INDEMNIZAÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
PEDIDO GENÉRICO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
COMPETÊNCIA MATERIAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário


I - O tribunal criminal é o competente para a liquidação dependente de simples cálculo aritmético, o que ocorrem por exemplo, quando em causa está a determinação de juros de certo capital. A execução de sentença condenatória criminal em indemnização de quantia certa caberá ao tribunal criminal e no que toca às que condenem em liquidação em execução de sentença, a lei processual penal prevê expressamente, pelo art. 82.º, que devem correr nos tribunais civis.
II - A liquidação deixou de se poder efectuar no momento liminar da execução (anteriores arts. 805.º a 810.º, do CPC), sendo agora feita na pendência da acção declarativa. Com a reforma da acção executiva deixou de nesta ter lugar o incidente de liquidação da obrigação. Esta alteração não colide com o art. 82.º, do CPP, nem o revoga tacitamente. O que as leis de organização judiciária nos dizem, particularmente desde a criação dos juízos de execução em 2003, é que a previsão do art. 82.º, do CPP mantém plena actualidade, de modo tal que a matéria é ressalvada da exclusão, como resulta do art. 102.º-A, n.º 2, da Lei 3/99, como do disposto no art. 126.º, n.º 2, da Lei 52/2008 e do art. 129.º, n.º 2, da Lei 62/2013.
III - A competência dos juízos de execução cingir-se-á apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação, sendo competentes as Varas Criminais para executar as suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa. Da conjugação do preceituado nos arts. 82.º, n.º 1, do CPP e arts. 102.º-A, n.º 2 e 103.º, da LOFTJ, retira-se que a Vara Criminal, como tribunal de competência específica, tem competência para executar as próprias decisões, criminais ou de natureza cível (com excepção da liquidação em execução de sentença), donde decorre a competência daquele tribunal para tramitar a acção executiva proposta contra o recorrente e consequentemente desta secção criminal para conhecer do presente recurso.

Texto Integral

Em causa no presente recurso a determinação da competência material para conhecer do incidente de liquidação deduzido, nos termos dos artigos 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, pela demandante AA contra a C................., S.A., por apenso ao processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 1453/10.4TAPVZ, (Apenso D), actualmente a correr termos em Matosinhos, Comarca do Porto – Vila do Conde – Instância Central – 2.ª Secção Criminal – Juiz 2.

Após várias decisões e recursos subiu o presente “recurso independente e em separado”, com várias peças atinentes ao incidente de liquidação, mas sem se ter junto nada que se refira ao título executivo (artigo 467.º do CPP), à decisão criminal condenatória, que determinou a liquidação de indemnização em liquidação de sentença e daí o despacho liminar de fls. 114, a determinar junção de cópia do título executivo, pelo menos na parte cível, certificando-se o trânsito em julgado, bem como a data da instauração da liquidação e isto porque, como então se referiu “Não faz sentido abordar a questão sem se conhecer o teor da sentença condenatória, que constitui o título executivo que funda o direito a indemnização, cujo “quantum” se pretende liquidar”.

       Título executivo

       

Estando em causa a determinação de responsabilidade civil conexa com a criminal, só através da análise do título executivo se poderá alcançar o sentido e o alcance da decisão condenatória, determinativa de actividade processual subsequente.

       Segundo José Alberto dos Reis, Processo de Execução, volume 1.º, 3.ª edição, Reimpressão, 1985, pág. 68, o título executivo é a base da execução: nulla executio sine titulo.

       Promover uma execução sem título equivale a promover uma execução sem base.

       É o título que autoriza o credor a mover a acção executiva; é o título que define o fim da execução; é o título que marca os limites do procedimento executivo.

       A págs. 125 ensina que nos títulos há que considerar os requisitos formais e os requisitos substanciais; o título há-de satisfazer a uma certa forma e ter um certo conteúdo, e sob este ponto de vista o título deve representar um facto jurídico constitutivo de um crédito.

       Assinala a págs. 190, que o caso nítido de inexequibilidade do título é o de se promover execução com base num documento que não tenha eficácia executiva, isto é, que não reúna os requisitos formais e substanciais exigidos pela lei para ser considerado título executivo.

       E a fls. 195 refere o Autor que a alegação da inexequibilidade põe ao juiz uma questão de direito, a questão de saber se o título reúne os requisitos exigidos pela lei para ter força executiva.

       Segundo Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 58, o título executivo constitui «documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo».

       Para João Castro Mendes, Acção Executiva, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL), 1980, págs. 8 a 13, o título executivo constitui o pressuposto formal da acção executiva, sendo a obrigação o pressuposto material.

       Para Eurico Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, pág. 23, na acção executiva o título vale como causa de pedir, corresponde à causa de pedir.

       Germano Marques da Silva, Curso de Processo Civil Executivo, Universidade Católica Editora, 1995, pág. 28, assinala o duplo significado com que é usado o termo título - o facto jurídico que é fundamento da aquisição do direito que se executa e documento que materializa e prova esse direito.

       Para Abrantes Geraldes, Títulos executivos, Thémis, Ano IV, n.º 7, 2003, sobre A Reforma da Acção Executiva, a págs. 35 afirma que o título executivo caracteriza-se como pressuposto processual específico da acção executiva, sendo mais do que um mero documento comprovativo de um direito de crédito, e elevado à categoria de verdadeiro requisito sem o qual a acção executiva não pode ser instaurada, ou prosseguir, para cumprimento coercivo das obrigações.

Como se retira de págs. 36, o título executivo deve ser auto-suficiente no que concerne à determinação do objecto e da finalidade da execução e revelar por si só os sujeitos activo e passivo da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de assegurar, com apreciável grau de probabilidade, a existência e conteúdo da obrigação. 

       Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1993, proferido no processo n.º 84.081, Secção Cível, em caso de contrato de abertura de crédito, publicado na CJSTJ 1993, tomo 3, págs. 5 a 8, não pode haver acção executiva sem título que, processualmente, constitua a sua base formal, sine qua non e lhe defina o fim e os limites (art. 45, n.º 1 do CPC).

Conforme o título, a acção executiva tem uma limitação subjectiva (as pessoas a quem o título respeita ou quem lhes suceda ou quem, por via dele, tenha bens onerados -arts. 55 e segs. do CPC), e tem uma vertente teleológica definida e delimitada, ora para pagamento de quantia certa, ora para entrega de coisa certa, ora para prestação de facto (art. 45, n.º 2 do CPC). (…).

       O título deve ser a raiz da causa de pedir e deve reflecti-la. Mas não é, ele próprio, a causa de pedir. (…).

       À luz da teoria da substanciação acolhida pelo CPC, a causa de pedir é o facto jurídico nuclear constitutivo de uma determinada obrigação. (…).

       Assim o título será o reflexo ou a raiz do facto gerador da obrigação, mas este facto é que é, verdadeiramente, a causa de pedir”.

       Conclui que “nas acções executivas, a causa de pedir não é o título executivo mas, sim, o facto jurídico nuclear constitutivo de determinada obrigação, ainda que com raiz ou reflexo no título”. 

       Enquadrando a questão

       O direito a indemnização por danos patrimoniais, abrangendo danos emergentes e lucros cessantes, e danos não patrimoniais, ora em causa, emerge da eclosão de um acidente de viação ocorrido cerca das 18:35 horas do dia 17 de Agosto de 2010, na Rua da .........., freguesia de Aguçadoura, Póvoa de Varzim, em que o arguido BB, conduzindo um veículo automóvel, com a TAS de 1,8g/l e invadindo a faixa contrária, colheu quatro crianças, que caminhavam no sentido contrário ao do arguido, sendo nascidas em 1994 e 1995, entre as quais a ora recorrente, de que resultaram várias lesões. 

       No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.° 1453/10.4TAPVZ, por acórdão do Tribunal Colectivo do então Círculo Judicial de Vila do Conde, datado de 6 de Dezembro de 2012, o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 6 meses de prisão por cada crime e pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 3, por referência ao artigo 144.º, alíneas a) e c), do Código Penal, nas penas de 10 meses de prisão por cada crime e pela prática de quatro crimes de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão por cada crime e na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução, com sujeição a regime de prova.

Através dos respectivos progenitores, em nome dos menores foram deduzidos pedidos de indemnização contra a Companhia .........., S.A., sendo que no caso da demandante menor AA foi pedida “a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, seja quanto aos danos emergentes, seja quanto aos lucros cessantes decorrentes da incapacidade que lhe vier a ser atribuída, bem como a quantia de € 300.000,00 correspondente à liquidação (provisória) da indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial”.

       Na fundamentação de direito, a fls. 1483/4 do processo, ora fls. 165/6, foi afirmado na sentença: “No que concerne aos demandantes AA e CC, resulta da matéria provada que ambos sofrearam graves lesões em consequência da actuação do arguido que, todavia, ainda não se encontram consolidadas, razão pela qual se remeterá, conforme o acordado entre estes demandantes e a demandada cível, para posterior liquidação em execução de sentença o apuramento definitivo de tais danos sofridos pelos demandantes AA e CC assim como a quantificação das correspectivas indemnizações”.

       A remessa para posterior liquidação do apuramento integral e definitivo dos danos sofridos por estes dois demandantes; com lesões mais graves, conforme o requerido por demandantes e demandada, foi certificada no FP 23, a fls. 1468 dos autos, aqui fazendo fls. 150.        

       Na sequência, no dispositivo, no que concerne à ora recorrente, foi deliberado:

       “Condenar a demandada Companhia de .........., S.A. a pagar à demandante AA a quantia que se vier a apurar em liquidação em execução de sentença como correspondente à indemnização dos danos sofridos pela demandante em consequência do embate do veículo de matrícula 00-00-00 no dia 17 de Agosto de 2010 que constitui o facto ilícito objecto dos presentes autos”.

       A demandada interpôs recurso do acórdão de primeira instância quanto aos pedidos de indemnização civil formulados pelos demandantes DD e EE, tendo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Setembro de 2013, negado provimento ao recurso. (fls. 1689 a 1710 do processo e ora fls. 117 a 138).

A demandada Companhia de .......... S.A. conformou-se, pois, com a decisão de primeira instância, no que toca à ora recorrente e demandante CC, que transitou em julgado em 18-01-2013, conforme certidão de fls. 116, na parte criminal e na parte cível não impugnada.

 

                                                                ***

A demandante/requerente AA em 15 de Maio de 2015, conforme certidão de fls. 116, deduziu incidente de liquidação, nos termos do artigo 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do CPP, conforme consta de fls. 4 a 30, afirmando no ponto 3 da Questão prévia não haver dúvidas de que é no próprio processo penal em que foi proferida a sentença condenatória, que deverá ser realizada a liquidação dos danos e da indemnização, passando depois a deduzir a sua pretensão, ao longo de 161 artigos.

Por despacho de 14-05-2015 (fls. 20) foi a exequente AA convidada a esclarecer a razão de instauração de novo incidente de liquidação, uma vez que havia já instaurado execução, que fora desentranhada e remetida à Instância Central Cível da Póvoa de Varzim.

         Notificada, veio a requerente, a fls. 23, explicar que verificou que o apenso de liquidação seria o procedimento correcto, atento o disposto no artigo 358.º e seguintes do CPC, tendo desistido da instância executiva por requerimento apresentado a 13-03-2015, desistência homologada por sentença proferida em 18-03-2015.

A desistência da instância e a sentença de homologação e declaração de extinção no processo n.º 192/15.4T8PVZ (execução de sentença nos próprios autos) da Instância Central – 2.ª Secção Cível de Póvoa de Varzim - J4, constam de fls. 25 a 29.

                                                                   ***

Apreciando o requerimento de liquidação, por despacho proferido em Matosinhos pelo Juiz 2 na 2.ª Secção Criminal da Instância Central de Vila do Conde, Comarca do Porto, datado de 2 de Junho de 2015, constante de fls. 31/2, foi decidido (realce do texto):

«Por apenso aos autos de Processo Comum Colectivo n° 1453/10.4TAPVZ, de natureza criminal, foi instaurada por AA incidente de liquidação, sendo certo quo o título que incorpora a obrigação a liquidar é a sentença criminal proferida nos referidos autos, que determinou para posterior liquidação o apuramento integral e definitivo dos danos que aquela sofreu em consequência do facto ilícito cometido pelo arguido BB.

       Ora, de acordo com o disposto no art. 82°, n° 1, do Código de Processo Penal, este tipo de execução de sentença penal, diversamente do que sucede com as execuções para pagamento de quantia certa, que seguem por apenso ao processo-crime, «corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal».

       Para além do unívoco texto da lei, é pacífica a jurisprudência no sentido de que é ao tribunal civil que compete apreciar as execuções de sentença desta natureza: Acs. do STJ de 06-12-1989, Proc. n.° 40 158, AJ, 4; de 23-05-1996, Proc. n.° 46 998 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos); de 08-05-2001, Revista n.° 3855/00 - l.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos); e de 06-06-2002, Proc. n.° 1671/02 - 5.a, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos); Ac. RL de 19-11-1991, Proc. n.° 48 971, e Acs. RC de 12-12-2001, Proc. n.° 3079/01, e de 01-01-2006, Poc. n.° 2313/05, e Proc. n,° 2547/06 de 11-07-2007 todos in www.dgsi.pt.

       Donde, o presente incidente de liquidação de sentença deveria ter sido intentado na 1.ª secção de Instância Central de Execução do Núcleo do Porto - Comarca do Porto que substituiu os Juízos de Competência Cível do Tribunal Judicial da ex-comarca da Póvoa de Varzim, no que aos processos executivos diz respeito.

       Foi aliás o que já decidiu a este propósito e nestes autos, em relação ao lesado CC, o Tribunal da Relação do Porto no conflito de competência por nós suscitado - cfr. decisão de fls. 81 a 84 do Apenso C.

      Conclui-se, assim, nos termos do disposto no citado art. 82°, n.° 1, do Código de Processo Penal, que este tribunal é materialmente incompetente, excepção esta que é de conhecimento oficioso e que determina a remessa dos autos para o tribunal competente (cfr. art. 32°, n° 1, e 33° do Código de Processo Penal), que, no caso, é a Instância Central de Execução do Núcleo do Porto - Comarca do Porto, o que se decide.

       Notifique (com cópia da decisão de fls. 81 a 84 do Apenso C) e, após trânsito, remeta o presente apenso àquela Instância Central de Execução do Núcleo do Porto - Comarca do Porto».

    

       A requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação de fls. 35 a 40, concluindo:

1. A decisão recorrida, por possuir uma fundamentação errática e ambígua, parece nula.

2. O meio processual usado pela recorrente foi um incidente de liquidação e não uma execução.

3. Não dependendo a liquidação da obrigação exequenda de um mero cálculo aritmético, só através de um incidente de liquidação pode a recorrente promover a liquidação, sendo que para tramitar e julgar esse incidente só é materialmente competente o tribunal recorrido.

Terminava pedindo a revogação do despacho recorrido, determinando-se a subsequente tramitação dos autos no tribunal “a quo”.

       Decisão recorrida

       Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 25 de Novembro de 2015, constante de fls. 53 a 55, foi negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.

Transcreve-se a fundamentação e decisão do acórdão ora recorrido:

       “Concordamos plenamente com o teor da decisão recorrida, a qual acolhe jurisprudência deste TRP.

       O Tribunal Criminal é o competente para a execução das suas sentenças condenatórias.

       Esta regra sofre uma excepção: quando a condenação for em indemnização que exija uma prévia liquidação caso em [que] a execução deve correr no tribunal cível.

       Isto em virtude de a liquidação não depender de um simples cálculo aritmético, tendo o interessado que liquidar a prestação, de acordo com o preceituado no art.° 378.° do CPC - incidente prévio à execução.

       Entendimento contrário significaria deixar de cumprir o teor do art.º 82.°, n.° 1, 2.ª parte do CPP, o qual é bem claro ao definir a competência nestes casos.

       Trata-se de uma norma especial e imperativa do processo penal.

       Tal tramitação pressupõe a recolha de elementos probatórios que retardaria a execução da acção penal. O sistema de adesão, neste caso pontual, retardaria a necessária celeridade da administração da justiça penal, pretendendo o legislador afastar tal perigo.

Não tem, pois, que socorrer-se o intérprete e aplicador do mesmo art.º 82.° que socorrer-se das normas do processo civil, por tal atitude ser proibida pelo art.º 4.° do CPP.

       Veja-se também, no mesmo sentido, Acs. TRC, 25.6.2013, CJ, T. III, pág. 35; RL, de 1.10.2013, CJ, T. IV, pág. 146.

       Não merece, pois, provimento o recurso da demandante civil.

       Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela demandante, confirmando a decisão recorrida”.

                                                                   ***

      Inconformada, a requerente interpôs recurso para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 629.º, n.º 2, alínea a) e 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, apresentando a motivação de fls. 69 a 86, que remata com as seguintes conclusões:

1. No recurso que deu origem ao acórdão recorrido, a recorrente pediu ao tribunal ora recorrido que este apreciasse a decisão da primeira instância, de se julgar materialmente incompetente para julgar um incidente de liquidação, partindo da realidade processual, caracterizada por incidente de liquidação instaurado pela recorrente.

2. Ao invés de o fazer, o acórdão recorrido apreciou a mesma questão da incompetência material da primeira recorrida, à luz de uma realidade processual inexistente, segundo a qual a ora recorrente havia instaurado uma execução com prévio pedido de liquidação da obrigação exequenda.

3. Ou seja, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre o que lhe não foi pedido, sendo que, ao mesmo tempo, deixou de se pronunciar sobre o que efectivamente lhe foi pedido: a questão da competência material da primeira Instância para apreciar e julgar um incidente de liquidação que foi instaurado pela recorrente.

4. Por essa razão, o acórdão recorrido é nulo, importando, por essa razão e Antes do mais, que a nulidade seja suprida.

5. O acórdão recorrido, ao julgar materialmente incompetente o tribunal de primeira instância, para preparar e julgar o incidente de liquidação, violou de forma frontal o disposto nos artigos 358º nº- 2 do CPC, in casu aplicáveis à luz do disposto no artigo 4º do CPP.

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue materialmente competente a Instância Central de Vila do Conde para julgar o incidente de liquidação.

       Mais tarde, a fls. 110/1, veio juntar “cópia do acórdão fundamento” (de fls. 93 a 96 consta decisão do Exmo. Vice Presidente do Tribunal da Relação de Évora proferida em conflito negativo de competência).

                                                                   ***

       O recurso foi admitido por despacho de fls. 105.

 

                                                                   ***

       A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer, de fls. 110 a 113, onde consta (Realces do texto):

       “I – Questão Prévia.

        A prévia questão a decidir é a da recorribilidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos autos principais a que estes se reportam.

       Dispõe o artº 400º, nº 3, do C.P.P., que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indeminização civil”.

O artº. 4º, do mesmo C.P.P., determina que, “nos casos omissos, quando as disposições deste código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

O artº. 629º, nº. 2, alínea a), do C.P.C., prescreve que Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria.

     Por outro lado, resulta do artº. 671º, nº. 3, do mesmo C.P.C., caber sempre revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que o recurso é sempre admissível. O que ocorre no presente caso. O recurso é de prosseguir.

      II – Do fundo da questão

      O recurso da demandante não merece provimento, sendo certo e pacífico que o legislador processual penal quis, com a introdução do nº. 3, do artº. 400º, do C.P.P., sujeitar às regras do processo civil a parte da sentença relativa à indeminização civil. É, porém, evidente, que não quis, nem postergou, as normas específicas e expressas do C.P.P. relativas à competência do Tribunal Criminal, em caso de incidente de liquidação da sentença – cfr. art. 4.º, do CPP.

       É expressa e cristalina a redação contida no artº. 82º, nº. 1, do C.P.P., como afirmou o Tribunal recorrido e o sr. Juiz da 1ª. Instância, quando determina que “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indeminização, o Tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o Tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal”.

       No mesmo sentido da jurisprudência citada pelo Tribunal ora recorrido, ainda os Acs. Do STJ, de 13/07/2009, Proc. nº. 3702/08 - 5ª. Secção e de 10/09/2009, Proc. Nº. 76/09.5YFLSB- 3ª. Secção. (cfr. anotações do artº. 82, do C.P.P., de António Henriques Gaspar et alii, 2014, Almedina).

      Os normativos invocados pelo recorrente, artº 359º a 360º, do C.P.C., ora em vigor, em nada beliscam ou contradizem o disposto no citado artº. 82º, nº. 1, do C.P.P..

Esgrime a recorrente com a nulidade da decisão recorrida, porque não decide a questão colocada, qual seja a de saber qual o Tribunal competente para decidir do incidente de liquidação dos danos reconhecidos na sentença penal, mas nela não quantificados, confundindo os conceitos de incidente de liquidação, por si interposto, com o incidente de execução de sentença.

      Com clareza, o Tribunal recorrido fundamenta a decisão tirada. “O Tribunal Criminal é o competente para a execução das suas sentenças condenatórias”. (realce nosso)

     Esta regra sofre uma excepção: quando a condenação fôr em indemnização que exija uma prévia liquidação, caso em a execução deve correr no Tribunal Cível.

      Isto em virtude de a liquidação não depender de um simples cálculo aritmético, tendo o interessado que liquidar a prestação, de acordo com o preceituado no artº. 378º, do C.P.C. – incidente prévio à execução (…)”. (realce nosso)

       O Tribunal recorrido decidiu a questão que lhe foi colocada pela demandante, qual seja a de saber qual o Tribunal competente (cível ou criminal) para decidir do incidente de liquidação de sentença criminal, julgando competente o Tribunal civil, por força dos artºs 4º e 82º, nº. 1, ambos do C.P.P. E bem, de acordo com os normativos aplicáveis.

      4 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido do improvimento do recurso da demandante AA”.

                                                               ***

        Após, em apreciação vestibular, foi proferido o já referido despacho, a fls. 114, a convidar a requerente a proceder à junção do título executivo, de elementos da sentença condenatória.

                                                                 ***

       Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

                                                                ***

        Questão a apreciar

A recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido, mas decisão ora recorrida é o acórdão da Relação do Porto e não o despacho de primeira instância, encerrando as conclusões alguma contradição, pois que o Tribunal da Relação apreciou a questão e pronunciou-se sobre o que estava efectivamente em causa.

       Aliás, dos pontos 2 e 3 da questão prévia do incidente, retira-se entender a requerente, até pela expressão “Assim sendo” que um dos pontos implica necessariamente o outro, o que não acontece, pois que uma coisa é a admissibilidade de dedução do incidente para liquidação da obrigação ilíquida constituída no processo penal e outra a competência para a respectiva apreciação, tratando-se de dois planos diversos.

       E a Relação considerou possível a dedução do incidente, mas entendendo, tal como a primeira instância, que não é o tribunal criminal a conhecer, mas o cível, por força do comando do artigo 82.º do Código de Processo Penal.

       Posto isto e avançando para o que interessa.

 

Suscita-se a questão de saber qual o tribunal materialmente competente para tramitar a execução – liquidação em execução de sentença – na sequência de decisão penal que relega para liquidação em execução de sentença a indemnização dos danos sofridos pela requerente em acidente de viação.

       Começando pela

 

       Liquidação

       Como se viu, a demandante deduziu o pedido de condenação da seguradora a pagar “a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, seja quanto aos danos emergentes, seja quanto aos lucros cessantes decorrentes da incapacidade que lhe vier a ser atribuída, bem como a quantia de € 300.000,00 correspondente à liquidação (provisória) da indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial”.

       A solução da sentença deveu-se à gravidade das lesões e não consolidação à data da decisão, mais de dois anos e três meses transcorridos sobre o acidente, com vários tratamentos, internamento, duas operações e várias consultas, sendo já fixado até 13-10-2011, período de doença por 422 dias, conforme FP 11, a fls. 145/6, tendo as partes chegado a acordo no sentido de ser relegado para execução de sentença o apuramento integral e definitivo dos danos sofridos – FP 23 e fls. 165/6. (Pelo que decorre do texto, o acordo terá abrangido a parte já liquidada provisoriamente, no montante de € 300.000,00, relativa à reparação pelo danos não patrimoniais).

       No caso foi formulado um pedido genérico, ficando definida, no quadro do complexo que constitui a causa de pedir nas acções para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação - o acidente, o facto ilícito, a responsabilidade pelo acidente e nexo causal, e no que toca aos danos, reparáveis, a sua natureza, gravidade, extensão e mensuração da reparação - a afirmação de uma obrigação ilíquida.

       (A causa de pedir não se restringe ao acidente e prejuízos, mas ao conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação, designadamente, o acidente, a culpa do responsável e os prejuízos – neste sentido, acórdãos do STJ de 25-02-1975, BMJ n.º 244, pág. 227 e de 28-06-1979, BMJ n.º 288, pág. 394; cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, Almedina, 1980, págs. 426/7).

       Esta situação de formulação de um pedido genérico e a sequente necessidade de relegar para uma actividade processual complementar posterior a efectivação de liquidação, convoca um conjunto normativo que se passa a analisar.

 

       Estabelece o Código Civil no

   

                                                       Artigo 569.º  

                                            Indicação do montante dos danos

Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantias mais elevadas se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.

    Os três casos em que a acção podia ter por objecto um pedido genérico eram apontados no Código de Processo Civil pelo n.º 1 do

 

                                                     Artigo 471.º

                                                Pedidos genéricos

1 – É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:

a) Quando o objeto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito;

b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil;

c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu. 

      Preceituava o n.º 2:

2 – Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido pode concretizar-se em prestação determinada por meio do incidente de liquidação, quando para o efeito não caiba o processo de inventário. Não sendo liquidado na acção declarativa, observar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 661.º.

      

A redacção deste n.º 2 foi alterada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, aplicando-se aos processos instaurados a partir de 15-09-2003 (início de vigência), passando a estabelecer: 

 2 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 378.º, salvo, no caso da alínea a), quando o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 6 do artigo 805.º.

 

Reproduzindo o artigo 471.º na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8-03, com a rectificação da Declaração de Rectificação n.º 5-C/2003, de 30-04, com mera actualização das remissões, passou a estabelecer o

 

                                                             Artigo 556.º

                                                       Pedidos genéricos

1 – Texto do anterior.

2 – Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º, salvo, no caso da alínea a), quando o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 7 do artigo 716.º.

     

       Os n.ºs 2 do artigo 471.º e o n.º 2 do artigo 556.º reportam-se a liquidação, sendo incidente de liquidação na versão inicial do artigo 471.º, ao artigo 378.º no mesmo preceito, na versão de 2003 e ao artigo 358.º no artigo 556.º.

Integrado no Livro III do Código de Processo Civil – Do Processo – Título I – Das disposições gerais – Capítulo III – Dos incidentes da instância – Secção VI – Liquidação -, estabelecia o

 

                                                                Artigo 378.º

                                                         Ónus de liquidação

      Antes de começar a discussão da causa, o autor deduzirá, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.

       Pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, aplicando-se aos processos instaurados a partir de 15-09-2003 (início de vigência), foi aditado o n.º 2, do seguinte teor:

       2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.

      Actualmente no Título III – Dos incidentes da instância - Capítulo V - Liquidação, passou a estabelecer o

                                                             Artigo 358.º

                                                       Ónus de liquidação

      1 - Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito. (Texto do corpo do anterior artigo 378.º, apenas com a diferença de tempo verba, agora “deduz”, em vez de “deduzirá”)

     2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.

     

        O n.º 2 do artigo 471 na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8-03, o n.º 2 do artigo 378.º, aditado em 2003, reportam o artigo 661.º, n.º 2, e o n.º 2 do artigo 358.º convoca o artigo 609.º, n.º 2 do CPC.

       Estabelecia o

                                                                  Artigo 661.º

                                                          Limites da condenação

2 - Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

       Pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, aplicando-se aos processos instaurados a partir de 15-09-2003 (início de vigência), foi introduzida nova redacção, passando a estabelecer:

2 - Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

       Actualmente, estabelece o

                                                                Artigo 609.º

                                                        Limites da condenação

2 - Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

    O texto actual reproduz o anterior artigo 661.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8-03, apenas com a diferença do emprego do tempo verbal “condena” em vez de “condenará”, presente na versão de 2003 e na anterior.

                                                                ***

       Eurico Lopes Cardoso, Manual dos incidentes da instância em processo civil, 3.ª edição, Livraria Petrony, Lda., Lisboa, 1999, pág. 318, afirmava: Ao contrário do que sucede com a liquidação executiva, cuja esfera de aplicação é mais ampla, o incidente da acção declarativa só é aplicável quando o perdido genérico respeite a uma universalidade ou às consequências dum facto ilícito.

       Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, Lisboa, 1984, pág. 15, em anotação ao artigo 805.º então vigente, dizia: “É ilíquida a execução cujo montante é indeterminado”, assinalando a pág. 16 que o disposto no artigo 805.º não impedia o credor do uso, quando fosse caso disso, do incidente da instância regulado nos artigos 378.º a 380.º.

       Como refere Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 2.ª edição, Janeiro 2014, Ediforum, pág. 872 (e na 3.ª edição, Maio de 2015, pág. 933, e no Código de Processo Civil Anotado, 18.ª edição, Setembro de 2014, pág. 1134), “São ilíquidas, para efeitos de execução, as obrigações que têm por objecto uma prestação cujo quantitativo não se encontra determinado ou fixado, de tal modo que o devedor sabe que deve, mas desconhece o quantum, bem como aquelas que têm por objecto uma universalidade”.

       “É o caso de (…) por não haver elementos para fixar a quantidade, o tribunal ter condenado no que se viesse a liquidar em execução de sentença, por não ter sido possível fixar, na acção declarativa as consequências do facto ilícito (…), sendo caso em que a liquidação depende da fixação de factos”.     

       Nestes casos o tribunal não dispõe de elementos fácticos que lhe permitam conhecer do pedido de indemnização em toda a sua amplitude, há uma insuficiência de matéria de facto e a montante, de elementos probatórios que a ela conduzam, que a suportem, não sendo bastantes para fixar o objecto ou a quantidade da indemnização.

O tribunal conhece do pedido formulado, fixa a matéria constitutiva do direito a indemnização (acidente, facto ilícito, culpa, nexo causal), que é definitiva, mas para a abordagem do dano reparável, não tem elementos suficientes para fixar a natureza, gravidade, dimensão, extensão do dano (danos futuros, incapacidade temporária ou definitiva, dano biológico, dano estético e dano não patrimonial) e daí a necessidade de especificar o conteúdo da obrigação ilíquida, através de incontornável liquidação, convertendo o pedido genérico em pedido específico.

       Sendo a liquidação dependente de simples cálculo aritmético, v.g., contagem de juros de certo capital, dúvidas não haverá de ser competente para a liquidação o tribunal penal.

       Diversamente se coloca a questão quando o tribunal penal relega para execução de sentença a definição do pedido específico, a concretização do objecto da sua condenação, e a liquidação há-de ter lugar por meio de incidente de liquidação, que é um incidente da instância declarativa.

                                                                ***

       No domínio do Código de Processo Penal de 1929, integrado no Título VIII - Das Execuções - Capítulo III - Da execução por multa, imposto de justiça, custas e indemnizações, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Maio, estabelecia o

                                                              Artigo 643.º

                                                     Execução por indemnização

A execução por indemnização, movida contra o réu ou assistente, seguirá os termos da execução em processo civil no juízo da condenação e por apenso, salvo o disposto no § 3.º do artigo 34.º.  

       (Este preceito veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 402/82, de 23-09, que na sequência da publicação do novo Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, do mesmo dia, procedeu a uma profunda reestruturação do CPP, reformulando o Título VIII do Livro II relativo a execução das penas, tendo pelo artigo 53.º revogado os artigos 625.º a 644.º do CPP e o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 06-11).

       Por seu turno, estabelecia o

 

                                                              Artigo 34.º:

Reparação por perdas e danos       

“ O juiz, no caso de condenação, arbitrará ao ofendido uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que não lhe tenha sido requerida.

       § 3.º - As pessoas a quem for devida a indemnização poderão requerer, antes de proferida sentença final em 1.ª instância, que ela se liquide em execução de sentença, e neste caso, se procederá à liquidação e execução perante o tribunal civil, servindo de título exequível a sentença penal”. (Sublinhámos).

       Este artigo veio a ser revogado pelo Código de Processo Penal de 1987, “sucedendo-lhe” o artigo 82.º.

      Integrado no Título VI - Das partes civis - do Livro I - Dos sujeitos do processo, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis”, estabelece o

 

                                                            Artigo 82.º

         Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis

1 - Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal.

       A diferença do preceituado para o antecessor está em que agora o tribunal tem o poder dever de condenar em liquidação de execução e sentença, fá-lo oficiosamente, quando antes apenas o podia fazer a requerimento dos titulares do direito a indemnização.

Comentando este preceito, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, pág. 244, começa por afirmar que a liquidação em execução de sentença é diferente do reenvio para os tribunais civis.

       A liquidação em execução de sentença tem lugar nas seguintes condições:

       a. o tribunal penal já decidiu, com trânsito em julgado, que é devida uma indemnização;

       b. a liquidação em execução de sentença perante tribunal civil é decidida oficiosamente;

       c. o motivo da remessa é o da inexistência fáctica de “elementos bastantes” para a decisão perante o tribunal penal.

       Diferentemente no caso de reenvio para os tribunais civis não há decisão sobre o mérito da pretensão civil, a decisão sobre esta matéria é remetida para os meios civis, o tribunal penal pode decidir oficiosamente ou a requerimento, sendo o motivo da remessa a excessiva complexidade fáctica ou legal dos elementos existentes nos autos (quando as questões “inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes”).

       Como explicita na nota 5, se o processo está já arquivado quanto à matéria criminal, prosseguindo os autos para conhecimento da matéria cível, “o tribunal penal não pode remeter o processo para os tribunais civis”. 

       Ora, como é bem de ver, este impedimento não existe no caso presente em que houve já conhecimento do pedido, sendo ordenada a liquidação quando o processo não está arquivado quanto à matéria criminal, podendo haver recurso, como houve, embora apenas por parte da demandada relativamente ao decidido quanto a outros dois demandantes e até porque a solução ditada foi consensual, como referiu a sentença condenatória.

       Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª edição revista, em comentário ao artigo 82.º, na pág. 252, refere: 

       “Estabelecem-se os procedimentos ao dispor do tribunal para os casos de insuficiência de elementos para arbitrar a indemnização no processo penal. O n.º 1 contém solução idêntica à do processo civil – artigo 609.º, n.º 2, do CPC, para os casos em que, havendo prova do facto ilícito, da responsabilidade e do nexo de causalidade, não estiverem suficientemente precisados os elementos para «fixar a indemnização», isto é, para determinar a natureza e o montante da indemnização: o tribunal define a responsabilidade dos demandados, mas remete os interessados para o procedimento de execução de sentença, a requerer no tribunal cível”.

      Passando à

       Competência

       Segundo Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 207: “ A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas.

       Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram”.

       Anotando o artigo 10.º do CPP, Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, pág. 48, refere:

“A competência dos tribunais define-se como a parte da jurisdição que a lei atribui (ou distribui) pelos diversos tribunais, de acordo com modelos de organização e critérios específicos de repartição.

       A competência material – competência em razão da matéria – constituiu a parcela de jurisdição distribuída pelos diversos tribunais de acordo com critérios de repartição fundados na natureza das causas submetidas a julgamento e decisão.

       A repartição da competência em razão da matéria é fixada pelas leis de organização judiciária. (…)

       A competência material dos tribunais, estabelecida em razão da natureza dos casos submetidos a julgamento, pressupõe um pré-ordenamento de organização: a competência dos tribunais em razão da matéria é fixada por amplo princípio de inclusão, competindo aos tribunais judiciais o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem de jurisdição (artigo 40.º da LOSJ), devolvendo-se às normas de processo a definição e a atribuição de competência aos diversos tribunais em função da natureza das causas, ou em situações muito específicas, da qualidade das pessoas. (…)

A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no CPP, e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial”.

       A quem compete a liquidação: ao tribunal penal da condenação, que configurou o título executivo, ou ao tribunal civil?

       A competência no Código de Processo Civil

Integrado no Capítulo I - Das disposições gerais sobre competência - do Título IV- Do Tribunal, do Livro I do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Factores determinantes da competência na ordem interna”, estabelece o

                                                               Artigo 60.º  

1 - A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código.

2 – Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território.

       A norma sucede ao anterior artigo 62.º, sendo idêntico o texto do n.º 1, sendo alterado o n.º 2, que preceituava:

2 – Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, a hierarquia judiciária, o valor da causa, a forma de processo aplicável e o território.

        (Foi suprimida a referência ao critério da “forma de processo aplicável”, por inutilidade face ao novo regime).

       Sobre competência em razão da matéria regem actualmente os artigos 64.º e 65.º.

 

Integrados no Capítulo III (do mesmo Título IV) - Da competência interna - e na Secção I - Competência em razão da matéria, sob a epígrafe “Competência dos tribunais judiciais”, estabelece o

                                                        Artigo 64.º

 

São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

       E sob a epígrafe “Tribunais e secções de competência especializada”, estabelece o

                                                      Artigo 65.º

As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada”

        O artigo 64.º reproduz na íntegra o anterior artigo 66.º e o artigo 65.º sucede ao artigo 67.º, que subordinado à epígrafe “Tribunais de competência especializada”, estabelecia: 

         As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.

(Estes preceitos anteriores, na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, correspondiam na sua formulação à adoptada na LOTJ em vigor em 1995, ou seja, a aprovada pela Lei n.º 38/87, de 23/12, posteriormente substituída pela LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13-01).   

      E no que respeita a competência para a execução fundada em sentença estabelecia (Secção V- Disposições especiais sobre execuções) o artigo 90.º, n.º 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, que:

 

1 - Para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada.

 

       Hoje, igualmente integrado na Secção V - Disposições especiais sobre execuções, sob a epigrafe “Competência para a execução fundada em sentença”, estabelece o

 

                                                          Artigo 85.º

 

2 - Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com carácter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.

        A competência no Código de Processo Penal

       No Código de Processo Penal de 1929 estabelecia o artigo 35.º (Lei reguladora da competência material e funcional), com a redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro:

 

      «A competência material e funcional dos tribunais penais será prevista na legislação sobre organização judiciária».

No Código de Processo Penal de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, com início de vigência previsto para 1 de Junho de 1987, de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei, mas tendo a data de entrada em vigor sido diferida, pelo artigo único da Lei n.º 17/87, de 1 de Junho de 1987, para 1 de Janeiro de 1988, inserto na Parte Primeira, Livro I - Dos sujeitos do processo - Título I - Do Juiz e do Tribunal, Capítulo II - Da Competência - Secção I - Competência Material e Funcional, sob a epígrafe “Disposições aplicáveis” estabelece o

                                                      Artigo 10.º

A competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária.

       Haverá assim que atender ao disposto no Código e por força da apontada subsidiariedade, haverá que em cada momento consultar as leis de organização judiciária em vigor.

        Leis de organização judiciária

       Vejamos os contributos das várias leis desde 1977.

        Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 281, de 6 de Dezembro de 1977, que aprovou a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ), entrada em vigor em 31-07-1978 (artigo 92.º, n.º 2).

                          

                                                          Artigo 18.º

                                             Lei reguladora da competência

1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.

       Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, que aprovou a nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ), publicada no Diário da República, I Série, n.º 294, de 23-12-1987.

                                                         Artigo 18.º

                                            Lei reguladora da competência

1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.

     Este artigo 18.º foi alterado pelo artigo 1.º da Lei n.º 24/90, de 4 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 179, de 04-08-1990, cujo n.º 1 passou a dispor:

1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, sem prejuízo do disposto no artigo 81.º.

2 – […]

       (O artigo 81.º definia então a competência do tribunal de círculo).

     Esta Lei 38/87 foi revogada pelo artigo 150.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro de 1999 (Diário da República, I-A Série, n.º 10/99, de 13-01-1999 – Declaração de Rectificação n.º 7/99, Diário da República, I-A, de 16-12, apenas os artigos 89.º e 151.º), que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).   

                                                          Artigo 22.º

                                            Lei reguladora da competência

1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa.

      

Esta lei foi alterada, entre outras, pelo Decreto - Lei n.º 38/2003, de 8 de Março (Diário da República, I Série-A, n.º 57, de 08-03), que pelo artigo 14.º aditou o

 

                                                        Artigo 102.º-A

                                                    Juízos de execução

 Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

        O artigo 102.º-A foi alterado pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto (Diário da República I-A Série, n.º 165, de 29-08-2005, que operou a sexta alteração à Lei n.º 3/99 (abrangendo os artigos 12.º - Férias judiciais -, 77.º, 97.º, 102.º-A e 103.º), passando o corpo para n.º 1, sendo aditado um n.º 2 do seguinte teor:

                                                      Artigo 102.º-A

                                                  Juízos de execução

1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais de trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.

      

       Seguiu-se a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 28-08-2008.

                                                        Artigo 24.º

                                        Lei reguladora da competência

1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.

   (A diferença relativamente aos anteriores, está apenas na substituição no n.º 2 de “carecesse” por “carecia”).

    Actualmente rege a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de Agosto, que foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, e que entrou em vigor, no que ora interessa, nos termos conjugados do artigo 188.º, n.º 1 e artigo 118.º do ROFTJ em 1 de setembro de 2014.

       A competência está regulada no Capítulo II do Título V - Tribunais judiciais – abrangendo os artigos 37.º a 44.º.

                                                      Artigo 38.º

                                           Fixação da competência

1 - A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.

     

      (O preceito reproduz o artigo 24.º da anterior lei, aditando a ressalva na parte final do n.º 1, para além de utilizar o acordo ortográfico).

       Normas definidoras de competência para as execuções

         A Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, definia a competência para as execuções no artigo 71.º para os tribunais referidos nos artigos 56.º e seguintes, afirmando “são competentes para executar as respectivas decisões”, afirmando o mesmo no artigo 78.º, aqui com relação aos tribunais referidos nos artigos 72.º, 77.º, 81.º, 82.º e 83.º.

      Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro de 1999

Integrado na Secção V - Execução das decisões – estabelecia o

 

                                                          Artigo 103.º

                                                        Competência

       Os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.

  

       Decreto - Lei n.º 38/2003, de 8 de Março

       Por este diploma passou a estabelecer o

 

                                                         Artigo 103.º

                                                       Competência

Nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo civil, quanto às decisões que hajam proferido”. 

      Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto

 

     O artigo 103.º foi igualmente alterado por esta Lei de 2005, passando a estabelecer:

                                                          Artigo 103.º

                                                        Competência

Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e específica são competentes para executar as respectivas decisões.

      Lei 52/2008, de 28 de Agosto

       Integrando o Capítulo V – Tribunais de comarca – Secção V – Juízos de competência especializada – Subsecção VIII – Juízos de execução –, estabelecia o

 

                                                          Artigo 126.º

                                                        Competência

1 – Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 – Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos juízos de família e menores aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, aos juízos de propriedade intelectual e aos juízos marítimos e as execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível.

3 – Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos juízos de competência especializadas referidos no número anterior.

 

        Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto

   

       Integrado no Título V – Tribunais judiciais – Capítulo V – Tribunais judiciais de primeira instância – Secção VI – Instância central – Subsecção VII – Secções de execução –, estabelece o  

                                                            Artigo 129.º

                                                          Competência

1 – Compete às secções de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.

2 – Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal de propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, às secções de família e menores, às secções do trabalho, às secções de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas por secção criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante uma secção cível.

3 – Para a execução das decisões proferidas pela secção cível da instância central é competente a secção de execução que seria competente caso a causa não fosse da competência daquela secção da instância central em razão do valor.

     Concretizando.

     O tribunal criminal é o competente para a liquidação dependente de simples cálculo aritmético, o que ocorre, por exemplo, quando em causa está a determinação de juros de certo capital. 

      A execução de sentença condenatória criminal em indemnização de quantia certa caberá ao tribunal criminal e no que toca às que condenem em liquidação em execução de sentença, a lei processual penal prevê expressamente, pelo artigo 82.º, que devem correr nos tribunais civis.

      A liquidação deixou de se poder efectuar no momento liminar da execução (anteriores artigos 805.º a 810.º do CPC), sendo agora feita na pendência da acção declarativa. Com a reforma da acção executiva deixou de nesta ter lugar o incidente de liquidação da obrigação.

       Esta alteração não colide com o artigo 82.º do CPP, nem o revoga tacitamente.

      Muito pelo contrário, o que as leis de organização judiciária nos dizem, particularmente desde a criação dos juízos de execução em 2003, é que a previsão do artigo 82.º do CPP mantém plena actualidade, de modo tal que a matéria é ressalvada da exclusão, como claramente resulta do artigo 102.º-A, n.º 2, da Lei 3/99, na redacção da sexta alteração pela Lei n.º 42/2005, como do disposto no artigo 126.º, n.º 2, da Lei n.º 52/2008 e do artigo 129.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, como acima deixámos sublinhado. 

     Estes artigos desde 2005, ressalvam a norma, salvaguardam o preceito, não o revogam tacitamente, antes reforçam o sentido da norma, tratando-se de situação que deve correr no tribunal cível, conforme o vigente comando do artigo 82.º do Código de Processo Penal.                                                                                                                                                                                          1 – A requerente AA interpôs recurso para este Venerado Tribunal do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de

      Neste sentido, para além dos acórdãos citados pela Exma. PGA no parecer emitido, os acórdãos dos Tribunais da Relação de Coimbra, de 18-02-2014, de Lisboa, de 5-06-2014, processo n.º 11056/12.3YYLSB.L1-6.ª e de 12-05-2015, processo n.º 498/06.3GALNH.L1-5.ª

       Esta de resto é a solução do despacho do Exmo. Presidente da Relação do Porto, de 20-03-2015, na resolução do conflito negativo de competência, que confirmou o despacho do Sr. Juiz da Instância Central, 2.ª Secção Criminal – J2, da Comarca do Porto, nos termos do qual se declarou incompetente para decidir da questão cível que lhe fora proposta pela ora recorrente, e no caso, relativa precisamente ao outro demandante CC.

       No acórdão de 17-12-2009, por nós relatado no processo n.º 612/09, em caso de oposição à execução, decidiu-se que as Varas Criminais, como tribunais de competência específica, têm competência para executar as suas decisões, fazendo aplicação do artigo 126.º da Lei 52/2008, referindo-se: «No que respeita ao pedido de indemnização civil fundado na prática de crime deduzido no processo penal, apenas no caso de liquidação em execução de sentença é determinado o reenvio para o tribunal civil.

       Estabelece o artigo 82.º, n.º 1, do Código de Processo Penal: “Se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal”.

Daqui se retira que a competência dos juízos de execução cingir-se-á apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação, sendo competentes as Varas Criminais para executar as suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa.

       De todo o exposto e da conjugação do preceituado no artigos 82.º, n.º 1 do CPP e artigos 102.º-A, n.º 2 e 103.º da LOFTJ, retira-se que a 1.ª Vara Criminal de Lisboa, como tribunal de competência específica, tem competência para executar as próprias decisões, criminais ou de natureza cível (com a excepção da liquidação em execução de sentença), donde decorre a competência daquele Tribunal para tramitar a acção executiva proposta contra o recorrente e consequentemente desta secção criminal para conhecer do presente recurso, assim improcedendo a conclusão A)».  

       Concluindo.

       O acórdão recorrido não padece de nulidade.

       Confirmando o despacho recorrido, deve ser confirmado, por não ser competente o tribunal criminal. 

      A recorrente faz alusão a um acórdão fundamento, mas a decisão que apresenta (e que segue a par e passo no recurso, transcrevendo de fls. 80 a 85, o que consta de fls. 94 e 95) é imprestável a todos os títulos, para invocar violação de jurisprudência, desde logo por não ser acórdão. Mas antes despacho do Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora a decidir conflito negativo de competência.

     Decisão

      Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pela requerente AA, mantendo o acórdão recorrido.
      Custas pela recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, entrado em vigor em 20 de Abril de 2009.
      Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 9 de Novembro de 2016

Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto de Matos