RECURSO DE REVISÃO
ROUBO
PENA ACESSÓRIA
EXPULSÃO
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
NOVOS FACTOS
FACTO SUPERVENIENTE
Sumário


I - O recorrente funda a revisão da sentença pretendida na circunstância de ter ocorrido facto superveniente, que coloca em crise a justiça da aplicação da pena acessória de expulsão, concretamente, o facto de o filho menor, nascido em Portugal e aqui residente, ter adquirido a nacionalidade portuguesa.
II - Constitui jurisprudência dominante o entendimento de que a novidade dos factos deve existir para o julgador e ainda para o próprio requerente ao tempo do julgamento. Nos casos de invocação de nascimento de filhos após o trânsito da condenação, tem-se discutido se tal facto posterior à decisão condenatória, ainda pode considerar-se como facto novo para fundamentar recurso de revisão, ou se mesmo caracterizando-o como facto superveniente pode ser invocado naquele recurso.
III - Quanto a esta questão existem respostas no sentido afirmativo e outras de sinal contrário, defendendo-se, ainda, que o meio processual próprio não é o recurso de revisão, podendo o condenado obstar à execução da pena acessória, por via o uso do mecanismo previsto no art. 371.º-A, do CPP, ou ainda entendendo-se que o impedimento da expulsão do cidadão estrangeiro pode ser decidido pelo juiz de execução de penas.
IV - Tendo sido alegado facto ocorrido posteriormente à condenação, não se pode apodar de injusta a decisão de expulsão, pois à data do julgamento realizado em reenvio o filho do requerente ainda não tinha adquirido a nacionalidade portuguesa. Adquiriu-a posteriormente e esse é o facto novo, superveniente, que é de admitir ou não como fundamento de revisão.
V - A aquisição de nacionalidade portuguesa, podendo fundamentar o pedido, não basta para propiciar a impetrada revisão. O que a lei visa evitar é que a decisão de expulsão leve a que um menor fique desamparado, o que pressupõe que esteja a ser sustentado e educado pelo pai em efectividade, e que com a expulsão perca esse efectivo amparo.
VI - O requerente não contribuía para as despesas de caso, dado encontrar-se desempregado, sendo os pais que prestavam essa ajuda, pelo que se conclui ser de negar a revisão. Sendo negada a revisão, certo é que o pedido não é manifestamente infundado, pelo que não tem lugar a aplicação da sanção prevista no art. 456.º, do CPP.

Texto Integral



No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 1265/10.5JAPRT, da Comarca do Porto – Vila do Conde – Instância Central – 2.ª Secção Criminal – Núcleo de Matosinhos – J7, foi submetido a julgamento, para além de outros dois arguidos, o arguido AA, nascido em ........ de 1986, na Ucrânia, de nacionalidade ucraniana, casado, residente na Rua ....., 000, Ermesinde, à data detido preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto.

       Por acórdão do Tribunal Colectivo do então 2.º Juízo Criminal da Maia, integrante do Círculo Judicial da Maia, datado de 14 de Julho de 2011, constante da certidão junta de fls. 34 a 83, no que ora interessa, foi deliberado:

       - Condenar o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, e em concurso real, de cinco crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 3 anos e 6 meses de prisão, por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão, e pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea e), 3.º, n.º 2, alínea n) e 97.º, da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6-05, na coima de 1000,00 €, e na pena acessória de expulsão de Portugal, pelo período de 8 anos, a executar nos termos do disposto no artigo 151.º, n.º 4, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

       O arguido interpôs recurso, conforme consta da certidão de fls. 84 a 106, pedindo, para além do mais, a revogação da pena acessória de expulsão do território nacional.

      

       Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Dezembro de 2011, constante de fls. 109 a 139, foi deliberado fixar a pena única aplicada em cúmulo jurídico ao recorrente em 8 anos de prisão e reenviar o processo para novo julgamento, restrito à matéria da pena acessória de expulsão, a fim de se apurarem os factos referidos no acórdão e se decidir em conformidade (considerou a decisão recorrida padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relativamente a tal questão, importando para decidir da expulsão do recorrente, ter em conta de que tipo de autorização de residência (temporária ou permanente) dispõe, qual a nacionalidade do seu filho; qual a sua idade; se o recorrente exerce sobre ele o poder paternal e se assegurava os seus sustento e educação).

       Após novo julgamento, por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial da Maia, de 17 de Abril de 2012, constante da certidão de fls. 140 a 148, foi deliberado aplicar ao arguido a pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período 8 (oito) anos, a executar nos termos do disposto no artigo 151.º, n.º 4, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

 

       Esta é, para todos os efeitos, a decisão ora recorrida.

 

      Entretanto, o arguido desenvolveu outras iniciativas.

 

       Em 17-03-2015, em requerimento dirigido ao Tribunal da Maia, por si subscrito, a fls. 149 e 150, o ora recorrente pede anulação da pena acessória.

       Por despacho de 7-04-2015, proferido no Núcleo de Matosinhos, a fls. 151, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal relativamente a essa matéria, foi indeferida a pretensão.

       Por decisão do 1.º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto, de 16-11-2015, a fls. 152/3, foi determinada a execução em 12-12-2015 da pena acessória de expulsão, considerando-se extinta, nessa data, ou naquela em que, efectivamente, venha a operar a execução.

       Em 12-12-2015 o ora recorrente foi conduzido ao aeroporto do Porto onde embarcou com destino a Kiev, Ucrânia, tendo efectuado trânsito em FranKfurt - fls. 155.

       Por requerimento subscrito pelo Defensor oficioso, de fls. 157 a 161 verso, o recorrente, em 23-03-2016, pediu a revogação da decisão e a declaração de extinção da pena acessória de expulsão do País, sendo autorizado o regresso a Portugal para junto da sua família (companheira e do filho).

       Por despacho de 31 de Março de 2016, proferido no Núcleo de Matosinhos, a fls. 165, foi indeferido liminarmente o requerido.

       O arguido interpôs, em 22 de Junho de 2016, o presente recurso extraordinário de revisão, restrito à pena acessória de expulsão, constante de fls. 2 a 14, justificado na existência de novos factos que, de per si, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação ou que justificam a sua extinção, nos termos conjugados do disposto na alínea b) do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Junho, com o artigo 433.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º e seguintes, do CPP, invocando que o filho do recorrente, BB, nasceu em ............ de 2010, em Massarelos, Município do Porto, em Portugal, sendo que, ao menor BB foi entretanto atribuída a nacionalidade portuguesa,

.Remata a motivação com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluídos os realces):

       “§ - Conclusão

                                                                 36.°

Sem desconsiderar, nem prescindir de tudo quanto supra é referido, para onde se faz remissão e por brevidade se pede que seja aceite como conclusões, em sucinta síntese, na parte que se tem com interesse para os autos, e restrita à pena acessória de expulsão do País, poder-se-á concluir que:

A) - O Recorrente, no âmbito do processo supracitado, por decisão transitada em julgado, para além da pena principal, nos termos do n.° 4, do art.° 151.°, da Lei n.° 23/2007, de 04 de julho, foi condenado na pena acessória de expulsão de Portugal por um período de 8 (oito) anos.

B) - O Recorrente cumpriu, sem quaisquer infrações, a pena principal a que foi condenado.

C) - O Recorrente encontra-se a cumprir a pena de expulsão de Portugal a que foi condenado, estando, desde finais do ano de 2015, a residir na República Popular da Ucrânia.

D) - No tocante à pena de expulsão de Portugal, pelo período de 8 (oito), a que o Recorrente foi condenado, sustenta-se na douta decisão que,

í) - O Recorrente tem um filho, de nome BB, nascido no dia 0.......... de 2010, na freguesia de Massarelos, cidade do Porto.

ii) - O menor BB possui nacionalidade Ucraniana.

iii) - O Recorrente vive com a mãe do filho, uma concidadã com quem estabeleceu agregado próprio, na Rua ............, n.º ..., freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar.

iv) - O Recorrente, conjuntamente com a mãe, exerce o poder paternal do seu filho.

v) - Não sendo o menor BB de nacionalidade portuguesa, não se coloca a questão, não sendo aplicável a alínea b) do art. 135.° da lei 23/2007, de 4 de julho.

vi) - O filho do Recorrente é nacional de estado terceiro, que reside em território português e que aquele exerce sobre este o poder paternal e que não assegura o seu sustento.

E) - Resulta pois, da douta decisão de aplicação da pena acessória de expulsão do País, em sucinta síntese, que a factualidade, tida por essencial a qualquer impedimento da aplicação da pena de expulsão do País, é o facto de:

i) - O menor BB, filho do Recorrente, não ter nacionalidade portuguesa (supostamente),

ii) - O Recorrente não assegurar o sustento (supostamente) do seu filho menor, BB.

F) - Com o devido respeito, nesta vertente condenatória, tem-se que atualmente os factos concretos permitem que não seja aplicada ao Requerente a pena de expulsão porquanto,

i) - O filho do Recorrente, BB, nasceu em 0.......... de 2010, em Massarelos, Município do Porto, em Portugal, sendo que lhe foi atribuída a Nacionalidade Portuguesa (DOC. 1 que se anexa e dá por reproduzido para todos os efeitos);

ii) - O Recorrente é pai de uma criança menor, BB, de nacionalidade Portuguesa;

iii) - O recorrente tem uma família constituída, socialmente bem integrada, atualmente a residir na Rua ........., n.° .....-..., ... andar esquerdo, freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar, distrito do Porto (DOC. 2, que se anexa e dá por reproduzido para todos os efeitos).

iv) - A mulher do Recorrente, CC, nos termos legalmente permitidos requereu que lhe fosse atribuída a nacionalidade portuguesa, que se encontra em tramitação através do Processo n.° 30997/2015, cuja concessão está em vias de ser concedida (DOC. 3, que se anexa e dá por reproduzido para todos os efeitos).

G)       - Da análise da prova produzida afigura-se, com o devido respeito, que o Recorrente reúne condições impeditivas da ordem de expulsão, a que foi condenado, ou então que essa ordem seja revogada e autorizada a sua permanência em Portugal.

H) - Nos termos das alíneas b) e c), do art.° 135.°, da Lei 23/2007, de 04 de julho, na sua redação há (SIC) data dos factos, é referido que, não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

i) - Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

ii) - Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efetivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;

I) - Aliás, como é sustentado no douto acórdão que aplicou a pena de expulsão ao Recorrente, «A CRP tanto estabelece a garantia de que os cidadãos portugueses não poderão ser expulsos do território nacional (art.° 33°, n.° 1,), como garante também aos filhos o direito de não serem separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e exigindo-se para tanto uma decisão judicial (art.° 36.°, n.° 6). O direito à convivência, ou seja, o direito dos membros, do agregado familiar, a viverem juntos, não é "apenas um direito dos pais ou dos filhos portugueses, mas também dos filhos portugueses em relação ao progenitor estrangeiro ou desse em relação aos filhos portugueses", não sendo consentida outra interpretação com base nos princípios da equiparação e da igualdade (Ac. STJ, de 17.02.2011, relatada pelo Conselheiro Souto Moura, in www.dasi.pt/sti)».

J) - No caso dos presentes autos, resulta que o filho do Recorrente, BB, de facto e efetivamente nasceu em Portugal, mais precisamente na freguesia de Massarelos, Município do Porto, e que sempre residiu em Portugal (antes na Rua ............, n.° ........ Freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar, atualmente na Rua ........, n.° ........., .... andar esquerdo, freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar).

K) - O filho menor do Recorrente, BB, tem de facto nacionalidade Portuguesa (doc. 1 que se anexa e dá por reproduzido para todos os efeitos).

L) - A mulher do Recorrente, mãe do filho de ambos, e o próprio filho encontram-se a residir em Portugal, desde há muito tempo, sendo que a mulher do Recorrente já solicitou a atribuição de nacionalidade portuguesa a qual se julga que está na eminência de ser concedida.

M) - O Recorrente, conforme resulta dos autos, e corresponde à verdade, exerce conjuntamente com a mãe do menor, BB, filho de ambos, o poder paternal ou parental, sendo conjunta a responsabilidade pela sua educação e pelo seu sustento.

N) - O Recorrente, quanto ao sustento do filho, admite que foi precário ou quase inexistente, durante o período em que esteve a cumprir a pena de prisão a que foi condenado mas que terá que assegurar como bom pai que pretende ser para com o seu filho.

O) - O Recorrente, decorrente do cumprimento da pena principal que lhe foi aplicada, está bem ciente das responsabilidades sociais, do cumprimento dos seus deveres legais assim como das responsabilidades paternais e parentais que lhe são exigidas perante o seu filho menor cujo crescimento intelectual e moral deseja que seja efetuado no seio de uma sã família, bem inserida socialmente, porquanto, reconhece a importância para o salutar crescimento do filho conviver habitualmente na companhia dos pais, admita-se uma família normal, composta pelo pai, mãe e avós.

P) - Tendo presente a verdade dos factos, conforme exposto supra, constata-se que,

i) - O Recorrente, já cumpriu a pena de prisão, sem qualquer perturbação, a que foi condenado;

ii) - O Recorrente, é pai de um filho menor, BB, que tem nacionalidade Portuguesa e sempre residiu em Portugal (DOC. 1, que se anexa e dá por reproduzido para todos os efeitos);

iii) - Ao Recorrente estão confiadas, conjuntamente com a mãe do filho, BB, o exercício das responsabilidades paternais e parentais;

iv - O Recorrente está socialmente bem inserido e tem condições de apoio para uma melhor inserção social (DOC. 2, que se anexa e dá por reproduzido para todos os efeitos);

v) - A convivência do Recorrente com o filho menor é essencial ao seu crescimento intelectual e moral, quer ainda no que respeita ao seu sustento, educação e salutar convívio familiar;

vi - O Recorrente tem uma vida familiar, conjunta, assumida com a mãe do seu filho;

vii - O afastamento do Recorrente do convívio do seu filho menor poderá comportar graves e persistentes distúrbios na formação da personalidade e na sua educação;

viii) - A deslocação da família para a Ucrânia comporta graves riscos, inerentes ao estado de guerra que este País vive, sem excluir ainda que,

ix) - Não existem motivos, imputáveis à conduta do Recorrente posterior aos factos ilícitos sobre os quais foi condenado, cuja pena de expulsão está, humildemente, a cumprir.

      Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e que com fundamento no exposto supra, nomeadamente na verificação dos requisitos impeditivos da aplicação da pena de expulsão do território Nacional, ao Recorrente AA, que a douta decisão seja revogada e declarada extinta a pena acessória de expulsão de Portugal; e consequentemente, que seja autorizado, ao Recorrente, o regresso a Portugal para junto da família (mulher e filho) restabelecendo, com estes, uma salutar e desejada, em comum, união familiar.

                               

Em 5-07-2016, a fls. 168/9, veio o recorrente juntar o comprovativo do cartão de cidadão da mulher, a quem, entretanto, foi atribuída a nacionalidade portuguesa.

                                                                      *****

      O Exmo. Procurador junto dos Serviços do Ministério Público de Matosinhos - 2.ª Secção, apresentou resposta, nos termos constantes de fls. 26 a 29, concluindo pela rejeição do recurso, por inadmissível, por não se verificarem os fundamentos invocados, ou quaisquer outros, para a revisão do acórdão proferido em 1.ª instância.

                                                                 *****

       Seguidamente, o Exmo. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Central - 2.ª Secção Criminal, lavrou informação, nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal, a fls. 31/32, onde, após afirmar entender que as razões aduzidas pelo arguido/recorrente não são susceptíveis de conduzir à procedência do pedido de revisão, convocando o aduzido pelo Ministério Público na sua resposta, consigna que as circunstâncias alegadas pelo arguido não são novas, no sentido pretendido pela lei, ou seja, factos contemporâneos ou anteriores à decisão, que não tivesse sido possível levar ao conhecimento do tribunal, sendo certo que o recorrente apresenta circunstâncias supervenientes que, por o serem, em nada podem afectar a justiça da condenação.

                                                                *****

       O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, de fls. 176 a 179, emitiu douto parecer no sentido de não ser autorizada a pretendida revisão, argumentando do modo que segue (realces são do texto):

       “IV O Supremo Tribunal de Justiça, como fundamento da revisão, tem admitido a invocação de factos supervenientes, considerando que a condenação, justa no momento da decisão, ainda se pode considerar injusta se ao tempo da execução da pena já não subsistem os pressupostos da condenação – considerações estas essencialmente desenvolvidas para a pena acessória de expulsão.

       E, nessa medida, como sucede relativamente à aceitação da revisão fundada em nascimento de filho, superveniente à condenação, tem adoptado duas soluções divergentes: a 1.ª aceita-a considerando [1]«que não é tolerável que se execute uma pena sobre a qual recaem graves suspeitas de ser injusta. Tendo o recurso de revisão como fundamento e teleologia, precisamente, a reparação de decisões injustas, ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida, … por maioria de razão ele deve ser admitido a reparar decisões que ainda se não executaram, quando, portanto, é ainda possível evitar que se efective e execute uma decisão injusta»; a segunda repudia-a, entendendo que, de [2]«acordo com o art. 138.º, n.º 4, al. d), do CEPMPL, compete ao TEP determinar a execução da pena acessória de expulsão e, se na altura dessa decisão verificar a existência de um impedimento à sua execução, decorrente de facto superveniente à decisão condenatória, não determinará a expulsão, por impossibilidade legal.»

       Acompanhamos a primeira solução, sobretudo, porque, embora se insira na competência material do TEP Após o trânsito em julgado da sentença … acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção (art. 138.º, n.º 2, do CEPMPL), bem como Determinar a execução da pena acessória de expulsão … e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão (n.º 4, al. d) do mesmo preceito), não existe qualquer norma que confira ao TEP a possibilidade de modificação da pena de expulsão por circunstâncias supervenientes à condenação.

       Sucede que, no caso, a expulsão foi executada e a nova situação factual (a aquisição de nacionalidade portuguesa, quer do filho, quer da mãe deste) não é de molde a afectar a justiça da condenação, porque, por si, não interfere de forma significativa nos pressupostos da condenação da pena acessória.

Na verdade, as referidas aquisições de nacionalidade são posteriores à execução da expulsão e, portanto, além de supervenientes, eram irrelevantes para a sua limitação ou exclusão, nos termos do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, vigente à data da condenação, e da versão introduzida pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto.

O que, efectivamente, na perspetiva do recorrente, se tornou desajustado e instrumento atentatório do respeito devido à vida privada e familiar do recorrente, foi a manutenção da interdição de regresso a Portugal.

       Não se olvidando que, com fundamento na nova situação factual, o tribunal da condenação, por duas vezes (fls. 119 e 165), rejeitou os pedidos de extinção da pena acessória e que esta não pode ser decretada automaticamente, como decorre da jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização n.º 14/96, de 7 de Novembro de 1996, cujo sentido, não obstante as modificações legislativas, mantém actualidade, certo é que as referidas aquisições de nacionalidade não constituem qualquer limite à expulsão, como decorre do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, vigente à data da condenação, e da versão introduzida pela Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto.

       Na verdade, o citado artigo 135.º, alínea b) (na versão da lei n.º 29/2007), só limita a expulsão dos cidadãos estrangeiros que Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação.

       Ora, tal questão, que já tinha merecido apreciação específica da Relação, em recurso ordinário do arguido, não se mostra factualmente alterada: a expulsão foi decretada porque, embora o arguido exercesse sobre o menor o poder paternal, não lhe assegurava o sustento; actualmente, limita-se a afirmar que «resulta dos autos, e corresponde à verdade» que é «conjunta a responsabilidade pela sua [do filho menor] educação e pelo seu sustento», quando nada existe que evidencie ou, sequer, indicie que contribui para o sustento do menor.

       V Em suma:

O recurso de revisão, com consagração constitucional (art.º 29.6 da CRP), visa obter o equilíbrio entre a imutabilidade da sentença ditada pelo caso julgado (vertente da segurança) e a necessidade de assegurar o respeito pela verdade material (vertente da Justiça).

       Não foi indicado qualquer novo facto ou meio de prova (e muito menos, idóneo a pôr em causa, de forma grave, a justiça da condenação) que fundamente o pedido.

Pelo exposto somos do parecer de que não deverá ser autorizada a pretendida revisão”.

                                                                   *****

             Colhidos os vistos, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.  

                                                                   *****

      O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação apresentada pelo recorrente, não havendo neste recurso extraordinário lugar, por razões óbvias (em causa está apenas a fixação da matéria de facto), a qualquer conhecimento oficioso.

                                                                  *****

          Questão a apreciar.

            A única questão a apreciar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.

      Com efeito, o recorrente pretende a revisão com fundamento no facto de o filho BB, nascido em Massarelos, Porto, em .......... de 2010, ter adquirido, já após o acórdão condenatório, a nacionalidade portuguesa.

     Factos provados

      Com interesse para o ponto específico em causa – aplicação da pena acessória de expulsão de estrangeiro – após novo julgamento, nos termos e para os efeitos determinados pelo Tribunal da Relação do Porto, relembrando-se que o acórdão do Colectivo do Círculo Judicial da Maia data de 17 de Abril de 2012, para além do que já constava da matéria de facto provada no acórdão recorrido (designadamente que o arguido AA é cidadão ucraniano, não tendo qualquer relação laboral em Portugal; está em Portugal há cerca de seis anos, conheceu e contraiu matrimónio com uma concidadã com quem estabeleceu agregado próprio na Rua .........., ..., Rio Tinto; não dispõe de rendimentos próprios estando dependente da ajuda dos progenitores e do cônjuge, todos com a autorização de permanência regulada), ficou, também, provado que:

> O arguido AA é pai de BB, nascido a ...... de 2010, em Massarelos, Porto.

> O arguido AA não é beneficiário do Instituto de Solidariedade e Segurança Social.

> O menor BB, de nacionalidade ucraniana, beneficiou de autorização de residência temporária até 1.02.2012.

> A mãe do menor é de nacionalidade Ucraniana.

> O arguido AA tem um irmão na Ucrânia.

> Entrou em Portugal com um título de residência temporário de dois anos, que já expirou.

> Vivia com a mãe do filho quando foi preso, encontrando-se desempregado.

> Exercia com a mãe o poder paternal quanto ao filho.

> Não contribuía para as despesas de casa, dado encontrar-se desempregado, sendo os pais que prestavam essa ajuda.

De relevante para a decisão quanto à pena acessória de expulsão do território nacional não se provaram quaisquer outros factos.


*

       Motivação da decisão de facto.

- As declarações do arguido, que, para além de referir não se importar de ir embora de Portugal, confirmou ter um irmão na Ucrânia e ter um filho nascido em Portugal, que não tem nacionalidade portuguesa e cuja mãe é de nacionalidade Ucraniana. Confirmou, também, que entrou em Portugal com um título de residência temporário de dois anos, que já expirou, e que vivia com a mãe do filho quando foi preso, encontrando-se desempregado. Mais confirmou que exercia com a mãe o poder paternal quanto ao filho e que eram os pais que ajudavam nas despesas de casa, dado encontrar-se desempregado. Na parte referida convenceu, considerando os documentos juntos e a seguir descriminados, que atestam o declarado pelo arguido. Não convenceu, porém, considerando os mesmos documentos, em particular a declaração da Segurança Social, na parte em que referiu ter descontado para a Segurança Social e já ter beneficiado do fundo de desemprego em Portugal.

- O assento de nascimento de fls. 1780, que comprova que o arguido AA é pai de BB, nascido a .......... de 2010, em Massarelos, Porto.

- A declaração do Instituto da Segurança Social de fls. 1788, que atesta que o arguido AA não consta como beneficiário.

- A fotocópia do título de residência temporária de BB, de fls. 1797, que atesta ser de nacionalidade ucraniana, comprovando, ainda, que a autorização caducou em 1.02.2012”.

       Facto superveniente

      

       Entretanto, e como único facto relevante/útil/pertinente, para efeitos do presente recurso extraordinário, é invocado o facto de o filho do recorrente, BB, nascido a .......... de 2010, em Massarelos, Porto, ter adquirido a nacionalidade portuguesa.

      A posterior aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de sua Mãe, mulher do requerente, neste contexto, é irrelevante.

 

               

       Apreciando.

      

       Com o presente recurso pretende o recorrente se autorize a revisão da sentença condenatória, transitada em julgado, proferida no processo principal, circunscrevendo o pedido à pena acessória de expulsão do território nacional.

       A questão a apreciar em primeiro lugar prende-se com a aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.

       Como dizia Luís Osório no Comentário ao Código de Processo Penal, volume VI, pág. 403, versando a revisão sempre sobre a questão de facto, visa-se pela mesma não um reexame nem uma reapreciação de anterior julgado, mas, sim e antes, uma nova decisão assente em novo julgamento do feito com apoio em novos dados de facto, “não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.

A revisão versa apenas sobre a questão de facto, como concluem Leal Henriques-Simas Santos em Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, 2008, pág. 209, referindo os mesmos Autores que versa apenas matéria de facto em Recursos Penais, Rei do Livros, 8.ª edição, 2011, pág. 219.

Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, pág. 1507, afirma: “3. A revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre a questão de facto. Não se trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos de facto. Por tal motivo, não parece admissível o recurso com o objectivo apenas de alteração da qualificação jurídica dos factos.

4. Em regra, a revisão funda-se em matéria de facto e só excepcionalmente algumas legislações a admitem com base em matéria de direito. Será o caso da previsão das alíneas e), f) e g), aditadas pela Lei n.º 48/2007, de 29/8”.

Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.

Como se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, proferido no processo n.º 379/99-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-12, e BMJ n.º 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP. 

O direito à revisão de sentença encontra consagração constitucional no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, versando em concreto sobre «Aplicação da lei criminal», no domínio dos direitos, liberdades e garantias, exactamente inserido no Título II, subordinado à epígrafe “Direitos, liberdades e garantias”, e a partir da primeira revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro de 1982 -, no Capítulo I, sob a epígrafe “Direitos, liberdades e garantias pessoais”.

Trata-se de preceito que contém o essencial do “regime constitucional” da lei criminal. 

Releva para o caso presente, o n.º 6 deste preceito, que reconhecendo e garantindo o direito a revisão, estabelece:

“Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

Este n.º 6, acrescentado ao artigo 29.º pela referida Lei Constitucional n.º 1/82, mais não é do que a reprodução/transferência do primitivo n.º 2 do artigo 21.º da Constituição da República, na sua redacção originária, inserto então em norma que versava sobre “Responsabilidade civil do Estado”.

       Dizia então o primitivo n.º 2 do artigo 21.º:

       “2. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e a indemnização pelos danos sofridos”.

  

Como assinalam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, Coimbra Editora, 1984, 1.º volume, pág. 208:

       “VII. O n.º 6 [do artigo 29.º da CRP] reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; (b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas. É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença”.

       Do mesmo modo em Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Coimbra Editora, Janeiro de 2007, volume I, 4.ª edição revista, pág. 498:

        “ XII. O n.º 6 reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; (b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas.

         É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença”.  

       Procurava-se então responder à reparação do erro judiciário, fora do plano da prisão preventiva ilegal ou injustificada (a qual pode originar lesões graves e ilegítimas, devendo merecer igual protecção o ressarcimento dos danos provocados), e constante já do artigo 2403.º do Código Civil de 1867 [Parte IV – Da offensa dos direitos e da sua reparação – Livro I – Da responsabilidade civil – Título V – Da responsabilidade por perdas e damnos causados por empregados publicos no exercicio das suas funcções, o qual estabelecia: “Mas, se alguma sentença criminal fôr executada, e vier a provar-se depois, pelos meios legaes competentes, que fôra injusta a condemnação, terá o condemnado, ou os seus herdeiros, o direito de haver reparação de perdas e damnos, que será feita pela fazenda nacional, precedendo sentença controvertida com o ministério publico em processo ordinário”] e do artigo 690.º do Código de Processo Penal de 1929, então vigente, no que respeita ao plano específico da “Indemnização ao réu absolvido”, condenado pela sentença revista. (A revisão era então versada no Título X – Da revisão das sentenças e despachos - artigos 673.º a 700.º).

       Actualmente, a indemnização em caso de a decisão revista ter sido condenatória e o tribunal de revisão absolver o arguido está prevista no artigo 462.º do CPP.

       Por seu turno, o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), permite a quebra do caso julgado, a “reabertura do processo (…), se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

       Como diz o acórdão deste Supremo Tribunal de 16-06-2011, proferido no processo n.º 108/07.1PASJM-K.S1-5.ª Secção, a importância do recurso de revisão como instrumento para remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado, deu-lhe assento constitucional.      

Segundo José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1984 (reedição), volume V, pág. 158, “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”.

Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).

Mais do que meros interesses individuais, são ponderosas razões de interesse público que ditam a existência desta última garantia, cuja teleologia se reconduz em fazer prevalecer a justiça (material, real ou extraprocessual), sobre a segurança jurídica – José Maria Rifá Soler e José Francisco Valls Gombau, Derecho Procesal Penal, Madrid, Iurgium Editores, pág. 310.

Admitindo que a sentença judicial não tem o alcance de modificar a realidade do direito substantivo, transformando por misericordiosa ficção o injusto em justo, deverá tirar-se a consequência de que nenhuma decisão judicial seria definitiva e irrevogável.

Contra esta consequência se move, porém, a necessidade de segurança jurídica que, em largo limite, assim é chamada a restringir a justiça – Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 1958, pág. 36; de modo concordante, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45.

       A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excepcional e com fundamentos taxativos – Vicente Gimeno Sendra, Derecho Procesal Penal, Editorial Colex, 1.ª Edição, 2004, pág. 769.

       Conforme escreveu Eduardo Correia, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto” (em registo semelhante ver, do mesmo Autor, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, pág. 7).

       Figueiredo Dias (loc. cit., pág. 44) afirma que a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.

       Nas palavras de Luís Osório da Gama e Castro de Oliveira Batista, no Comentário ao Código de Processo Penal Português, Coimbra Editora, 1934, 6.º volume, págs. 402-403: “O princípio da res judicata pro veritate habetur é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão da sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos de alcançar. (…) A revisão tem a natureza de um recurso. (…) A revisão é um exame do caso quando surgem novos e importantes elementos de facto. Pode assim dizer-se que se não trata de uma revisão do julgado, mas de um julgado novo sobre novos elementos”.

Para Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 2.ª edição, pág. 129, o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respectiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Segundo os mesmos Autores, in Código de Processo Penal Anotado, Editora Rei dos Livros, 2000, II volume, págs. 1042/3: “O recurso extraordinário de revisão apresenta-se como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”.

       Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, versando o artigo 449.º, na nota 1, pág. 1209, da edição de 2007 (na 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, a págs. 1205), afirma: “Esta é uma norma excepcional que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito”.

       Após aludir ao artigo 29.º, n.º 6, da CRP e artigo 4.º, § 2.º, do Protocolo adicional n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, disposições que permitem a quebra do caso julgado no processo penal, refere (págs. 1209/1210 e 1216 na edição de 2007 e págs. 1206 - nota 1 e 1213 - nota 20, na 4.ª edição de 2011): “A noção definitividade da sentença (caso julgado) assenta, pois, no esgotamento das vias de recurso ordinário ou no decurso do prazo para o seu exercício, sem prejuízo da reabertura do processo desde que com base em novos factos ou em vício fundamental do processo. Mas só circunstâncias “substantivas e imperiosas” (substantial and compelling) devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada” (appeal in disguise, na expressão do acórdão do TEDH Ryabyh v. Rússia …).

       E na nota 2, pág. 1206, acrescenta: “Por isso, o elenco das causas do artigo 449.º, n.º 1, é taxativo (acórdão do STJ, de 6.10.1999, SASTJ, n.º 34, 63).”.

 

Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2005, proferido no processo n.º 135/05-3.ª, publicado in CJSTJ, 2005, tomo 2, pág. 179, o recurso extraordinário de revisão consagrado no artigo 449.º e seguintes do CPP apresenta-se como uma válvula de segurança do sistema, modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa, através da consideração de factos-índice, taxativamente enumerados naquele normativo, seriamente a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo.

Neste sentido, cfr. o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 144/99.0SMLSB-B.S1-3.ª.

Delimitando o objecto do recurso, afirmava-se no já referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000: “No novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias”.

Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, processo n.º 1260/05-5.ª “No ordenamento português a revisão opera, não uma reapreciação do anterior julgado, antes uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, mas com base em novos dados de facto, ou seja, versa sobre a questão de facto.   

Em sentido semelhante o acórdão de 7-10-2008, processo n.º 8523/06.1TDLSB-E.S1-3.ª, onde se afirma que “a revisão visa, não uma reapreciação do anterior julgado, mas sim uma nova decisão assente em novo julgamento da causa, com base em novos dados de facto”, afirmação que se contém no acórdão de 26-02-2014, processo n.º 1558/07.9TAALM-A.S1-3.ª.

       Para o acórdão do STJ de 15-01-2014, proferido no processo n.º 8/09.0SVLSB-G.S1, da 3.ª Secção, que “O recurso de revisão não é um instrumento para a impugnação da matéria de facto ou destinado à arguição de vícios da sentença, que devem ser exclusivamente suscitados e apreciados no âmbito dos recursos ordinários”.

       Focando este aspecto, já o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 144/99.0SMLSB-B.S1-3.ª, referia que o objectivo da revisão não é discordar da valoração da prova levada a efeito pelo Colectivo, mantida pela Relação, e intentar que, pela via deste recurso, se modifique o decidido, ou seja, conseguir por ele uma nova instância de recurso, acrescentando:

“Não é esta a veste a atribuir ao recurso, verdadeiramente extraordinário e não mais um recurso enxertado na sua cadeia ordinária, para fazer vingar e suprir deficiências processuais a montante do julgado, guardado habilmente pelos sujeitos processuais como um “trunfo”, utilizado quando lhes pareça conveniente, em ordem à destruição de um processo”.   

Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-09-2008, processo n.º 1781/08 - 5.ª Secção “A revisão extraordinária de sentença transitada não pode ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou, pelo menos, se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa com base em algum dos fundamentos indicados no n.º 1 do art. 449.º do CPP. O recurso de revisão não visa a correcção do decidido, nem a sua alteração, mas um novo julgamento” (citado no acórdão proferido em 18-01-2012, no processo n.º 454/04.6GBAVV-A.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto).

Do carácter excepcional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

Como foi dito no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-05-2000, proferido no processo n.º 20/2000, da 5.ª Secção, “exactamente porque, tratando-se de um recurso extraordinário, o mesmo tem de ser avalizado rigorosamente, não podendo, nem devendo, vulgarizar-se, pelo que haverá que encará-lo sob o prisma das graves dúvidas, e como graves só podem ser as que atinjam profundamente um julgado passado, na base de inequívocos dados, presentemente surgidos” – este acórdão é citado nos acórdãos de 17-04-2008, processo n.º 1307/08 - 5.ª Secção; de 30-06-2010, processo n.º 169/07.3GAOLH-A.S1-3.ª, CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 215/8, este em que interviemos como adjunto, infra referidos; de 08-09-2010, processo n.º 378/06.2GAPVL-A.S1 e de 07-09-2011, processo n.º 29/01.TACBC-A.S1-3.ª (não basta mera indicação posterior à decisão condenatória transitada em julgado de elementos, no caso testemunhal, que no entendimento do recorrente podem de per se ou conjugados com as demais infirmar a factualidade subjacente à condenação – deve o recorrente descrever em que consistem esses novos factos e em que se concretizam esses outros meios de prova, cuja gravidade compromete a justiça da condenação).

Como é referido no acórdão de 25-11-2009, processo n.º 497/00-9TAPCV-B.S1-3.ª, estamos perante um recurso extraordinário, um “remédio” excepcional a aplicar nas situações em que a manutenção, com fundamento no caso julgado, de uma situação manifestamente injusta seria de tal forma chocante e intolerável para o sentimento de justiça da comunidade que a própria paz jurídica, que o caso julgado visa assegurar, ficaria posta em crise.

       Segundo o acórdão de 12-06-2014, proferido no processo n.º 1236/05.3GBMTA-B.S1-5.ª, o recurso de revisão não se destina a suprir inépcias ou desleixos processuais nem pode estar ao serviço de puras estratégias de defesa.

E como acentua o acórdão de 25-07-2014, proferido no processo n.º 145/10.9JAPDL-B.S1-3.ª, o instituto de revisão de sentença, de matriz constitucional, enquanto mecanismo processual conflituante com o do caso julgado material, também constitucionalmente consagrado através do princípio non bis in idem, consubstancia um incidente excepcional, em que só perante situações especiais, rigorosamente previstas na lei, é admissível a sua utilização, com vista a repor a verdade e a realização da justiça.

No mesmo sentido, o acórdão de 14-10-2015, processo n.º 154/13PCRGR.S1-3.ª. 

       Assim sendo, evidente é que se imporá ao nível da apreciação da admissibilidade do presente recurso um grau de exigência compatível com o carácter especialíssimo, extraordinário, excepcional do meio processual usado.

Fazendo aplicações destas considerações, podem ver-se os acórdãos relatados pelo ora relator, de 07-09-2011, processo n.º 22/05.5ZRFAR-B.E1.S1; de 12-10-2011, processo n.º 11/04.7GASJM-C.S1; de 15-12-2011, processo n.º 157/08.2GCACB-A.S1; de 08-01-2015, processo n.º 19/10.3GCRDD-E.S1, de 2-03-2016, processo n.º 85/12.7JAFAR.-A.S1, de 30-03-2016, processo n.º 74/12.1JACBR-A.S1 e de 28-04-2016, processo n.º 565/13.7TATNV-A.S1.       

Aliás, idêntico grau de exigência se coloca nos recursos extraordinários para fixação de jurisprudência. Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-1996, proferido no processo n.º 47.750, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143, face à natureza excepcional do recurso, a interpretação das normas que o regulam deve fazer-se apertis verbis, ou seja, com o rigor bastante para o conter no seu carácter extraordinário e não o transformar em mais um recurso ordinário na prática. 

       Como referia o acórdão de 08-03-2007, proferido no processo n.º 325/07-5.ª “Quando se entra no domínio dos recursos extraordinários todos estarão cientes de que o trilho é excepcional, não apenas quanto à sua emergência e tramitação, como no rigor das suas exigências formais para com todos os sujeitos processuais”; ou, como se referia no acórdão de 23-01-2003, processo n.º 1775/02-5.ª, sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, deve entender-se que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade.

No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos de 26-04-2007, processo n.º 604/07-5.ª; de 05-09-2007, processo 2566/07-3.ª; de 14-11-2007, processo n.º 3854/07-3.ª; de 23-01-2008, processo n.º 4722/07-3.ª; de 12-03-2008, no processo n.º 407/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253; de 26-03-2008, processo n.º 804/08-3.ª; de 19-03-2009, processo n.º 306/09-3.ª; de 15-09-2010, processo n.º 279/06.4GGOAZ.P1-A.S1-3.ª; de 30-01-2013, processo n.º 1935/09.0TAVIS.C1-A.S1-3.ª; de 21-10-2015, processo n.º 1/12.6GBALQ.L1-A.S1-3.ª; de 20-04-2016, processo n.º 22/03.0TELSB.L1.S1; de 21-09-2016, processo n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1, da 3.ª Secção.

E de igual modo no recurso de decisão contra jurisprudência fixada, como se pode ver no acórdão de 5-01-2011, proferido no processo n.º 86/08.0TAMFR.L1-A.S1-3.ª, na confluência deste recurso com o previsto no artigo 446.º, do CPP, por estar em causa o trânsito em julgado do AUJ e a respectiva eficácia externa emprestada pela publicação no Diário da República, com voto de vencido, afirma-se “A lei estabeleceu certos e determinados requisitos para a interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Pelo carácter excepcional deste recurso, que impugna decisões transitadas em julgado, estes requisitos são insusceptíveis de «adaptação», que poderia por em causa interesses protegidos pelo caso julgado, fora das situações expressamente previstas na lei, pelo que se não lhe aplica o vertido no art. 265.º-A, do CPC”) e no acórdão de 6-04-2016, processo n.º 521/11.0TASCR.L1-A.S1.

                                                                  *******

            O presente pedido de revisão de sentença circunscreve-se à condenação em pena acessória de expulsão.

       A pretensão recursiva alicerça-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, segundo o qual:

       1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:    

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

     

Na óptica do recorrente, a revisão de sentença funda-se na circunstância de ter ocorrido facto superveniente, que coloca em crise a justiça da aplicação da pena acessória de expulsão, concretamente, o facto de o filho menor, nascido em Portugal e aqui residente, ter adquirido a nacionalidade portuguesa, sendo que a sua mulher, entretanto, foi atribuída a nacionalidade portuguesa.

A aplicação da pena de expulsão do território nacional foi fundamentada no acórdão recorrido, de 17 de Abril de 2012, a fls. 145/147 deste processo, do seguinte modo (Realces do texto):

       “Da pena acessória de expulsão do território nacional

       Em sede de pronúncia, preconiza-se pela aplicação ao arguido da pena acessória de expulsão do país, prevista no art.° 151.°, n.° 2, da Lei n.° 23/2007, de 4/07.

       Nos termos do art.° 151.°, n.° 1, da Lei 23/2007, de 4/07, a pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.

Por sua vez, estabelece no n.° 2, do referido art° 151.°, que a mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

Finalmente, dispõe o n.° 3, também daquele art.° 151.°, que sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.

Há, assim, diferentes pressupostos para a aplicação da pena acessória de expulsão consoante se trate de cidadão estrangeiro não residente no país ou de cidadão estrangeiro residente no país.

       No caso concreto, o arguido reside em Portugal, pelo que será de afastar a hipótese do n.° 1 do referido art.° 151.°.

       Não se verifica, também, a hipótese do n.º 3, do referido artigo, dado que o arguido não beneficia de residência permanente no nosso país.

Dado que entrou em Portugal com um título de residência temporário de dois anos, que já expirou, a situação enquadra-se na previsão do n.° 2, da norma citada.

       Assim, a pena acessória de expulsão apenas pode ser aplicada ao arguido, em caso de condenação por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, o que é o caso.

       Todavia, para além da pena aplicada, deverá ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

       Estamos perante um indivíduo que praticou cinco crimes de roubo, que assumem muita gravidade, até pelas enormes repercussões que geram na nossa sociedade, provocando grande comoção e alarme social.

       Ficou provado que o arguido não tem qualquer relação laboral em Portugal; está em Portugal há cerca de seis anos, conheceu e contraiu matrimónio com uma concidadã com quem estabeleceu agregado próprio na Rua .........., ...., Rio Tinto; não dispõe de rendimentos próprios estando dependente da ajuda dos progenitores e do cônjuge, todos com a autorização de permanência regulada; é pai de BB, nascido a .......... de 2010, em Massarelos, Porto; não é beneficiário do Instituto de Solidariedade e Segurança Social; o menor BB, de nacionalidade ucraniana beneficiou de autorização de residência temporária até 1.02.2012; a mãe do menor é de nacionalidade Ucraniana; o arguido AA tem um irmão na Ucrânia; entrou em Portugal com um título de residência temporário de dois anos, que já expirou; vivia com a mãe do filho quando foi preso, encontrando-se desempregado; exercia com a mãe o poder paternal quanto ao filho; não contribuía para as despesas de casa, dado encontra-se desempregado, sendo os pais que prestavam essa ajuda.

Nos termos do art.° 135.°, da Lei 23/2007, de 4 de Julho, não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;

d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.

A CRP tanto estabelece a garantia de que os cidadãos portugueses não poderão ser expulsos do território nacional (art. 33.°, n.º 1), como garante também aos filhos o direito a não serem separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e exigindo-se para tanto uma decisão judicial (art. 36°, n° 6). O direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos, não é "apenas um direito dos pais ou dos filhos portugueses, mas também dos filhos portugueses em relação ao progenitor estrangeiro ou deste em relação aos filhos portugueses", não sendo consentida outra interpretação com base nos princípios da equiparação e da igualdade (Ac. STJ, de 17.02.2011, relatada pelo Conselheiro Souto de Moura, in www.dgsi.pt/jstj>.

       Todavia, não sendo o menor BB de nacionalidade portuguesa, não se coloca a questão, não sendo aplicável a al. b), do referido art.° 135.°, da Lei 23/2007, de 4 de Julho.

       Resta apurar se estão verificados os presupostos da al. c), dado que as demais não se verificam.

       Está provado que o menor BB é nacional de Estado terceiro, que reside em território português e que o arguido exerce sobre ele o poder paternal.

       Todavia, não assegura o seu sustento.

       Assim, está plenamente justificada a imposição ao arguido AA da preconizada pena acessória de expulsão, a decretar por 8 (oito) anos”.

                                                         *******

Estando em causa a pena acessória de expulsão de estrangeiro aplicada ao recorrente, vejamos a evolução legislativa quanto ao tratamento da mesma, o que não deixará de ter importância, como se verá, face à sucessão de soluções legais e mesmo melhoria de tratamento do condenado em tal pena acessória.

       O actual regime jurídico é o resultado de sucessivas alterações legislativas, anotando-se que à data do acórdão que definiu a situação do requerente, ou seja, 17 de Abril de 2012, estava em vigor a versão primitiva da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.

 

No domínio do Código Penal de 1852/1886 a expulsão do território nacional tinha uma expressão dual, sendo encarada como substitutivo de medida de segurança.

Integrado no Capítulo I «Das penas e das medidas de segurança» - artigos 54.º a 73.º -, do Título II « Das penas e seus efeitos e das medidas de segurança» do Livro Primeiro «Disposições gerais», sob a epígrafe “Aplicação de medidas de segurança”, o artigo 71.º (preceito que previa a aplicabilidade de medidas de segurança a vadios, mendigos, rufiões, a viver total ou parcialmente a expensas de prostitutas, aos que se entregassem habitualmente à prática de vícios contra a natureza, às prostitutas, aos que mantivessem ou dirigissem casas de prostituição, ou que  favorecessem ou excitassem habitualmente a depravação ou corrupção de menores, aos receptadores, a todos os que tivessem sido condenados por crimes de associação de malfeitores ou por crime cometido por associação de malfeitores, quadrilha ou bando organizado), no § 3.º, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39.688, de 5 de Junho de 1954, com a rectificação de 29 do mesmo mês. estabelecia:
“Em relação aos estrangeiros, as medidas de segurança poderão ser substituídas pela expulsão do território nacional”.

       Mas também estava prevista como pena acessória.

Estabelecia o artigo 151.º (Penas acessórias), inserto no Capítulo I - Dos crimes contra a segurança exterior do Estado - do Título II - Dos crimes contra a segurança do Estado -, na redacção introduzida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 32.832, de 7 de Junho de 1943:

       “A condenação por qualquer crime previsto neste capítulo será acompanhada das seguintes penas acessórias:

       1.º - ……………………………………………………………….………………….    

2.º - Se o criminoso for português (…); se o criminoso for estrangeiro, a execução da pena será sempre seguida de expulsão do território nacional sem limitação de tempo”.

Em 15 de Março de 1976 é publicado o Decreto-Lei n.º 189-B/76, que estabeleceu as condições em que podiam ser expulsos do País cidadãos estrangeiros, versando apenas a expulsão administrativa da competência da Direcção do Serviço de Estrangeiros, considerando-se então «estrangeiro» todo aquele que não provasse possuir a nacionalidade portuguesa e «residente habitualmente em Portugal» o cidadão estrangeiro que há mais de 6 meses tivesse residência no País e tivesse cumprido com as disposições de polícia aquando da sua entrada e durante a estada em Portugal - artigo 1.º, n.º s 3 e 4.

Com a entrada em vigor da Constituição da República de 1976 (aprovada e decretada na sessão plenária da Assembleia Constituinte de 2 de Abril de 1976), que na versão originária previa a pena de expulsão no artigo 23.º, n.º 4 (A extradição e a expulsão só podem ser decididas por autoridade judicial), revelou-se necessário proceder à alteração do Decreto-Lei n.º 189-B/76, a fim de se harmonizar o regime jurídico da expulsão com os preceitos da Lei Fundamental.      

       E assim surge o Decreto-Lei n.º 582/76, de 22 de Julho, cujo artigo 2.º dispunha:

       “Sempre que um estrangeiro seja condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, a sentença que o condenar determinará acessoriamente a sua expulsão”.

       Sobre o conceito de estrangeiro definia o artigo 3.º:

       1. Considera-se estrangeiro, para efeitos do presente diploma, todo aquele que não prove possuir a nacionalidade portuguesa.

2. Considera-se residente habitual em Portugal o cidadão estrangeiro que há mais de seis meses tenha residência no País e haja cumprido com as disposições de polícia quando da sua entrada e durante a estada em Portugal.

Versando este diploma, confrontar Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 146/76, de 25-11-1976, in BMJ n.º 269, pág. 52 e acórdão do STJ de 10-05-1978, in BMJ n.º 277, pág. 107 (cfr. infra).

       Seguiu-se-lhe o Decreto-Lei n.º 264-C/81, de 3 de Setembro, publicado ao abrigo das autorizações das Leis n.º 12-G / 81 e 12-H / 81, de 27 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 333/82, de 19 de Agosto – nomeadamente, com o aditamento do artigo 2.º - A, onde se prescreveu que deveria ser recusada a entrada e permanência no País de estrangeiros que não dispusessem de meios de subsistência suficientes – e completado pelo Decreto n.º 1/83, de 13 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 312/86, de 24 de Setembro, que revogou o anterior), que corporizava o regime jurídico respeitante à entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português.

Inserto no Capítulo VI “Expulsão do território nacional”, estabelecia o artigo 43.º:

«Sem prejuízo do disposto na legislação penal, será aplicada a pena acessória de expulsão:
a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão;
b) Ao estrangeiro residente no País há menos de cinco anos condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão;
c) Ao estrangeiro residente no País há mais de cinco anos e menos de vinte condenado a pena maior».

Entretanto é publicado o novo Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983. 

Inserido no Título VI do Livro I, sob a epígrafe «Das medidas de segurança», numa linha de continuidade com o artigo 71.º, § 3.º, do Código Penal de 1852/1886, passou a dispor o artigo 96.º:

       “Em relação a estrangeiros, o internamento de inimputáveis pode ser substituído pela expulsão do território nacional”.

Com a 3.ª alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, passou a reger o artigo 97.º, que sob a epígrafe “Inimputáveis estrangeiros”, dispõe:

«Sem prejuízo do disposto em tratado ou convenção internacional, a medida de internamento de inimputável estrangeiro pode ser substituída por expulsão do território nacional, em termos regulados por legislação especial».

(O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004, de 31de Março, infra referido, não declarou a inconstitucionalidade desta norma).

O supra mencionado Decreto-Lei n.º 264-C/81, de 3 de Setembro (bem como o Decreto-Lei n.º 333/82, de 19 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 312/86, de 24 de Setembro) foi revogado pelo artigo 116.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março (Diário da República – I Série-A, n.º 52, de 3-03-93, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 37/93, Diário da República, I Série-A, 2.º Suplemento, de 31-03-1993), emergente da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 13/92, de 23 de Julho (regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 43/93, Diário da República, I-B Série, n.º 291, de 15-12-1993), cujo artigo 68.º sucedeu ao artigo 43.º do diploma revogado, reproduzindo-o quase na totalidade, apenas com a diferença de, na parte final da alínea c), em vez de referir “pena maior” [espécie extinta com o Código Penal de 1982], passar a constar “pena superior a 3 anos de prisão”.

       Este diploma legal veio a ser revogado pelo [artigo 162.º, alínea a)] do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto (Diário da República – I Série-A, n.º 182/98, de 8-08-1998) emergindo da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 8/98, de 13 de Fevereiro (Diário da República, I Série-A, n.º 37/98, de 13-02-1998), em cujo artigo 2.º, alínea o) se consignava ter em vista “Rever o regime de expulsão de estrangeiros, designadamente assegurando o reforço das garantias dos interessados através da sua audição obrigatória, antes de ser proferida a decisão”, alterado pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho (Diário da República, I Série -A, n.º 172, de 26-07-1999), regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, de 26 de Abril (após rectificação pela Declaração de Rectificação n.º 7-B/2000, Diário da República, I-A, de 30 de Junho, já que fora indevidamente publicado no Diário da República, I-A Série, n.º 97, de 26-04-2000, como Decreto-Lei n.º 65/2000 (!)).

       O tema do “Reagrupamento familiar” é versado no Decreto-Lei n.º 244/98, no Capítulo IV, nos artigos 56.º a 58.º e no Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, no Capítulo IV, nos artigos 29.º a 31.º.

       (Como veremos, o diploma veio a ser alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro e n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro).

No Capítulo IX, sob a epígrafe “Expulsão do território nacional”, nos artigos 99.º a 118.º era regulada a matéria da expulsão e da pena acessória de expulsão para a generalidade dos estrangeiros, no contexto da inserção de Portugal na União Europeia, com o Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, e da entrada em vigor da Convenção de Aplicação desse Acordo, assinada em Schengen em 19 de Junho de 1990, cujos Protocolo e Acordo de Adesão foram aprovados, depois do Acordo de Adesão de Portugal assinado em Bona em 25 de Junho de 1991, pela Resolução da Assembleia da República, publicada sob o n.º 53/93, no Diário da República, n.º 276, Série I-A, de 25 de Novembro de 1993 e ratificados pelo Decreto do Presidente da República n.º 55/93, do mesmo dia, publicado no mesmo Diário da República - cfr. Capítulo IV - artigos 55.º a 66.º.

 

        A pena acessória de expulsão passou a estar prevista no artigo 101.º, integrante do «Capítulo IX - Expulsão do território nacional», «Secção I – Disposições gerais», sob a epígrafe “Pena acessória de expulsão”, estabelecendo, na linha do disposto no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 264-C/81 e do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 59/93:

«1 - Sem prejuízo do disposto na legislação penal, pode ser aplicada a pena acessória de expulsão:
a) Ao estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão;
b) Ao estrangeiro residente no País há menos de 4 anos condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão;
c) Ao estrangeiro residente no País há mais de 4 anos e menos de 10 condenado em pena superior a 3 anos de prisão.

       2 - A pena acessória de expulsão pode igualmente ser aplicada ao estrangeiro residente no País há mais de 10 anos, sempre que a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.

       3 - A pena acessória de expulsão será executada ainda que o expulsando se encontre em liberdade condicional».

       No mesmo «Capítulo IX – Expulsão do território nacional», agora «Secção II – Expulsão determinada por autoridade judicial», sob a epígrafe “Expulsão judicial”, estabelecia o artigo 111.º, que:

       «A expulsão será determinada por autoridade judicial quando revista a natureza de pena acessória ou quando o estrangeiro objecto da decisão:

a) Tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional;

b) Seja titular de autorização de residência válida;

c) Tenha apresentado pedido de asilo aceite ou ainda pendente».

A grande diferença do diploma de 1998 relativamente ao regime anterior é que dantes, quer face ao artigo 68.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 59/93, como dantes à luz do artigo 43.º, proémio, do Decreto-Lei n.º 264-C/81, a aplicação da pena de expulsão era injuntiva - “será aplicada” (do mesmo modo, aliás, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 582/76 “…a sentença que o condenar determinará acessoriamente a sua expulsão”) - e passou a facultativa - “pode ser aplicada”. 

       Entretanto, a Lei n.º 24/2000, de 23 de Agosto (Diário da República, I Série – A, n.º 194, de 23-08-2000), confere autorização ao Governo para alterar as atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sendo uma das competências a atribuir “Reconhecer o direito ao reagrupamento familiar” - artigo 2.º, n.º 4, alínea e).

       Sobre “reagrupamento familiar” dispunha já anteriormente, como vimos, o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, no Capítulo IV, nos artigos 56.º a 58.º e o Decreto Regulamentar n.º 5-A/ 2000, de 26 de Abril, no Capítulo IV, nos artigos 29.º a 31.º

     

       E a Lei n.º 27/2000, de 8 de Setembro (Diário da República, I-A Série, n.º 208, de 08-09-2000), veio autorizar o Governo a alterar o regime jurídico que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, nomeadamente, no sentido de:

       Artigo 2.º:

h) Acolher os princípios adoptados pela União Europeia em matéria de reagrupamento familiar, alargando o direito a familiares de cidadãos residentes que se encontrem já em território nacional;

j) Alterar o regime jurídico da pena acessória de expulsão, excepcionando a sua aplicação a cidadãos nascidos em território nacional onde residem habitualmente, a cidadãos que tenham filhos menores a seu cargo em Portugal, a cidadãos que se encontrem em território nacional desde idade inferior a dez anos e aqui residam habitualmente, e prevendo a sua execução cumprida metade da pena, por decisão do juiz de execução de penas logo que julgue preenchidos os pressupostos que determinam a concessão de saída precária prolongada ou liberdade condicional, em substituição destas medidas; (…).

 

       Emergindo dessa Lei de autorização é publicado o Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro (Diário da República, I - A Série, n.º 8, de 10-01-2001, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 3-A/2001, Diário da República, 2.º Suplemento, de 31 de Janeiro), que altera e republica o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto.

       O artigo 101.º com a epígrafe «Pena acessória de expulsão» é inteiramente remodelado, passando a dispor:

       1 – A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses;

       2 – A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

       3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.

4 – Não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes, nos seguintes casos:

a) Nascidos em território português e aqui residam habitualmente;

b) Tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível de execução da pena.

       c) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

5 – Sendo decretada a pena acessória de expulsão, a mesma será executada cumpridos que sejam dois terços da pena de prisão ou, cumprida metade da pena, por decisão do juiz de execução de penas, logo que julgue preenchidos os pressupostos que determinariam a concessão de saída precária prolongada ou liberdade condicional, em substituição destas medidas.

Na sequência de tal alteração, o Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, de 26 de Abril, é alterado e republicado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/2001, de 31 de Maio (Diário da República - I Série - B, n.º 126, de 31-05-2001), alterando, entre outros, o artigo 29.º, n.º 4 e o artigo 31.º, n.º 1, referentes a reagrupamento familiar.

       A Lei n.º 22/2002, de 21 de Agosto (Diário da República – I Série - A, n.º 192, de 21-08-2002), veio autorizar o Governo a nova alteração no regime regulador da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, previsto no Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, desde logo no sentido de clarificar o conceito de residente, considerando-o como aquele que é titular de autorização de residência – artigo 2.º, alínea a) –, bem como rever o regime do reagrupamento familiar, no sentido de estabelecer um período mínimo de um ano de residência para a sua concessão e definir adequadamente os respectivos beneficiários – alínea h) do mesmo artigo 2.º.

       Na sequência, é publicado o Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro (Diário da República – I Série - A, n.º 47, de 25-02-2003 e Declaração de Rectificação n.º 2-D/2003, de 31-03-2003, in Diário da República, I Série-A, n.º 76), diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/51/CE, do Conselho, de 28 de Junho, que completa as disposições do artigo 26.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, e a Directiva n.º 2002/90/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, relativa à definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares. 

       O diploma altera vários preceitos do Decreto-Lei n.º 244/98, republicando-o, deixando intocado o artigo 101.º, e definindo residente no artigo 3.º nestes termos:

«Considera-se residente o estrangeiro habilitado com título válido de autorização de residência em Portugal».

     

Nesta versão, o Decreto-Lei n.º 244/98 é regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril (Diário da República – I Série - B, n.º 98, de 26-04-2004), constando do preâmbulo: “Consagra-se também que os menores estrangeiros nascidos em território português até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, e que não se tenham ausentado do território nacional ficam dispensados de visto para obtenção de autorização de residência. Idêntico regime é aplicado aos progenitores que relativamente ao menor efectivamente exerçam o poder paternal. (…)”.

O diploma passa a ter um «Capítulo V», dedicado a «Reagrupamento e reunião familiar» - artigos 42.º a 45.º - vindo a revogar, pelo artigo 74.º, o Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, de 26 de Abril, que fora alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/2001, de 31 de Maio.

       Mais tarde, a Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho de 2007 (Diário da República – I Série, n.º 127, de 04-07-2007), entrada em vigor no dia 3 de Agosto de 2007 (30.º dia após a data da sua publicação), conforme artigo 220.º, aprovou “o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, revogando o Decreto-Lei n.º 244/98, com as respectivas alterações de 1999 (Lei n.º 97/99), 2001 (Decreto - Lei n.º 4/2001) e de 2003 (Decreto - Lei n.º 34/2003) - artigo 218.º n.º 1, alínea c) - e transpondo – artigo 2.º, n.º 1, alínea a) –, para a ordem jurídica interna, para além de outras seis directivas comunitárias, a Directiva n.º 2003/86/CE, do Conselho, de 22 de Setembro, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, definindo a lei interna, no artigo 3.º, alínea p) o «residente legal» como o cidadão estrangeiro habilitado com título de residência em Portugal, de validade igual ou superior a um ano.

Esta Lei determinou a publicação de Portarias, como as n.º 395/2008, n.º 396/2008,

 n.º 387/2008, n.º 398/2008 e n.º 399/2008, de 6 de Junho, a aprovar o modelo de salvo- conduto, a emitir nos termos do artigo 26.º da Lei 23/2007.

Esta Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, estabeleceu novas regras relativas a matéria de expulsão e à pena acessória de expulsão para a generalidade dos cidadãos estrangeiros (que não sejam cidadãos de Estados Membros da União Europeia).

       [Para os cidadãos de Estados Membros da União Europeia, atenta a livre circulação de pessoas, rege o regime especial consagrado na Lei n.º 37/2006, de 9 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 153, de 09-09-2006), a qual regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril.

       Pelo artigo 34.º foi revogado o Decreto-Lei n.º 60/93, de 3 de Março (Diário da República, I Série-A, n.º 52, de 03-03-1993), que regulava as condições especiais de entrada e permanência em território português de nacionais de Estados membros da Comunidade Europeia e seus familiares.

Pelo artigo 33.º este diploma revogara o Decreto-Lei n.º 267/87, de 2 de Julho, definindo na sequência da adesão de Portugal à Comunidade Europeia, as condições relativas à entrada, permanência e saída do território nacional, específicas para os nacionais dos Estados membros].

       A expulsão do território nacional é regulada no «Capítulo VIII - Afastamento do território nacional», ao longo dos artigos 134.º a 180.º.

       A pena acessória de expulsão é prevista no artigo 151.º em termos similares ao artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 244/98, na versão de 2001, sem o equivalente ao n.º 4, mas com os limites estabelecidos no

                                                       Artigo 135.º

                                                 (Limites à expulsão):

Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:

       a) Tenham nascido em território português e aqui residam;

b) Tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;

c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação;

       d) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam».

[O preceito reproduz, com alterações, o estabelecido no n.º 4, alíneas a), b) e c) do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 244/98, na versão de 2001].

       Outro limite está previsto no artigo 136.º, relativo a “Protecção do residente de longa duração em Portugal”, sendo que neste caso, a decisão de expulsão judicial só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, não devendo basear-se em razões económicas.

       Estabelece o

                                                         Artigo 151.º

                                            (Pena acessória de expulsão):

“1 – A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses. (Reproduz o n.º 1 do artigo 101.º do DL anterior, versão de 2001).

2 – A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. (Reproduz o n.º 2 do artigo 101.º do DL anterior, versão de 2001).

3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional. (Idem, reproduz o n.º 3, com a novidade de introdução de “cidadão”).

4 – Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão. (Equivalente ao anterior n.º 5 do referido artigo 101.º).

       5 – O juiz de execução das penas pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta e desde que esteja cumprida metade da pena de prisão.

As “Disposições penais” previstas no Capítulo IX – artigos 181.º a 191.º – são anotadas por Albano Manuel Morais Pinto no Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume I, Universidade Católica Editora, Novembro 2010, Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco (Org.), págs. 48 a 142.

       Nestas disposições prevê-se no n.º 2 do artigo 187.º – Violação da medida de interdição de entrada –, a pena acessória de expulsão de cidadão estrangeiro: “Em caso de condenação, o tribunal pode decretar acessoriamente, por decisão judicial devidamente fundamentada, a expulsão de cidadão estrangeiro, com observância do disposto no artigo 135.º.

       Esta Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, veio a ser regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de Novembro (Diário da República – I Série, n.º 212, de 05-11-2007), lendo-se no preâmbulo (págs. 8009/8010):

       “No que diz respeito ao afastamento/expulsão de estrangeiros do território nacional, consagram-se legalmente os limites genéricos à expulsão que decorrem da Constituição e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.

O reagrupamento familiar é alvo de novo enfoque, com o respectivo alargamento a estrangeiros excluídos à luz do regime anterior, regulamentando-se o reagrupamento com o parceiro de facto (§ 4.º da segunda coluna da pág. 8009 – cfr. Capítulo IV - Autorização de residência, Secção IV - Reagrupamento familiar – artigos 66.º a 69.º).

        Pelo artigo 93.º é revogado o anterior Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril.

       A Lei n.º 29/2012, de 9 de Agosto (Diário da República – I Série, n.º 154, de 09-12-2012), operou a primeira alteração à Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, procedendo à respectiva republicação, implementando a nível nacional o Regulamento (CE) n.º 810/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho, que estabelece o Código Comunitário de Vistos, e transpõe outras novas Directivas, a saber: n.º 2008/115/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro; n.º 2009/50/CE, do Conselho, de 25 de Maio; n.º 2009/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho; n.º 2011/51/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio e n.º 2011/98/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro.

       O artigo 135.º foi remodelado por inteiro e o artigo 151.º foi modificado nos n.º 4 e 5, passando a dispor:  

                                                         Artigo 135.º

(Limites à decisão de afastamento coercivo ou de expulsão):

        «Com excepção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:

       a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;

b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;

       c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente».

                                                        Artigo 151.º

                                              (Pena acessória de expulsão)

         1 – …….……………………………………………………………………………...

       2 –…………………………………………………………………………………….

       3 – ……………………………………………………………………………………

       4 – Sendo decretada a pena acessória de expulsão, o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos:

       a) Metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão;

       b) Dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a cinco anos de prisão.

5 – O juiz de execução de penas pode, sob proposta fundamentada do director do estabelecimento prisional, e sem oposição do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão logo que cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a cinco anos de prisão e desde que esteja assegurado o cumprimento do remanescente da pena no país de destino.

       Com a Lei n.º 56/2015, de 23 de Junho (Diário da República – 1.ª série, n.º 120, de 23-06-2015), entrada em vigor em 24-06-2015, conforme artigo 3.º, é introduzida a segunda alteração à Lei n.º 23/2007, modificando os fundamentos para a concessão e cancelamento de vistos e para a aplicação da pena acessória de expulsão, sendo alterados os artigos 52.º, n.º 4, 70.º, n.º 1, alínea d) e 151.º, n.º 3.

       Passou a estabelecer o:

                                                        Artigo 151.º

                                            (Pena acessória de expulsão)

      1–……………………………………………………………………………………...

      2 – …………………………………………………………………………………….

3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente, quando a sua conduta constitua perigo ou ameaça graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional. 

     4 – .…………………………………………………………….………………………

     5 –……….……………………………………………………………………………..

       Com a Lei n.º 63/2015, de 30 de Junho (Diário da República – 1.ª série, n.º 125, de 30-06-2015), entrada em vigor em 1-07-2015, conforme o artigo 4.º, é introduzida a terceira alteração à Lei n.º 23/2007, sendo alterados os artigos 3.º, n.º 1, alínea d), ii), iv), v), vi), vii), n.º 2 e n.º 3; 61.º, n.º 1 e 2; 82.º, n.º 1 e 2; 99.º, n.º 1, alínea e), passando a alínea f) a [Anterior alínea e)] e a alínea g) a [Anterior alínea f)]; 122.º, n.º 1, alíneas o) e p), passando a alínea q) a [Anterior alínea p)] e a alínea r) a [Anterior alínea q)] e revogado o n.º 3 do artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007.

                                                                  *****

       Como se viu, após o Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, a aplicação da pena acessória de expulsão, dantes obrigatória, passou a facultativa, como decorria então do disposto no artigo 101.º, n.º 1 e 2.

       No caso concreto dos crimes de tráfico de estupefacientes, a expulsão começou igualmente por ser imposta para passar a facultativa.

Assim, no Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, estabelecia o artigo 12.º: “Se o delinquente for estrangeiro, a execução da pena será sempre seguida de expulsão do território nacional, sem limitação de tempo”.

No domínio do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, dispunha o artigo 34.º, n.º 2: “Se a condenação pelos crimes previstos no n.º 1 do presente artigo (ou seja, os previstos nos artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º e 30.º) for imposta a um estrangeiro, será ordenada na sentença a sua expulsão do País, por período não inferior a 5 anos”.

       (Nos termos do n.º 1 a aplicação de outras penas acessórias era facultativa).

E no âmbito do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelece o artigo 34.º: “Sem prejuízo do disposto no artigo 48.º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia”.

 

                                                                 *******

     

       Da pena acessória de expulsão

    

A expulsão é uma medida de autodefesa da ordem jurídica, política, económica e social dos Estados que tem de conciliar-se com as liberdades e as garantias dos direitos fundamentais do homem. Por outras palavras, esse direito de defesa dos Estados não pode coarctar o direito à liberdade e à segurança da pessoa humana (na medida, como é óbvio, em que estas não devam ser legitimamente afectadas) – assim, no citado Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 146/76, de 25-11-1976, in BMJ n.º 269, pág. 52 e acórdão do STJ de 10-05-1978, in BMJ n.º 277, pág. 107, versando então as disposições do supra aludido Decreto-Lei n.º 582/76, de 22 de Julho.

A expulsão é uma medida individual, devendo sancionar um comportamento individual - Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, págs. 527 a 537, maxime, pág. 531.

       Numa acepção lata, a expulsão consiste no acto unilateral pelo qual o Estado, por considerações de interesse nacional de que é juiz soberano, obriga um estrangeiro que permaneça no seu território a abandoná-lo. [...] Do lado do Estado, a expulsão surge como um acto de natureza soberana; do lado do indivíduo, a ameaça de expulsão é o símbolo da precariedade do seu estatuto jurídico e que resulta do facto de, em regra, não possuir o direito absoluto de permanecer sobre o território de um Estado que não é o seu – assim no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 77/94, de 27-04-1995, não publicado, maxime, fls. 18, ponto 5.1, citado no Parecer n.º 7/2002 (a que nos referiremos de seguida), e que teve por objecto a situação de retenção, na zona internacional de porto ou aeroporto, de estrangeiro que tente penetrar irregularmente no País.

       Como regra, instituiu-se a equiparação, contida no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, dos estrangeiros e apátridas aos nacionais. 

       Não obstante, o direito a não ser expulso (n.º 1 do artigo 33.º da Constituição) é, após a 4.ª revisão constitucional (Lei n.º 1/97, de 20 de Setembro, Diário da República, Série I-A, n.º 218/97, de 20-9), um dos direitos que marca a diferença de estatuto entre cidadãos portugueses e cidadãos estrangeiros.

       O direito à não expulsão confere aos cidadãos nacionais um direito à residência em território nacional, que se configura como um direito, liberdade e garantia.

       Não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal – direito de imigração –, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional, podendo ser extraditados e, verificadas certas condições, expulsos; os direitos dos estrangeiros são apenas o direito de asilo e o direito de não serem arbitrariamente extraditados ou expulsos – Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 531.

Afirma-se no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 7/2002, datado de 14 de Março de 2002 e publicado no Diário da República, II Série, n.º 145, de 26-06-2002, versando o caso Tellechea Maya, que “no plano constitucional, e sobre a temática da expulsão de estrangeiros rege o disposto no artigo 33.º, n.º 2, introduzido com a 2.ª revisão constitucional; anteriormente regia nesta matéria a versão originária da Constituição que dispunha que a expulsão só podia ser decidida por autoridade judicial.

       Após uma primeira fase do sistema, em que dominou a exigência constitucional de que toda e qualquer ordem de expulsão teria que ser emitida por um juiz, inaugurou-se com a revisão de 1989 uma nova fase, em que o legislador constitucional veio permitir uma distinção entre duas modalidades de expulsão, consoante o estrangeiro se encontre numa situação regular ou irregular. Em conformidade com a disposição constitucional em causa, deve entender-se por situação regular aquela em que se encontra o estrangeiro que tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, que seja titular de autorização de residência ou que tenha apresentado pedido de asilo não recusado. Só nos casos em que o estrangeiro se encontre nessa situação regular é que se impõe a utilização da expulsão judicial; nos restantes casos, i. é., de situação irregular, passou a ser possível a expulsão por via administrativa.(…)

       Ou seja, incluem-se na modalidade da expulsão judicial as três situações descritas no texto constitucional, que correspondem às alíneas do preceito legal citado (art. 111.º do DL 244/98), a par da situação de aplicação da pena acessória de expulsão, a qual, dada a integral jurisdicionalização da aplicação de penas principais em processo penal, teria de ser atribuída necessariamente a autoridade judicial”.

Sobre a distinção entre extradição, expulsão fundada em comportamentos insusceptíveis de constituírem ilícitos criminais e expulsão como pena acessória, veja-se Marques Ferreira, A Pena Acessória de Expulsão de Nacionais de Estados Membros das Comunidades Europeias, in Tribuna da Justiça, 1990, n.º 2, pág.189.

Atento o teor do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República, de harmonia com o qual “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, muito se discutiu se seria admissível a imposição (automática) a um cidadão que tivesse cometido determinado tipo de infracções, da pena acessória de expulsão.

Este n.º 4, introduzido na revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) e já proposto por Jorge Miranda em 1975, pretendeu acolher o entendimento de política criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas constante do artigo 65.º, n.º 1, do Código Penal, (reproduzindo o texto constitucional este preceito ipsis verbis, apenas incluindo “quaisquer”), impedindo o funcionamento de uma aplicação automática, meramente ope legis, relativamente a efeitos penais da condenação ou penas acessórias, constituindo um corolário do que o Professor Eduardo Correia chamava a “teoria unitária da pena”, a qual rejeita que se liguem automaticamente certos efeitos a certas espécies de penas, como acontecia dantes em relação às penas maiores.

       O princípio constitucional vertido no artigo 30.º, n. º 4, proíbe que a privação de direitos seja uma simples consequência - por via directa da lei - da condenação por infracções de qualquer tipo.

Neste sentido e pronunciando-se pela declaração de inconstitucionalidade, por violação daquele n.º 4, podem ver-se, inter altera, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

Acórdão n.º 282/86, publicado no Diário da República, I Série, de 11-11-1986, declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do § único do artigo 160.º do Código da Contribuição Industrial de 1963, que estipulava que ao técnico de contas julgado por determinadas transgressões fiscais seria cancelada a inscrição se a decisão viesse a ser condenatória, e da norma do artigo 130.º do Código do Imposto de Transacções de 1966, que dispunha similarmente;

Acórdão n.º 255/87, publicado no Diário da República, II Série, de 10-08-1987, julgando inconstitucional a norma do artigo 37.º, n.º 2, do Código de Justiça Militar, que estatuía que «a condenação pelos mesmos crimes (os referidos no n.º 1) de oficial ou sargento dos quadros de complemento, bem como das praças graduadas em situação militar equivalente, produz a baixa de posto»;

Acórdão n.º 284/89, de 09-03-1989, publicado no Diário da República, II Série, de 12-06-1989 (e BMJ n.º 385, pág. 159), julgando inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 9/77/M, de 27 de Agosto, que proibia a entrada nos casinos de Macau a indivíduos condenados pela prática dos crimes previstos nos artigos 14.º e 15.º da mesma lei;

Acórdão n.º 224/90, de 26-06-1990, publicado no Diário da República, I Série, de 08-08-1990 (e BMJ n.º 398, pág. 245), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nas alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 46.º do Código da Estrada de 1954, que proibiam indivíduos condenados pela prática de determinados crimes de conduzirem veículos automóveis;  

Acórdão n.º 748/93, de 23-11-1993, processo n.º 109/93-1.ª secção, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 23-12 (e BMJ n.º 431, págs. 124 e ss.), que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas de várias leis eleitorais de 1976, 1979 e 1980, na parte em que estabeleciam a incapacidade eleitoral activa dos definitivamente condenados a pena de prisão por crime doloso enquanto não expiassem a respectiva pena.

 Os acórdãos n.ºs 16/84, 127/84 e 310/85 (publicados no Diário da República, II Série, de 12-05-84 (e BMJ n.º 341, pág. 174), de 12-03-85 e de 11-04-86 (e BMJ n.º 360, Suplemento, pág. 837), julgaram inconstitucional o n.º 1 do artigo 37.º do Código de Justiça Militar (CJM), e na sequência destes arestos e ainda dos n.ºs 75/86 e 94/86 (publicados no Diário da República, II Série, de 12 e de 18 de Junho de 1986), veio o

Acórdão n.º 165/86, publicado no Diário da República, I Série, de 03-06-1986, declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade daquela norma do Código de Justiça Militar, que determinava que «a condenação de oficial ou sargento dos quadros permanentes ou de praças em situação equivalente por crime de ultraje à Bandeira Nacional, deserção, falsidade, infidelidade no serviço, furto, roubo, prevaricação, corrupção, burla e abuso de confiança produz a demissão, qualquer que seja a pena imposta».

Acórdão n.º 91/84, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 8.º do Decreto da Assembleia Regional da Madeira n.º 18/84 (descaminho de direitos na indústria de bordados).

     Já neste século, o acórdão n.º 154/2004, de 16 de Março de 2004, processo n.º 254/2000, Diário da República, I Série - A, de 17 de Abril, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 263/98, de 19 de Agosto, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP (acesso à profissão de motorista de táxi).

       

       Esta orientação foi acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, nos acórdãos de 11-07-1990, Colectânea de Jurisprudência 1990, tomo 4, pág. 8 e de 11-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 170, e mais tarde, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 14/96, proferido no recurso n.º 45 706, da 3.ª Secção, de 7 de Novembro de 1996, publicado no Diário da República, Iª Série - A, n.º 275, de 27-11-1996, e BMJ n.º 461, pág. 54, resolvendo a citada querela a propósito da pena acessória de expulsão de estrangeiros, então prevista no artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13/12, e fixando a seguinte jurisprudência:

       “A imposição a estrangeiro da pena de expulsão prevista no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, não pode ter lugar como consequência automática da sua condenação por qualquer dos crimes previstos nos seus artigos 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 29.º e 30.º, devendo ser sempre avaliada em concreto a sua necessidade e justificação”.

E, pese embora as sucessivas modificações legislativas, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a acentuar a ponderação, a razoabilidade, a necessidade, a adequação e a proporcionalidade ínsitas à sua aplicação – exemplificativamente, os acórdãos de 12-06-1996, processo n.º 303/96-3.ª, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 197, a propósito do artigo 34.º do DL 15/93 e citado no AUJ n.º 14/96; de 10-07-1996, do mesmo relator, no processo n.º 48675, na mesma CJSTJ, pág. 229; de 08-10-1997, processo n.º 671/97; Sumários de Acórdãos do STJ – Gabinete de Assessoria (SASTJ) n.º 14, pág. 134; de 26-11-1997, processo n.º 878/97, SASTJ, n.º 14/15, pág. 184; de 15-04-1998, BMJ n.º 476, pág. 66; de 17-06-1998, BMJ n.º 478, pág. 101 (como verdadeira pena, a expulsão não pode afastar-se, na sua concretização, do que se dispõe no artigo 71.º do CP, não devendo ser decretada se da matéria de facto apurada resulta a desnecessidade da sua imposição); de 12-04-2000, processo n.º 46/2000, SASTJ, n.º 40, pág. 45 (A pena de expulsão não é consequência automática da condenação por comportamento criminoso, o que desde logo resulta do n.º 1 do art. 101.º do Dec. - Lei n.º 244/98, ao referir que pode ser aplicada a pena acessória de expulsão, em conformidade com o disposto no art. 65.º, n.º 1, do CP e no art. 30.º, n.º 4, da CRP. A decisão de expulsão deve, pois, revelar-se necessária, justificada, proporcionada ao fim prosseguido, em justo equilíbrio entre os interesses do arguido e do Estado, ponderação que deve fazer-se tendo como suporte a situação concreta); de 06-10-2004, processo n.º 2502/04 - 3.ª; de 14-10-2004, processo n.º 3018/04 – 5.ª; de 06-01-2005, processo n.º 3490/04 –5.ª; de 11-05-2005, processo n.º 1279/05 - 3.ª, SASTJ, n.º 91, pág. 127; de 19-05-2005, processo n.º 1126/05-5.ª, SASTJ, n.º 91, pág. 149; de 08-06-2005, processo n.º 1672/05 - 3.ª; de 08-06-2006, processo 1923/06-5.ª, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 211 (fazendo aplicação do artigo 101.º do DL 244/98, na redacção dada pelo DL n.º 4/2001, de 10-01); de 06-09-2006, processo n.º 1391/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 179 (A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, pois, sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no art. 8.º, n.º 2, da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e nas relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem); de 27-09-2006, processo n.º 2802/06 - 3.ª; de 16-11-2006, processo n.º 4088/06 - 5.ª; de 27-09-2006, processo n.º 2802/06-3.ª, do mesmo relator dos acórdãos de 06-10-2004 e de 06-09-2006; de 16-01-2008, processo n.º 4638/06-3.ª, em que interviemos como adjunto e em que é citado o trecho supra do acórdão de 06-09-2006, e publicado in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 198; de 31-01-2008, processo n.º 1411/07 – 5.ª; de 26-03-2008, processo n.º 444/08 – 3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 583/08-3.ª e de 12-06-2008, processo n.º 1901/07 - 5.ª.

       Alguma jurisprudência do STJ tem vindo a invocar o artigo 8.º da CEDH e decisões do TEDH, proclamando a necessidade de um justo equilíbrio entre, por um lado, o direito da pessoa a expulsar, como o direito ao respeito da vida privada e familiar e a protecção da ordem pública e a prevenção de infracções criminais, por outro.

       Neste sentido, para além dos citados acórdãos de 12 de Junho e de 10 de Julho de 1996, podem ver-se os acórdãos de 06-02-1997, processo n.º 1059/96, SASTJ, n.º 8, pág. 82; de 05-03-1997, processo n.º 1011/96, SASTJ n.º 9, pág. 60; de 09-04-1997, processo n.º 1322/97, BMJ n.º 466, pág. 392 e de 19-06-1997, BMJ n.º 468, pág. 159, todos do mesmo relator daqueles e o de 09-04-1997, processo n.º 1269/96, BMJ n.º 466, pág. 162, em que aquele interveio como adjunto, e os acórdãos de 06-10-2004, de 06-09-2006 e de 27-09-2006, supra citados. 

                                                                     ***

       A temática da expulsão como consequência de uma condenação penal, seja ao abrigo do comando do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 15/93, como da primitiva redacção dos artigos 101.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e 125.º, n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 244/98, foi alvo de várias apreciações por parte do Tribunal Constitucional, como:

Acórdão n.º 181/97, datado de 5 de Março de 1997, processo n.º 402/96, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 94, de 22-04-1997 (e BMJ n.º 465, pág. 120), em sede de fiscalização concreta,  julgando inconstitucional a norma constante do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa, com eles residentes em território nacional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1 e 36.º, n.º 6, da Constituição da República.

Acórdão n.º 470/99, de 14 de Julho de 1999, processo n.º 535/98, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 62, de 14-03-2000 e no BMJ n.º 489, pág. 40, aderiu a solução idêntica ao do acórdão n.º 181/97, julgando inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março [crime de violação de ordem de expulsão], enquanto aplicável a cidadãos estrangeiros que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa, com eles residentes em território nacional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1 e 36.º, n.º 6, da Constituição da República.

Com interesse, também em sede de fiscalização concreta e reportados à aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional, entre muitos, os Acórdãos n.º 434/93, de 13-07-1993, processo n.º 44/93 - 2.ª Secção, in Diário da República, II Série, n.º 15; de 19-01-1994, págs. 54 e ss. e BMJ n.º 429, pág. 205 (em apreciação a inconstitucionalidade do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 430/83); n.º 442/93, de 17-07-1993, no mesmo Diário da República, II Série, n.º 15, de 19-01-1994, págs. 515 e ss. e no mesmo BMJ n.º 429, pág. 221; n.º 288/94, de 23-03-1994, processo n.º 485/93 - 2.ª Secção, in Diário da República, II Série, de 17-06-1994; n.º 41/95, de 01-02-1995, processo n.º 713/93-2.ª Secção, in Diário da República, II Série, de 27-04-1995 e com o n.º 359/93, de 25-05-1993, processo n.º 584/92 - 2.ª Secção; n.º 577/94, de 26-10-1994, processo n.º 10/94 - 1.ª Secção, disponíveis no site do Tribunal Constitucional.

       Em processo de fiscalização abstracta sucessiva, desencadeado pelo Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional, reunido em Plenário, no âmbito do processo n.º 807/99, por Acórdão com o n.º 232/2004, proferido em 31 de Março de 2004, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 122, de 25 de Maio de 2004, deliberou:

       “ a) (…)

       b) Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 97.º do Código Penal;

       c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33.º, n.º 1, e 36.º, n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do artigo 125.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional;

       d) Fixar os efeitos da inconstitucionalidade das normas referidas na alínea anterior de modo que não fiquem ressalvados os casos julgados relativamente a penas acessórias de expulsão ainda não executadas aquando da publicação desta decisão”.

       Anotar-se-á que o entendimento expresso no aresto do Tribunal Constitucional, na esteira dos acórdãos n.º s 181/97 e 470/99, baseia-se na regra da proibição da separação dos filhos dos pais ser apenas uma das manifestações da protecção constitucional dada à família e constituir não só um direito subjectivo dos pais a não serem privados dos filhos, mas também um direito destes de não serem afastados dos pais.  

       O princípio da protecção da unidade da família, encontra no direito à convivência, uma das suas representações mais emblemáticas, ou seja, o direito dos membros de um agregado familiar viverem juntos.

O raciocínio ali desenvolvido é o de que a expulsão de estrangeiros com filhos portugueses a seu cargo implica uma de duas consequências, ambas beliscando princípios constitucionais: ou os menores acompanham o progenitor expulso e, ipso facto, estar-se-iam a expulsar cidadãos portugueses, infringindo-se o artigo 33.º da Constituição; ou, em alternativa, os menores permanecem em território nacional, em clara afronta ao artigo 36.º, n.º 6, do texto fundamental – Carlota Pizarro de Almeida, Exclusões Formais, Exclusões Materiais – O Lugar do Outro; Discriminação Contra Imigrantes, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume XLV, n.ºs 1 e 2, Coimbra Editora, 2004, págs. 37 a 45, maxime, pág. 43.

A primeira destas hipóteses configura a expulsão consequencial, em que a expulsão do progenitor estrangeiro, para evitar a quebra do agregado familiar, implica a expatriação do filho menor, ainda que português, não sendo mais do que uma forma indirecta de expulsão.

       Por isso, há que ter presente “ (…) atendendo ao princípio de proibição de expulsão de nacionais, mesmo que o cidadão não tenha nacionalidade portuguesa, poderá haver situações de expulsões de cidadãos estrangeiros que se configurem como de “analogia à expulsão de nacionais” (não se poderá deixar de ter em consideração o grau de inserção do cidadão estrangeiro no território português, p. ex., a residência há muito tempo, ou ainda a consideração de que uma medida de expulsão pode ter como efeito indirecto a expulsão de nacionais, p. ex., quando ligados por laços familiares ao que deva ser expulso)” – Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, Tomo I, págs. 364 a 370, maxime, pág. 367. 

       E, perante esta evidência, houve quem defendesse – Rui Elói Ferreira, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 31, Março/Abril de 2004, pág. 42 –, que devia repensar-se a aplicação da pena acessória de expulsão, designadamente, nos casos de pessoas que tenham logrado organizar suas vidas em Portugal.

       O que é certo e é realçado nessa decisão é que a protecção constitucional do artigo 36.º, n.º 3, não pode ser levada ao limite, já que isso inviabilizaria fenómenos como os da emigração, divórcio, separação ou imposição de penas privativas da liberdade aos progenitores.  

       Não é demais relembrar que por via do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Direito ao respeito pela vida privada e familiar:

       “1. Qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

       2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista pela lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”,

       o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem salientado que as medidas que possam conflituar com o direito à vida familiar, para além de terem de ser justificadas por necessidades sociais imperiosas, têm também de ser as menos gravosas das disponíveis e proporcionais ao fim a atingir; em suma, devem limitar-se a regular o exercício do direito, jamais podendo atingir a substância do mesmo – Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2005, págs. 181 a 201, designadamente, págs. 194, in fine, e 197/198.

       O dado novo introduzido pela Lei n.º 115/2009

       A Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (Diário da República, I Série, n.º 197, de 12-10-2009), que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), publicado em anexo à mesma lei, entrado em vigor em 10-04-2010, procedeu a alterações ao Código de Processo Penal, à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), de 1999 (Lei n.º 3/99) e de 2008 (Lei n.º 52/2008) e do Decreto-Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

        Inserto no Livro II do citado Código «Do processo perante o tribunal de execução das penas», Título II «Tribunais de execução das penas», Capítulo I «Competência», sob epígrafe «Competência material», estabelece o artigo 138.º

2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

(…)

d) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão.  

       O artigo 3.º do mesmo diploma alterou o artigo 470.º do Código de Processo Penal, que no n.º 1 passou a estabelecer:

       1 – A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

       Estabelece o artigo 474.º do CPP (Competência para questões incidentais):

       1 – Cabe ao tribunal competente para a execução decidir as questões relativas à execução das penas e das medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, bem como à prorrogação, pagamento em prestações ou substituição por trabalho da pena de multa e ao cumprimento da prisão subsidiária.

      O artigo 91.º, n.º 1, da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13-01-1999) e artigo 124.º, n.º 1, da Nova LOFTJ (Lei n.º 52/2008, de 28-08), reproduziam em termos absolutamente idênticos o que constava do n.º 2 do artigo 138.º do CEPMPL, o que significa que havia três textos legais a dizer o mesmo.

       Por outro lado, o artigo 91.º, n.º 3, alínea d), da Lei n.º 3/99 e o artigo 124.º, n.º 3, alínea d), da Lei n.º 52/2008, reproduziam integralmente o texto da alínea d) do n.º 4 do artigo 138.º do CEPMPL.

       

       Com a segunda alteração à Lei n.º 115/2009, operada pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 172, de 3-09), o texto da anterior alínea d) do n.º 1 do artigo 138.º passou para a alínea e), face à introdução de novo texto na alínea d), o que se manteve com a Lei n.º 21/2013, de 21 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 37, de 21-02), que procedeu à terceira alteração ao CEPMPL.

       Esta lei aditou três novos artigos, a saber: 188.º- A (Execução da pena de expulsão), 188.º-B (Audição do recluso e decisão) e 188.º-C (Notificação da decisão e recurso), tendo procedido a alteração sistemática, passando o Capítulo V do Título IV do Livro II do CEPMPL a ter a epígrafe «Liberdade condicional e execução da pena acessória de expulsão» e aditado ao referido Capítulo V, a Secção IV, com a epígrafe «Execução da pena acessória de expulsão», composta pelos artigos 188.º-A a 188.º-C.

       Pelo artigo 4.º foi revogado o artigo 182.º do CEPMPL.

       Pela Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro (Diário da República, 1.ª série, n.º 171, de 2-09), que regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância, foi revogado o artigo 2.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

 

       A Lei n. 62/2013, de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário – (Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de Agosto de 2013), revogou pelo artigo 187.º, alíneas a) e b), os artigos 1.º a 159.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, na parte em que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

       No que ora interessa, a competência do Tribunal de execução de penas (Tribunal de competência territorial alargada) está prevista no artigo 114.º, o qual estabelece:

1 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.

3 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria:

(…)

e) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão. 

       O texto legal reproduz o que consta do artigo 138.º, n.º 2 e n.º 4, alínea d), do CEPMPL.

 

      Facto novo/Facto superveniente

     

       Constitui jurisprudência dominante o entendimento de que a novidade dos factos deve existir para o julgador e ainda para o próprio requerente ao tempo do julgamento.

       Nos casos de invocação de nascimento de filho após o trânsito da condenação, tem-se discutido se tal facto posterior à decisão condenatória, ainda pode considerar-se como facto novo para fundamentar recurso de revisão, ou se mesmo caracterizando-o como facto superveniente pode ser invocado naquele recurso, havendo respostas no sentido afirmativo e outras de sinal contrário, defendendo-se ainda que o meio processual próprio não é o recurso de revisão, podendo o condenado obstar à execução da pena acessória, por via do uso do mecanismo previsto no artigo 371.º-A, do CPP, ou ainda entendendo-se que o impedimento da expulsão do cidadão estrangeiro pode ser decidido pelo juiz de execução das penas. 

       Reconhecendo a existência de circunstância superveniente e o direito a uma decisão - noutro contexto que não o de recurso de revisão - sobre a alteração das circunstâncias que estiveram subjacentes ao decretamento da expulsão, pronunciou-se o acórdão de 21-03-2007, processo n.º 34/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 220, em situação em que o recorrente, para afastar a expulsão do território nacional, invocava casamento, tendo sido entendido que sendo facto posterior à decisão recorrida, e por não integrar a matéria objecto do recurso, não era susceptível de ser valorada no recurso, sem embargo se reconhecendo a existência de circunstância superveniente e o direito do recorrente a uma decisão sobre a alteração das circunstâncias que estiveram subjacentes ao decretamento da expulsão, podendo ler-se no sumário:

       “A circunstância de o arguido, cidadão estrangeiro, ter casado com uma cidadã nacional, em data posterior à decisão que decretou a sua expulsão do território nacional, como não integra matéria objecto do recurso, não é susceptível de ser apreciada.

        Neste caso, o recurso judicial não é o meio adequado para o arguido ver apreciada a alteração das circunstâncias subjacentes à decisão de expulsão”.

       Defendendo a possibilidade de uso do meio processual previsto no artigo 371.º - A, do CPP (Abertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável), para aplicação do regime penal mais favorável que resulte da nova lei, pronunciaram-se os acórdãos de 08-10-2008, processo n.º 2893/08-3.ª (O invocado nascimento de menor após o julgamento e decisão não justifica nem impõe a revisão da sentença com o fundamento da alínea d) do artigo 449.º do CPP, adiantando que o meio adequado a fazer valer a pretensão é o previsto no artigo 371.º-A do CPP); de 22-10-2008, processo n.º 2042/08-3.ª (Numa data em que os filhos não tinham nascido não podia o tribunal ter considerado tais factos, pelo que não se impõe revisão e por outro lado, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004, de 31-03, não tem virtualidade de aplicação, tendo-se considerado que “poderá o recorrente lançar mão do artigo 135.º, alínea b) da Lei n.º 23/2007, segundo o qual não podem ser expulsos os estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa, a coberto da reabertura da audiência, nos termos do artigo 371.º-A, do CPP, mas não da revisão de sentença”); de 12-09-2012, processo n.º 5052/94.8TDLSB-A.S1-5.ª, em que foi indeferido o pedido de revisão, “sem prejuízo de dever ser equacionada na 1.ª instância a reabertura do processo nos termos do disposto no artigo 371.º-A, do CPP, para aplicação do regime penal mais favorável que resultou da entrada em vigor da Lei n.º 23/2007”.

      Neste último caso estavam em causa factos que vieram a ocorrer já depois do trânsito em julgado da condenação, pelo que “não se pode considerar que a decisão que condenou o requerente na pena de expulsão seja injusta, pois foi correcta perante a factualidade então apurada”. 

No mesmo sentido o acórdão de 12-06-2013, proferido no processo n.º 919/03.7PTLSB-D.S1-3.ª, infra referido.

       Passa-se a elencar acórdãos que se debruçaram sobre o pedido de revisão com fundamentos idênticos ou semelhantes ao presente.  

      Sendo discutível se os factos supervenientes, subsequentes à decisão revidenda, podem ser considerados para efeitos de fundamentar a sua revisão, a resposta foi afirmativa, como veremos, entre outros, nos acórdãos de 11-02-1999, processo n.º 1361/98; de 11-06-2003, processo n.º 1680/2003; de 5-05-2004, processo n.º 751/04; de 17-04-2008, processo n.º 4840/2007; de 21-01-2009, processo n.º 3922/2008; de 02-05-2012, processo n.º 779/05.3GBMTA-G.S1; de 17-04-2013, processo n.º 2/10.9SHLSB-A.S1, todos da 3.ª Secção.

     Vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça têm entendido que os factos posteriores à decisão condenatória podem ser considerados para efeitos de revisão, embora depois a deneguem por falta de prova de que no concreto caso os filhos estão a cargo efectivo do condenado.

       A aquisição pelo condenado de nacionalidade portuguesa, como fundamento de revisão e impedimento de expulsão, foi versada nos três seguintes acórdãos. 

       Extrai-se do acórdão de 11-02-1999, proferido no processo n.º 1361/98, in BMJ, n.º 484, pág. 280 (citado nos dois seguintes) - “É de conceder a revisão de sentença quando o réu, tendo sido condenado em pena acessória de expulsão do território nacional, adquiriu, antes do trânsito em julgado do respectivo acórdão, a nacionalidade portuguesa. Esta situação traduz um facto novo estando abrangido pelo artigo 449.º n.º 1, alínea d), do CPP - ver acórdão de 3-11-1994, processo n.º 47344  e Manuel Marques Ferreira, Tribuna da Justiça, n.º 2, pág. 1990 - deve concluir-se ser de atribuir relevância a «factos novos», que tornem a decisão verdadeiramente eivada de injustiça, no tocante aos efeitos que possa produzir enquanto não se mostra inteiramente executada”.

      Entre a decisão condenatória e o seu trânsito e a respectiva execução, já em termos de cumprimento de pena de prisão, em que por vezes estão em causa tempos longos, podem ocorrer, porque a vida não estagna, factos que determinam outra visão.

       O acórdão de 11-06-2003, processo n.º 1680/03-3.ª, in CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 214, autorizando a revisão, afirma: “Se o réu, posteriormente à prolação da sentença que, além do mais, o tenha condenado na pena de expulsão do território nacional, tiver adquirido a nacionalidade portuguesa, é admissível a revisão dessa sentença, quanto a tal condenação”.

       Aí pode ler-se que a plasticidade da noção (de factos novos) não afasta a consideração da novidade subsequente, quando os valores e exigências que estejam em causa assumam igual índice de validade, como muito impressivamente o presente caso revela.

       O acórdão de 5-05-2004, processo n.º 751/04-3.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 183, citando os dois acórdãos anteriores, em caso de aquisição da nacionalidade depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, autoriza a revisão, afirmando: “São de considerar abrangidos pela previsão da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, os casos em que a injustiça da condenação se vem a revelar por factos ocorridos posteriormente a esta e que se verificados e apreciados aquando da prolação da decisão conduziriam à não condenação por imperativo constitucional. Encontra-se nessa situação o arguido que, na altura em que foi condenado, era de nacionalidade estrangeira, e que, posteriormente, em plena execução da pena, veio a adquirir a cidadania portuguesa”

A revisão foi autorizada no sentido de ser revogada a pena acessória de expulsão do território nacional.

       Perante outro quadro, foi apreciada a questão relativamente, já não ao condenado, mas a filhos com nacionalidade portuguesa. 

Do acórdão de 17-04-2008, proferido no processo n.º 4840/07-3.ª Secção, em caso em que foi aplicada a pena acessória de expulsão de estrangeiro, extrai-se o seguinte:

       “Não é de considerar como novo facto, susceptível de autorizar a revisão de sentença, a circunstância de o arguido ter duas filhas, cidadãs nacionais, nascidas antes do julgamento, dado que o tribunal da condenação não levou em conta quando decretou a pena acessória de expulsão, uma vez que o arguido dele tinha conhecimento, não podendo vir agora apresentá-lo como novo.”. (Em sentido contrário, cfr. acórdão de 28-05-2003, processo n.º 872/03-3.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 202). 

       “Demonstrando-se, entretanto, que o arguido tem um outro filho, de nacionalidade portuguesa, nascido depois do julgamento, e que estabeleceu uma relação de tipo conjugal com uma cidadã também portuguesa, é de concluir estarmos perante a existência de factos novos. Mas sendo eles supervenientes à prolação da decisão que o condenou na referida pena de expulsão, não se pode considerar injusta tal sentença, pois foi a decisão correcta perante a factualidade então apurada 

       Contudo, se a justiça da pena não suscitava dúvidas aquando da prolação de decisão, já assim não sucede no momento da execução da pena. Ora, não é tolerável que se execute uma pena sobre a qual recaem graves suspeitas de ser injusta. Tendo o recurso de revisão como fundamento e teleologia, precisamente, a reparação de decisões injustas, ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida, como refere o n.º 4 do artigo 449.º, por maioria de razão ele deve ser admitido a reparar decisões que ainda não se executaram, quando, portanto, é ainda possível evitar que se efective e execute uma decisão injusta”.

       De forma expressa, o acórdão aceita, em princípio, como admissível o recurso de revisão com base em factos supervenientes à sentença condenatória. (Sublinhados e negritos nossos).

Ponderando que os novos factos alteram incontestavelmente o fundamento da aplicação da pena de expulsão, o acórdão admite a revisão.

No mesmo sentido da relevância de factos novos supervenientes, e do mesmo relator do anterior, mas com solução contrária, por diverso ser o espectro factual, o acórdão de 21-01-2009, processo n.º 3922/08-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 203, em caso em que cidadão cabo-verdiano, condenado por tráfico de estupefacientes em pena de prisão e pena de expulsão, invoca como facto novo o seu casamento com cidadã portuguesa, tendo esta duas filhas menores, sendo o casamento posterior ao trânsito da decisão condenatória, já em fase de cumprimento de pena.

       O acórdão coloca a questão de saber se é admissível o recurso revisão com base em factos supervenientes à sentença condenatória, adiantando que a questão é complexa e não isenta de dúvidas ou de polémica, mas admitindo, em princípio, como admissível tal recurso.

       Considera que no concreto caso o casamento não será suficiente para impedir a expulsão, pois tendo em conta o regime aplicável da lei dos estrangeiros, o requerente não é cidadão português, nem as menores são suas filhas, não tendo ligações efectivas com Portugal, não sendo um residente de longa duração, pelo que não beneficia do estatuído no artigo 136.º da Lei 23/2007, de 04-07, sendo o recurso manifestamente infundado.

       No acórdão de 8-10-2008, processo n.º 2893/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 198, é invocado como fundamento de revisão nascimento de menor residente em território nacional e sem nacionalidade portuguesa, a qual foi perfilhada pelo arguido condenado em pena de expulsão, tendo todos os factos ocorrido após julgamento e decisão.

      Foi denegada a revisão e considerado meio processual adequado o mecanismo previsto no artigo 371.º- A do CPP.

        Pode ler-se no acórdão de 3-06-2009, proferido no processo n.º 44/01.5GCSNT-C.S1-3.ª (do relator dos acórdãos de 17-04-2008 e de 21-01-2009): “É de negar a revisão de acórdão cujo pedido é limitado à pena acessória de expulsão, com fundamento na declaração de inconstitucionalidade do art. 101.º, n.º s 1 e 2, do DL 244/98, de 08-08, no caso de o recorrente não provar que tem os filhos a seu cargo”.

Noutro contexto pronunciou-se o acórdão de 15-07-2009, proferido no processo n.º 51/08.7ADLSB-3.ª: “Não é aplicável a pena acessória de expulsão do território nacional a cidadão espanhol, que goza dos direitos de livre circulação e de permanência no território nacional, apenas podendo ser objecto de afastamento (não de expulsão) do território nacional, por motivos de ordem pública, de segurança ou de saúde públicas”. (Em registo semelhante, o acórdão de 21-06-2012, processo n.º 527/11.9JAPRT.S1-5.ª).

Segundo o acórdão de 7-01-2010, processo n.º 837/03.9TABCL-A.S1-5.ª – Os novos factos ou meios de prova têm que reportar-se a um condicionalismo que poderia ter levado a uma decisão diferente da revista, se tivessem sido tidos em conta, quando essa decisão, cuja revisão se pretende, foi proferida.

       Uma factualidade que ainda não tinha visto a luz do dia, à data da decisão a rever, correspondendo a um circunstancialismo sobrevindo à decisão proferida (v.g., o tempo decorrido desde a condenação, a permanência em liberdade, o refazer da vida, o ter casado de novo, ter tido nova filha, deter o poder paternal em relação a esta, a inserção social) não pode ser invocada para classificar a decisão como injusta.

       No caso, o condenado pretendia que se produzisse uma decisão que apreciasse à luz da conjuntura actual os fundamentos da suspensão da execução da pena, tendo sido denegada a revisão.

Pode ver-se em caso de particular superveniência de factos novos, o acórdão de 20-01-2010, processo n.º 1536/03.7TAGMR-A.S1-5.ª.

Consta do acórdão de 09-06-2010, processo n.º 2681/07.1PULSB-A.S1 - 5.ª Secção: “No caso o recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, na pena de 5 anos de prisão e na pena acessória de expulsão de território nacional pelo período de 10 anos, cuja decisão transitou em julgado em 29-02-2000. Com o recurso de revisão pretende que seja revogada a pena acessória de expulsão, por, após ter iniciado o cumprimento da pena de prisão, a sua companheira e a filha, actualmente maior de idade, terem passado a ser titulares de autorização de residência em Portugal. 

       É de negar a revisão quando o suposto novo facto, sendo posterior ao trânsito em julgado da condenação, não tem qualquer relação com a condenação, pelo que não é capaz de suscitar graves dúvidas sobre a justiça daquela.

Para o acórdão de 23-11-2010, processo n.º 342/02.0JALRA-N.S1 - 3.ª Secção: “É discutível se os factos supervenientes, subsequentes à decisão revidenda, podem ser considerados para efeitos de fundamentar a sua revisão. Mas esse problema não tem, no caso, qualquer relevância, porquanto, além da nacionalidade portuguesa, o preceito exige que o menor esteja efectivamente a cargo do recorrente. Como se afirmou, o sentido actual da jurisprudência do STJ é o de que novos são tão só os factos e/ou meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. Deste modo, se, como alega, a A sempre viveu consigo e a seu cargo, se sobre ela sempre exerceu o poder paternal e se era/é o seu encarregado de educação, não pode qualificar de novos esses factos, mesmo relativamente à data do julgamento em 1.ª instância, se esta estava a perfazer os 12 anos de idade. Está claro que já então os não podia ignorar. A justificação adiantada de que os “factos novos” só agora chegaram ao seu conhecimento mostra-se absurda. E não estando em presença de novos factos é de todo irrelevante sabermos se têm ou não consistência. 

O recorrente alega a este propósito, não propriamente na motivação, mas no requerimento de interposição do recurso, que a menor «está exclusivamente a seu cargo». Deste modo, o impedimento à expulsão que eventualmente se poderá configurar é o da al. c) do artigo 135.º da Lei 23/2007, que exige, além do mais, que o cidadão estrangeiro exerça efectivamente o poder paternal sobre o filho menor residente em Portugal. 

       Não basta, pois, invocar a qualidade de pai que, por lei, é, em princípio, detentor (com a mãe) do poder paternal (art. 1878.º do CC). A lei exige neste caso, como expressamente estipula, que o pai (a hipótese dos autos) exerça efectivamente o poder paternal, com o conteúdo enunciado no art. 1878.º do CC, isto é, no que para aqui interessa, que o recorrente efectivamente vele pela segurança e saúde da filha, que efectivamente proveja ao seu sustento, que efectivamente dirija a sua educação. O recorrente, no entanto, limitou-se a invocar um desses deveres, o de prover, de forma exclusiva, sublinhe-se, ao sustento da filha. 

       A verdade é que a situação actual do recorrente evidencia que o mesmo não exerce nem está em condições de exercer efectivamente o poder paternal sobre a filha mais nova. Por um lado, disse a A, em perfeita sintonia com o que ficou provado no processo principal, que o café-restaurante gerador dos rendimentos com que a família se sustentava era explorado pela madrasta e por uma irmã mais velha, também filha do recorrente – tarefa em que passou a colaborar, depois da primeira ter adoecido. E disse ainda que o pai «não está muito presente», o que confere com a circunstância de, apesar da emissão de mandados de captura para cumprimento da pena de prisão em que está condenado, ainda não ter sido encontrado (também em casa, naturalmente). 

       Esta situação pessoal e económica é, de facto, incompatível com a sensibilidade, zelo e estabilidade exigidos para o exercício efectivo do poder paternal. 

Nas condições actuais, não está, pois, minimamente demonstrado que o recorrente preencha os requisitos exigidos pela al. c) do art. 135.º da Lei 23/2007, razão por que, nem mesmo relevando este facto superveniente, se pode concluir pela injustiça da decisão de expulsão. 

No acórdão de 17-02-2011, processo n.º 66/06.0PJAMD-A.S1 - 5.ª Secção (com relator por vencimento, voto de vencido “Teria autorizado a revisão…” e “com voto de desempate a favor da actual versão”), pode ler-se (Realces nossos):  

“O facto novo invocado (nascimento de um filho) teve lugar depois da sentença condenatória que se quer ver revista. 

      Assim, parece claro que a revisão será de recusar, desde logo porque a referida al. d) utiliza a expressão “Se descobrirem novos factos ou meios de prova”: a literalidade do preceito aponta para uma descoberta, e de uma realidade que embora existente era desconhecida. Não para uma realidade nova, moldada por factos entretanto acontecidos. 

A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente; a essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta. 

O direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos, não é “apenas um direito dos pais ou dos filhos portugueses, mas também dos filhos portugueses em relação ao progenitor estrangeiro ou deste em relação aos filhos portugueses”, não sendo consentida outra interpretação com base nos princípios da equiparação e da igualdade. 

O TC declarou com força obrigatória geral, no Ac. n.º 232/2004, a inconstitucionalidade material do art. 101.º, n.ºs 1, als. a), b) e c), e 2, do DL 244/98, na sua versão original, “na dimensão em que permite a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, por violação conjugada do disposto nos arts. 33.º, n.º 1 e 36.º, n.º 6 da Lei Fundamental”, com fundamento de que “o cidadão estrangeiro que tenha os filhos a seu cargo, que com eles mantenha uma relação de proximidade, que contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades”, tem o direito a não ser separado dos filhos, assim como os filhos têm o direito a não ser separados dos pais, salvo se estes não cumprirem os seus deveres fundamentais para com aqueles.   

      A citada decisão do TC exige que o indivíduo a expulsar tenha os filhos a seu cargo, mantenha uma relação de proximidade com eles, ou contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades, e é a essa luz que se deverá interpretar, sendo o caso, a expressão do art. 135.º, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, “Tenham efectivamente a seu cargo”. Por outras palavras, será preciso que a separação entre pai e filho redunde num prejuízo material ou psicológico significativo. 

      No presente caso falece o condicionalismo de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso de revisão, já que a previsão do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP não admite que se dê relevância a factos supervenientes à decisão a rever. Seja como for, não é de excluir que a execução da pena acessória de expulsão, na altura de se efectivar, possa vir a revelar-se injusta

      De acordo com o art. 138.º, n.º 4, al. d), do CEPMPL, compete ao TEP determinar a execução da pena acessória de expulsão e, se na altura dessa decisão, se verificar a existência de um impedimento à sua execução, decorrente de facto superveniente à decisão condenatória, não determinará a expulsão, por impossibilidade legal. 

      No caso em apreço, o TEP não poderá determinar a expulsão, se verificar que na altura em que a mesma vier a ter lugar o menor é português, e está efectivamente a cargo do arguido, ou o menor é estrangeiro, reside em Portugal e é o arguido que assegura o seu sustento e educação, exercendo sobre ele o poder paternal. Tudo, ponderando, evidentemente, o condicionalismo específico decorrente da situação de reclusão.

No acórdão de 24-03-2011, processo n.º 26/08.6TALLE-A.S1-5.ª – 1.º pedido –, foi ponderado:

      A CRP, assim como estabelece a garantia de que os cidadãos portugueses não poderão ser expulsos do território nacional (art. 33.º, n.º 1), garante aos filhos o direito a não serem separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e mediante decisão judicial (art. 36.º, n.º 6).

Dando execução a tal garantia, o art. 135.º, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, estabelece que não podem ser expulsos do país cidadãos estrangeiros que tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, sem fazer qualquer distinção entre estrangeiros legalmente residentes e não residentes.

       Para que as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento à pena acessória de expulsão do território nacional cedam perante o interesse na conservação da unidade familiar, é necessário que o filho menor do requerente tenha nacionalidade portuguesa, resida em Portugal e esteja efectivamente a seu cargo.

       Não preenche o requisito, a declaração de intenção formulada pelo requerente de que “… logo que cesse a sua condição de detido, o arguido participará para o sustento e terá a seu cargo o menor …”, pois só no caso do cidadão estrangeiro ter efectivamente a seu cargo o filho menor é que se justifica que seja dada prevalência ao direito de o menor não ser afastado do progenitor.

       Conclui que só no caso do cidadão estrangeiro ter efectivamente a seu cargo o filho menor é que se justifica que seja dada prevalência ao direito de o menor não ser afastado do progenitor, denegando a revisão.  

No acórdão de 3-10-2012, processo n.º 26/08.TALLE-D.S1-3.ª – 2.º pedido – Negada situação de “inexpulsão”, cita o acórdão anterior, e não tendo o recorrente efectivamente a seu cargo o filho menor, certo é que o pedido de revisão apresentado não pode proceder.

No acórdão de 14-04-2011, processo n.º 40/08.1PJCSC-A.S1-5.ª Secção, o requerente, condenado na pena de expulsão, alega nascimento de filho no dia anterior à publicação da sentença, mas já depois de produzida prova em audiência. Foi negada a revisão, com indicação em declaração de voto (considerando o facto invocado mais um facto superveniente do que novo facto) de remessa ao juiz de execução de penas o encargo de verificar contra-indicações à execução da pena acessória.

      «Determina o art. 135.º, al. b), da Lei 23/2007, de 04-07, que não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, sem fazer qualquer distinção entre estrangeiros legalmente residentes e não residentes.

      «Por imperativo constitucional e até por determinação legal, as razões de interesse e ordem pública que servem de fundamento à pena acessória de expulsão do território nacional devem ceder perante o interesse na conservação da unidade familiar, sendo necessário para tanto que o condenado tenha efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal. 

      Só no caso de o cidadão estrangeiro ter efectivamente a seu cargo o filho menor é que se justifica que seja dada prevalência ao direito de o filho menor não ser afastado do progenitor. Não assim quando é muito ténue o relacionamento entre pai e filho, não contribuindo aquele, económica e afectivamente, para a educação deste, como vem sublinhado no relatório social.

      Aliás, o condenado é também pai de uma menina, a residir com a avó materna, e de outro menino, que está institucionalizado, de idades próximas entre oito e nove anos, para cuja subsistência e educação nunca contribuiu de forma consistente. 

Carmona da Mota (com declaração de voto: “No recurso de revisão, no âmbito da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPC, interessa distinguir, à partida, entre a descoberta de novos factos e a descoberta de factos supervenientes. 

E, no caso, o facto invocado será mais um facto superveniente que um novo facto, pois que, embora o filho do requerente tenha nascido dois dias antes da condenação, só veio a ser registado como filho do ora requerente dois dias depois. 

      Além de que o facto relevante (para «impedir a expulsão») será, não o nascimento de um filho, mas um seu específico tratamento como tal. Com efeito, a Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, passou – no art. 135º, alínea b) – a impedir a expulsão do País dos cidadãos estrangeiros que tenham efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal. 

Daí que, reportando esta «hipótese legal» à data da condenação, ela se mostre, por si, incapaz de lançar dúvidas sobre a justiça da pena acessória, mesmo que de «novo facto» se tratasse.   

      Seja como for, também importa – a meu ver – distinguir entre a pena de expulsão e a sua execução, sobrelevando, quanto àquela, o disposto no art. 151.º (Pena acessória de expulsão) da Lei 23/2007, e, nesta última, o disposto no art. 135.º (Limites à [execução] da expulsão). 

Ora, neste aspecto, o da execução da pena de expulsão (fundamentada, sobretudo, no art. 151.º da Lei dos Estrangeiros), «o juiz de execução de penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão», podendo mesmo «decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta e desde que esteja cumprida metade da pena de prisão» (art. 151.4 e 5 da Lei 23/2007).

      Com a limitação, porém, de que, no momento da execução da expulsão, o condenado não «tenha efectivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal» ou «filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal e a quem assegurem o sustento e a educação» (art. 135.º). 

Por isso, sem me opor à decisão tomada, sustentei, na discussão do acórdão, que, no caso, haveria que, negando a revisão (porque ao tempo da condenação em pena de expulsão não se verificavam contra-indicações à sua aplicação), remeter ao juiz de execução de penas o encargo de verificar se, chegado o momento da sua execução, já ou ainda ocorrerá ou ocorrerão (ou não) alguma ou algumas daquelas contra-indicações, caso em que, na afirmativa, deverá negar ou protelar a execução da expulsão”). 

No acórdão 14-04-2011, processo n.º 100/08.9SHLSB-A.S1-5.ª, foi autorizada a revisão da sentença proferida em processo sumário, quanto à pena acessória de expulsão, por o caso ter “contornos especialíssimos” (a aplicação da pena acessória aparece na sentença, sem observância do contraditório, sendo o requerente surpreendido com a aplicação da pena), que levaram a admitir a apresentação de factos, como fundamento do recurso de revisão, não obstante não serem desconhecidos do requerente à data do julgamento. Em causa falta de observância do contraditório, assegurando ao requerente o exercício do seu direito de defesa, de modo a evitar uma decisão surpresa. Na situação apreciada, estava presente circunstancialismo previsto na alínea c) do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, tendo o requerente um filho menor, nascido e residente em Portugal.    

Consta do acórdão de 27-10-2011, processo n.º 131/07.6PJAMD-C.S1 - 5.ª Secção:

       “A existência da filha com residência em Portugal, nascida em 8-07-2007, já era conhecida no processo na altura do julgamento, tendo esse facto sido objecto de apreciação, pois deu-se como provado que aqui residia com a mãe, considerando-se, porém, que, por não estar a cargo do requerente, não ocorria qualquer dos obstáculos à expulsão previstos no art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07. 

       O requerente diz agora que essa filha está a seu cargo, mas o que poderia relevar era que estivesse a seu cargo na altura da condenação. Com efeito, a condenação será injusta se, em face da realidade que então se verificava, devesse ter sido proferida decisão de não condenação, só não o tendo sido, ou por errada apreciação dessa realidade, ou por desconhecimento da sua verdadeira extensão, sendo esta última hipótese a que pode integrar o fundamento da al. d). Se a condenação é correcta à luz da real situação de então, não se pode dizer que seja injusta. 

      Relativamente ao filho menor, este nasceu depois da condenação em 1.ª instância, foi registado apenas com a menção do nome da mãe, ficando a paternidade estabelecida com a perfilhação pelo requerente, ocorrida já depois do trânsito em julgado do acórdão da Relação que confirmou a condenação. 

      Na verdade, o obstáculo à expulsão indicado na al. b) do art. 135.º da Lei 23/2007, não está apenas no facto de o visado ter um filho menor de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal, exigindo-se ainda que o filho esteja efectivamente a seu cargo; e nem o requerente o alega nem há qualquer indicação de que nessa altura o referido filho estivesse a seu cargo (note-se que não o havia ainda perfilhado e estava preso). 

Mas isso não significa que, ficando o menor efectivamente a cargo do condenado em momento posterior à condenação, esse facto não possa constituir um obstáculo à execução da expulsão, noutra sede (o art. 135.º não restringe os limites à expulsão de estrangeiros à fase da aplicação da pena, abarcando a sua previsão «as situações em que a factualidade respectiva vier a ocorrer em momento posterior, embora antes do cumprimento da pena», até porque outra interpretação contenderia com normas constitucionais – Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 2/2011).   

O acórdão de 02-05-2012, proferido no processo n.º 779/05.3GBMTA-G.S1 - 3.ª Secção, aborda a questão do seguinte modo: O recorrente invoca como facto novo, fundamento para a revisão da decisão condenatória, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, o nascimento em território português, no dia 04-05-2009, de um filho, que reside com a mãe, sua companheira, também cidadã caboverdiana, com quem retomará a ligação após o cumprimento da pena de prisão. Trata-se, assim, de um facto posterior à decisão condenatória e que, consequentemente, não podia ter sido considerado nesta.

      Na citada alínea do art. 449.º do CPP admite-se a revisão da sentença se se verificarem, cumulativamente, dois requisitos: a descoberta de factos novos, ou seja, que não tivessem sido levados em conta pela decisão condenatória; e a emergência, face à descoberta de tais factos ou meios de prova, de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Será injusta a sentença que, mercê do desconhecimento de determinados factos ou meios de prova, relevantes para a condenação ou a absolvição do arguido e/ou demandado, condene em pena principal ou acessória, ou no pedido civil, quando decidiria em sentido oposto (absolvição) no caso de conhecer esses factos.

       A questão que aqui se coloca é a de saber se poderá haver revisão com base em factos supervenientes. Se os pressupostos fácticos da condenação na pena acessória de expulsão se modificaram de tal modo que, ao tempo da sua execução, já não subsistem, não podendo então os factos servir de fundamento à condenação nessa pena, parece inevitável aceitar que a sentença se tornou, devido à superveniência de certos factos, injusta, supervenientente injusta. Em termos de poder ser submetida a revisão, com base na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

      Na verdade, não é tolerável que se execute uma pena sobre a qual recaem graves suspeitas de ser injusta. Tendo o recurso de revisão como fundamento e teleologia precisamente a reparação de decisões injustas, ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida, como refere o n.º 4 do art. 449.º do CPP, por maioria de razão ele deve ser admitido a reparar decisões que ainda não se executaram, quando, ainda é possível evitar que se efetive e execute uma decisão (presumivelmente) injusta, ainda que correta ao tempo da sua prolação.

      A competência atribuída ao juiz de execução de penas no art. 151.º, n.ºs 4 e 5, da Lei 23/2007, de 04-07, refere-se apenas à antecipação da execução da pena acessória, no primeiro caso automaticamente após o decurso de certo prazo, no segundo em substituição da liberdade condicional. Excluída dessa competência está a possibilidade para revogar ou por qualquer forma determinar a não execução da pena acessória. Essa decisão só é possível por via do recurso de revisão.

      No caso, após o trânsito em julgado da decisão que condenou o recorrente na pena de prisão que atualmente cumpre, nasceu, em 04-05-2009, um menor, filho do recorrente e de M, cidadã caboverdiana, que tem autorização de residência temporária em Portugal, com quem o recorrente vivia antes de detido e com quem pretende retomar a ligação marital após a libertação, assegurando, conjuntamente com ela, o sustento ou a educação do menor. Esta situação enquadra-se no disposto na al. c) do art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07, constituindo obstáculo à expulsão.

Existem, pois, incontestavelmente factos novos, que, se verificados no momento da decisão condenatória, teriam impedido a condenação na pena de expulsão. Consequentemente, há fundamento para o recurso de revisão, ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, com base em factos novos supervenientes.

No acórdão de 17-04-2013, processo n.º 2/10.9SHLSB-A.S1-3.ª, foi ponderado:

      “A presença de um núcleo familiar com alguma consistência em Portugal, com o qual mantém alguma ligação, leva a ponderar que a expulsão para o país natal seria votá-lo ao abandono absoluto, que não estará a coberto da filosofia inspiradora daqueles diplomas sobre o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros, além de que, com o apoio familiar descrito, tal medida revela-se desproporcionada, mostrando-se algo mitigado o receio de que, futuramente, seja um perigo, uma ameaça à ordem e tranquilidade do país que o acolheu.

      O acréscimo probatório, de que se lançou mão em 1.ª instância, consentido no art. 453.° do CPP, firma um novum susceptível de apontar para uma “injustiça congénita”, inquinando o segmento da pena acessória e o inerente pressuposto do recurso intentado.      Termos em que se julga procedente o recurso, autorizando-se a revisão limitadamente à pena acessória de expulsão, reenviando-se o processo para o tribunal de referência no art. 457.°, n.º 1, do CPP, suspendendo-se a execução da pena acessória”.

Extrai-se do acórdão de 12-06-2013, processo n.º 919/03.7PTLSB-D.S1-3.ª, por nós relatado – Em causa igualmente pena acessória de expulsão, em que o fundamento é terem ocorrido factos supervenientes consistentes em o requerente manter uma relação análoga à dos cônjuges de que nasceram três filhos, tendo o mais novo, nascido em 27-04-2010 (o acórdão confirmativo da condenação data de 15-12-2005) nacionalidade portuguesa. Denegada a revisão, concluindo-se que mesmo que se tivesse por apropriado o meio processual escolhido, a pretensão do recorrente sucumbiria por rotunda ausência de prova da alegada alteração familiar e da possibilidade de ter a seu cargo os filhos, podendo lançar mão do mecanismo do artigo 371.º-A do CPP e sem prejuízo de a questão ser analisada pelo juiz do tribunal de execução de penas.

No acórdão de 12-09-2013, processo n.º 1112/11.0PEAMD.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 189 – Recurso penal – foi dado provimento ao recurso, pois tendo o arguido nascido em Lisboa, tendo nacionalidade portuguesa, não pode ser expulso do território nacional. 

No acórdão de 24-10-2013, processo n.º 21/10.5PBPTM-A.S1-5.ª, era invocado o nascimento de menor ocorrido em data posterior à condenação, o que foi considerado inaproveitável para efeitos de recurso de revisão. Convocando o acórdão de 17-02-2011 e o Parecer n.º 2/2011 do Conselho Consultivo da PGR, remete-se para as disposições dos artigos 470.º, n.º 1, 474.º, n.º 1 e 475.º do CPP. 

      Aí se pondera que o nascimento do menor, sendo posterior à data da decisão condenatória, é inaproveitável para efeitos de revisão de sentença, por se não enquadrar em qualquer dos seus taxativos fundamentos, mas isso não significa que, se vier a demonstrar-se uma das situações previstas no artigo 135.º, não deva ver-se nela um obstáculo à execução da expulsão, a afirmar, porém, noutra sede. Citando o mencionado Parecer 2/2011, afirma que o artigo 135.º da Lei n.º 23/2007 não restringe os limites à expulsão de estrangeiros à fase da aplicação da pena, abarcando a sua previsão “as situações em que a factualidade respectiva vier a ocorrer em momento posterior, embora antes do cumprimento de pena”, podendo vir a constituir causa atípica subsequente de extinção da pena acessória correspondente, sendo o meio processual próprio para dela conhecer o previsto nas disposições conjugadas dos artigos 470.º, n.º 1, 474.º, n.º 1 e 475.º do CPP.

Retira-se do acórdão de 30-10-2013, proferido em recurso penal, no processo n.º 714/12.2PBFAR.S1-3.ª, in CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 209, citado no Código Penal, Parte Geral e Especial, de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Almedina, 2014, pág. 357 (seguindo de perto o acórdão do mesmo relator de 09-11-2011, processo n.º 61/07.4PJSNT.L1.S1):       “Em relação à aplicação da pena acessória de expulsão, a lei descrimina entre o cidadão estrangeiro residente e o não residente, sendo certo que os pressupostos exigidos naquela primeira situação destacam-se pela sua exigência. Para os residentes o decretar da expulsão deverá ter subjacente não só uma ponderação das consequências que dimanam para o arguido como também para aqueles que constituem o seu agregado familiar, como igualmente deverá estar presente o avaliar da gravidade dos factos praticados e os seus reflexos em termos de permanência em território nacional.

      Distinta é a situação daquele em relação ao qual não existe uma relação jurídica que fundamente a legalidade da situação de permanência no País e que se encontra numa situação irregular que, só por si, já é justificante do desencadear de procedimento administrativo com vista à sua saída do solo nacional.

      Havendo uma situação de permanência irregular e uma repetida violação das normas de convivência social, expressa em condenações anteriores, não recai qualquer obrigação moral ou jurídica sobre o Estado Português de integrar tal pessoa no país. 

      No mesmo sentido e seguindo de perto o acórdão do mesmo relator, em caso de correio de droga (recurso penal), veja-se o acórdão de 06-03-2014, processo n.º 44/13.2JELSB.L1.S1-3.ª.

O acórdão de 2-12-2013, processo n.º 478/12.0PAAMD-A.S1-5.ª, apreciou situação em que o filho do arguido havia nascido cerca de dois meses antes da sentença em recurso. Essa circunstância foi conhecida em julgamento e ponderada, pelo que nunca poderia ser considerada «facto novo» para efeitos de recurso de revisão (a decisão condenatória poderia ser objecto de recurso ordinário, mas não foi, tendo transitado em julgado). Adianta que “Acaso o nascimento não tivesse sido do conhecimento do tribunal, por ser um facto do conhecimento do arguido, cabia-lhe adiantar as razões de não o ter invocado aquando da audiência de julgamento, a fim de aquilatar da justificação dessa omissão”.

Para o acórdão de 08-01-2014, processo n.º 1864/13.3T2SNT-A.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, “O fundamento do recurso de revisão da alínea d) do artigo 449.º do CPP tem de assentar na existência de factos ou meios de prova novos, no sentido de que à data do julgamento deles o arguido não tivesse conhecimento, ou tendo, não pudesse apresentá-los.

      Nos termos da al. b) do art. 135.º da Lei 23/2007, de 01-08, invocada pelo recorrente, seria impeditivo da aplicação da pena acessória expulsiva do território nacional o facto de ter a seu cargo um filho menor, mesmo de nacionalidade estrangeira, a residir em Portugal, sobre o qual exercesse as responsabilidades parentais e a quem assegurasse o sustento e a educação. O que vale por dizer que, também aqui, o nascimento do filho do ora recorrente em 27-03-2010 e por ele perfilhado no dia 14-07-2010, cerca de 2 anos antes da sentença revidenda, preenchidos os restantes pressupostos, configuraria indiscutivelmente obstáculo legal impeditivo da decretada pena acessória de expulsão do território nacional.

      Contudo, a existência desse filho foi conhecida e ponderada no julgamento realizado: ali provou-se que o arguido tinha 2 filhos, um dos quais com 2 anos de idade.

      Nunca poderia, portanto, ser considerado agora facto novo para efeitos de revisão (mesmo que porventura assim não tivesse sucedido, ou seja, ainda que o nascimento e a existência do filho em causa não tivesse sido do conhecimento do tribunal aquando do julgamento, é inquestionável que se tratava de um facto do conhecimento pessoal do arguido, competindo-lhe, pois, adiantar as razões de não o ter invocado aquando da audiência do julgamento, a fim de se poder aquilatar da justificação da omissão).

      Assim, a situação invocada como fundamento do presente pedido de revisão não se traduz numa situação fáctica que possa integrar o conceito de novos factos legalmente admissíveis para justificar a pretendida revisão, e que torne injustos os pressupostos em que assentou a decisão recorrida e inviabilize o julgado.

No acórdão de 12-06-2014, processo n.º 1236/05.3GBMTA-B.S1-5.ª, foi ponderado: O condenado tinha um filho nascido e residente em Portugal, mas esse filho, com 6 anos de idade, foi confiado aos avós maternos no âmbito de processo de promoção e protecção, na sequência de prisão de ambos os progenitores; nessas circunstâncias não se podem ter por verificados os limites à expulsão constantes das alíneas b) e c) do artigo 135.º da Lei 23/2007, pelo que foi negada a revisão.  

No acórdão de 5-11-2014, processo n.º 7908/12.9TDLSB-A.S1-3.ª, foi apreciado pedido de revisão formulado por condenado por crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, que viu a pena de 7 meses de prisão suspensa na execução pelo período de um anos, ser convertida por acórdão do Tribunal da Relação em pena de prisão efectiva, pretendendo o cumprimento desta pena em regime de permanência na habitação. Invoca, para além do mais, o nascimento de dois filhos, um nascido cinco dias antes e o outro 8 meses depois do trânsito em julgado do acórdão da Relação. Foi considerado que “Os dois nascimentos, sendo factos posteriores, não suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação tomada num quadro fáctico em que a questão agora suscitada não se colocava. Não houve qualquer erro na fixação dos factos que levaram à adopção da espécie de pena aplicada. Pelo exposto, não é de conceder a revisão”.

No acórdão de 04-02-2015, processo n.º 64/11.1PJAMD-B.S1 - 3.ª Secção, o recorrente, de nacionalidade estrangeira, foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por 6 anos. O recorrente invoca um facto novo - o nascimento (em data posterior à condenação) de um filho em Portugal, fruto de uma ligação de facto com uma cidadã estrangeira, residente em Portugal.

Apesar de se tratar de uma questão complexa, considera-se admissível a revisão da sentença com base em factos supervenientes à sentença condenatória, quando tais factos invalidem os pressupostos em que assentou a condenação na pena acessória de expulsão.

      Se os pressupostos fácticos da condenação na pena acessória de expulsão se modificaram de tal forma que, ao tempo da sua execução, já não subsistem, não podendo então os factos servir de fundamento à condenação nessa pena, parece inevitável aceitar que a sentença se tornou, devido à superveniência de certos factos, supervenientemente injusta, em termos de ser submetida a revisão com base na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

      Embora o filho do arguido seja de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal, é manifesto que não se registam os demais requisitos enunciados na al. b) do art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07 (na versão da Lei 29/2012, de 09-08), na medida em que não há laços familiares, ainda que de facto, a unir o arguido à mãe do menor, e os interesses do menor não exigem a permanência do pai em território português, já que ele não exerce, nem nunca exerceu, as responsabilidade parentais, nem contribui directamente, ou seja, ele próprio à sua custa, para o sustento e a educação do menor.

      Esta situação não integra o que o legislador pressupõe como obstáculo à expulsão, e que assenta no princípio da protecção da unidade da família e dos interesses da criança, sendo de negar a revisão.

No acórdão de 21-05-2015, processo n.º 18/11.8GALLE-B.S1 - 5.ª Secção, consta:

O casamento invocado pelo requerente teve lugar em momento posterior à decisão, pelo que não podia aí ser considerado. O requerente não demonstrou por qualquer modo que tinha uma relação afectiva à data do julgamento. Mas, ainda que existisse, não seria facto novo, para o efeito previsto na al. d) do n.º 1 do art. 449.º. Não se vê por que via uma relação afectiva, da qual não se traçam os contornos, suscitaria graves dúvidas sobre a justiça de aplicar ao requerente a pena de expulsão do País, se fosse conhecida do tribunal no momento da decisão, pelo que não se verificam fundamentos do pedido de revisão à luz do art. 449.º, n.º 1, al. d).

No acórdão de 09-07-2015, processo n.º 434/02.6GAABF-C.S1- 3.ª Secção, o recorrente foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional por 6 anos. O pedido de revisão assenta em factos posteriores à decisão, especificamente o nascimento do seu filho, em 11 de Dezembro de 2007, menor de sete anos, com quem residia, conforme declarado pela mãe e sua companheira, e para ele contribuía/colaborava na educação e despesas inerentes.

      O art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, fundamento do pedido de revisão exige não só que os factos e meios de prova que alicerçam o pedido sejam conhecidos após o julgamento e o trânsito da decisão, mas também que sejam anteriores a esta de modo a poderem por em causa a prova efetuada e a justeza da decisão, o que não ocorre no presente caso, por os factos consubstanciadores do pedido serem posteriores ao julgamento, não podendo, assim, alegar-se que desse facto deriva a injustiça daquela decisão.

     Mais do que facto novo, para efeitos da previsão normativa, está-se perante facto superveniente (…).

      A revisão da pena de expulsão com fundamento no respeito pela vida familiar, tendo presente os limites à decisão de expulsão, previstos no art. 135.º da Lei 23/2007, de 4-07, tem imbrincada a prova desse facto novo, nos termos em que este é entendido, para os efeitos do art. 449.º, al. d), do CPP, a qual não se satisfaz apenas com a declaração da mãe do menor, nos termos apresentados.

      A sucumbência do pedido pela inapropriedade do meio usado não obsta a que não se possa lançar «mão do mecanismo do art. 371.º-A, do CPP e sem prejuízo de a questão ser analisada pelo juiz do tribunal de execução de penas».

       No acórdão de 30-09-2015, processo n.º 64/11.1PJAMD-C.S1 - 3.ª Secção, em segundo recurso, consta:

      Podem constituir fundamento do recurso de revisão factos novos supervenientes à decisão condenatória. Se os pressupostos fácticos da condenação (na pena acessória de expulsão) se modificaram de tal forma que, ao tempo da sua execução, já não subsistiam, não podendo então os factos servir de fundamento à condenação nessa pena, parece inevitável aceitar que a sentença se tornou, devido à superveniência de certos factos, injusta, supervenientemente injusta, em termos de poder ser submetida à revisão, com base na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

O facto de o recorrente ter já sido expulso não constitui inutilidade superveniente da lide, uma vez que a revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena cumprida, nos termos do disposto no art. 449.º, n.º 4, do CPP.

      A mera invocação da mesma alínea, do art. 449.º, do CP, não permite afirmar, por si só, que se trata do “mesmo fundamento”, inviabilizando nova revisão. Para que tal suceda importa ainda que seja o mesmo fundamento concreto em ambos os casos. No caso, o fundamento que o recorrente invocou no primeiro recurso de revisão - o nascimento do seu filho -, facto superveniente à decisão condenatória e que, em seu entender, deve constituir limite à concretização da pena acessória de expulsão, é o mesmo que vem agora e de novo invocar no presente recurso, pelo que é o mesmo inadmissível, nos termos do art. 465.º, do CPP.

Não é aceitável admitir-se que, em sucessivos recursos de revisão, venham a invocar-se como fundamento, factos que já existiam e que eram do conhecimento do recorrente no primeiro pedido de revisão de sentença. Um facto invocado no segundo recurso que, como é o caso presente, já podia ter sido deduzido no primeiro recurso, não constitui facto novo, pelo que, por falta do requisito da novidade previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, também este recurso de revisão deve ser recusado.

       Fora do quadro de invocação de facto novo ou superveniente, no acórdão de 10-12-2008, processo n.º 2147/08, foi apreciado pedido de revisão feito por condenado, não considerado “estrangeiro residente” para os fins preconizados pelo artigo 101.º, n.º 4, alínea b), do Decreto-Lei n.º 244/98, revisto pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, invocando como fundamento a alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, em concreto, a inconstitucionalidade da disposição do artigo 101.º, n.ºs 1, alíneas a), b) e c), e 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, declarada pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2004, de 31-03.

Foi ponderado que a decisão expulsiva não se estribou na versão inicial, esta sim, declarada inconstitucional com força obrigatória geral, mas no referido artigo 101.º, n.º 1, na reformulada redacção do Decreto-Lei n.º 4/2001, concluindo-se: “Na situação em causa, a norma aplicada não foi aquela sobre a qual incidiu o juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, razão pela qual soçobra a pretensão do recorrente. Como tal, cumpre negar a pretendida revisão de sentença”.

         Revertendo ao caso concreto

 

Estamos face a alegação de facto ocorrido posteriormente à condenação, não podendo por isso apodar-se de injusta a decisão de expulsão, pois à data do julgamento realizado em reenvio o filho do requerente ainda não tinha adquirido a nacionalidade portuguesa.

      Adquiriu-a, posteriormente, e esse é o facto novo, superveniente, que é de admitir ou não como fundamento de revisão.       

       A aquisição de nacionalidade portuguesa, podendo fundamentar o pedido, não basta para propiciar a impetrada revisão.              

      Como ficou provado em julgamento, quando ainda em Portugal, o recorrente exercia o poder paternal em conjunto com sua mulher, Mãe do filho, ela também agora portuguesa, mas não provia ao seu sustento.

      O exercício do poder paternal, de per si, não basta, havendo que assegurar, de modo efectivo e decisivo, o sustento e educação do menor, o exercício efectivo das responsabilidades parentais. 

       O que a lei visa evitar é que a decisão de expulsão leve a que um menor fique desamparado, o que pressupõe que esteja a ser sustentado e educado pelo pai em efectividade, e que com a expulsão perca esse efectivo amparo.

       O requerente não contribuía para as despesas de casa, dado encontrar-se desempregado, sendo os pais que prestavam essa ajuda.

        Nestas condições, conclui-se que é de negar a revisão.

      

       Sendo negada a revisão, certo é que o pedido não é manifestamente infundado, pelo que não tem lugar a aplicação da sanção prevista no artigo 456.º do CPP.

       Decisão

 

      Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão pedida pelo recorrente AA.

        Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 456.º, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril (artigos 1.º e 2.º), pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), em 3 UC (unidades de conta).

     Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 12 de Outubro de 2016

Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto de Matos

Santos Cabral (com declaração de voto no sentido de que a situação em causa não se enquadra no instituto da revisão pois que o direito fundamental à revisão da sentença penal condenatória injusta pressupõe um erro judicial e, em consequência, uma injustiça contemporânea da decisão, sendo que uma reponderação das consequência do afastamento do arguido em relação ao seu filho deve, eventualmente, ter lugar em sede do instituto de indulto, caso o mesmo seja peticionado.)

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[1] Ac. STJ de 17.04.2008, proc. n.º 4840, 3ª. No mesmo sentido, ac. STJ de 21.01.2009, proc. n.º 3922, 3ª
[2] Ac. STJ de 17.02.2011, proc. n.º 66/06.0PJAMD-A.S1.