DESPACHO SANEADOR
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE APELAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO DO MÉRITO
Sumário


I - Tendo a acção sido instaurada a 06-05-2010 e o despacho saneador proferido em 19-02-2013, é aplicável o regime recursório introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24-08.
II - O segmento do saneador a refutar as excepções dilatórias não podia ser alvo de recurso de apelação autónomo, por não estar preenchida a previsão da al. h) do n.º 2 do art. 691.º do CPC que previa caber recurso de apelação (autónomo) do “despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa” e não se verificava, igualmente, alguma das outras previsões contidas no n.º 2 do art. 691.º que permite o recurso de apelação autónomo.
III - Tal segmento cabia (e cabe) no n.º 3 do mesmo artigo, que prevê “As restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (…)”.
IV - A decisão final, para efeito deste n.º 3, foi a sentença e, tendo esta sido impugnada no recurso de apelação, no âmbito do qual se fez constar também a impugnação desse segmento do despacho saneador, a Relação terá de conhecer dessa questão que não constitui caso julgado.

Texto Integral


           


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I – A Junta de Freguesia de --- instaurou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra AA e sua mulher, BB, sendo que tendo ocorrido o falecimento do primeiro, a acção prosseguiu contra os herdeiros habilitados do mesmo, a já inicialmente demandada BB e os filhos CC, DD e EE.

Alegou, em síntese, que:

O sítio denominado --, localizado na encosta poente/sul do Monte ..., integra o baldio da Freguesia de --- que se encontra sob sua administração, por delegação da respectiva Assembleia de Compartes.

Os Réus ocupam uma parcela de terreno desse baldio, tendo o Réu procedido, por duas vezes, ao abate de uma mata de eucaliptos, em pleno baldio, originando prejuízos no montante de € 41.872,80.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir que:
1 - Se declare que os Réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como documentos n.°s 39-A, 39-B e 39-C, no sítio de --, localizado na encosta poente do Monte ... da Freguesia de ---.
2 - Se declare que tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de ---, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.
3 - Se condenem os Réus a reconhecer o direito de uso e fruição dos moradores da freguesia de --- sobre tal parcela de terreno baldio.
4 - Se condenem os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 41.872,80 a título de indemnização pelo prejuízo resultante dos abates de árvores supra descritos, por eles efectuados e/ou a seu mando, nessa mesma parcela de terreno baldio.
5 - Se condenem os Réus a entregar imediatamente à Autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos.
6 - Se condenem os Réus a pagar à Autora a indemnização a liquidar ulteriormente quanto aos prejuízos e danos materiais sofridos com a sua descrita conduta e até efectiva desocupação e entrega, danos que, por se encontrarem em curso, são neste momento indetermináveis.
7 - Se condenem os Réus a pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia por cada dia de atraso na entrega da referida parcela de terreno baldio, após o trânsito em julgado da decisão final.

Os Réus apresentaram contestação, arguindo a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da Autora e falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária da mesma, e, por impugnação, sustentaram que o baldio referido na petição inicial não existe porque não foi objecto de inventário da Câmara Municipal de --- ao abrigo dos artigos 391.° e 392.° do Código Administrativo de 1940, porque nenhum baldio da Freguesia de --- foi integrado no perímetro florestal parcial das Serras de ... e ..., sendo que o terreno em causa, desde o final do século XIX, nunca foi usado pela comunidade local para satisfação de necessidades colectivas, encontrando-se desde tempos imemoriais na propriedade privada e, nessa condição, adquiriu o Réu o direito de proprie­dade sobre o terreno por contrato de compra e venda, celebrado em 6.4.1987 por escritura pública, aquisição que inscreveu no registo predial, pugnando, assim, pela absolvição da instância ou pela absolvição dos pedidos.

A Autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.

Em 19.2.2013, foi proferido despacho saneador a refutar as arguidas excepções de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade activa e de falta de personalidade e capacidade judiciária, seguido da seleção da matéria de facto assente e organização da base instrutória (cfr. II Vol., fls. 358 a 368).

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu o seguinte:

A.      Declarou que:

a. Os Réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como documentos n.°s. 39-A, 39-B e 39-C, no sítio de --, localizado na encosta poente do Monte ... da Freguesia de ---.

b. Tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da freguesia de ---, segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

B. Condenou os Réus:

c. A reconhecer o direito de uso e fruição dos moradores da freguesia de --- sobre tal parcela de terreno baldio.

d. No pagamento à Autora da quantia de € 13.572,30.

e. A entregar imediatamente à Autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos.

C. Absolver os Réus dos restantes pedidos formulados pela Autora.

Discordando dessa decisão, apelaram os Réus, sem êxito, tendo a Relação de Guimarães, através do acórdão de folhas 2192 a 2261, confirmado o sentenciado pela 1ª instância.

Persistindo inconformados, interpuseram os Réus recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as complexas, extensas, repetitivas e redundantes conclusões que se transcrevem:

1°. Em sede de contestação da acção interposta pela Recorrida em 7.5.10, os Recorrentes invocaram, de modo expresso e desenvolvido, as excepções de ineptidão da petição inicial, da ilegitimidade, da falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária da A., excepções que, no despacho saneador, proferido em 19.2.2013, foram julgadas improcedentes;

2°. No âmbito do recurso de apelação que interpuseram da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, os Recorrentes fizeram aí incluir a impugnação da decisão interlocutória proferida no saneador que julgou não verificadas as referidas excepções;

3º. Em face dos marcos temporais referidos na conclusão 1º supra, aquando da prolação do despacho saneador o regime aplicável em matéria de recursos era o constante do DL n° 303/2007, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008, (cfr. art. 12°, n° 1, desse diploma), não lhe sendo aplicável a norma transitória do art. 11°, n° 1. do referido diploma;

4º. Da conjugação dos n°s 1, 2 e 3 do anterior art. 691° do CPC (tal como dos n°s 1, 2 e 3 do actual art. 644° do CPC de 2013) resulta que o despacho saneador de fls. ..., na parte em que julgou não verificadas as excepções dilatórias, se integra no elenco das decisões cuja impugnação fica suspensa, apenas podendo ter lugar com o recurso interposto da decisão final; com efeito, por um lado, tal decisão tem natureza interlocutória, por isso que não pôs termo à causa e, por outro lado, não integra nenhuma das espécies decisórias previstas quer no n° 2 do anterior art. 691°, quer no do art. 644° CPC 2013, pelo que, a sua impugnação tinha de ser feita, como foi, conjuntamente com o recurso da sentença proferida pelo tribunal de 1a instância (n° 3 do anterior art. 691° do CPC e n° 3 do art. 644° do CPC de 2013 - cfr., por todos, Ac. STJ de 26.05.2015;

5º. Em face do exposto, tendo essa decisão sido recorrida no tempo e modo próprios, não transitou em julgado e, como tal, não se formou caso julgado formal, pelo que Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso nessa parte e, não o tendo feito, incorreu em errada aplicação da lei de processo (ou, em derradeira alternativa, na nulidade por omissão de pronúncia prevista na primeira parte da ai. d) do art. 615° aplicável ex vi do disposto no art. 666°, ambos do Cód. Proc. Civil), que nos termos da al. b) do n° 1 do art. 674°, do Cod. Proc. Civil, é fundamento de revista e deverá conduzir à anulação do Acórdão recorrido;

6º. Da leitura do segmento decisório do Acórdão de fls. ... II) I, 1 (segunda parte (pg. 42), ficam os Recorrentes sem saber a que concretas questões suscitadas no âmbito do recurso interposto o mesmo se dirige, o que, em face da sua ambiguidade ou obscuridade que não permite aos Recorrentes compreender o seu alcance e a fundamentação fáctico-jurídico que o suporta, convoca a nulidade do Acórdão recorrido - cfr., art. 607°, n° 3, 608°, n° 1 e 2 e 615°, n° 1, al. b) e c), do Cód. Proc. Civil.

7º. Nas alegações de recurso submetidas à apreciação do Tribunal a quo no âmbito do recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1a instância, os Recorrentes suscitaram, entre o mais:

- Que a acção dos autos deveria ter sido, com todas as legais consequências, qualificada como acção de reivindicação - Conclusões 16a a 25a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que os Recorrentes podem obstar à entrega do terreno dos autos demonstrada que está que têm sobre ele um título que justifica a sua posse - o que está assente através do reconhecimento da sua aquisição e registo (Cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados) e, consequentemente, a legitimidade de ter o prédio em seu poder e gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição - Conclusão 27a das Alegações de recurso de fls. ...;

- E que, como tal, a reivindicação da Recorrida, para ter êxito, carecia da alegação e demonstração da invalidade do título aquisitivo do terreno a favor do Sr. AA e dos seus anteriores possuidores e proprietários, pois apenas do confronto entre os dois direitos invocados em juízo o juiz pode determinar a sorte da acção de reivindicação, sendo que a Recorrida não pediu a declaração de nulidade da compra e venda efectuada a favor do Sr. AA, pelo que sem esta declaração judicial o acto aquisitivo continua a produzir os seus efeitos, nomeadamente a posse titulada exercida ao seu abrigo (cfr., Ac. Rel. Coimbra de 12.12.2006, CJ, ano 31, t.5, pg. 35) -Conclusão 28a das Alegações de recurso de fls. ...

- Que, a Recorrida, apresentando-se nas vestes de (suposta) administradora do baldio com base numa delegação de poderes de administração, pratica actos de gestão de bens alheios (a propriedade do baldio é comunal, pertencendo aos compartes da freguesia de ---) e que, como tal, ao propor a presente acção na invocada qualidade de administradora do baldio, a Recorrida apenas poderia peticionar a entrega do prédio em discussão nos autos aos compartes da freguesia já que o património comunitário é distinto do património autárquico, pelo que a restituição do baldio teria que ser requerida "a favor da respectiva comunidade" (Art.° 4, n.° 3, da Lei n.° 68/93) - Conclusão 38a e 39a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que ao peticionar expressis et apertis verbis que "se condenem os RR a entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos", a Recorrida formulou um pedido manifestamente ilegal, por requerer a entrega para si de coisa que não lhe pertence - pelo que a acção, tal como foi articulada e tem de ser apreciada, não poderia proceder - Conclusão 40a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que é a própria Lei dos Baldios (art. 4°, n° 1, da Lei n° 68/93) ao cominar com a sanção de nulidade os actos de apossamento e apropriação de baldios ou parcelas de baldios, a estender-lhes o regime desse vício do negócio jurídico, nomeadamente o do art. 291.° do Cód. Civil que protege todo e qualquer terceiro que adquire de quem não tenha legitimidade para alienar, sendo claramente a tutela dos interesses do terceiro de boa-fé (em sentido ético) que está em causa - Conclusões 46a e 47a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que o terreno a que corresponde o artigo matricial n° 392, inscrito em 1989 a favor da Recorrida, em propriedade plena, confronta a norte com Estrada Camarária, a Sul com FF, nascente a Estrada Camarária e a poente com Estrada Camarária; que daquelas confrontações do art. 392 resulta que o Sr. FF era, em 1989, proprietário de terrenos situados a sul do baldio pelo que (i) ou o terreno do Sr. FF que se situa a sul do art. 392 é o terreno imediatamente situado a norte do terreno dos autos e daí segue-se que o baldio se situa a norte do mesmo não compreendendo, assim, ao terreno dos autos (ii) ou o terreno do Sr. FF que se situa a sul do art. 392 está localizado numa outra zona qualquer e daí segue-se que aquele baldio também ele está localizado numa zona que não abarca o terreno dos autos; mais a mais quando está adquirido nos autos que o terreno em causa nos presentes autos confronta a Sul com terrenos do Eng. GG, a chamada ..., pelo que se o art. 392 integrasse o terreno dos autos, o mesmo teria forçosamente de confrontar a sul com aquela ...; e como o terreno adquirido pelo Sr. AA foi comprado precisamente ao Sr.FF(e este terreno é o terreno do Sr. FF situado mais a sul) o qual confronta a sul com terrenos da família ... é forçoso concluir que aquele artigo matricial n° 392 se situa a norte do terreno aqui em causa -Conclusões 50a, 51a, 52a e 53a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto não foram produzidas quaisquer considerações sobre a prova por inspecção ao local requerida pelos Recorrentes e realizada em 17 de Junho de 2016, como não foi feita nenhuma apreciação crítica dos depoimentos prestados, designadamente, pelas testemunhas HH, II, JJ, LL e MM, não tendo sido identificados os concretos meios de prova, ou seja que concretos depoimentos e concretos documentos foram considerados pelo Tribunal a quo para, por referência a cada facto, os dar como provados ou não provados, o que implicava a nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação ou, pelo menos, por insuficiência ou obscuridade da mesma - cfr., arts. 607°, n° 4, e 615°, n° 1, al. b) do Cód. Proc. Civil -Conclusão 57a das Alegações de recurso de fls. ...

- Que foram omitidas as razões de ciência no que diz respeito ao escrutínio e a valoração da prova por inspecção ao local, dos documentos juntos e a menção à credibilidade da maior parte das testemunhas, à consistência e coerência do seu depoimento (ou falta delas), bem como as razões justificativas da opção feita no conjunto da prova testemunhal em face dos demais elementos probatórios, mormente a prova por inspecção ao local e a documentação existente nos autos pelo que deveria, nos termos da al. d) do n.° 2 do art. 662.° do Cód Proc. Civil, ordenar-se a baixa do processo para que o Tribunal a quo fundamentasse a decisão proferida, tendo em conta a prova produzida aqui se incluindo os depoimentos gravados, a prova documental e a prova por inspecção ao local - Conclusão 58a das Alegações de recurso de fls. ...

- Que no momento em que as testemunhas NN, OO, PP QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, prestaram os respectivos depoimentos nos presentes autos, na qualidade de testemunhas, eram, na sua versão dos acontecimentos, atentas as causas de pedir invocados, os pedidos formulados e o local onde residiam (---), compartes do baldio e, como tal, devem ser considerados como partes - art. 1o, n° 3, da Lei dos Baldios e art. 496° do Cód. Proc. Civil

- Que a consideração dos depoimentos das testemunhas NN, OO, PP QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX para a prova os factos dados como provados, designadamente os que constam dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33, inquina a decisão proferida sobre a matéria de facto por utilização de uma prova indevida por violação do disposto no art. 496° do Cód. Proc. Civil (uma vez que na data em que prestaram os respectivos depoimentos eram, segundo eles próprios, compartes do terreno aqui em questão que se diz ser baldio e, como tal, devem ser considerados como partes) o que convoca a sua nulidade (cfr., art. 452°, n° 2 e n° 3, 453°, n° 3, 454°, n° 1 e 195°, n° 1 do Cód. Proc. Civil) - Conclusões 60a, 61a e 62a das Alegações de recurso de fls. ...

- Que, à luz do disposto no art. 417°, n° 1, n° 2 do Cód. Proc. Civil, e no art. 344°, n° 2 do Cód. Civil, deveria ser valorado contra as pretensões trazidas a juízo pela Recorrida, designadamente para afastar a tese da celebração de assembleias de compartes e a qualificação do terreno dos autos como baldio, a falta de junção aos autos, quer pela A., quer pelo Conselho directivo do Baldio, do contrato de delegação de poderes dos compartes à A. referente ao suposto baldio em causa nos presentes autos, da procuração emitida a favor da A. pelo Conselho Directivo do suposto baldio aqui em causa, das contas anuais, desde 1900, apresentadas aos compartes referentes ao suposto baldio em causa nos presentes autos, a identificação dos benefícios colhidos anualmente com a sua exploração e a sua distribuição pelos compartes e do caderno de recenseamento de compartes efectuado em 1999, ou anteriormente, com a identificação (nome e morada) discriminada de cada um dos compartes e bem assim as actualizações anuais ao mesmo, como tinha sido determinado pelo Tribunal - cfr., Conclusão 66a das Alegações de recurso de fls. ...

- Que resultava da factualidade adquirida nos autos, da documentação junta, dos depoimentos prestados pelas diferentes testemunhas que o terreno dos autos tem vindo a ser, desde pelo menos finais de 1960 a ser utilizado e fruído por, designadamente o Sr. FF e pelo Sr AA, como se de coisa deles se tratasse, pelo que, sempre e em qualquer caso, não podia ser havido como baldio desde, pelo menos, essa altura: "a principal característica dos terrenos baldios é a insusceptibilidade de serem individualmente apropriados, pelo que não pode ser qualificado como baldio um terreno que, ao longo do tempo, tem sido individualmente apropriado, não sendo exclusiva a utilização que dele tem vindo a ser feita pela população da comunidade local" - Ac. STJ de 13.1.05, Proc. n° 04B3830 - cfr., Conclusão 82a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que em relação às testemunhas NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e XX, havia que ter em consideração na ponderação e valoração dos respectivos depoimentos que, pelo menos no momento em que prestaram os respectivos depoimentos nos presentes autos, eram, putativamente, compartes do terreno que se pretende baldio - cfr., Conclusão 84a das Alegações de recurso de fls. ...;

- Que a Recorrida não alegou nem provou a factualidade que integra os pressupostos do enriquecimento sem causa previsto no art. 473° do Cód. Civil, máxime o enriquecimento do Sr. AA, estando o Tribunal impedido de suprir a alegação dos factos constitutivos do direito da Recorrida - cfr., Conclusões 90a e 91a das Alegações de recurso de fls. ...;

8º. Sucede que, no douto Acórdão recorrido, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões acima sumariadas, como lhe cumpria, o que configura nulidade por omissão de pronúncia e convoca a anulação do Acórdão recorrido - cfr., art. 608°, n° 2, e al. d), do n° 1 do art. 615° do Cód. Proc. Civil;

9º. No âmbito do recurso de apelação interposto junto do Tribunal a quo, os recorrentes suscitaram a questão de dever ser alterada a selecção da matéria de facto submetida a julgamento tendo, para o efeito, identificado a factualidade que consideravam relevante por referência a 142 artigos da contestação onde a mesma se encontrava alegada, agrupando e identificando as diferentes questões fácticas que tinha por essenciais ser levadas a julgamento em 14 blocos ou núcleos fácticos com indicação expressa à materialidade em causa, e sustentando, a pari, as razões pelas quais, no seu entendimento, a factualidade em causa deveria ser quesitada;

10°. Em face do teor da decisão proferida sobre esta concreta questão, na qual o Tribunal a quo considerou que a matéria cuja quesitação era pretendida, correspondia a matéria de direito, conclusiva ou irrelevante à decisão, impõe-se concluir que a mesma é nula, seja por ser absolutamente conclusiva e genérica e padecer de falta de fundamentação pois nada é dito quanto às razões pelas quais o Tribunal a quo assim concluiu, impedindo os recorrentes de sindicar as razões fáctico-jurídicas subjacentes à decisão proferida, o que convoca a sua nulidade, impondo-se a anulação do Acórdão recorrido - cfr., art. 607°, n° 3, 615°, n° 1, al. b), do Cód. Proc. Civil;

11°. Falta de fundamentação que ainda se alcança pela utilização da conjunção ou como elemento de ligação entre matéria de direito, conclusiva ou irrelevante, pois não tendo sido identificado pelo Tribunal a quo por referência a cada artigo ou a cada bloco ou núcleo de factos, quais os que considerava corresponderem a matéria de direito, aqueles que tinha por conclusivos ou aqueloutros que classificou como irrelevantes para a decisão, os recorrentes ficaram objectivamente impedidos de saber:

- quais os artigos da contestação (e a matéria neles alegada) que constituíam matéria de direito (e a motivação do Tribunal que a isso conduziu),

- quais os artigos da contestação (e a matéria neles alegada) que constituíam matéria conclusiva (e a motivação do Tribunal que a isso conduziu) e, finalmente,

- quais os artigos da contestação (e a matéria neles alegada) que constituía matéria irrelevante para a sorte da acção (e a motivação do Tribunal que a isso conduziu);

12°. Salientando-se que pelo facto de o Tribunal ter concluído que existia matéria irrelevante para a sorte da acção daí segue-se necessariamente que o Tribunal a quo considerou que, nalguma medida (que se desconhece), foi alegada factualidade susceptível de, em tese, ser quesitada e de sobre a mesma ser produzida prova;

13°. Por outro lado, quando entendida aquela "fundamentação", de bloco e em conjunto, como referente à totalidade dos artigos da contestação (e da matéria deles constante) invocados pelos Recorrentes como devendo integrar a selecção da matéria de facto a submeter a julgamento, temos que a mesma é contraditória entre si, pois aquela matéria não pode ser ao mesmo tempo, matéria de direito, matéria conclusiva e matéria irrelevante.

14°. À luz do que antecede, a decisão proferida sobre a invocada insuficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa e a necessidade de aí ser incluída a matéria que identificou no corpo das alegações de recurso de apelação e na conclusão 54° das mesmas, padece de falta de fundamentação, ou, no limite, fundamentação contraditória, o que tudo convoca a nulidade do Acórdão recorrido -cfr., art. 154°, n° 1, 607°, n° 3, 615°, n° 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil e art. 205° da CRP;

15°. Quando se entenda que a decisão acima referida não padece de falta de fundamentação nem de fundamentação contraditória, o que apenas se admite a benefício de raciocínio, há que ter presente a selecção da matéria de facto feita pelo Tribunal não tem valor de caso julgado formal, podendo a mesma ser sempre alterada até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio - cfr., Assento do STJ de 26.5.94 (BMJ, 437° 35);

16°. Em face do que o Tribunal da Relação, no julgamento de facto que lhe cumpre fazer e no uso dos poderes-deveres que, para tanto, lhe são conferidos, "não está confinado ao perímetro factual definido no questionário elaborado pela 1ª instância" e não tendo sido quesitados factos essenciais alegados pelas partes há que ordenar que os autos baixem às instâncias a fim de aí ser ordenada a inclusão no questionário dos factos pertinentes.- cfr., Ac. STJ de 9.3.2004, Proc. n° 03B1764, Ac. STJ de 20.6.2000 (Sumários, 42° 15);

17°. Constituindo matéria de direito, saber se a Relação ao negar a alteração da matéria de facto, deixou indevidamente de considerar qualquer facto, o que constitui violação dos princípios que disciplinam a selecção da factualidade a submeter a julgamento e os poderes-deveres que lhe estão conferidos pela lei de processo - cfr., Ac. STJ de 30.3.2000, Sumários, 39° 39 Ac. STJ de 14.3.2000 (Sumários 39° 14);

18°. Assim sendo, à luz dos princípios reitores da selecção dos factos levados à matéria assente e à base instrutória, o Tribunal a quo devia ter ordenado à 1ª instância a inclusão na base instrutória a factualidade alegada pelas Recorrentes:

- Em 64, 65 e 66 da contestação por constituir matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que não foi feita qualquer delegação de poderes a favor da A. para administrar quaisquer baldios, nem lhe foram conferidos poderes representativos da comunidade local representada pelos compartes.

- Em 86, 87, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 100, 103, 104, 106, 110, 111, 140, 141, 143, da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que o grupo de pessoas auto intitulado de compartes não pode ser tido como tal, nem as reuniões havidas podem ser tidas como assembleias de compartes.

- em 163, 166, 167, 168, 170 e 172 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta a existência de vícios que inquinam as reuniões a que se reportam e retiram qualquer valor probatório aos documentos que, supostamente, as retratam.

- em 220 e 221 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que nunca a Câmara Municipal de --- ou qualquer outra entidade autárquica da zona (pelo menos até à voragem recente demonstrada pela A.) realizou o inventário determinado no art 391° do Cód. Administrativo de 1940 nem, como tal, o terreno em causa nos presentes autos foi incluído naquele inventário - o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio.

- em 229 a 233 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, pois dela resulta que nenhuma entidade administrativa procedeu ao inquérito previsto na Base IV da Lei n° 1.971, de 15.6.38 nem, nos termos da Base III da mesma Lei, procedeu à demarcação do terreno dos autos como baldio ou à instauração de uma acção judicial para esse efeito - o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio.

- em 234 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que o terreno em causa não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial de --- a favor dos compartes, da Junta de Freguesia de ---, da Câmara Municipal de ---, da Direcção Geral dos Serviços Florestais ou de qualquer outra entidade pública - o que indicia que nunca ninguém o considerou como baldio.

- em 235 a 243 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta a demonstração de que não só o terreno aqui em causa não era baldio, como todos moradores da freguesia de --- e das demais freguesias do concelho sempre o consideraram como propriedade privada.

- em 255, 256, 258, 259, 260 e 264 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que as partes, e nomeadamente as supostas entidades administradoras do baldio e bem assim os supostos compartes do mesmo, nunca se comportaram como tal.

- em 267, 269, 270, 271, 273, 275, 276 e 277 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que a própria A. não considera o terreno em causa nos presentes autos como terreno baldio, demonstra a existência de terrenos de propriedade privada na área em questão para lá de deixar a nú a confusão em que a A. milita e a sua falta de razão.

- em 278 a 282 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta à saciedade que nunca ninguém questionou a propriedade e a posse do terreno pelos RR e pelos seus anteriores proprietários, nem nunca ninguém o considerou como terreno baldio.

- em 285 a 288, 290 a 292 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta à saciedade que não só nunca ninguém questionou a propriedade e a posse do terreno pelos RR como também que os RR e os seus anteriores proprietários sempre se comportaram como legítimos proprietários e possuidores do terreno em causa.

- em 293, 294 (no caso de se entender que o actual quesito 15° não se reporta a este artigo), 295 a 351 e 353 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta a demonstração que o terreno dos autos, desde tempos imemoriais, sempre foi tido como propriedade privada e que, como tal, à vista de todos, foi utilizado. Entre o mais, daqueles factos resulta que sobre o terreno aqui em causa
· foram sendo realizados sucessivos negócios de transmissão,
· foram  celebradas diferentes escrituras e registos que o tinham  como objecto,
· foi liquidada e paga sisa sobre as sucessivas transmissões do terreno ocorridas ao longo dos tempos,
· foram   promovidas anexações, divisões e desanexações de diferentes terrenos situados na área (que o incluía) do terreno dos autos,
· foi o mesmo dado em hipoteca a diferentes entidades como garantia de empréstimos concedidos aos respectivos proprietários, hipotecas essas que foram levadas a registo na Conservatória do Registo Predial de ---,
· foi  feita   uma  avaliação   do  terreno   pela   Repartição  de   Finanças  de ...,
· foi admitida pela Câmara Municipal a possibilidade de se construir no terreno.

- em 355 a 359 e 362 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa pois dela resulta que os RR e os anteriores proprietários do terreno sempre exerceram, à vista de todos e sem a oposição de quem quer que fosse, desde há mais de cem anos, a posse sobre o terreno.

- em 372, 373, 374, 375, 376, 378, 384 e 388 da contestação porquanto constituía matéria relevante para a boa decisão da causa, mormente para a apreciação (e naufrágio) do pedido indemnizatório formulado, pois servem para, designadamente, afastar o benefício comum do casal, e assim da 2ª Ré, no corte das árvores como também a prescrição do pedido indemnizatório.

19°. Em consequência, tendo em conta que os factos acima invocados respeitam a questões fulcrais para a boa sorte da acção, constituem matéria de facto susceptível de sobre a mesma ser produzida prova, deverão os autos baixar à Relação para que esta, por sua vez, determine à 1ª instância a ampliação da matéria de facto nos termos acima identificados, submetendo-se a mesma a julgamento, mais se ordenando a anulação do julgamento de facto já realizado - cfr., art. 662°, n° 2, al. c) e 674°, n° 1, al. b) do Cód. Proc. Civil.

20°. No âmbito das alegações de recurso dirigidas ao Tribunal da Relação do Porto, os Recorrentes suscitaram a nulidade da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto por violação do disposto nos arts. 607°, n° 4 e 615°, n° 1 al. b) do Cód. Proc. Civil, porquanto aí não foi feita uma análise crítica de toda a prova nem foram especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, e por referência a cada um dos factos dados como provados e não provados não foram específica e concretamente identificados os meios de prova que foram tidos em consideração e que contribuíram para a decisão proferida (art. 607°, n° 4, do Cód. Proc. Civil) - cfr., Ac. Rei. Porto de 21.9.04, Proc. n° 0453624;

21°. E, designadamente, que na fundamentação da decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto não foram produzidas quaisquer considerações sobre a prova por inspecção ao local requerida pelos RR e realizada em 17 de Junho de 2016, não foi feita nenhuma apreciação crítica dos depoimentos prestados, designadamente, pelas testemunhas HH, II, JJ, LL e MM, não foram identificados os concretos meios de prova, ou seja que concretos depoimentos e concretos documentos que foram considerados pelo Tribunal a quo para, por referência a cada facto, os dar como provados ou não provados, o que implicava a nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação ou, pelo menos, por insuficiência ou obscuridade da mesma - cfr., arts. 607°, n° 4, e 615°, n° 1, al. b) do Cód. Proc. Civil;

22°. A decisão proferida pela Relação sobre a imputada falta de fundamentação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto e da necessidade de ser dado cumprimento ao disposto na al, d), do n° 2 do art. 662° do Cód. Proc. Civil, é nula por falta de fundamentação, o que impõe a anulação do Acórdão recorrido - cfr., art. 154°, n° 1, 607°, n°3 e 4 e 615°, n° 1, al. b), do Cód. Proc. Civil;

23°. A decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a questão aqui em equação é meramente conclusiva, limitando-se a Relação a proferir um juízo conclusivo quanto ao cumprimento do dever de apreciar criticamente todos os meios de prova, sem o concretizar minimamente, nada dizendo, sobre o modo como essa apreciação e análise crítica da prova foi feita de modo a rebater os vícios elencados pelos Recorrentes, limitando-se a concluir que foram apreciados todos os meios de prova produzidos (quando é cristalino que a 1ª instância não se pronunciou sobre a prova pericial, inspecção ao local que é de suma importância na sorte da acção - vd., demonstração supra);

24°. Sendo certo que se mostra existir omissão de pronúncia quanto à questão suscitada de estar a 1ª instância constituída no dever de especificar, por referência a cada facto dado como provado, os concretos meios probatórios que conduziram a essa prova, o que, de igual modo, convoca a nulidade da decisão proferida - cfr., art. 607°, n° 4 e 615°, n° 1, al. d), do Cód. Proc. Civil;

25°. No limite, o Acórdão recorrido viola a lei de processo e incorreu em erro de julgamento ao considerar que o Tribunal de 1ª instância apreciou todos os meios de prova produzidos nos autos e que procedeu a uma análise crítica das provas realizadas, pois, como vimos e resulta plenamente evidenciado na sentença de 1a instância, designadamente no que se refere à prova por inspecção ao local, tal não sucedeu;

26°. Sempre e em qualquer caso, podendo o STJ censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe estão carregados nos termos do disposto no art. 662°, n° 2, al. d) do Cód. Proc. Civil, deverá a decisão em causa ser revogada, e verificada a falta de fundamentação da decisão proferida pela 1a instância sobre a matéria de facto, ordenar-se a baixa do processo à Relação para que dê cumprimento ao disposto no art. 662°, n° 2, al. d) do Cód. Proc. Civil - cfr., art. 674°, n° 1, al, b) e c) do Cód. Proc. Civil;

27°. No momento em que as testemunhas NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, prestaram os respectivos depoimentos nos presentes autos, na qualidade de testemunhas, eram, na sua versão dos acontecimentos, atentas as causas de pedir invocados, os pedidos formulados e o local onde residiam (---), compartes do baldio e, como tai, devem ser considerados como partes, sendo, por isso, inábeis para depor como testemunhas - art. 1o, n° 3, da Lei dos Baldios e art. 496° do Cód. Proc. Civil;

28°. No âmbito das alegações de recurso de apelação os Recorrentes suscitaram que tendo os respectivos depoimentos testemunhais sido considerados para a prova os factos dados como provados, designadamente os que constam dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33, ficava inquinada a decisão proferida sobre a matéria de facto por utilização de uma prova indevida por violação do disposto no art. 496° do Cód. Proc. Civil, o que convoca a sua nulidade - cfr., art. 452°, n° 2 e n° 3, 453°, n° 3, 454°, n° 1 e 195°, n° 1 do Cód. Proc. Civil;

29°. O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento e violou a lei do processo ao considerar, por um lado, que a inquirição daquelas pessoas como testemunhas sem ter sido de imediato arguida a nulidade ocorrida se considera sanada e, por outro lado, que nenhum impedimento legal existia a proibir a valoração daqueles depoimentos como prova testemunhal para prova dos factos supra indicados, tratando-se, aliás, de questão nova que não tinha sido anteriormente suscitada nos autos e submetida à apreciação do Tribunal de 1ª instância;

30°. Devendo, ao invés, pelas razões expostas, e uma vez que a eventual sanação da nulidade decorrente da sua inquirição como partes não preclude o dever de o Tribunal não considerar os respectivos depoimentos testemunhais na decisão da matéria de facto (nova nulidade que não se confunde com aquela outra), ou de, pelo menos o valorar de acordo com essa qualidade (são compartes do baldio e muito interessados na procedência da causa), o Acórdão ser revogado determinando-se a nulidade da decisão proferida sobre a matéria de facto (designadamente no que concerne aos factos constantes dos pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 33 da factualidade dada como provada na sentença de 1a instância) - cfr., art. 674°, n° 1, al. b) e n° 3, do Cód. Proc. Civil;

31°. Em sede de alegações do recurso de apelação os Recorrentes suscitaram a questão de que não tendo existido qualquer acordo das partes no sentido de se considerar as reuniões referidas nos pontos 1 e 2 dos factos provados como assembleias de compartes nem existindo qualquer documentação nos autos que o permitisse sustentar, deveriam aquelas expressões ser retiradas dos pontos 1. e 2. dos factos provados;

32°. Mais requereu que à luz das regras do ónus da prova previstas no art. 342°, n° 1 do Cód. Civil, e do disposto no art. 417°, n° 1, n° 2 do Cód. Proc. Civil, e no art. 344°, n° 2 do Cód. Civil, deveria ser dado como não provado que as reuniões a que se reportam os pontos 1., 2., 3 e 4 dos factos dados como provados fossem assembleias ou reuniões de compartes e, como tal, retirado da matéria de facto dada como provado o ponto 37 - vd., art. 342°, n° 3, do Cód. Civil;

33°. O Tribunal a quo ao concluir, como concluiu, que as reuniões em causa eram apenas nas respectivas actas denominadas de compartes e que nenhuma outra factualidade ou conclusão se poderia retirar dos factos em causa (os pontos de facto n° 1, 2 e 37 da sentença de 1a instância), - ou seja que não se poderia retirar daqueles concretos pontos de factos que as reuniões a que eles se referem eram reuniões ou assembleias de compartes - teria, forçosamente que ter retirado todas as consequências desse seu entendimento e, alterar, em conformidade aqueles concretos pontos da matéria de facto, expurgando-os das referências a que eram reuniões de compartes ou dando-lhes uma redacção restritiva de modo a deles constar expressamente que aquelas reuniões apenas eram denominadas reuniões ou assembleias de compartes nas respectivas actas;

34°. A decisão proferida pelo Tribunal a quo no sentido de julgar improcedente a questão suscitada pelos Recorrentes e de manter aqueles artigos impugnados com a redacção vinda da 1a instância, é nula nos termos do disposto no art. 615°, n° 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, pois os fundamentos explanados pela Tribunal a quo estão em oposição com a decisão proferida; no limite, é aquela decisão, face à argumentação avançada, ininteligível, o que, de igual, convoca a sua nulidade, o que, tudo, deverá conduzir à anulação do Acórdão recorrido - cfr., art. 674°, n° 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil;

35°. A alteração que o legislador promoveu na redacção dos normativos atinentes à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação - vd., designadamente a redacção do anterior art. 712° e do actual art. 662° do Cód. Proc. Civil - aponta, decisivamente, no sentido de dever existir, efectivamente, um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, devendo a Relação assumir-se como um verdadeiro tribunal de instância, podendo-devendo, mesmo oficiosamente, entre o mais, ordenar renovação da produção da prova, ordenar a produção de novos meios de prova e anular a decisão proferida na 1ª instância - cfr., Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4a ed., pg., 274, Ac. Rei. Porto de 29.09.03, Proc. n° 354108, Ac. STJ de 13.4.11, Proc. n° 1724/04.9TBBCLG1.S1;

36°. O Tribunal da Relação é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação, desde logo com base numa valoração autónoma (e sem qualquer restrição) dos meios de prova constantes dos autos, os quais deve analisar e ponderar criticamente, ouvindo, designadamente, a prova gravada e formando a sua própria convicção que deve ser devidamente fundamentada - Ac. STJ de 10.1.12, Proc. n.° 1452/04.5TVPRT.P1.S1; no mesmo sentido, vd., Ac. STJ de 3.11.09, Proc. 3931/03.2TVPRT.S1, Ac. STJ de 24.9.13. Proc. n° 1965/04, Ac. STJ de 7.6.05, Proc. n.° 3811/05, da 1a Secção;

37°. A valoração crítica dos diferentes meios de prova produzidos no processo e uma apreciação autónoma e conjugada dos mesmos, de modo a estabelecer (e a justificar) a sua própria convicção sobre cada um deles e sobre cada um dos factos em equação nos autos, constituem tarefas imprescindíveis que a Relação está adstrita a realizar para, desse modo, levar a cabo o julgamento da matéria de facto que lhe está, por força da lei, confiado;

38°. Sendo que o julgamento da matéria de facto a fazer pela Relação tem a mesma amplitude que o julgamento de 1ª instância podendo o Supremo censurar o não uso pela Relação do poder de ordenar a renovação da prova - Ac. STJ de 5.1.16, Proc. n° 36/09.6TBLMG.C1.S1, Ac. STJ de 28.5.09, Proc. n° 4303/05.0TBTVD.S1, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7a ed., pg. 228; Miguel Teixeira de Sousa, CDP 44, pg. 33, 34;

39°. No que respeita à prova testemunhal há que interpretar o depoimento das testemunhas fixando o que por elas foi dito, para, num segundo momento, proceder à sua valoração; no âmbito da valoração dos depoimentos prestados em julgamento é essencial circunstanciar devidamente quem são e que posição ocupavam relativamente aos interesses litigados cada uma das pessoas que prestaram depoimento, avaliando-se o seu interesse na sorte da acção, enquadrando-se o respectivo depoimento com o comportamento adoptado por cada uma ao longo dos tempos, para, de seguida, avaliar, ponderadamente, o que disseram e o que não disseram - Ac. STJ de 15.6.89, BMJ 388, 422 e Ac. STJ de 13.10.89, Ac. Rei. Coimbra de 16.4.96, BMJ 456, 513, Luis Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, pg. 282;

40°. Sendo que neste processo de valoração do depoimento prestado e na livre apreciação da prova a efectuar pelo Julgador, há ainda que apreciar devidamente se os depoimentos prestados pelas diferentes testemunhas se mostram, de algum modo, coordenados e concertados entre si, ou se existem razões mais ou menos objectivas que possam contribuir para a sua uniformização, mormente o modo como foram inquiridas, devendo, finalmente os mesmos ser compaginados com a demais prova constante dos autos;

41°. Os Recorrentes identificaram nas alegações de recurso de apelação, os concretos pontos de facto que, no seu entender, mereceriam resposta distinta daquela dada pelo Tribunal de 1ª instância bem como concretizaram os elementos de prova que consideravam conduzir àquela alteração;

42°. Tendo identificado os concretos pontos da matéria de facto por referência à respectiva numeração constante da sentença de 1ª instância (os pontos 1, 2, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 34, 36, e 37 dos factos elencados como provados naquela sentença e a factualidade descrita em C. dos factos alegados como não provados e a factualidade constante de 220, 223 a 243, 255, 256, 258 a 260, 264, 278, 279, 280, 281, 285 a 288, 290 a 351, 353, 355 a 359 da contestação);

43°. Como também os depoimentos das testemunhas e demais prova documental e pericial (inspecção ao local) que, na sua perspectiva, justificariam decisão distinta daquela alcançada pelo Tribunal de 1a instância;

44°. Tendo ainda indicado o sentido em que os factos em causa deveriam ser atendidos nos autos (provados e não provados) e reclamado a inclusão nos factos provados de outra factualidade que especificaram, aqui se incluindo os factos constantes dos inúmeros documentos juntos pelos Recorrentes aos autos, designadamente dos documentos juntos e protestados juntar com a contestação, bem como aqueles juntos por terceiros a requerimento dos mesmos Recorrentes, concretamente os conhecimentos de sisa, certidões da Conservatória do Registo Predial, documentos juntos pelos Serviços de Finanças, documentos emitidos pela Câmara Municipal de ---, maxime o parecer favorável para a edificação de seis moradias no terreno subjudice;

45°. Devendo ainda ser, para o mesmo efeito, levado em devida conta que a falta de junção aos autos, quer pela Recorrida, quer pelo Conselho directivo do Baldio, do contrato de delegação de poderes dos compartes à Recorrida referente ao suposto balido em causa nos presentes autos, da procuração emitida a favor da Recorrida pelo Conselho Directivo do suposto baldio aqui em causa, das contas anuais, desde 1900, apresentadas aos compartes referentes ao suposto baldio em causa nos presentes autos, a identificação dos benefícios colhidos anualmente com a sua exploração e a sua distribuição pelos compartes e do caderno de recenseamento de compartes efectuado em 1999, ou anteriormente, com a identificação (nome e morada) discriminada de cada um dos compartes e bem assim as actualizações anuais ao mesmo, como tinha sido determinado pelo Tribunal, deveria ser à luz do disposto no art. 417°, n° 1, n° 2 e 430° do Cód. Proc. Civil, e no art. 344°, n° 2 do Cód. Civil, valorado contra as pretensões trazidas a juízo peia Recorrida, designadamente para afastar a tese da celebração de assembleias de compartes e a qualificação do terreno dos autos como baldio;

46°. À luz da decisão proferida sobre a impugnação da matéria de facto constante do douto Acórdão recorrido é manifesto que o Tribunal a quo não procedeu a qualquer apreciação crítica dos diferentes meios de prova existentes nos autos, mormente daqueles indicados pelos Recorrentes como suporte da pretendida alteração da matéria de facto dada como provada peia 1a instância, limitando-se a identificar, genericamente e de modo absolutamente conclusivo, as testemunhas que, na sua óptica, confirmaram os factos anteriormente dados como provados pela 1ª instância;

47°. Em relação à prova testemunhal, fica sem se perceber, porque nada é dito a propósito, qual a valoração efectuada pelo Tribunal por referência aos depoimentos prestados por cada uma das pessoas inquiridas nos autos, ao modo como depuseram, a segurança com que o fizeram, o que disseram, as questões sobre as quais depuseram, o conhecimento que revelaram ter sobre cada uma das questões sobre as quais prestaram depoimento, o conhecimento que revelaram ter sobre os factos para cuja prova contribuíram e em que medida e porque é que o que disseram foi tido por relevante para a decisão proferida sobre cada um dos pontos da matéria de facto, as razões de ciência, a consistência e a coerência dos depoimentos prestados por cada uma das testemunhas e da sua confrontação com a demais prova documental e pericial produzida nos autos, a sua ligação à causa e aos interesses nela envolvidos, a respectiva credibilidade, a prévia preparação e concertação de depoimentos, os depoimentos por elas prestados no âmbito da acção que correu termos na Secção Única, do Tribunal de --- sob o n° 233/09.4TBVNC, o comportamento por elas adoptado ao longo dos tempos;

48°. As questões acima enunciadas, essenciais numa análise e valoração crítica dos depoimentos prestados, não foram objecto de qualquer ponderação por parte do Tribunal da Relação - não obstante, inclusive, estar alertado para elas por força das alegações de recurso de apelação -, o que, mais uma vez, reforça a conclusão de que o Tribunal a quo não cumpriu os deveres de análise da prova produzida que sobre ele impendiam;

49°. Nenhuma referência, mínima que seja, é feita no Acórdão aos depoimentos das testemunhas YY, VV, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, MM, FFF, GGG, II, HHH, SS, ficando os Recorrentes sem saber as razões pelas quais o Tribunal a quo não os considerou, não obstante terem sido por si indicados como relevantes para ser promovida a alteração à matéria de facto, o que, para lá de consubstanciar a violação do dever de apreciar criticamente os meios de prova invocados pelos Recorrentes, configura, além do mais, uma nulidade por omissão de pronúncia ou, no limite, por falta de fundamentação - cfr., art. 615°, n° 1, al. a) e d) do Cód. Proa Civil;

50°. Do mesmo passo, o mero juízo conclusivo constante do douto Acórdão recorrido de que a prova documental e pericial constante dos autos, expressamente invocadas pelos Recorrentes, eram inconclusivas para a pretendia alteração da matéria de facto e que delas não resultava refutada ou duvidosa a prova da factualidade impugnada, a par da inexistência de qualquer outra referência ou alusão às mesmas, é a demonstração cabal de que o Tribunal a quo não cumpriu, como era mister, o dever que sobre ele impedia de levar a cabo a reapreciação da matéria de facto, sendo certo que aqueles meios de prova são em abstracto virtualmente relevantes para a fixação da matéria em discussão nos autos (desde logo, revelam actos de aquisição e utilização do terreno enquanto propriedade privada, mostram a sua localização, morfologia e aptidão);

51°. Não tendo o Tribunal a quo feito uma efectiva, aturada e completa reponderação da prova, não tendo expressado, como devia, a sua própria convicção, através da análise de todos os depoimentos e demais elementos de prova invocados seguida da ponderação do valor probatório de cada um para concluir, fundadamente, pela existência ou inexistência de erro de julgamento da matéria de facto, não deu o adequado cumprimento ao disposto no art. 662°, n°s 1 e 2 do Cód. Proc. Civil - cfr., art 666°, n° 1, 615°, n° 1 al. b) e d), 608°, n° 2, 607°, 4 e 5, 195°, n° 1 do Cód. Proc. Civil; Ac. STJ de 28.5.09, Proc. n°4303/05.0TBTVD.S1;

52°. Cabendo ao STJ apurar se a Relação usou os poderes-deveres que lhe estão carregados de modificação da matéria de facto de acordo com o que está prescrito na Lei, verificado esse incumprimento deve promover a anulação do Acórdão proferido e ordenar a sua baixa à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada, o que se impõe nos presentes autos e, desde já, se requer - cfr., art. 674°, n° 1, al., b) e c) do Cód. Proc. Civil;

53°. A reforçar a violação daqueles poderes-deveres, refira-se que o Tribunal a quo não procedeu à audição dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, o que, por um lado, se alcança do facto de nada ser afirmado a esse propósito no douto Acórdão recorrido e, por outro lado, do facto de o Tribunal a quo, para confirmar a factualidade descrita nos factos provados 20 a 29, ter considerado o depoimento de uma testemunha (do Sr. UU) que está comprovadamente inaudível (vd., fls. ...), o que, só por si evidencia que não foi levada a cabo a audição da prova gravada pois se o Tribunal a quo o tivesse feito ter-se-ia apercebido da inaudibilidade daquele depoimento pelo que, não só não o iria referir como um dos depoimentos de suporte à decisão que proferiu, como estaria constituído no dever de ordenar a sua repetição - cfr., art. 662°, n° 2, al. c), do Cód. Proc. Civil;

54°. Violando o direito dos Recorrentes ao duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o Tribunal a quo cometeu, assim, uma nulidade, com inegável relevância na sorte da causa, que impõe a anulação do Acórdão proferido - cfr., art. 195°, n° 1, 640°, n° 1 e 2, 662°, n° 1, 2 e 3, do Cód. Proc. Civil;

55°. Não obstante os vícios acima assinalados, que convocam a conclusão segura de que a Relação não exerceu a tarefa e os poderes-deveres que lhe estavam confiados, há ainda que salientar que, conforme se alcança do douto Acórdão recorrido, a Relação para julgar improcedente a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelos Recorrentes e para dar como provada a factualidade considerada adquirida pela 1a instância (e elencada a fls. ... nas pgs. 57 e 58 do Acórdão recorrido), serviu-se, como prova testemunhal, dos depoimentos de NN, OO, III, JJJ, LLL, MMM, RR, TT, QQ, UU e XX, os quais, à luz da lei, eram, como acima se deixou exposto, compartes do baldio, e, como tal, devem ser considerados como partes e inábeis para depor como testemunhas;

56°. Circunstância que deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo, seja para não considerar os respectivos depoimentos no âmbito da apreciação dos meios de prova, por se tratar de depoimentos de pessoas inábeis para depor como testemunhas, seja para os valorar em consonância de acordo com o interesse próprio que tinham na sorte da acção na qualidade de compartes do baldio, o que se impunha que fosse referido, o que não tendo sucedido, revela mais uma vez que a Relação não procedeu, como lhe cumpria, a uma efectiva reponderação dos meios de prova e da matéria de facto;

57°. Em suma, ao julgar a impugnação da matéria de facto, o Tribunal recorrido não procedeu à análise crítica dos diversos meios de prova (testemunhal, documento e decorrente de inspecção), de maneira a formar e formular a sua própria convicção, limitando-se a aderir, sem qualquer juízo autónomo valorativo, à convicção probatória da 1a instância, violando, assim, as regras processuais sobre a matéria;

58°. Sem prejuízo do que antecede, acresce que, à luz do que antecede, a Relação socorreu-se de meios de prova ilícitos para considerar provados os factos constantes dos factos provados, designadamente os que constam dos pontos 20 a 29, sendo que a indevida utilização de um meio de prova, traduzida na prática de um acto não permitido por lei, com inequívoca relevância na sorte da acção - conduziu à prova de factos essenciais - consubstancia a prática de uma nulidade que convoca a nulidade da decisão proferida - cfr., art. 452°, n° 2 e n° 3, 453°, n° 3, 454°, n° 1, 496°, e 195°, n° 1, art. 674°, n° 1, al. b) e n° 3 do Cód. Proc. Civil.do Cód. Proc. Civil;

59°.    Os Recorrentes requereram que fosse dado como provado que:

- O Sr. FF plantou eucaliptos no terreno dos autos

- O Sr. FF desde 1970 e até vender o terreno ao Sr. AA procedeu a diversos cortes de eucaliptos no terreno

- O Sr. FF procedeu à abertura de caminhos no terreno dos autos

- O Sr. FF aceitou que a Câmara no início de 1980 abrisse a estrada que encima o terreno dos autos foi aberta

- O Sr. FF colocou uma cancela no caminho sul do terreno dos autos

- O Sr. II solicitou à Câmara de --- um pedido de viabilidade para a construção de uma moradia no terreno dos autos o que foi deferido

- O Sr. FF colocou marcos e marcações no terreno dos autos

- Em meados de 1970 um incêndio queimou os eucaliptos existentes no terreno dos autos os quais foram depois vendidos pelo Sr. FF

- O Sr. AA solicitou à Câmara de --- um pedido de viabilidade para a construção de seis moradias no terreno dos autos e que o mesmo foi deferido

- A D. NNN constituiu uma hipoteca sobre o terreno dos autos a favor da Junta de Colonização

- O Sr.FFconstituiu uma hipoteca sobre o terreno dos autos a favor ---

- O Sr. AA constituiu uma hipoteca sobre o terreno dos autos a favor do BPN;

60°. A matéria em causa inscreve-se claramente no âmbito dos quesitos 4°, 7°, 8°, 9°, 13°, 13°F e 14° da Base Instrutória e sempre e em qualquer caso pode ser havida como instrumental dos factos em discussão nos presentes autos e constantes daquela mesma base instrutória e, por isso, pode e deve ser atendida pelo Tribunal - cfr., art 5°, n° 2, do Cód. Proc. Civil;

61°. Factualidade que, sendo relevante para a sorte da acção, e para lá de decorrer da prova feita através dos depoimentos prestados em julgamento, está ainda plasmada em documentação junta aos autos que não foi impugnada pelas partes e da inspecção realizada ao local; como tal, deveria ter sido dada como provada;

62°. O mesmo se diga em relação à factualidade constante dos documentos juntos pelos RR. aos autos, bem como aqueles juntos por terceiros a requerimento dos mesmos RR., concretamente os conhecimentos de sisa, certidões da Conservatória do Registo Predial, documentos juntos pelos Serviços de Finanças, documentos emitidos pela Câmara Municipal de ---, maxime o parecer favorável para a edificação de seis moradias no terreno sub judice;

63°. Para lá de estarem devidamente especificados aqueles documentos, não menos certo é que os mesmos constam dos autos, não foram impugnados e têm força obrigatória plena quanto aos factos deles constantes - cfr., arts. 362°, 363°, 368°, 370°, n° 1, 371°, n° 1, 372°, n° 1, 383°, n° 1, 387°, do Cód. Civil e arts. 444°, 445°, 446° do Cód. Proc. Civil;

64°. Consequentemente, ao não dar como assentes factos que estão provados documentalmente, bem como ao recusar-se à apreciação da relevância de factos alegados com o fundamento de que não estão incluídos na base instrutória -, o Tribunal recorrido violou os poderes-deveres que lhe estão conferidos pela lei de processo relativamente à impugnação da matéria de facto - cfr., art. 662°, n°s 1 e 2 do Cód. Proc. Civil-cfr., art. 666°, n° 1,615°, n° 1 al. b) e d), 608°, n° 2, 607°, 4 e 5, 195°, n° 1 do Cód. Proc. Civil; vd., Ac. STJ de 14.3.2000 (Sumários 39° 14);

65°. Cabendo ao STJ apurar se a Relação usou os poderes-deveres que lhe estão carregados de modificação da matéria de facto de acordo com o que está prescrito na Lei, verificado esse incumprimento deve promover a anulação do Acórdão proferido e ordenar a sua baixa à Relação para que aí se proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada - cfr., art. 674°, n° 1, al., b) e c) do Cód. Proc. Civil;

66°. Os Recorrentes suscitaram no âmbito das suas alegações de recurso de apelação a existência de um défice alegatório e probatório relacionado com o instituto do enriquecimento sem causa com base no qual tinham sido condenados a pagar à A. a quantia de € 13.572,30 e de que estava o Tribunal impedido de suprir a alegação dos factos constitutivos desse enriquecimento sem causa - vd., conclusão 90a e 91ª;

67°. Em face desse invocado vazio alegatório e probatório - questão nova colocada à Relação pela primeira vez, porquanto os Recorrentes apenas foram confrontados com a qualificação e a condenação dos Recorrentes com base no enriquecimento sem causa na sentença de 1a instância - impõe-se concluir que a condenação dos Recorrentes no pagamento à A. daquela quantia constitui um manifesto erro de julgamento;

68°. Não existindo nos autos um único facto provado (ou sequer qualquer meio de prova) do qual resulte que os Recorrentes obtiveram um enriquecimento de € 13.572,30, o que, aliás, nunca, sequer, foi alegado pela Recorrida;

69°. Sempre e em todo o caso, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 662°, n° 2, ai. c), do Cód. Proc. Civil, para que o Tribunal a quo pudesse concluir ter existido enriquecimento do Sr. AA com o abate daquelas árvores e qual a medida desse enriquecimento, cumpria-lhe considerar indispensável a ampliação da matéria de facto, ordenando a anulação da decisão proferida e a baixa dos autos à 1a instância para ser produzida prova sobre a matéria em causa;

70°. Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou aquele dispositivo legal, cabendo ao Tribunal ad quem sindicar a utilização pela Relação dos poderes-deveres que lhe estavam carregados por força daquela art. 662°, n° 2, al. c), do Cód. Proc. Civil, podendo ainda dar cumprimento ao disposto no art. 682°, n° 3, do Cód. Proc. Civil -cfr., art. 195°, n° 1, 615°, n° 1, al., d), 674°, n° 1, al. b) e c) do Cód. Proc. Civil;

71°. O pedido formulado em primeiro lugar pela A. (pedido de declaração de que os RR não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno que qualificam de baldio) foi classificado como um pedido que "reclama apreciação negativa", daí extraindo a 1a instância a consequência de impender sobre os RR o ónus da prova do direito de propriedade do prédio em discussão, por considerar estar-se perante uma acção como de simples apreciação negativa, sendo certo que o Tribunal a quo considerou que este ónus da prova cabia à Recorrida;

72°. É, porém, sabido que o tipo de acção é exclusivamente determinado pelo fim que o autor visa obter (Cfr. Art.° 10.° do CPC) - o que depende da análise do concreto pedido (Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1986, 1.3.1, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, n.° 1, A. Varela, ob. cit, pg. 17, nota 1);

73°. O concreto pedido em questão não se esgota na declaração jurisdicional de que os RR. não são donos nem legítimos possuidores do prédio que diz integrar o baldio mas - e sobretudo - na condenação dos RR à entrega imediata do prédio (bem como a condenação no pagamento de indemnizações, uma líquida e outra ilíquida), o que nos relega para a classificação e presença de uma acção de condenação - e mais concretamente para a sua qualificação como acção de reivindicação;

74°. A acção de reivindicação, sendo uma acção de condenação, tem uma finalidade restitutória ou integrativa (devolução ou entrega da coisa) que pressupõe a constituição ou o reconhecimento da existência do respectivo direito real legitimador invocado pelo autor;

75°. A reivindicatio tem um pedido principal: a entrega da coisa. Todas as demais pretensões eventualmente deduzidas têm natureza acessória ou aparente, pois a finalidade da acção de reivindicação não se encontra na apreciação da existência do direito do reivindicante, mas na condenação do réu na entrega da coisa (Cfr., J.Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5.a ed., pg. 422);

76°. Ainda que (desnecessariamente) se formule o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, está-se sempre perante uma cumulação aparente de pretensões -já que o tribunal não pode condenar na entrega da coisa sem que antes se certifique da existência da violação do direito do demandante; simplesmente a primeira operação (apreciação da existência e violação do direito) não goza de autonomia relativamente à segunda (condenação na entrega da coisa) - Vd., v.g., J. Alberto Vieira, Direitos Reais, 2016, pg. 426; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declarativo, 1981, I, pg. 102; Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, t, pgs. 207-208; J. Oliveira Ascensão, Direito Civil - Reais, 1993, pgs. 428 e 429, e Propriedade e Posse - Reivindicação e Reintegração, Revista Luso-Africana de Direito, vol. I, 1997, pg. 14e ss;

77°. Ao pedir a entrega do prédio em litígio, a A. extravasou o âmbito processual da acção de simples apreciação negativa para entrar no domínio da acção condenatória (Cfr., J. oliveira Ascensão, ob. cit., pg. 434), devendo considerar-se a existência de apenas um pedido - a entrega da coisa (Cfr., Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. I, pg. 72; Manuel Salvador, Elementos da Reivindicação, pg. 26);

78°. Consequentemente incumbe à A. o encargo de alegação e prova dos pressupostos exigidos por lei para a acção de reivindicação, concretamente dos factos constitutivos do direito real por si invocado (por força do estatuído no n.° 1 do Art° 342.° do CC), já que a prova de um facto em si incumbe à parte que dele pretende retirar efeitos no processo - Ac. Rei. Guimarães de 23.10.2012 (Proc. n° 77/02);

79°. Para obter a condenação na entrega da coisa, o reivindicante tem de demonstrar a titularidade do direito, o que, in casu, não corresponde à obrigação dos RR em demonstrar serem donos e legítimos possuidores do prédio em causa, mas sim à A. que esse imóvel pertence ao baldio;

80°. Mas mesmo que assim sucedesse, nessa eventualidade os RR podem obstar à entrega da coisa desde que demonstrem que têm sobre ela um título que justifique a sua posse - o que está assente através do reconhecimento da sua aquisição e registo (Cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados) e, consequentemente, a legitimidade de ter o prédio em seu poder e gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição;

81°. A reivindicação do A., para ter êxito, carecia da alegação e demonstração da invalidade do titulo aquisitivo, pois apenas do confronto entre os dois direitos invocados em juízo o juiz pode determinar a sorte da acção de reivindicação - e o A. não pediu a declaração de nulidade da compra e venda, pelo que sem esta declaração judicial o acto aquisitivo continua a produzir os seus efeitos, nomeadamente a posse titulada exercida ao seu abrigo (Cfr., Ac. Rei. Coimbra de 12.12.2006, CJ, ano 31, t.5, pg. 35);

82°. Só assim não seria se a A. alegasse e fizesse prova (o que não sucedeu) de um facto aquisitivo registado a seu favor e, por sua vez, os RR não pudessem opor um título proveniente do anterior titular inscrito.

83°. Acresce que, por força da inscrição registrai a que se refere os factos provados n.os 17 e 18, os RR beneficiam da presunção da chamada Aquisição Tabular - não só o direito registado existe, como pertence à pessoa em cujo nome está inscrito, nos exactos termos que constam da descrição predial (Art.° 7.° do CRP) - Cfr., Ac. STJ de 13.4.94, CJ, STJ, ano 2, t.1, pg. 41;

84°. Não podendo o adquirente obter qualquer direito se nenhum direito pertencia ao transmitente, nem obter mais direitos do que os que aquele detinha, os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo (Art° 8.°, n.° 1, do CRPredial) - o que constitui um pressuposto processual, cuja observância se torna indispensável para que o Tribunal conheça do mérito da causa: "A falta de pedido de cancelamento do registo (...) constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso do tribunal, que conduz à absolvição da instância por obstar à apreciação do mérito da causa" (Cfr., Ac. STJ de 23.5.99 (BMJ, 487.° - 308) - que corresponde à orientação dominante da jurisprudência);

85°. Sendo certo que a Recorrida não beneficia na espécie da presunção constante do n° 1 do art. 8º do CRP porquanto, em face dos pedidos que formulou na acção intentada, é manifesto que não impugnou nenhum facto constante do registo, mormente a aquisição do terreno em causa nos presentes autos a favor do Sr. AA;

86°. Sendo que ao determinar o registo da acção, o Tribunal a quo exorbita o pedido e os poderes que ihe estão aformalados, do que se segue a nulidade da decisão proferida-cfr., art. 608°, n°2, e 615° n° 1, al. d) do Cód. Proc. Civil;

87°. Devendo, pois ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo a este propósito, quer aquela que julgou improcedente a questão subjuditio, quer aquele que determinou, oficiosamente, a promoção do registo da acção nos termos aí assinalados, por violação da lei do processo - cfr., art. 674°, n° 1, al. b), do Cód. Proc. Civil;

88°. Nos termos do disposto no n° 1 do art. 672° do Cód. Proc. Civil, cabe, apesar da dupla conforme, recurso de revista do acórdão da Relação quando, esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (al. a)) ou estejam em causa interesses de particular relevância social (al. b));

89°. In casu, as instâncias decidiram não ser aplicável o regime do art. 291.° do CC (e o art. 17°, n° 2 do CRP) quando o prédio adquirido é inscrito em seu nome do terceiro adquirente de boa-fé esteja integrado num baldio, revestindo tal questão

- manifesta relevância jurídica, atento o elevado grau de complexidade do ponto de vista cientifico e dogmático em razão de a sua resolução invocar diferentes institutos jurídicos que, para além da sua intrínseca dificuldade exegética, têm de ser articulados e conjugados entre si,

- se reveste de novidade ou inediatismo, já que não se conhece nenhuma decisão que sobre a mesma tenha recaído ex professo;

- atentas as dificuldades suscitadas pela sua resolução são susceptíveis de causar, em geral, fortes dúvidas e elevada probabilidade de decisões jurisprudenciais divergentes, justificando-se, por isso, a intervenção do STJ que possa evitar interpretações distintas sobre a mesma e que possa funcionar como critério orientador para outras situações, com relevância autónoma e independente em relação as partes envolvidas;

90°. Por outro lado, as questões relativas aos baldios prendem-se com relevantes valores económicos e socioculturais: estão em causa situações que, dizem respeito à propriedade fundiária, que se inscrevem no plano da vida comunidade e das relações de vizinhança, susceptíveis de interferir com a segurança, a tranquilidade ou a paz social, o que tudo é de manifesto interesse geral que extravasa os limites da causa -cfr., Ac. STJ de 24.2.2015;

91°. Estão assim preenchidos os pressupostos de admissão da revista excepcional:

a. Está-se perante uma situação de dupla conforme;

b. Estão verificados os pressupostos gerais de acesso ao terceiro grau de jurisdição (valor da causa, sucumbência);

c. Está em causa uma questão jurídica que, tendo sido suscitada nas instâncias, assume manifesta relevância para uma melhor aplicação do direito, assim como estão implicados interesses de particular relevância social;

92°. Em face do que antecede, requer-se a V. Exa. que, feita a apreciação preliminar sumária a que se refere o n° 3 do art. 672° do CPC, seja admitida a revista excepcional;

93°. Conforme decorre do art. 4°, n° 1, da Lei dos Baldios, a sanção aplicável a todos e quaisquer actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento de terrenos baldios, seja qual for a concreta configuração jurídica em que os mesmos se traduzam, é a nulidade nos termos gerais de direito ou seja a nulidade prevista no art. 289.° do Cód. Civil - vd., tb. art. 1° do DL n° 40/76; cfr., Ac. STJ de 3.4.01, Proc. n° 01A541, Ac. STJ de 20.6.00, Proc. n° 00A342;

94°. Tratando-se, como se trata, de um caso de nulidade previsto no art. 289.° e ss, é aplicável à situação vertente o regime do art. 291°, ambos do Cód. Civil, do qual decorre que os requisitos de inoponibilidade da nulidade implicam que seja protegido o adquirente de boa-fé (em sentido ético), a titulo oneroso, de imóveis ou móveis sujeitos a registo, que haja registado a aquisição e desde que estejam passados três anos sobre a data do primeiro negócio inválido sem que tenha sido instaurada a competente acção de invalidade, protegendo-se assim os terceiros que adquirem de quem não tinha legitimidade para alienar, por vício substantivo do seu direito - cfr., Maria Clara Sotto Mayor, Invalidade e Registo - A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, pg. 622; Mónica Jardim, Efeitos Substantivos do Registo Predial - Terceiros para efeitos de Registo, Teses, Almedina, 2013, pgs. 708 e ss; J. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais (reimpressão), 2000, pgs. 376-377; Luís M. Couto Gonçalves, CDP, n.°9, pg. 31;

95°. Com segurança se pode concluir que os referidos requisitos se encontram preenchidos ou verificados, neles se enquadrando os RR, que beneficiam das consequências dos mesmos decorrentes, prevalecendo a compra efectuada pelo Sr. AA do terreno aqui em causa mesmo quando o mesmo seja havido por baldio: O Sr. AA (e, assim os RR) é terceiro e não participou num negócio inválido; o negócio celebrado entre o primeiro Réu AA, como comprador, e o FF, como vendedor, foi, et pour cause, oneroso (cfr., n.° 17 dos factos provados); essa aquisição foi inscrita no registo, assim como também foi registada a compra efectuada pelo FF (cfr., n.° 18 dos factos provados); O AA (e, consequentemente, os ora RR, habilitados como seus sucessores) tem de ser considerado como terceiro de boa-fé; a presente acção não foi instaurada dentro do prazo de três anos contados da data do primeiro negócio de que deriva a aquisição do Sr. FF nem sequer no triénio seguinte à compra efectuada pelo Sr. AA;

96°. Sendo que o conceito de terceiro a ter em consideração para efeitos da aplicação do art. 291° do Cód. Civil é distinto daquele outro que vigora em termos registrais previsto no art. 5° do CRP (Ac. STJ de 11.5.06. Proc. n° 06B1501 Ac. STJ de 21.6.07, Proc. n° 07B1847, Ac. STJ de 21.04.09, Proc. n.° 5/09.6YFLSB): Terceiros para efeitos de registo são apenas os adquirentes de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa de um mesmo transmitente comum;

97°. Sendo que a argumentação aduzida no Acórdão recorrido para afastar a qualidade de terceiros dos RR., com base na circunstância de não ter sido pedida na acção a declaração   de   nulidade   ou   anulação  do  negócio jurídico   que,   na   cadeia   de transmissões, antecedeu a compra feita pelo AA - o que não só dá força à improcedência que deve ser declarada do pedido (por permanecer intocada na ordem jurídica a aquisição feita pelos RR), como não lhes retira a qualidade de terceiros;

98°. À luz da função declarativa e da finalidade de fé pública e de segurança do comércio jurídico que, entre nós, são reconhecidas ao registo predial, quem adquire do titular registado, deve ser necessariamente considerado como adquirente de boa-fé, mais a mais porque beneficia da presunção de que o direito existe tal como o registo o revela e que pertence a quem estiver inscrito como seu titular (art. 350.° do CC) - José Alberto Vieira, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, 2008, pp. 285 e ss, Parecer da PGR de 30.01.2001, publicado no DR, II série, de 30.3.2001, Orlando de Carvalho. "Terceiros para efeitos de registo", in BFDC , LXX, 1994, pgs. 98-99; António Quirino Duarte Soares, O conceito de terceiros para efeitos de registo predial, CDP, n.° 9, pg, 4; Antunes Varela e Henrique Mesquita, RLJ 127°, p.26; Ac. Rei. Coimbra de 14.7.2010 (CJ ano 35, t.3, pg. 210), Ac. STJ de 21.6.07, Proc. n° 07B1847 Ac. STJ de 21.04.09, Proc. n.° 5/09.6YFLSB, José Alberto González, Código Civil Anotado, vol I, pg. 387, em anotação ao art. 291° do Cód. Civil; José Alberto González, Direitos Reais, Revista Lusíada, 14, pg. 306;

99°. In casu, ao ao tempo da venda do terreno aqui em causa ao Sr. AA, a propriedade do mesmo estava inscrita em nome do Sr. FF; o Sr AA determinou a sua conduta com base nessa inscrição registrai, agindo no convencimento de aquele terreno podia ser-lhe, livre e legitimamente, transmitido pelo Sr. FF, isto é adquiriu com base no registo e porque nele fundadamente confiou, sendo que tal convicção era legítima, dada a fé pública e segurança jurídica que estão associadas ao registo predial; de seguida, o Sr. AA inscreveu a (sua) aquisição no registo antes da instauração da presente acção e de qualquer outra em que se discutisse a validade daquele negócio;

100°. Ainda em derradeira alternativa, os RR gozam sempre da tutela do Art.° 17.°, n.° 2, do CRPredial, porquanto o mesmo é aplicável não só aos casos de nulidade registrai, mas também às hipóteses de nulidade substantiva e porque se mostram verificados todos e cada um dos requisitos aí plasmados, estando, assim, verificado o efeito aquisitivo (eficácia constitutiva ou atributiva) do registo feito pelo Réu AA, enquanto subadquirente de boa-fé; i)    Pré-existência de um registo nulo; ii)   O titular inscrito (Manual Araújo) dispõe do seu direito a favor de terceiro (AA) com base no registo nulo; iii) Boa-fé do terceiro; iv) Carácter oneroso da aquisição pelo terceiro; v)   Precedência do registo de aquisição pelo terceiro relativamente à acção de nulidade;

101°. Quando se entenda que os autos não contêm toda a materialidade que permita ao Tribunal ad quem apreciar devidamente a questão de direito, mormente, a verificação da boa-fé, impõe-se que, nos termos do disposto no art. 682°, n° 3, do Cód. Proc. Civil, sejam remetidos os autos ao Tribunal a quo para ser ampliada a matéria de facto a submeter a julgamento, designadamente a materialidade constante dos artigos da contestação que consubstanciaram a reclamação da selecção da matéria de facto referida no ponto 13 das alegações de revista ordinária e na conclusão 18ª;

102°.  No douto Acórdão recorrido violaram-se as disposições legais supra enunciada, devendo revogar-se o Acórdão recorrido e ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal a quo.

O Recorrido ofereceu contra-alegação a pugnar pela inadmissibilidade do recurso de revista normal e excepcional, bem como pelo seu insucesso, no caso de vir a ser admitido.

Apresentados os autos à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, foi proferido acórdão a determinar a remessa do processo à distribuição como revista normal (cfr. XI Vol., fls. 2696 a 2698), sendo esta que agora releva ante aquele acórdão da Formação que sobrestou o conhecimento da revista excepcional.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II -  Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte:

1. Consta da "Acta n.° 1" de reunião de Compartes da Freguesia de --- o seguinte: "Nos catorze dias do mês de Julho do ano de mil novecentos e noventa e nove, reuniram na Junta de Freguesia de --- os compartes desta freguesia, para se proceder à eleição dos seguintes órgãos. 1.° Assembleia de compartes (...)"

2. Consta da "Acta n.° 4" acta de reunião da assembleia dos Compartes a Freguesia de --- o seguinte: "Aos cinte dias do mês de Julho de 2007 (...) reuniu pela segunda vez a assembleia dos compartes da freguesia de --- (...). Ponto Dois: Delegar na Junta de Freguesia poderes para administrar os baldios (...), proposta esta que posta à votação foi aprovada por unanimidade."

3. Consta da "Minuta da acta da reunião realizada no dia 19 de Março de 2008": "Aos dezanove dias do mês de Março de dois mil e oito (...), reuniu (...) a assembleia de compartes dos baldios da freguesia de ---, com os seguintes pontos na ordem de trabalhos (...). Ponto três: Deliberar sobre a renovação da delegação dos poderes de administração dos compartes na Junta de Freguesia, em relação à totalidade da área do baldio, para representar a Assembleia de Compartes em todos os actos administrativos e judiciais (...). Relativamente ao terceiro ponto da ordem de trabalhos a assembleia deliberou (por unanimidade) renovar a delegação dos poderes de administração dos compartes na Junta de Freguesia, em relação à totalidade da área do baldio, para representar a Assembleia de Compartes em todos os actos administrativos e judiciais."

4. Consta da "Minuta da acta da reunião realizada no dia 24 de Abril de 2010" o seguinte: "Aos vinte e quatro dias do mês de Abril do ano de dois mil e dez (...) reuniu (...) a assembleia de compartes dos baldios da freguesia de ---, com os seguintes pontos na ordem de trabalhos^..). Ponto cinco: Aprovação da delegação dos poderes de administração da totalidade dos baldios no órgão executivo da Junta de Freguesia de --- (...). No tocante ao quinto ponto da ordem de trabalhos, posto à votação, a assembleia deliberou por unanimidade renovar a delegação dos poderes de administração da totalidade dos baldios comunitários da freguesia no órgão executivo da Junta de Freguesia de --- (...)".

5. Encontra-se inscrito na matriz a favor da Junta de Freguesia de ---, sob o artigo 392 e tendo uma área de 13,550 hectares um monte designado por Monte ---.

6. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 21.4.1892, o requerimento de um morador de ---, de nome ..., fogueteiro, a solicitar o aforamento de uma porção de terreno baldio, sito no ..., onde já tinha edificado duas barracas, uma para manipulação e outra para depósito de fogo e pólvora, edificadas em virtude do alvará de licença daquela Cara Municipal de --- com data de 15 de Setembro de 1884.

7. Foi à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 22.10.1949, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome OOO, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para cortar vinte metros cúbicos de cantaria no monte ... em ---, requerimento que foi deferido.

8. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 4.10.1950, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome PPP, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para poder cortar e retirar do monte ..., em ---, dez metros cúbicos de alvenaria, durante o prazo de quatro meses, que foi deferido, fixando-se um mês de prazo para retirar a pedra.

9. Foi posto à deliberação da Câmara de --- em reunião havida em 4.3.1953, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome ..., a solicitar que lhe fosse concedida autorização para retirar do monte denomina..., em ---, quinze metros cúbicos de cantaria, pelo prazo de sessenta dias, que foi deferido, fixando-se o prazo de quarenta dias.

10. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 30.9.1953, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome ..., a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para retirar oito metros cúbicos de cantaria do Monte ---, em ---, durante o prazo de sessenta dias, que foi deferido, fixando-se o prazo em quarenta dias.

11. Em 21 de Julho de 1956, QQQ, industrial, morador na Rua ..., apresentou um manifesto na Secretaria da Câmara Municipal de --- dando conta de que tinha descoberto por simples inspecção da superfície minério de cassitérité no sítio denomina..., freguesia e concelho de ---, sendo a propriedade em que se efectuou a descoberta terreno baldio, no ponto de partida da antiga capela em ruínas, denominada ---, e confronta do Nordeste com a Capela da Senhora ---, ao Sudoeste com o --- e do Poente com o concelho de ---. O ponto de partida determina-se pelas coordenadas planas ortogonais referidas à meridiana e sua perpendicular com origem no Castelo de São Jorge em Lisboa e são à, à meridiana sinal menos trinta e três mil e cem metros e à perpendicular sinal menos trezentos e cinquenta e oito mil e quatrocentos metros.

12. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 5.12.1956, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome RRR, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para retirar seis metros cúbicos de cantaria e dez metros cúbicos de alvenaria no monte denomina..., em ---, que foi deferido, fixando-se o prazo de quarenta dias.

13. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 5.11.1958, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome SSS, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para retirar vinte e cinco metros cúbicos de alvenaria do Monte ---, em ---, necessitando de vinte dias de prazo, que lhe foi deferido.

14. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 2.11.1960, o requerimento de um morador da freguesia de ---, de nome TTT, a solicitar que lhe fosse concedida uma licença para cortar e retirar do monte denomina..., em ---, cinco metros cúbicos de cantaria, necessitando de trinta dias de prazo, que lhe foi deferido.

15. Foi posto à deliberação da Câmara de ---, em reunião havida em 30.6.1965, o requerimento de UUU, a solicitar que lhe fosse concedida autorização para cortar pedra no monte denomina..., em ---, requerendo o corte de 200 metros de cantaria e de 300 metros cúbicos de alvenaria, que lhe foi deferida mas apenas na superfície compreendida na largura de 1000 metros, medindo 500 metros para cada lado do meio da Quinta ..., determinado por uma linha no sentido Sul-Norte, e no comprimento de 150 metros a partir do limite da mesma quinta e no mesmo sentido.

16. Em Março de 1981, a Câmara Municipal de --- construiu uma estrada pública nova no monte conhecido como ..., desde a via de acesso à Capela de ..., sita na freguesia de ..., deste concelho e comarca de ---, ao lugar do Areal, em ---, numa extensão de mais de 500 metros.

17. Por escritura pública celebrada em 6.4.1987, no Cartório Notarial de ---, AA declarou comprar a FF e à mulher, YY, e estes declararam vender, pelo preço de 5.000.000$00, o prédio rústico, com uma área de 23.500 m2, situado no lugar da ---, correspondente a um terreno de matos e pinheiros com eucaliptos, confrontando a norte com terrenos de VVV, a ligar à estrada que liga o lugar do --- com a estrada da ---, a sul com terrenos do Eng. GG, a nascente com estrada do lugar do --- à estrada da --- e a poente com terrenos de VVV.

18. Tal aquisição foi inscrita no registo predial com data de 21.7.1987.

19. Consta da acta da reunião do Conselho Directivo dos baldios de --- do dia 10.5.2012 a deliberação de ratificação do recurso a juízo pela Junta de Freguesia de ---.

20. Na freguesia de --- existem os montes conhecidos por Monte ..., Monte -- e Monte ---.

21. O Monte ... confronta a nascente com a quinta das --- e ---, a sul com a Quinta ---e caminho público, a poente com o Hospital e o Lar de Idosos da---e caminho público que vai da rua do ---, e a norte com um muro de pedra que confina com a denominada mata do --- e com a estrada da ---.

22. Na encosta poente/sul do Monte ... existe um lugar denominado --.

23. A porção de terreno a que respeita a escritura referida em 17. insere-se no Monte ....

24. Desde há mais de 1, 5, 10, 15, 20, 30, 50 e 100 anos, que excedem a memória dos vivos, os moradores da freguesia de --- vêm utilizando colectivamente os terrenos que constituem o Monte ..., onde se inclui o lugar de --, para apascentação de gados, produção e corte de matos e lenhas e corte e extracção de pedra e o exercício da caça, neles fazendo, sob orientação dos Serviços Florestais, vários cortes de madeira.

25. Por ali transitando carros de bois e, posteriormente, tractores e outros veículos motorizados para acederem aos mais diversos lugares da freguesia, inclusive com animais.

26. À vista de toda a gente.

27. Sem oposição de quem quer que seja.

28. De forma ininterrupta e pacífica.

29. Na convicção de que esse monte estava, como está, afecto a logradouro comum dos moradores da freguesia de ---.

30. As porções de terreno para as quais os moradores acima referidos pretendiam autorização para cortar cantaria e alvenaria e onde QQQ descobriu minério integravam o monte conhecido por ---.

31. No ano de 1980, no intuito de criar pólos de atracção turística na região, a Câmara Municipal de --- procedeu à iluminação do monte conhecido como ---, situado a nascente de ---, com 227 de altura máxima, encimado por um pórtico, ruína da antiga capela, servido pela estrada municipal que dá acesso à -- e à ---, ali tendo colocado vários focos.

32. O terreno onde a Câmara Municipal de --- colocou os focos e onde procedeu ao corte e terraplanagem do monte e, posteriormente, à construção da estrada pública acima referida integrava, como integra, o monte conhecido por --.

33. Em 4 de Junho de 2008, AA deu ordens para proceder ao abate de uma mata de eucaliptos na encosta sul/poente do Monte ---, no sítio de --.

34. Em virtude do referido abate, ocorrido em 4 de Junho de 2008, a autora sofreu um prejuízo de € 13.572,30.

35. Cerca de dez anos antes, AA dera ordens para se efectuar um corte de eucaliptos.

36. Os réus não foram autorizados a ocupar nem a proceder ao abate de árvores na parcela identificada em 32.

37. As reuniões acima identificadas eram Assembleias de Compartes.

     III – Fundamentação de direito


A apreciação do recurso de revista, delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), passa, em primeiro lugar, pela definição da sua admissibilidade como revista normal e, a seguir, se acaso vingar a sua admissibilidade, pela dilucidação das questões seguintes por eles suscitadas:
 - recurso de apelação sobre o despacho saneador;
 - nulidades do acórdão;
 - poderes-deveres relativos à reapreciação da matéria de facto.
1 – Debruçando-nos sobre a primeira das enunciadas questões, importa clarificar que ao presente recurso de revista aplicam-se as disposições do Código de Processo Civil (doravante CPC) aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, porquanto foi interposto em data posterior à entrada em vigor desta lei, as leis reguladoras do direito adjectivo têm aplicação imediata e a acção foi proposta após 01 de Janeiro de 2008, não operando a excepção prevista no artigo 8.º daquela lei.
Da aplicação da actual versão do CPC e, especificamente do artigo 671.º, n.º 3, decorre que o recurso de revista nos termos gerais não é admissível se o acórdão da Relação tiver confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo se estiver preenchido algum dos casos em que o recurso é sempre admissível, previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC, ou tiver sido interposto recurso de revista excepcional, cujos pressupostos e ónus de alegação se encontram fixados no artigo 672.º do CPC.
Este enquadramento sumário permite, no cotejo do acórdão da Relação, compreender a estrutura do recurso de revista interposto, onde se cindem as questões a conhecer por via da revista normal (sob o título A. Recurso de Revista Ordinária, fls. 2270 e verso) e por via da revista excepcional (sob o título B. Da revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, als. a) e b) do CPC, fls. 2322).
Da análise comparativa do acórdão recorrido e da sentença, no que concerne ao mérito da causa, constata-se que o primeiro confirmou a segunda, sem voto de vencido e com fundamentação idêntica, que se sintetiza nas seguintes asserções:
 a) a Autora logrou ilidir a presunção registal da propriedade a favor dos réus pela prova dos factos aquisitivos da usucapião do imóvel;
 b) os Réus não são considerados terceiros para efeito do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º do CRPredial;
 c) os Réus incorreram em enriquecimento e na obrigação de restituir, não prescrita.
Ocorrendo, nesta parte, dupla conformidade decisória impeditiva do recurso de revista nos termos gerais, os Recorrentes, acertadamente, sindicaram o mérito do decidido por via de recurso de revista excepcional, discorrendo largamente sobre as razões de particular relevância jurídica e social conducentes à admissibilidade do recurso – artigo 672.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 2, als. a) e b), do CPC.
Sucede que, como se disse, os Recorrentes também interpuseram recurso de revista nos termos gerais, sendo esta que agora releva ante o acórdão da Formação que sobrestou o conhecimento da revista excepcional e determinou a distribuição da revista. As questões suscitadas pelos Recorrentes, nesta sede, são as seguintes:

 - recurso de apelação sobre o despacho saneador;

 - nulidades do acórdão;
 - poderes-deveres relativos à reapreciação da matéria de facto.

No tocante a tais questões, ou não foram proferidas duas decisões das instâncias em sentido conforme ou não foram proferidas sequer duas decisões das instâncias.

Assim:

- a 1.ª instância admitiu na totalidade o recurso de apelação (cfr. VI Vol. fls. 1438) e o acórdão da Relação não conheceu do recurso na parte relativa ao despacho saneador;

- as nulidades do acórdão são vícios intrínsecos do mesmo e não também da sentença de 1.ª instância, e, a admissibilidade do recurso de revista nos termos gerais quanto a outra ou outras questões, sempre implica o conhecimento, por arrastamento, das mesmas – art. 615.º, n.º 4, do CPC;

 - os poderes-deveres da Relação na apreciação da matéria de facto, previstos no artigo 662.º do CPC, são exclusivos deste tribunal de recurso, pela que a sua violação só pode ser imputada ao mesmo e não também ao tribunal de 1.ª instância.

Do exposto decorre, atenta também a inexistência de qualquer outro obstáculo processual, que todas as referidas questões devem ser conhecidas neste recurso de revista nos termos gerais, sem prejuízo de a procedência de uma poder prejudicar logicamente o conhecimento de outra ou outras que lhe sucedem. E, relativamente à ordem lógica do seu conhecimento, impõe-se apreciar primeiro a questão relativa ao não conhecimento, na apelação, do recurso sobre o despacho saneador:

Com efeito, foi essa a primeira questão suscitada no recurso de apelação, no recurso de revista e no acórdão recorrido. Além disso, a concluir-se que a Relação devia ter conhecido o recurso de apelação na parte em que sindicava o despacho saneador que indeferiu as excepções de falta de personalidade, capacidade e legitimidade judiciária activas, a eventual anulação do acórdão recorrido determinará a prolação de novo acórdão que conheça dessa parte, cujo desfecho possível poderá ser da procedência de alguma das excepções, com necessária absolvição da instância dos Réus, como por eles inicialmente pugnado, e consequente inutilidade do conhecimento e julgamento das putativas nulidades apostas ao acórdão.

Avançando, então, para o conhecimento do objecto do recurso, começar-se-á por tratar de saber se o tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso sobre o despacho saneador que indeferiu aquelas excepções dilatórias de falta de personalidade, capacidade e legitimidade judiciárias. Para a questão, interessa atender à seguinte fundamentação exposta no acórdão da Relação:

         “Das excepções invocadas.

1.        Vindo os Autores invocar em sede de alegações a verificação de excepções que, alegam, determinariam a nulidade do processo ou a absolvição dos Réus do pedido, verifica-se que, as mesmas foram já conhecidas em sede de despacho saneador, tendo a respectiva decisão transitado em julgado, da mesma não tendo as partes interposto competente recurso, e, assim, relativamente à mesma se tendo formado caso julgado formal (art° 510°, n°1-al.a) e n°3, 672° e 677°, todos do CPC, na versão aplicável á data, anterior á decorrente da Lei n° 41/2013, de 26 de Junho, tendo a decisão sido proferida em 19/02/2013, e, relativamente às excepções invocadas de ineptidão da petição inicial, ilegitimidade activa, falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária da Autora, consequentemente, não podendo as indicadas questões ser apreciadas em sede do recurso de apelação ora interposto, por impeditivo legal, dispondo o art° 510°-n° 3 do CPC, na versão aplicável: " No caso previsto na alínea a) do n°1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas (...)".

Deflui do trecho transcrito que o não conhecimento, no recurso de apelação, do despacho saneador que indeferiu as indicadas excepções, repousou em duas razões, a saber:

 - os recorrentes não interpuseram o “competente recurso”; e

 - o despacho saneador transitou em julgado.

Os Recorrentes sustentam que, sendo aplicável o regime recursório constante do DL n.º 303/2007, teria o recurso de ser interposto a final, com o recurso da sentença, por força do disposto no artigo 691.º, n.º 2, do CPC, e tendo-o feito, nessa altura, não há motivo para a Relação não conhecer da temática relacionadas com tais excepções.

Têm inteira razão, adiante-se já.

Para essa conclusão há que atender e dar relevância ao seguinte:

 - A acção foi proposta a 06-05-2010 (cfr. I Vol., fls. 24);

 - O despacho saneador foi proferido a 19-02-2013 e aí foram julgadas improcedentes as excepções de ineptidão e de ilegitimidade activa e foi julgado prejudicado o conhecimento das excepções de falta de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. II Vol., fls. 358 e sgs.);

 - Os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença a 02-12-2016 e nele sindicaram o despacho saneador na parte em que julgou improcedentes e prejudicadas aquelas excepções (cfr. V Vol. fls. 1282, verso).

Ponderando isso, há que acentuar que, no momento em que foi proferido o despacho saneador – e por o ter sido em audiência preliminar coincide com o momento em que dele os Réus foram notificados – os Réus que o pretendessem sindicar por via de recurso apenas o podiam fazer em face das normas constantes do CPC então vigente, ou seja, o resultante das alterações introduzidas pelo D.L. n.º 303/2007, de 24-08.

Na verdade, este diploma entrou em vigor no dia 0-01-2008 (artigo 12.º, n.º 1), passou a aplicar-se aos processos propostos após a sua entrada em vigor (artigo 11.º, nº 1) e só foi alterado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, que entrou em vigor no dia 01-09-2013 (artigo 8.º desta Lei).

Ora, tendo a acção sido instaurada a 06-05-2010 e o despacho saneador proferido em 19-02-2013, é indubitavelmente aplicável o regime recursório introduzido pelo D.L. n.º 303/2007, de 24-08, e, na parte referente às ditas excepções dilatórias, o despacho saneador não podia ser alvo de recurso de apelação autónomo, por não estar preenchida a previsão da al. h) do n.º 2 do artigo 691.º que previa caber recurso de apelação (autónomo) do “Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa” e não se verificava, igualmente, alguma das outras previsões contidas no n.º 2 do artigo 691.º que permite o recurso de apelação autónomo.

Por tais motivos, ao caso antes cabia (e cabe) no n.º 3 do mesmo artigo, que prevê “As restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (…)”.

A decisão final, para efeito deste n.º 3, foi, em concreto, a sentença e os Recorrentes dela interpuseram recurso de apelação, nele fazendo constar, também, a impugnação do despacho saneador, como determinava o referido arigo 691.º, n.º 3, do CPC.

Observaram, pois, o prescrito quanto à forma processualmente adequada para recorrer do despacho saneador e não se tendo suscitado outras questões relativas a outros pressupostos processuais atinentes ao recurso, devia o acórdão da Relação ter principiado por conhecer esta questão, na medida em que, saliente-se, nem deixou de ser interposto o competente recurso, nem ao tempo em que o foi, o despacho já havia transitado em julgado[1], como menos acertadamente concluiu a Relação.

Anote-se ainda que caso fosse aplicável ao recurso do despacho saneador em questão o regime constante do actual CPC, a solução era exactamente a mesma, por força do disposto nos artigos. 644.º, n.º 1, b) (não pôs termo ao processo, não decidiu do mérito da causa e não absolveu da instância), e n.º 3 (que contém disciplina idêntica ao pretérito artigo. 691.º, n.º 3, do CPC[2].

Procedem, pois, neste ponto as conclusões dos Recorrentes e justifica-se que consequentemente se determine a anulação do acórdão recorrido e a baixa do processo à Relação, para que aquele Tribunal conheça da apelação relativa ao despacho saneador, ficando prejudicado, em face disso, o conhecimento de qualquer outra das questões suscitadas pelos Recorrentes.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se conceder a revista e anular consequentemente o acórdão recorrido, determinando-se que a Relação de Guimarães aprecie, nos moldes sobreditos, o recurso de apelação na parte referente à impugnação do despacho saneador.

Custas pela parte vencida a final.

*
Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

*
Lisboa, 21 de Março de 2019


António Joaquim Piçarra (Relator)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado

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[1] Cfr, neste sentido, acórdão do STJ de 26-05-2015, proferido no processo n.º 169/13.4TCGMR.G2.S1, acessível em www.dgsi.pt. e António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, pág. 169.
[2] Cfr, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág. 189.