior do veículo que conduzida, por técnicos de emergência médica devidamente alertados para o efeito pela sua esposa, 14º. Vindo a final a ser hospitalizado no Centro Hospitalar C.H. Pierre Dezarnaulds, na mencionada comuna de Gien, entre os dias 18 a 26 de Junho de 2017 – Cfr Doc. n.º 3 (Vide, igualmente, doc. junto aos autos sob o n.º 3). 15º. No seguimento daquela hospitalização e após extensos e aprofundados exames e análises clinicas, foi diagnosticada ao Autor uma infeção pulmonar grave, causada pela bactéria “Legionella pneumophila” – Cfr. Doc. 4. 20º. Com relevância para o caso sub iudicio, importa referir:
i. O Autor iniciou uma viagem rodoviária de longo curso no dia 5 de Junho de 2017, segunda-feira, pelas 05H55, ao serviço da entidade patronal, com destino a França;
ii. No dia 08 de Junho, quinta-feira, o Autor efetuou a descarga dos bens que transportava e, após ter recebido ordens da sua entidade patronal, prosseguiu para um novo local de carga, após o que iniciou nova etapa da viagem, com destino a Espanha, tendo efetuado descanso no dia seguinte, junto à cidade de Vivonne (França);
iii. No dia 10 de Junho, ao final do dia, o Autor aparcou o veículo automóvel pesado de mercadorias que conduzia em Espanha, porquanto necessitava de efetuar o período de descanso obrigatório, ali permanecendo durante o restante fim de semana;
V. No dia 12 de Junho, segunda-feira, o Autor efectuou a descarga dos bens que transportava e, após ter recebido ordens da sua entidade patronal, prosseguiu para um novo local de carga, após o que iniciou nova etapa da viagem, com destino a França;
V. No dia 14 de Junho, quarta-feira, o Autor chegou ao seu destino, ali efetuando a descarga dos bens que transportava e prosseguindo para um novo local de carga, após o que iniciou nova etapa da viagem, mantendo-se o seu destino na França;
Vi. No dia 16 de Junho, o Autor efetuou novo procedimento de descarga e carga, iniciando nova etapa da viagem, desta feita com destino próximo de Paris (França).
Vi. No dia 17 de Junho o Autor sofre a queda ao chão supra referida e, no dia seguinte, conforme antes exposto, é retirado por técnicos de emergência médica do veículo pesado de mercadorias que conduzia e, posteriormente, hospitalizado na cidade de Gien, a cerca de 150 quilómetros do seu destino de viagem;
viii. Regressando a Portugal apenas no dia 27 de Junho, após 9 (nove) dias de internamento hospitalar;
ix. O Autor apenas regressou ao trabalho no dia 28 de Setembro de 2017, após alta dos serviços do Sistema Nacional de Saúde;
x. (…)
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa essencialmente saber se os factos elencados pelo autor podem ser subsumidos ao conceito de acidente de trabalho. O recorrente questiona igualmente a matéria selecionada.
Previamente importa apreciar a questão relativa ao valor da ação e a nulidade invocada (omissão de pronúncia quanto ao evento relativo a alegada “queda”, sofrendo diversas contusões e escoriações na face, assim como no membro superior direito, e danificando os óculos).
*
Quanto ao valor:
Na petição inicial o autor indicou € 30.000,01 como valor da ação.
Na sentença o valor foi fixado em € 4812,13, correspondente à soma em dinheiro dos valores peticionados.
Refere o autor o disposto no nº 2 do artigo 120º do CPT para sustentar que o valor deve ser outro. Refere o normativo e quanto ao valor da causa que “tratando-se de indemnizações por incapacidade temporária, o valor é igual a cinco vezes o valor anual da indemnização; tratando-se de indemnizações vencidas, o valor da causa é igual à soma de todas as prestações”.
Ora o normativo referido, no aludido nº 2 estipula métodos de cálculo para situações diferentes. Se estiverem em causa indemnizações temporárias ainda não vencidas, o valor será ficcionado, correspondendo a cinco vezes o valor anual da indemnização. Se todas as prestações estiverem vencidas, o valor da causa é, nos termos da segunda parte do normativo o correspondente à soma de todas as prestações.
A norma está em conformidade com a regra geral constante do artigo 297º do CPC, e de acordo com o princípio de que o valor deve corresponder à utilidade económica do pedido. Quando ainda não é possível saber-se o valor correto, funciona a primeira parte do normativo. Regra semelhante encontra-se por exemplo no artigo 298º, 3 do CPC.
O valor fixado nos termos do artigo 306º do CPC é o correto. Improcede nesta parte a apelação.
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Da nulidade:
Na tentativa de conciliação o autor referiu que a queda se deveu ao estado febril provocado por infeção por legionella. Relativamente a esta queda não refere qualquer dano indemnizável nos termos da LAT – vd. artigo 23º -. Aliás o pedido reporta-se a um único acidente, remetendo-se para artigos da PI abrangendo a queda e a doença contraída, o que se percebe, pois na conciliação o autor referiu que a queda foi devido ao estado febril decorrente daquela infeção. Assim e quanto a esta parte é de manter o decidido.
*
Quanto à doença que o afetou o autor formula pedido em função do período de ITA. Invoca que contraiu a infeção em serviço, aludindo às condições de trabalho.
Quanto à questão da matéria de facto selecionada, não tendo ocorrido julgamento, debruçar-nos-emos sobre a totalidade da alegação, pelo que carece de sentido apreciar esta questão colocada pelo recorrente.
Importa verificar se tal como o autor a alega, a doença invocada e o circunstancialismo relativo à sua contração, podem ser considerados como acidente de trabalho, o que contende com a delimitação entre acidente de trabalho e doença profissional.
Quanto ao conceito de acidente de trabalho o artigo 8º da LAT refere:
“1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”
…
Costuma referir-se que o acidente de trabalho é o resultado duma causa súbita enquanto a doença profissional é o resultado de uma causa lenta e progressiva.
O acidente para poder ser considerado de trabalho exige que tenha ocorrido um evento, um facto súbito, imprevisto e temporalmente delimitado, uma ocorrência externa ao sujeito. Nas palavras de Vítor Ribeiro, acidentes de trabalho, reflexões e notas práticas, pág. 208, é necessário que “ alguma coisa aconteça no plano das coisas sensíveis”. Ficam desde logo afastadas as ocorrências lentas e progressivas que demandam uma lesão (doença) - Cunha Gonçalves, Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 31, citado em Cruz de Carvalho, Acidentes de travão e Doenças Profissionais, anot., 2ª ed. Em nota à base V da Lei 2127 de 1965.
A doença profissional resulta diretamente das condições de trabalho. São elas as que constam da Lista de Doenças Profissionais. Além destas, são ainda consideradas e indemnizáveis as doenças relativamente às quais se demonstre serem consequência necessária e direta da atividade exercida, que não constituam normal desgaste do organismo - conforme artº 94º, 2 da LAT.
Para a normalidade dos casos o critério da limitação temporal do evento mostra-se suficiente para a distinção, mas em certos casos, como no das doenças infeciosas pode não ser assim.
O requisito de “subitaneidade” tem tido uma leitura de forma a abranger não apenas as ocorrências instantâneos, mas também as ocorridas num período de tempo limitado. Assim Ac. STJ de 21/11/2001, processo nº 01S1591 (“A ideia de subitaneidade do evento não deve ser entendida em termos absolutos, mas no sentido de evento de duração curta e limitada, não sendo subitaneidade sinónimo de facto instantâneo ou momentâneo, mas tão só de facto limitado no tempo, de curta duração”) –. Tratava o acórdão de doença devida a manuseamento de produto tóxico sem proteção durante três dias e uma manhã de trabalho, por ordem da empregadora; O STJ Ac. de 14/4/99, processo n. 99S006, sumariado em dgsi.pt, sobre um caso relativo a um coralista que, em período não superior a uma semana, sendo diabético, foi obrigado a usar calçado inadequado para si, vindo a sofreu uma "bolha" num dos pés, da qual lhe adveio gangrena; de 30/6/2011, processo nº 383/04.3TTGMR.L1.S1, relativo a atividade física desenvolvida por um atleta profissional durante um desafio oficial de futebol que potenciou arritmia cardíaca derivada de miocardiopatia hipertrófica, doença congénita de que aquele sofria mas até então não detetada vindo aquele atleta a falecer devido àquela arritmia. Note-se que neste caso e como salienta o acórdão, não é a atividade que causa a arritmia, a qual é preexistente.
Atente-se por outro em que as doenças profissionais podem ter origem em curtos períodos de exposição. Na lista de doenças vêm referidos períodos de exposição desde 3 dias, e ainda assim como se sabe meramente indicativos.
Assim no código 11.05, relativo a exposição a Cádmio e seus compostos, para Broncopneumopatia aguda - prazo de exposição indicativo de 5 dias, e para Perturbações digestivas agudas - prazo de exposição indicativo de 3 dias. Nos códigos 11.08, 12.01, 12.07, 12.11, 12.09, 12.12, 12.13, 12.15, 31.08, 31.07, 31.11, 31.10, 31.14, 32.01, 31.13, 32.03, 32.02 encontramos prazos de 3 dias.
Quanto a infeções, no código 55.05 temos a infeção por Vibrio cholerae (cólera), com o prazo indicativo de exposição de 7 dias, para trabalhadores hospitalares (e similares). No código 55.6 constam os vírus de Lassa, ébola e de mar, vírus do congo – Crimeia e Hantavírus (com um prazo indicativo de um mês), também para trabalhadores hospitalares (e similares). No código 52.07 refere-se o vírus da parotidite e suas complicações – 25 dias de prazo de exposição. No código 51.22, Pasteurelas, um prazo de exposição de 7 dias. Muitos destes agentes provocarão a doença num contacto instantâneo, que se desconhece em concreto. Tal circunstância não é em si suficiente para considerar tal contágio um “evento” e enquadrar a doença como acidente de trabalho.
O Ac. STJ de 15/12/2008, processo nº 08B3962, disponível em dgsi.pt, refere que a doença profissional consiste numa “ enfermidades adquiridas no exercício de uma profissão e em consequência dele, ou seja, as inerentes a determinada profissão ou consequentes do seu exercício, em regra de lenta manifestação ou revelação.”
Na doença a caraterística marcante consiste na exposição do corpo do lesado, exposição mais ou menos longa no tempo, a um agente nocivo, tais como agentes químicos (ex: sílica, chumbo, ácidos…), agentes físicos (ex: ruído, radiação…), biológicos (doenças infeciosas e parasitárias – bactérias, vírus, fungos …).
Surpreendendo-se um acontecimento súbito que determinou a exposição, estaremos face a um acidente de trabalho e não a doença profissional. Assim por exemplo o rebentamento de um tubo que derramando um produto tóxico vai provocar a exposição, uma explosão que tenha por efeito expor o lesado a qualquer agente nocivo, o manuseamento impróprio de um produto nocivo (ex. produto tóxico), uma qualquer ação traumatizante (caso do jogador de futebol).
Para a doença profissional releva a existência de um risco no exercício da profissão, e não a ocorrência de um evento específico súbito, ainda que no entendimento lato deste. Vd. Ac. STJ de 8/10/98, processo n. 99S006, sumariado em dgsi.pt: “No acidente de trabalho existe uma causa traumatizante, de duração limitada no tempo, com efeitos de origem traumática quase imediatos e não previsíveis”.
Quanto à concreta questão em apreço, e aceite que a doença é causada por infeção por legionella, importa surpreender a causa da exposição ao agente causador da doença.
Se a doença ocorre devido a exposição determinada por um evento súbito, abrangendo anormalidades no exercício profissional – um exercício fora do habitual ou uma ocorrência não esperada -, sem o qual a mesma não ocorreria, estaremos face a um acidente. Repisando, o exemplo do manuseamento de produto tóxico a que se reporta o Ac. STJ de 21/11/2001; Ainda o caso do Ac. RC de 22/1/1981, Col. Jur. VI, T- I, pág. 83, relativo a ocorrência não esperada, consistente na rápida libertação de grandes quantidades de anidrido carbónico – (trata este acórdão de uma intoxicação por inalação de anidrido carbónico produzido pela fermentação do mosto de vinho, de efeito muito rápido).
Dos autos, designadamente da alegação, não resulta que tenha ocorrido qualquer evento ou causa traumatizante que tenha determinado a doença. O que se alega é que por virtude das condições de trabalho, por virtude das condições do ambiente em que o trabalho é realizado no estrangeiro, e condições usuais deste exercício, o lesado esteve exposto ao agente patogénico (legionella) e foi infetado desenvolvendo a doença. A alegação remete para a doença profissional, relativamente à qual o tribunal não pode ainda pronunciar-se.
Questiona o recorrente a designação de “doença natural”. Refira-se, com o Ac. STJ de 9/4/2014, processo nº 4222/06.2TBVFR.P1.S1, disponível em dgsi.pt, que “as doenças profissionais em nada se distinguem das outras doenças, ditas naturais, salvo pelo facto de terem a sua origem em fatores de risco existentes no local de trabalho”. A designação em nada limita o autor no que tange a direitos decorrentes de eventual doença profissional.
A pronúncia efetuada pelo tribunal recorrido quanto à existência ou não de doença profissional é indevida, pelas razões que veremos adiante, sendo que nunca faria caso julgado em relação à Segurança Social – Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, a responsável, por não ser parte nesta ação.
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Relativamente à doença profissional.
A reparação das ocorrências decorrentes de riscos profissionais tem um cunho marcadamente social, visando dar cumprimento aos comandos constitucionais dos artigos 59º, 1, al. f) e 63º, 3 da CRP, integrando-se no âmbito material da segurança social (artº 14 da L bases – 4/2007).
No quadro da transferência para o Estado da responsabilidade pela reparação das doenças profissionais, no âmbito da segurança social dos trabalhadores (sistema previdencial/contributivo), estabelece-se um procedimento administrativo prévio, obedecendo a algumas regras específicas, Assim:
- A certificação e a revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competência na área da proteção contra os riscos profissionais – artigo 138º, 3 da LAT.
- A avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais – artigo 96º da LAT
- Existe o dever de participação dos casos clínicos… - artigo 142º da LAT e D.L. 2/82.
- Caráter oficioso do processo nos termos do artigo 26º, nº 3 do CPT.
Assim as eventualidades de doenças profissionais devem ser ressarcidas pelo modo previsto na lei (98/2009). Consequentemente o tribunal apenas tem competência na fase contenciosa.
Pretendendo-se o reconhecimento de que se é portador de doença profissional, deve fazer-se o requerimento a que alude o artigo 144º da LAT, iniciando-se o procedimento administrativo prévio a correr na segurança social, departamento de proteção contra riscos profissionais, deduzindo-se subsequentemente, se for o caso, a ação nos termos do artigo 117º ss. do CPT por força do artigo 155º do mesmo diploma.
Em primeira linha como já vimos, a certificação das incapacidades por doença profissional compete à segurança social, conforme artigo 138º da LAT, referindo o nº 3 deste normativo ser da “exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área de proteção contra os riscos profissionais”, claro sem prejuízo da jurisdicionalização em caso de desacordo – artigo 155º do CPT.
O Ac. RC de 25/9/2008, processo nº 305/05.4TTCTB.C1 refere quando à necessidade do procedimento prévio, tratar-se de um “pressuposto processual inominado” que constitui uma exceção dilatória. No caso presente a absolvição do pedido justifica-se, pois que a seguradora foi demandada por acidente de trabalho que não se verifica.
Assim com esta reserva quando à pronúncia sobre eventual doença profissional, é de confirmar a decisão.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pelo recorrente.
Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Alda Martins
Eduardo Azevedo