OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
INSOLVÊNCIA
PENHORA
Sumário

1 - Os fundamentos da oposição à execução variam em função da diversa natureza do título executivo, abrangendo a falta de pressupostos gerais da acção executiva, a falta de pressupostos processuais específicos, a inexistência actual da obrigação exequenda e ainda a nulidade da citação do réu para a acção declarativa, sendo que a sua procedência determina a extinção da execução, nos termos do disposto no art. 732º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
2 – Diversamente, o incidente de oposição à penhora, previsto no art.º 784º do Código de Processo Civil, cinge-se à impugnação do acto de penhora, que deve assentar nos fundamentos enunciados no nº 1 desse normativo legal, desde logo, na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada, e a sua procedência determina o levantamento da penhora, como estatui o n.º 6 do art.º 785º do Código de Processo Civil.
3 – A invocação da declaração pretérita de insolvência da executada e a eventual pendência de um processo de insolvência, podendo pôr em causa em causa quer a regularidade processual da execução (atento o estatuído no art. 88º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), quer a existência da própria obrigação exequenda, por não configurar qualquer um dos fundamentos enunciados no art. 784º do Código de Processo Civil, justifica o indeferimento liminar da oposição à penhora.
4 – Atento o princípio da proporcionalidade da penhora (cf. art. 735º, n.º 1 do Código de Processo Civil), esta pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda, não devendo ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação.
5 – Estando apreendida nos autos uma quantia global de € 4 860,36 e sendo o valor da execução, acrescido das despesas prováveis, no montante de € 15 122,71, a penhora de um crédito referente ao reembolso do IRS, no valor de € 457,88, não pode ser considerada excessiva ou desproporcional, pelo que, não tendo sido alegados quaisquer factos susceptíveis de demonstrar que tal penhora é inadequada ou que outros bens podem assegurar o cumprimento da prestação, se justifica o indeferimento liminar da oposição à penhora.
6 - As normas processuais referentes à impenhorabilidade de bens, são normas excepcionais relativamente à regra geral da afectação do património do devedor à satisfação dos direitos do credor, enquanto garantia geral das obrigações, pelo que a impenhorabilidade parcial prevista no art. 738º, n.º 1 do Código de Processo Civil apenas se aplica a prestações periódicas provenientes, além do mais, do exercício da actividade laboral, e não já a quaisquer outros créditos, como indemnizações e/ou compensações devidas pela cessação das funções exercidas a esse título e menos ainda à penhora de outros valores (como o reembolso do IRS), a que é aplicável o regime da penhora de direitos de crédito, a que alude o art.º 773º do mesmo diploma legal.

Texto Integral

Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO
BC…, S. A. apresentou requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra BM… e NM… com base em título executivo constituído por um título de crédito (livrança), subscrita pelos executados, no valor de € 13 717,80, com data de vencimento em 3-11-2016, estando vencidos a título de juros de mora € 28,96 e € 1,16 de imposto de selo sobre os juros de mora, sendo o total da quantia exequenda no montante de € 13 747,92.
Em 20 de Junho de 2018, a executada BM… deduziu incidente de oposição à penhora requerendo a devolução do montante do seu crédito ao reembolso de IRS referente ao ano de 2017, no valor de € 457,88, penhorado nos autos de execução, com a seguinte ordem de fundamentos:
ü No âmbito do processo n.º …/… que correu termos no Juízo de Comércio de Sintra do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, a executada foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado em 21-10-2010, não tendo a exequente reclamado o seu crédito nesse processo, pelo que não o pode fazer em momento posterior, designadamente, nos autos de execução, pelo que a prossecução da acção executiva é ilegal, sendo também ilegal a penhora do crédito;
ü O vencimento da executada, no valor de € 573,10 líquidos, sua única fonte de rendimento, está penhorado à ordem dos autos de execução (1/6);
ü A executada vive com o seu filho, menor de idade, paga de renda mensal da sua habitação o valor de € 350,00, a que acrescem as despesas correntes (água, luz, gás, alimentação, transportes públicos e vestuário);
ü O co-executado, NR…, tem o vencimento mensal penhorado desde Março de 2018, no valor mensal de € 313,90, pelo que o pagamento da dívida está assegurado por esta via;
ü A penhora deve ser confinada ao estritamente necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas da execução, pelo que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda, pelo que as duas penhoras que incidem sobre o património da executada – o crédito do reembolso de IRS e o vencimento -, face ao valor da quantia exequenda é manifestamente excessiva;
ü A penhora sobre o seu salário põe em causa a sua subsistência, pois, por vezes, não tem dinheiro para se alimentar.
Em 3 de Julho de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
A executada deduziu a presente oposição à penhora, pugnando pelo levantamento da penhora do crédito que detém contra a Fazenda Nacional por devolução de quantias retidas a título de IRS relativo ao ano de 2017. Para o efeito, em síntese, e para além do mais, alega que tal penhora, atentas as penhoras sobre os vencimentos dos executados já realizadas à ordem dos autos, é excessiva, por desproporcional ao valor da quantia exequenda e despesas previsíveis da execução (art. 735º CPC).
Ora, atento o valor do crédito exequendo e despesas previsíveis da execução, por um lado, e o produto das penhoras realizadas à ordem dos autos sobre os vencimentos dos executados, por outro, impõe-se concluir não ser a penhora realizada sobre o referido crédito excessiva (art. 735ºCPC).
Assim sendo, e por manifestamente improcedente, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 784º, 785º, n.º 2, e 732º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a presente oposição à penhora.
Quanto aos demais fundamentos que sustentam a oposição à penhora, nenhum subsumível em qualquer das alíneas do artigo 784º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 784º, 785º, n.º 2, e 732º, n.º 1, do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a oposição à penhora.
Condeno a oponente no pagamento das custas processuais (art. 527º, n.º 1, CPC).
Registe e notifique.
É desta decisão que a opoente/recorrente BM… recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença recorrida que considerou que deveria ser aplicado que indeferiu liminarmente a oposição à penhora apresentada, porquanto se afigura que o Juiz “a quo” não fez uma correcta interpretação, indagação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice.
II. Deste modo, atendendo à sua falta de conformação, requer a Recorrente a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, ordenando-se o prosseguimento do processo para apreciação da Oposição apresentada.
III. Assim, no âmbito do Proc. n.º …/… que correu seus termos no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz … – do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, a Executada, ora Recorrente, foi declarada insolvente, conforme certidão de sentença transitada em julgado em 21.10.2010, documento que se juntou aos autos de execução e de oposição à penhora.
IV. No referido processo de insolvência da Executada, ora Recorrente, ocorreu a citação dos 5 maiores credores conhecidos, entre eles, nomeadamente, a citação da Exequente.
V. No entanto, a Exequente nestes autos optou por não reclamar o seu crédito no referido processo de insolvência, sendo legalmente inadmissível fazê-lo em momento posterior, ou seja, no âmbito dos presentes autos executivos.
VI. Nos termos do art.º 88.º, n.º 1 do CIRE, “a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”.
VII. Verificou-se também que, consultado o mapa central de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal referente à Opoente, ora Recorrente, emitido em 30.04.2018 quanto à dívida reclamada pelo Exequente nos presentes autos nada consta no de Portugal, inexistindo esta dívida, conforme o Tribunal a quo poderia ter verificado através do Doc. 2 que se juntou aos autos e sobre o qual não existiu qualquer referência ou pronúncia.
VIII. Salvo melhor entendimento, a prossecução desta acção executiva contra a Executada/Opoente é manifestamente ilegal, pelo que a extinção da instância executiva por impossibilidade superveniente da lide quanto à ora Recorrente deveria ter sido, há muito, declarada.
IX. Consequentemente, é também ilegal a penhora de créditos fiscais da Executada - reembolso de IRS, realizado na Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao ano de 2017, no valor de 457,88€, tal como é ilegal a penhora do seu vencimento mensal.
X. Ao invés, a ora Recorrente continua a ser gravemente penalizada com penhoras, manifestamente ilegais, face à sua situação de insolvência declarada em 21.10.2010.
XI. Por outro lado, no âmbito do presente processo executivo, foi penhorado um crédito da Executada – penhora de créditos fiscais, reembolso de IRS, realizado na Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao ano de 2017 - no valor de 457,88€, o que nos termos do disposto no art.º 784.º, n.º 1, al. a) do CPC é inadmissível, conforme ficou demonstrado nos presentes autos.
XII. Contudo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo que concluiu não ser a penhora realizada sobre o referido crédito excessiva decidiu em clara violação do Princípio da Proporcionalidade, pelo que se impõe a revogação desta sentença.
XIII. Entende a Recorrente que a penhora é excessiva, desproporcional e não respeita a regra do nº 3, do art.º 735º do CPC, pois a penhora realizada sobre o referido crédito constitui uma ilegalidade e violação dos princípios fundamentais que é o direito a qualquer cidadão ter uma vida condigna, o que está a ser negado à Recorrente.
XIV. O Tribunal a quo por erro manifesto, e incompreensível, não atendeu à realidade financeira em que vive a Executada, ora Recorrente, que é o único sustento do seu agregado familiar composto por um filho menor de idade e que se encontra a frequentar o ensino escolar.
XV. A Recorrente, enquanto Opoente, deduziu uma pretensão, apresentou os factos que a fundamentam, indicou as normas jurídicas que a suportam, actuou com total transparência de procedimentos e boa fé processual, não pretendeu obter quaisquer vantagens ilícitas e não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento o douto tribunal a quo devesse ignorar, como fez.
XVI. Para além do supra referido crédito, o parco salário da Executada encontra-se penhorado (1/6) à ordem dos presentes autos.
XVII. A Executada aufere um vencimento mensal no valor de 573,10€ líquidos, que é a sua única fonte de rendimento e o único bem que possui.
XVIII. A Executada vive sozinha com o seu filho, menor de idade, que está exclusivamente a seu cargo e a quem assegura o pagamento de todas as despesas.
XIX. A Executada suporta o pagamento da renda mensal da sua habitação que se cifra em 350,00€, a que acrescem as despesas correntes do dia-a-dia, nomeadamente, água, luz e gás, telecomunicações no valor de 200,00€, para além da alimentação, transportes públicos e algum vestuário para si e para o seu filho, ou seja, a Recorrente tem despesas fixas mensais no valor de 550,00€, a que ainda acrescem as despesas de alimentação suas e do seu filho.
XX. Por outro lado, acresce que o outro Executado nos autos, NR…, também tem o seu vencimento penhorado, no valor mensal de 313,90€, cuja penhora ocorre desde Março de 2018, pelo que o pagamento da dívida à Exequente encontra-se assegurada por esta via.
XXI. Com referência ao Princípio de proporcionalidade, o nº 3 do art.º 735º do CPC veio consignar que a penhora deve limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, mas com respeito pelo equilíbrio entre o valor de bens penhorados e o do crédito exequendo.
XXII. Trata-se de impor uma adequação da penhora à satisfação do crédito exequendo.
XXIII. Na realidade, a natureza gravosa da penhora deverá confiná-la ao estritamente necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas da execução.
XXIV. Como observa o Prof. Teixeira de Sousa" a agressão ao património do executado só é permitida numa medida que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que conduz a uma indispensável ponderação dos interesses do exequente na realização da prestação e do executado na manutenção do seu património (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 140).
XXV. O princípio de proporcionalidade fixado no normativo supra citado insere-se precisamente na preocupação com o justo equilíbrio entre os interesses das partes.
XXVI. Também o Decreto-lei 38/2003, de 8 de Março, referia que "a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução”.
XXVII. Em suma, pressupõe-se uma adequação entre os meios e os fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda, apenas se permitindo a agressão ao património do devedor, na medida em que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente.
XXVIII. Sobre a matéria em análise, afigura-se relevante a referência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 29 de Março de 2011, no qual se lê: " Havendo que reconhecer que a finalidade característica do processo executivo demanda a prevalência dos interesses do exequente sobre os interesses do executado, compreende-se que o sacrifício imposto a este último não deva exceder o estritamente indispensável à satisfação da pretensão do exequente não dispensando, pois, a natural e necessária prevalência dos interesses do exequente, uma ponderação dos interesses atendíveis do executado"
XXIX. E prossegue: "Porque a posição jurídica do credor, embora prevalecente, não pode ser considerada absoluta, estabelece o nosso ordenamento, como limite objectivo da penhora, o princípio de proporcionalidade". E ainda:" Não podendo pôr-se em causa a realização da prestação a que o credor tem direito (e que consta do título dado à execução), o referido princípio norteia as medidas a adoptar, pois que devem ser escolhidas aquelas que pela sua característica ou medida, melhor se compatibilizem com a realização da prestação exequenda…"
XXX. Finalmente, menciona o aresto citado que: "Este princípio de proporcionalidade deve ser utilizado não só para apreciar se a penhora excede (ou não) os limites estabelecidos no Artº 821º Nº 3 do CPC, mas também para determinar, caso se conclua pela existência de excesso qual ou quais dos bens do executado devem permanecer penhorados, em vista da realização da finalidade última da execução - integral satisfação do crédito exequendo - e, por contraponto, quais dos bens devem ser libertados e subtraídos a tal garantia”.
XXXI. Ora, as duas penhoras que incidem sobre o património da Executada – a de crédito (IRS) e a penhora de salário, face ao valor da quantia exequenda, é manifestamente excessiva.
XXXII. Sublinhe-se que o agregado familiar da Recorrente é composto apenas pela própria e por um filho menor, em idade escolar, e é com o seu magro salário, cuja redução a 1/6 do vencimento cessa em Outubro de 2018, que se sustenta a si e ao seu filho.
XXXIII. A penhora que incide sobre o salário da Oponente tornou a sua vida insustentável e põe em causa a sua subsistência e sobrevivência e do seu agregado familiar, que, na realidade, por vezes, não tem dinheiro para se alimentar.
XXXIV. O montante líquido que aufere, depois de deduzida a quantia penhorada, é muito inferior ao limite de subsistência dum agregado familiar composto por um adulto e um menor, em idade de frequência escolar.
XXXV. Face à motivação exposta, deverá a penhora de crédito da Executada – penhora de créditos fiscais, reembolso de IRS, realizado na Autoridade Tributária e Aduaneira, referente ao ano de 2017 - no valor de 457,88€, ser cancelada por desproporcional, procedendo-se à devolução desta quantia à Oponente.
XXXVI. Para tal, a douta sentença recorrida que indeferiu liminarmente a oposição à penhora apresentada deverá ser revogada, o que se requer.
Nestes termos […] deve ser concedido provimento ao recurso, pela procedência das suas motivações e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões da alegação da opoente/recorrente há que apreciar se em face das razões aduzidas no requerimento de oposição à penhora se justifica o seu indeferimento liminar, por manifesta improcedência, tal como sustentado na decisão recorrida.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, sendo ainda de considerar, por resultar da tramitação do presente apenso e dos autos de execução, o seguinte:
1. Apresentado o requerimento executivo, em 5-12-2016, foi proferido despacho, com data de 10-02-2017, que ordenou a citação dos executados para, no prazo de vinte dias, pagarem ou se oporem à execução (cf. Ref. Elect. dos autos de execução n.º 105092776).
2. Com data de 26 de Maio de 2017 foi lavrado auto de penhora que por referência ao valor da quantia exequenda (€ 13 747,92) e despesas prováveis (€ 3 152,08), consignou a penhora sobre o vencimento da executada BM… através da entidade patronal, Sapataria J…, Lda., até perfazer o total de € 16 900,00 (Ref. Elect. n.º 9944587).
3. Com data de 26 de Maio de 2017 foi expedida, pela agente de execução, notificação à entidade patronal da executada identificada em 2. solicitando a penhora de 1/3 do vencimento desta, com a advertência de que o vencimento líquido não penhorado não poderia ser inferior a € 557,00 e na impossibilidade de ser penhorado 1/3 do vencimento deveria ser descontado apenas o remanescente entre o vencimento líquido auferido e o salário mínimo nacional em vigor (Ref. Elect. n.º 9944666).
4. Com data de 6 de Junho de 2017, a executada, ora recorrente, apresentou um requerimento no processo de execução solicitando a isenção da penhora ou a sua redução aos montantes mínimos, referindo que aufere o vencimento mensal de € 573,10 líquidos e uma pensão de alimentos destinada ao filho menor, no valor de € 200,00 mensais, paga renda de casa o valor de € 350,00 mensais e demais despesas com água, luz e gás, estudos e transportes, a que o exequente se opôs por requerimento de 12 de Junho de 2017 (Ref. Elect. n.ºs 10021981 e 10060783).
5. Em 23 de Outubro de 2017 foi proferido despacho judicial que, atendendo ao valor do vencimento da executada, ao facto de o progenitor contribuir para o sustento do seu filho e ao montante do crédito exequendo, concluiu que a penhora de 1/6 do vencimento não ponha em causa a sobrevivência da executada, pelo que indeferiu o pedido de isenção da penhora e determinou a sua redução a 1/6 do vencimento, pelo período de um ano (Ref. Elect. n.º 109380041).
6. Por carta expedida em 25-10-2017, a agente de execução notificou a entidade patronal da executada para proceder à redução da penhora sobre o vencimento para 1/6, durante um ano (Ref. Elect. n.º 10947517).
7. Em 4 de Dezembro de 2017, a executada BC… dirigiu aos autos de execução um requerimento em que pugnou pela extinção da instância executiva, no que a si diz respeito, por impossibilidade superveniente da lide, com fundamento no facto de ter corrido termos o processo n.º …/… em que foi declarada insolvente e no qual a exequente não reclamou o seu crédito, pelo que a execução não pode prosseguir, invocando o disposto no art. 88º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Ref. Elect. n.º 11230716).
8. Na sequência da comunicação do requerimento referido em 7. à agente de execução, esta notificou a entidade patronal, por carta expedida em 8 de Março de 2018, para suspender os efeitos da penhora, cessando os descontos, mas mantendo-se as garantias da prioridade, por poder vir a ser notificada para prosseguir com os descontos à ordem dos autos de execução (Ref. Elect. n.º 11970237).
9. Em 4 de Maio de 2018, foi proferido despacho judicial que indeferiu a pretensão da executada referida em 7. (Ref. Elect. n.º 1129446725).
10. Com data de 10 de Maio de 2018, foi expedida carta através da qual a agente de execução notificou a entidade patronal da executada para retomar a penhora do vencimento desta (Ref. Elect. n.º 123366734).
11. Com data de 8 de Março de 2018 foi lavrado auto de penhora que por referência ao valor da quantia exequenda (€ 13 747,92) e despesas prováveis (€ 1 374,79) consignou a penhora do saldo existente no depósito à ordem correspondente à conta n.º …, junto do BS…, S. A., titulada pelo executado MN…, no valor de € 1 359,14 (fazendo-se menção que sobre tal valor incidem duas penhoras prioritárias) e a penhora do vencimento que o executado NP… aufere da entidade Direcção de Contabilidade e Operações Financeiras da M… (Ref. Elect. n.º 11893698).
12. Com data de 2 de Maio de 2018 foi lavrado auto de penhora que por referência ao valor da quantia exequenda (€ 13 747,92) e despesas prováveis (€ 3 152,08) consignou a penhora de créditos fiscais – reembolso de IRS referente ao ano de 2017 –, detidos pela executada BM…, realizado na Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de € 457,88 (Ref. Elect. n.º 122275860).
13. Por requerimentos de 11 de Junho de 2018 e 12 de Setembro de 2018, a executada solicitou esclarecimentos quanto ao despacho proferido em 4 de Maio de 2018 (referido em 9.) e reiterou a sua posição no sentido da extinção da instância executiva (Ref. Elect. n.ºs 12553152 e 13079638).
14. Em 8 de Outubro de 2018, foi proferido despacho judicial que deu conta de já ter sido indeferida a pretensão de extinção da execução, com fundamento no processo de insolvência, que se encontra extinto em data anterior ao início da execução, não tendo a executada sido exonerada do passivo restante (Ref. Elect. n.º 115355775).
15. Com data de 12 de Outubro de 2018, a agente de execução informou nos autos de execução que a penhora sobre o vencimento do executado MN… teve início em Março de 2018, está a decorrer, encontrando-se penhorado o montante total de € 2 231,22 (Ref. Elect. n.º 13291881).
16. O processo n.º …/… que correu termos pelo Juízo de Comércio de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste encontra-se no Arquivo Geral desde 4 de Abril de 2018 (Ref. Elect. n.º 13300678).
17. A executada BC… aufere um vencimento mensal base no valor de € 620,00, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 6,30 por dia, pago em cartão refeição e um subsídio para falhas de caixa no valor mensal de € 21,30, descontando sobre o valor de € 620,00, a taxa social de 11%, no valor de € 68,20 (recibos de vencimento de Maio a Outubro de 2018 juntos com os requerimentos com a Ref. Elect. n.º 13564262 e 13727217).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A opoente/apelante pretende ver revogada a decisão de indeferimento liminar da oposição à penhora e a sua substituição por outra que determine o prosseguimento do incidente pela seguinte ordem de fundamentos:
o A penhora de créditos fiscais (reembolso do IRS) é ilegal porque o prosseguimento da execução é, também ele, ilegal face ao facto de a executada ter sido declarada insolvente e o exequente não ter reclamado o seu crédito na insolvência;
o A penhora do crédito fiscal é excessiva e desproporcional, não respeitando o estatuído no art. 735º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), pois que a executada é o único sustento do agregado familiar, aufere um vencimento líquido de € 573,10, tendo despesas mensais fixas de € 550,00, a que acrescem as despesas de alimentação, suas e do seu filho, estando o pagamento da quantia exequenda assegurado pela penhora do vencimento do co-executado, sendo excessivas as duas penhoras que incidem sobre o seu património.
Nos termos do art. 817º do Código Civil, se o devedor não cumprir voluntariamente uma obrigação a que se encontre vinculado, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.
A penhora, enquanto “garantia especial das obrigações” consiste numa apreensão judicial do património do executado com vista à sua posterior venda executiva e subsequente satisfação da obrigação exequenda através do produto dessa alienação forçada.
Todos os bens e direitos do devedor que sejam susceptíveis de penhora respondem, em regra pela obrigação (exceptuam-se os bens legalmente qualificados como absoluta, relativa ou parcialmente impenhoráveis ou quando se verifique a autonomia patrimonial decorrente da separação de patrimónios – art.ºs 736º a 739º e 740º a 745º do CPC) – cf. art. 601º do C. Civil e 735º, n.º 1 do CPC.
A acção executiva visa assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, seja através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais daquele devedor ou da realização, por terceiro devedor, em favor da execução, da prestação – cf. art.º 4º, n.º 3 do CPC e art.º 817 do Código Civil.
Tal como decorre do disposto no art. 735º, n.º 1 do CPC, a regra geral no âmbito do processo executivo é a de que só podem ser penhorados bens que pertençam ao devedor, posto que a execução seja movida contra este.
Não existe actualmente uma imposição legal atinente a uma ordem de prioridade em relação aos bens que devem ser penhorados, estatuindo o art. 751º, n.º 1 do CPC, que a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de “mais fácil realização” e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
Em processo executivo o executado pode defender-se por dois meios: opondo-se à execução, atacando o direito que o exequente pretende efectivar, através de embargos de executado (cf. art. 728º e seguintes do CPC); ou opondo-se à penhora, quando entenda que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser, quer porque não devem, em concreto, ser apreendidos, quer porque o foram para além do permitido pelo princípio da proporcionalidade (cf. art. 784º e seguintes do CPC).
A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado no processo executivo e dele dependente, por meio do qual o executado pretende obter a improcedência total ou parcial da execução, seja pelo não preenchimento dos pressupostos substantivos ou processuais da exequibilidade extrínseca ou intrínseca, seja por vício de natureza formal que obste ao prosseguimento da execução, ou seja, através da oposição o executado contesta o direito do exequente a proceder à execução forçada – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, 2018, pág. 227.
Os fundamentos da oposição à execução são distintos em função da diversa natureza do título executivo, abrangendo a falta de pressupostos gerais da acção executiva (legitimidade das partes, cumulação indevida ou coligação ilegal), a falta de pressupostos processuais específicos (inexequibilidade do título, falsidade do processo, falta de citação para a acção, incerteza, iliquidez ou inexigibilidade da obrigação exequenda), a inexistência actual da obrigação exequenda (caso julgado anterior à sentença que se executa, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação) e ainda a nulidade da citação do réu para a acção declarativa - cf. art.ºs 729º a 731º do CPC; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1993, pág. 145.
Em conformidade, a procedência dos fundamentos invocados determina a extinção da execução – cf. art. 732º, n.º 4 do CPC.
De modo distinto, o incidente de oposição à penhora previsto no art.º 784º do CPC cinge-se à impugnação do acto de penhora, que deve assentar nos fundamentos enunciados no nº 1 desse normativo legal, desde logo, na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada. O incidente de oposição à penhora é, conforme refere Rui Pinto, a «acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável». – cf. apud acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 450/08.4TBSTB-D.E1, disponível na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.[1]
Neste incidente, a procedência de alguns dos fundamentos invocados determina o levantamento da penhora, como estatui o n.º 6 do art.º 785º do CPC ou a sua redução.
A oposição à penhora pode ser cumulada com a oposição à execução que o executado pretenda também deduzir, mas só nos casos em que a citação tenha sido efectuada após a penhora, conforme decorre do disposto nos art.ºs 727º, n.º 4 e 856º, n.º 3 do CPC.
Neste caso, a recorrente veio invocar a ilegalidade da penhora do crédito ao reembolso do IRS referente ao ano de 2017, enquanto decorrência da alegada ilegalidade do prosseguimento da execução, que fundamentou no facto de ter sido declarada insolvente e o exequente não ter reclamado o seu crédito na insolvência.
Tal como se retira da matéria de facto acima elencada – cf. pontos 7., 9., 13. e 14. – este argumento foi já aduzido no âmbito dos autos de execução e indeferido por despacho proferido em 4 de Maio de 2018.
Independentemente do meio processual como tal pretensão foi deduzida e/ou apreciada, certo é que visa a extinção da execução, tendo sido invocado, para tal efeito, um fundamento – a declaração pretérita de insolvência da executada e a eventual pendência de um processo de insolvência – que poderá pôr em causa em causa quer a regularidade processual da execução (atento o estatuído no art. 88º, n.º 1 do CIRE), quer a existência da própria obrigação exequenda (atenta a eventualidade de poder ter sido, designadamente, aprovada a exoneração do passivo restante, sendo certo que, não sendo esse o caso, após a liquidação da massa insolvente podem ainda sobrevir rendimentos e, desde que o devedor não beneficie da exoneração do passivo restante ou venha entretanto a ser revogada tal concessão, podem os credores que não obtiveram no processo de insolvência o ressarcimento integral do seu crédito, prosseguir a execução relativamente a esse novo e autónomo património – cf. art.ºs 88º, n.º 1 e 230º, n.º 1, c) e d) do CIRE; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2017, relator Filipe Caroço, processo n.º 31/09.5TBVCD.P2).
Ou seja, tal fundamento, por si só, tornaria inepto o requerimento em apreço como meio de oposição à penhora, justificando-se, como tal, o seu indeferimento liminar – cf. art.ºs 785º, n.º 2 e 732º, n.º 1, b) do CPC; neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-06-2010, relator Tomé Gomes, processo n.º 88726/05.2YYLSB-C.L1-7 e de 10-05-2018, relator Manuel Rodrigues, processo n.º 341713.7TCFUN-L.L1; no mesmo sentido, cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 376.
Não obstante, para além disso, a embargante/recorrente veio também sustentar a inadmissibilidade da penhora efectuada em 2-05-2018, incidente sobre o crédito ao reembolso do IRS, no valor de € 457,88 (cf. ponto 12. da matéria de facto), por se revelar excessiva e desproporcional, por desrespeitar o estatuído no art. 735º, n.º 3 do CPC e face às despesas que tem de assegurar para garantir a sobrevivência do seu agregado familiar.
O acto de penhora pode revelar-se objectiva ou subjectivamente excessivo. A penhora é objectivamente excessiva quando atinge bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam responder pela satisfação do crédito exequendo; a penhora é subjectivamente excessiva quando tiver por objecto bens ou direitos que não são do executado. No primeiro caso, a penhora é objectivamente ilegal; no segundo é-o apenas subjectivamente.
Tendo presente o estatuído no art. 784º, n.º 1 do CPC, só podem ser invocados como fundamentos de oposição à penhora a inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; a imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda; a incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
A alínea a) do n.º 1 do art. 784º do CPC abrange os casos em que tenham sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e demais custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade, previsto nos art.ºs 735º, n.º 3 e 751º do CPC.
O art. 735º, n.º 3 do CPC consagra o princípio da proporcionalidade da penhora, de acordo com o qual esta deve limitar-se aos bens do devedor que sejam necessários e suficientes para garantirem a satisfação da dívida exequenda e as custas da execução.
A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda.
A agressão do património do executado só é permitida enquanto seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente, na realização da prestação e do executado, na salvaguarda do seu património.
Tal significa que no processo executivo vigora o princípio segundo o qual não deve ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação, de modo que a actuação do credor pode configurar uma situação de abuso de direito quando promove a penhora de bens de valor consideravelmente superior ao montante da dívida, não obstante o devedor possuir no seu património bens de menor valor suficientes para satisfazer a obrigação – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 332, nota 1176.
O princípio da proporcionalidade tem uma génese constitucional posto que a faculdade de penhorar bens do devedor (ou de terceiro) representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação constitucionalmente conforme, impõe o respeito do princípio constitucional da proporcionalidade referido às restrições aos direitos, liberdades e garantias – cf. art.ºs 817º e 818º do Código Civil e art.ºs 18º, n.º 2 e 62º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 526.
De todo o modo, o princípio da proporcionalidade não pode justificar a não realização coactiva da prestação, sustentada no título executivo, ainda que o valor do crédito exequendo seja diminuto.
Não existindo uma ordem de prioridade dos bens sobre os quais deve incidir a penhora, não deixa a lei de orientar o agente de execução no sentido de a fazer recair inicialmente sobre os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e que se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo (cf. art. 751º, n.º 1 do CPC), havendo ainda que respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, a menos que tal indicação viole norma legal imperativa, ofenda o princípio da proporcionalidade ou infrinja manifestamente o princípio da adequação.
De igual modo, ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial de que o executado seja titular, é admissível, mas, em manifestação do princípio da proporcionalidade, apenas nos casos previstos no n.º 3 do art. 751º do CPC, ou seja, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor nos prazos fixados nas diversas alíneas desse normativo legal.
O princípio vertido no n.º 3 do art. 735º do CPC – que fixa o limite da penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução (que se presumem, para este efeito, correspondentes ao valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor) – aplica-se também aos casos de pluralidade subjectiva passiva, sendo de ponderar se o valor global dos bens penhorados é suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e das demais custas e despesas da execução – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 333; cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-04-2013, relator Henrique Antunes, processo n.º 3234/09.9T2AGD-C.C1.
Em tal situação, como sucede no caso dos autos, qualquer executado pode opor-se à penhora dos seus bens com fundamento no excesso da penhora já realizada em bens de outro ou outros executados. Quando isso suceda, pode suceder que apenas o património de um dos executados seja sacrificado para satisfação do direito do exequente (sendo que nas relações internas entre os executados, tal questão deverá ser resolvida em face do título).
A violação do princípio da proporcionalidade justifica, pois, a oposição do executado – cf. art. 784º, n.º 1, a), segunda parte do CPC.
Com efeito, se forem penhorados mais bens do que os necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, pode o executado deduzir oposição à penhora.
Na situação sub judice, foram penhorados os seguintes bens:
ü Em 26 de Maio de 2017 – a parte penhorável do vencimento da executada BM… (sabendo-se, contudo, que em 23 de Outubro de 2017 foi proferido despacho judicial que determinou a sua redução a 1/6 do vencimento, pelo período de um ano; posteriormente, em Março de 2018 essa penhora foi suspensa e retomada apenas em Maio de 2018);
ü Em 8 de Março de 2018 - o saldo existente no depósito à ordem correspondente à conta n.º …, junto do BS…, S. A., titulada pelo executado MN…, no valor de € 1 359,14 (fazendo-se menção que sobre tal valor incidem duas penhoras prioritárias);
ü Na mesma data - a parte penhorável do vencimento que o executado NP… aufere da entidade Direcção de Contabilidade e Operações Financeiras da M…;
ü Em 2 de Maio de 2018 – o valor do reembolso de IRS referente ao ano de 2017 detido pela executada BM…, no montante de € 457,88 – cf. pontos 2., 11. e 12. da matéria de facto provada.
Tendo em conta a informação prestada pela agente de execução e referida no ponto 15., sabe-se que relativamente à penhora do vencimento do co-executado NP…, encontra-se hoje apreendido nos autos o valor global de € 2 231,22, a que acresce os montantes penhorados no vencimento da embargante/recorrente que se cifram em, pelo menos, € 812,12 (conforme se afere dos recibos de vencimento de Maio a Outubro de 2018 constantes dos autos), pelo que a quantia actualmente penhorada ascende a € 4 402,48 (sem se incluir a penhora do crédito relativo ao reembolso de IRS).
Tendo presente o valor da quantia exequenda - € 13 747,92 -, a que se soma as despesas previsíveis da execução, no montante de € 1 374,79 (que se presumem equivalentes a 10% do valor da execução, atento o facto de este ser superior à alçada do tribunal de comarca mas não exceder quatro vezes a alçada do tribunal da Relação), afigura-se, de facto, cristalino, que a penhora que incidiu sobre o montante do reembolso não pode, de todo, ser considerada excessiva ou desproporcional face ao valor da quantia exequenda, dado que neste momento, transcorridos mais de dois anos sobre a data da instauração da execução, apenas se mostra assegurada a apreensão de um valor pecuniário inferior a um terço da quantia em dívida.
Neste aspecto, afigura-se irrelevante qualquer argumentação da recorrente vertida no seu requerimento de oposição posto que, a eventual demonstração dos factos que alegou (apenas dirigidos à demonstração de despesas com o agregado familiar que não poderia satisfazer com o seu rendimento e menos ainda depois deste ser objecto de penhora) é inócua para afastar a legitimidade da penhora realizada, com o alcance com que o foi, pelo que a pretensão recursória de ver ordenado o prosseguimento do incidente não merece acolhimento.
Na verdade, o indeferimento liminar baseia-se no princípio da economia processual evitando o dispêndio inútil de actividade judicial.
A manifesta improcedência do pedido a que alude na alínea c) do n.º 1 do art. 732º do CPC (para o qual remete o art. 785º, n.º 2 do mesmo diploma legal) reconduz-se, na essência, a situações em que é evidente que a pretensão não pode proceder por ser manifestamente inviável ou inconcludente, ou seja, em que se aprecia liminarmente do mérito da acção aferindo-se que esta está irremediavelmente votada ao insucesso, ainda que se procedesse à produção das provas apresentadas.
Assim, o indeferimento liminar apenas deve ter lugar quando “a improcedência da pretensão […] for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial” - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018 já mencionado.
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos e que incumbe à parte onerada a fim de obter uma decisão favorável – cf. art.ºs 341º, 342º e 346º do Código Civil e 414º do CPC.
Atenta a sua relevância para a prolação de uma decisão favorável e integrando um ónus que recai sobre a parte, tem-se configurado a existência de um direito à prova, enquanto reflexo do direito constitucional a um processo equitativo – cf. art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa – que, para além do direito à sua proposição, abarca o direito à sua produção (sobremaneira, no que respeita às provas constituendas).
No entanto, os actos relativos à produção da prova, como qualquer outro acto processual, estão submetidos a um princípio da utilidade ou de economia, ou seja, não podem ser praticados actos no processo, pelas partes ou pelo tribunal, que sejam inúteis, ou seja, desnecessários para a tutela da situação jurídica invocada em juízo – cf. art.ºs 130º e 534, n.º 1, 1ª parte e 2 do CPC; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-04-2013, acima referido.
Como tal, também no incidente de oposição à penhora não deverá ter lugar o exercício da prova se, independentemente desse exercício, for manifesto que a pretensão do opoente não pode proceder.
É o que sucede no caso em apreço.
Atendendo ao montante da quantia exequenda e despesas prováveis da execução e considerando a totalidade dos valores apreendidos para os autos, a penhora do reembolso do IRS, no montante de € 457,88, não pode ser considerada como realizada em violação do mencionado princípio da proporcionalidade, pois que não excede, em absoluto, à luz de um juízo prudente de prognose, o montante que será necessário para a satisfação da prestação exequenda e demais despesas.
Há que ter em atenção, que recai sobre o executado/oponente o ónus de alegar os factos concretos que traduzam o preenchimento de determinada categoria de impenhorabilidade ou, quando invoque a violação do princípio da proporcionalidade da penhora, de alegar os elementos donde decorra tal violação, nomeadamente, a existência de outros bens penhoráveis que possam satisfazer integralmente o crédito exequendo no lapso de tempo previsto na lei. Nada disso foi minimamente cumprido pela apelante.
A alegação meramente genérica da inadmissibilidade da penhora ou da sua extensão, enquanto fundamento autónomo de oposição, está desprovida de qualquer suporte fáctico relevante e, perspectivada em função da penhora sobre o seu rendimento mensal e sobre bens do co-executado, tendo em conta o valor do primeiro e os montantes apreendidos ao segundo, não encontra sequer qualquer viabilidade de concretização de um eventual excesso da penhora e, por outro lado, sob a perspectiva do direito a uma sobrevivência condigna não encontra suporte jurídico bastante, como se verá infra.
Daí que outra conclusão não se possa retirar que não a da manifesta improcedência da oposição.
Certo é que a recorrente veio fundamentar a sua oposição não exclusivamente num excesso de bens penhorados em função do montante da quantia exequenda, mas também por entender que a penhora em causa coloca em crise o seu direito a uma vida condigna, alegando que é ela quem, com o seu rendimento, tem de se sustentar a si e ao seu filho menor, que está a seu cargo, suportando despesas com a renda mensal da habitação, com água, luz e gás, no valor de € 550,00, além de alimentação, transportes e vestuário, pelo que a penhora que incidiu sobre o seu salário tornou a sua vida insustentável.
Ora, sucede que penhorado o vencimento da executada esta não deduziu qualquer oposição, tendo antes solicitado a isenção da penhora ou a sua redução, tendo obtido parcial provimento, já que beneficiou da redução da penhora a 1/6 do vencimento durante o período de um ano – cf. pontos 2., 4. e 5. da matéria de facto.
A limitação da penhora a uma parte do rendimento do executado – cf. art. 738º, n.º 1 do CPC -, com a ressalva de que o rendimento disponível não pode ser inferior ao montante equivalente ao salário mínimo nacional, visa garantir a subsistência do executado e/ou agregado familiar, assegurando-lhe o mínimo indispensável para esse efeito – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 294.
Subjacente a tal impenhorabilidade parcial do rendimento estão razões que se prendem com a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, com respaldo constitucional, desde logo no art.º 1º da Constituição da República Portuguesa, não podendo assim ser penhorados dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado, verificando-se que no caso de conflito entre o direito do credor a ver satisfeito o seu crédito e o direito fundamental do trabalhador, ou pensionista, a auferir uma remuneração que lhes confira uma sobrevivência condigna, o legislador optou pelo sacrifício da pretensão do credor, na medida do necessário, ou mesmo na totalidade (cf. ainda os art.ºs 59º, n.º 2, a) e 63º, n.ºs 1 e 3 da Constituição) – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-11-2012, relatora Ana Resende, processo n.º 1995/09.4TBCLD-A.L1-7.
A impenhorabilidade do valor correspondente a um salário mínimo nacional assenta na ideia de que este consubstancia o mínimo exigível em termos da satisfação das necessidades inerentes à subsistência de alguém em condições de dignidade, que como pessoa lhe assiste.
A propósito da penhorabilidade da compensação devida ao trabalhador pela cessação do contrato de trabalho, entendeu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2018, relatora Ana Paula Boularot, processo n.º 1034/10.2TBLSD-E.P1.S2, que os limites previstos no n.º 3 do art. 738º do CPC apenas têm aplicação quando esteja em causa o pagamento de prestações periódicas, não podendo ser convocados quando esteja em causa o pagamento integral da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho.
Com efeito, ainda que não seja esse o caso presente, há que considerar que as normas processuais referentes à impenhorabilidade de bens, são normas excepcionais relativamente à regra geral da afectação do património do devedor à satisfação dos direitos do credor, enquanto garantia geral das obrigações (cf. art. 601º do C. Civil).
Ao estipular a impenhorabilidade parcial de prestações periódicas provenientes, além do mais, do exercício da actividade laboral, a lei reporta-se apenas a estas e não já a quaisquer outros créditos, como indemnizações e/ou compensações devidas pela cessação das funções exercidas a esse título e menos ainda, como é evidente, à penhora de outros valores (como o reembolso do IRS), a que é aplicável o regime da penhora de direitos de crédito, a que alude o art.º 773º do CPC.
À penhora do crédito ao reembolso do IRS não pode ser aplicável o critério da impenhorabilidade parcial (ou total), nem esta se pode fundamentar numa alegada asserção de que tal valor se destina a assegurar aquele mínimo absolutamente necessário para uma sobrevivência humanamente digna, fundamento que sustentou a impenhorabilidade parcial dos vencimentos. Pois que “são os rendimentos provenientes do trabalho que constituem, normalmente, a base de subsistência do indivíduo, sendo com os mesmos que cada um suporta as despesas correntes do dia-a-dia. São esses rendimentos, traduzidos no seu montante líquido mensal, que balizam a impenhorabilidade parcial fixada no artigo 738º, n.º 1 do CPCivil e, tratando-se do salário mínimo nacional, a sua impenhorabilidade total, por se entender que tal quantia corresponderá ao montante considerado indispensável a uma subsistência digna do respectivo titular.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2018 acima referido.
A apelante convoca a escassez do seu rendimento, reduzido em função da penhora de que foi alvo, para fundamentar uma alegada insuficiência para fazer face às despesas do seu agregado familiar, remetendo-a para condições abaixo do nível mínimo de sobrevivência com a dignidade que lhe deve ser reconhecida.
Todavia, essa exacta escassez do rendimento, no confronto com as despesas que tem de assegurar foram já ponderadas na fixação da parte penhorável do seu vencimento e foram motivo para a redução de que beneficiou durante o período de um ano, não podendo relevar para efeitos de isenção de penhora do seu direito de crédito, a que, aliás, nem se aplicam tais pressupostos de impenhorabilidade.
Poderão, eventualmente, ter-se agravado as suas condições de vida mas essa situação terá de ser aferida por referência à penhora do seu vencimento, que não do direito ao reembolso do IRS e tendo em atenção os pressupostos previstos no art. 738º, n.º 6 do CPC, em novo requerimento que deduza para tanto.
Em face do expendido, importa concluir pela total improcedência das conclusões da recorrente e, consequentemente, pela improcedência da apelação.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A recorrente decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono e dispensa do pagamento de taxa de justiça e outros encargos com o processo – cf. Ref. Elect. n.º 10726770).
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo da apelante.
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Lisboa, 8 de Janeiro de 2019

Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro
Dina Maria Monteiro

[1] Na falta de indicação em contrário, todos os arestos mencionados encontram-se publicados nas Bases Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.