RUÍDO
CASA DE HABITAÇÃO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
DIREITO DE PROPRIEDADE
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
BEM IMÓVEL
ABUSO DO DIREITO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
TERRENO
PRIVAÇÃO DO USO
DANO
EQUIDADE
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
REQUISITOS
ENERGIA ELÉCTRICA
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário

I - A nulidade, por oposição dos fundamentos com a decisão, consistindo no facto de os fundamentos aduzidos pelo Juiz para neles basear a sua decisão, constituindo o seu respetivo antecedente lógico, estarem em oposição com a mesma, consubstancia um vício, puramente, lógico do discurso judicial e não uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, uma errada interpretação da mesma, situações essas que configuram antes um erro de julgamento.
II - A mera privação da possibilidade do uso de um bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil, por não se dever confundir com a «privação do uso» do mesmo bem, a qual não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa.
III - Tendo a ré utilizado os terrenos da autora, a fim de aceder aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos aerogeradores eólicos que instalou, para transportar, através dos caminhos que construiu, alargou e melhorou, pavimentando-os com brita e terra compactada, alterando as características físicas dos mesmos, causou danos na estrutura física e fundiária desses troços de terreno, com conhecimento, que não podia ignorar, de que, assim, violava, de modo ilícito, mas, necessariamente, o direito de propriedade da autora, em termos de a sua conduta preencher a totalidade dos requisitos legais que reclamam a verificação da responsabilidade civil extracontratual.
IV - Encontrando-se já assente a existência do dano, mas não o quantitativo exato do mesmo, não se mostra acertado o recurso ao mecanismo da equidade, revelando-se antes pertinente o instrumento da liquidação posterior para a sua fixação, porquanto se afigura razoável prognosticar o seu apuramento, em razão dos novos elementos a fornecer pela autora para esse fim, nos termos do preceituado pelo art. 609.º, n.º 2, do CPC.
V - O direito de oposição do proprietário do imóvel vizinho, baseado na produção de ruídos oriundos do prédio alheio, implicando um prejuízo substancial para o uso do imóvel, subsiste mesmo que a atividade de onde resultem as emissões haja sido autorizada por entidade pública, mas deve ser aferido pelo fim a que esteja afetado o imóvel, apreciado, objetivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio.
VI - As restrições ao direito de propriedade que contendem com o direito de oposição do proprietário à produção de ruídos oriundos de prédio vizinho, subsidiárias das relações de vizinhança, têm subjacente a tutela, quer do direito de propriedade, quer dos direitos de personalidade, devendo aplicar-se a quaisquer vizinhos, pelo que o proprietário vizinho, apenas, pode proibir as emissões que, efetivamente, o prejudiquem, que perturbem a utilização normal do seu prédio.
VII - Não residindo a autora, nem tendo casa de habitação no prédio contíguo aquele donde são emitidos ruídos incomodativos proveniente do funcionamento de aerogeradores, não estabelecendo relações de vizinhança com o mesmo prédio, não é titular do direito de oposição à produção desses ruídos, suscetível de poder vir a afetar os seus direitos de personalidade.
VIII - Na base da tutela conferida pelo instituto do abuso de direito, encontra-se a reação contra o propósito exclusivo de criar à outra parte uma situação lesiva, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de outrem, através do funcionamento da lei, criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar, através do mesmo.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA propôs a presente ação de declaração, com processo comum, contra “BB Ld.ª”, ambas, suficientemente, identificadas nos autos, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a desmontar e retirar dos locais onde os instalou os aerogeradores, designados por AG10, AC11, AG12 e AG13, que constituem parte do denominado parque eólico ..... [a], que seja condenada a não colocar esses e outros aerogeradores, máquinas ou aparelhos semelhantes que possam impedir ou perturbar a autora de realizar o seu direito real de gozo e fruição dos terrenos de que é proprietária [b], seja condenada a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia de €750.000,00, e no mais que vier a ser liquidado, por incidente, ou, em execução de sentença [c].

Fundamentando tais pretensões, a autora alega que é proprietária de três prédios rústicos, confinantes entre si, com a área total de cerca de 200.000m2, situados no lugar ....., freguesia de....., concelho de Loures, sendo que, em julho de 2007, a ré, sem autorização nem conhecimento da autora, levou a efeito obras, com vista à implantação de um parque eólico com 13 aerogeradores, nas proximidades dos prédios da autora, utilizando os mesmos para fazer caminhos destinados à instalação dos aerogeradores e para depositar entulho resultante das obras que levou a efeito, e, não obstante a autora ter requerido o embargo extrajudicial da obra, a ré continuou a usar o terreno daquela para proceder à fiscalização, reparação e manutenção dos aerogeradores, tendo a instalação daqueles equipamentos causado danos à autora, resultantes da impossibilidade de construir o empreendimento turístico que estava a planear para os mencionados prédios, da invasão, depósitos e obras nos mesmos, da privação do direito de usufruir da sua propriedade e dos sofrimentos de que padeceu por causa dessa situação.

Na contestação, a ré conclui com o pedido da improcedência da pretensão da autora e ainda da sua condenação, como litigante de má-fé, por ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento bem conhece, alegando, para tanto, que usou, de forma inadvertida, o terreno da autora para a instalação dos aerogeradores, corrigindo a situação, logo que foi alertada para tal, impugnando todos os danos alegados pela autora, sendo que a utilização dos caminhos, no prédio da autora, não lhe causou quaisquer danos, uma vez que os terrenos estavam desabitados e sem qualquer tipo de utilização, e o empreendimento turístico não passou de um projeto que envolveu, unicamente, umas conversas e reuniões, na Câmara Municipal, sem conceder qualquer direito, nem sequer expectativa de construção no mesmo, tendo a ré agido, licitamente, uma vez que o parque eólico foi, devidamente, autorizado pelas entidades administrativas competentes, para além de serem injustificados os montantes peticionados.

Na resposta ao pedido de condenação como litigante de má-fé, a autora nega ter agido dessa forma, antes imputando à ré a existência de má-fé processual, por ser esta que está a deduzir uma oposição cuja falta de fundamento bem conhece.

A sentença julgou «a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à autora a indemnização em dinheiro, a fixar em execução de sentença, em montante correspondente à diminuição do valor dos prédios descritos supra nas Alíneas A), B) e C), em consequência da perda de capacidade construtiva que resulta do PDM em vigor à data de julho de 2007, quantia atualizada à data da decisão que fixar o montante, nos termos do art. 566º/2 do Código Civil, absolvendo a Ré quanto a tudo o mais que contra ela vinha peticionado.».

Desta sentença, a autora e a ré interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação acordado «em julgar parcialmente procedentes as apelações da Autora e da Ré, declarando-se nula a sentença impugnada por condenação ultra petitum [a]; parcialmente procedente a apelação da autora, condenando-se a Ré a pagar à autora uma indemnização de cinquenta mil euros a título de danos patrimoniais e uma indemnização de vinte mil euros a título de danos não patrimoniais [b]; e no mais, a apelação da Autora improcedente, declarando-se improcedentes os restantes pedidos formulados pela Autora contra a Ré».

Do acórdão da Relação de Lisboa, a ré e a autora interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que, na sua procedência, o mesmo seja revogado, concluindo as alegações com a formulação das seguintes conclusões que se transcrevem, integralmente:
                                                              A RÉ:

1ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, mal andou o Tribunal a quo ao decidir condenar a Recorrente a pagar à Recorrida uma indemnização no valor de EUR 50.000 por invadir os terrenos da Recorrida, por neles ter depositado materiais e ao fazer neles alterações, atos dos quais terão decorridos, se a Recorrente bem interpretou o Acórdão ora em crise, danos para Recorrida, que o Tribunal identifica como de privação de uso;

2ª - Sucede, porém, que, apesar de ter peticionado uma indemnização a este título, a Recorrida, apesar de expressamente convidada para o efeito pelo Tribunal de 1a Instância na audiência preliminar, não alegou quaisquer danos resultantes da invasão, utilização e alteração dos seus terrenos;

3ª - Não constam assim do elenco dos factos considerados provados quaisquer factos atinentes a supostos danos sofridos pela Recorrida decorrentes da invasão, utilização e alteração dos seus terrenos, pelo que, a conclusão que se impõe retirar é que não se verifica no caso sub judice um dos pressupostos essenciais de quais, nos termos dos artigos 483.° e seguintes do Código Civil, depende o direito a uma indemnização por facto ilícito, ou seja, a verificação do dano que a indemnização tem como por objetivo reparar;

4ª - Às partes cabe o ónus da alegação dos factos essenciais que consubstanciam os seus pedidos e ao juiz, ainda que com liberdade na determinação das regras de direito aplicáveis (conforme prevê o n.° 3 do art. 5.° do CPC), cabe a apreciação e julgamento dos factos alegados pelas partes;

5ª - Por assim ser, não pode o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa substituir-se à Recorrida (que, reitera-se, rejeitou o convite que lhe foi dirigido pelo Tribunal de 1a Instância no sentido de suprir a manifesta insuficiência na alegação dos factos essenciais à procedência dos seus pedidos, aperfeiçoando a sua Petição Inicial) e assumir que, porque houve um facto ilícito, então ocorreu necessariamente um dano, e alegá-lo e qualificá-lo como dano de privação de uso;

6ª - Quanto ao montante da indemnização em causa, que foi apurada com base na equidade, vale dizer que a equidade não corresponde a um «cheque em branco» que permite a atribuição de montantes indemnizatórios sem qualquer limitação ou até fundamentação;

7ª - Analisando os factos considerados provados, verifica-se que não existem nos autos elementos suficientes que permitam determinar, ainda que com recurso à equidade, uma indemnização por conta do suposto dano de privação de uso sofrido pela Recorrida, sendo certo que não foram objeto de prova, sendo assim desconhecidos no processo, fatos tão importantes, para aferição da quantia indemnizatória ora em causa, como o valor patrimonial tributário dos terrenos, o seu valor de mercado, o uso que lhes estava a ser dado pela Recorrida (admitindo que a Recorrida estava efetivamente a usar os seus terrenos à data da sua «invasão» e se esse uso era legalmente admissível, ou seja, compatível com o PDM de Loures, os danos emergentes dessa privação de uso, designadamente, quanto é que a Recorrida se viu obrigada a despender por alegadamente se ter visto privada de usar os seus terrenos e/ou em quanto se cifraram os dividendos que eventualmente deixou de auferir por conta dessas mesma privação;

8ª - De todo o modo, tendo em consideração que estão aqui em causa terrenos classificados como áreas florestais e silvo pastoris, não urbanizáveis, sendo cimos e encostas de montes, sem exploração agrícola, servindo para pasto de cabras, estando inseridos numa zona agrícola, com bosque florestal, parece razoavelmente seguro concluir que o valor de EUR 50.000 que foi arbitrado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa por conta da privação do seu uso entre Dezembro de 2007 e Abril de 2008, ou seja, aproximadamente 5 meses, correspondentes ao período durante o qual a Recorrente os utilizou sem para tanto estar autorizada, não se mostra conforme à equidade, violando, designadamente, os critérios de proporcionalidade, justiça e razoabilidade (tratam-se, como resultam, dos factos provados, de terrenos rústicos, com condições desfavoráveis e com capacidade de uso muitíssimo limitada, sendo certo que a Recorrente apenas os utilizou, sem para tanto estar autorizado, pelo reduzido período de 5 meses!);

9ª - Ao decidir como decidiu o Venerando Tribunal da Relação Lisboa violou o disposto no art. 5.° do CPC, porquanto tomou a sua decisão com base em factos - o suposto dano decorrente da privação de uso - que não foram alegados pela Recorrida e que não constam do elenco de factos considerados provados, o disposto no art. 483.°, do Código Civil, ao atribuir à Recorrida uma indemnização sem que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil aí definidos, e, por último, o disposto no n.° 3 do art. 566.° do Código Civil, na medida em que o valor da indemnização atribuída não se contem nos limites dos factos dados como provados e viola os princípios da proporcionalidade, justiça e razoabilidade subjacentes à equidade;

10ª - O presente recurso tem assim como fundamento a violação de lei substantiva e a violação de lei, conforme preceitua o disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art. 674.°, do CPC;

11ª - Mal andou também o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao condenar a Recorrente (alterando a decisão proferida pelo tribunal de 1.a instância) a pagar à Recorrida uma indemnização no valor de EUR 20.000,00, valor esse calculado com recurso à equidade, a título de danos não patrimoniais, designadamente pelas aflições e sofrimento, pelo tempo perdido por causa dos processos, pelos trabalhos por estes causados na sua reparação, pelas noites sem dormir em virtude dos compromissos assumidos com a sua parceira de negócio I......, tudo isto devido à instalação dos aerogeradores pela Recorrente;

12ª - Ainda que o Código Civil não coloque nenhuma restrição quanto à possibilidade de indemnizar danos morais em termos de responsabilidade civil por atos lícitos, não devendo, nessa medida, o intérprete distinguir onde a lei não distingue, a verdade é que na responsabilidade daí decorrente prescinde-se da culpa (ou não fosse o facto lícito);

13ª - Ora, de acordo com o disposto no n.° 2 do art. 483° do CC «só existe obrigação de indemnizar independentemente da culpa nos casos especificados na lei», e, portanto, a obrigação de indemnizar com fundamento na responsabilidade por atos lícitos só existe nos casos especificados na lei;

14ª - Existe a obrigação de indemnizar prevista no Código Civil (existindo ainda outras previsões em diplomas avulsos ou de direito público) por fato lícito nos seguintes casos: n° 2 do art. 229º; nº 2 do art. 339º; art. 1172.°; art. 1229.°, n.° 1 do art. 1322.°; n.° 2 do art. 1347.°; n° 2 do art. 1348.°; n° 3 do art. 1349.°; art. 1367°; art. 1552.°; art.1554.°; art. 15590; n° 3 do 1560.° e art. 1561.°;

15ª - O caso em análise não se enquadra, porém, em nenhuma das hipóteses supra referidas e, como tal, sendo imperiosos concluir que existe obrigação por parte da Recorrente de indemnizar a Recorrida pelos danos alegadamente sofridos a este título;

16ª - Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio refira-se que é também firme convicção da ora Recorrente que no caso em análise falha o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto (lícito) e o dano sofrido, que, conforme supra referido, constitui pressuposto cumulativo para que exista a obrigação de indemnizar (ainda que fundamentada em facto lícito);

17ª - A Recorrente não pode ser responsabilizada pelo sofrimento da Recorrida pela impossibilidade desta de cumprir acordos e compromissos previamente celebrados com a I......, quando a esses acordos e compromissos era a Recorrente totalmente alheia, desconhecendo, sem ter obrigação de conhecer, a sua existência;

18ª - Mais, tais acordos e compromissos diziam respeito a um projeto futuro da Recorrida de construção de um empreendimento turístico nos seus terrenos relativamente ao qual não chegou a constituir-se na esfera jurídica da Recorrida qualquer interesse legítimo ou expetativa merecedora da tutela do direito;

19ª - Ainda a este respeito, mais se dirá que a razão das aflições e sofrimento que a Recorrida sofreu são imputáveis à própria Recorrida que assumiu compromissos por conta de um projeto de construção de empreendimento turístico sem antes se acautelar que tinha da Câmara Municipal de Loures informação prévia favorável para o efeito, sendo certo que ao fazê-lo, isto é, ao assumir compromissos sem ter qualquer direito ou expetativa juridicamente protegida de construir nos terrenos um empreendimento turístico, a Recorrida assumiu um grande risco, designadamente, o risco de, frustrando-se o projeto, por informação prévia desfavorável por parte da Câmara ou decisão desfavorável no licenciamento ou por qualquer outro motivo, se ver obrigada a incumprir compromissos já assumidos e a suportar as consequências daí decorrentes (no que à I...... diz respeito dir-se-á que a Recorrida apenas de si própria se pode queixar, ou seja, sibi imputet);

20ª - Acresce ainda que não foi a construção do parque eólico nos terrenos confiantes aos da Recorrida que tornou impossível o cumprimento dos acordos e compromissos por esta assumidos com a sua parceira de negócios;

21ª - Não se mostra provado - nem sequer remotamente - que a Câmara Municipal de Loures teria decidido favoravelmente o pedido de informação prévia e, posteriormente, o licenciamento;

22ª - O projeto de empreendimento turístico estava assim dependente do licenciamento que se desconhece se teria sido concedido; de tal sorte que não se pode afirmar que, não fosse o parque eólico, a Recorrida teria construído nos seus terrenos o empreendimento turístico, cumprindo assim os compromissos assumidos junto da I......;

23ª - Nestes termos, e conforme supra referido, não se encontra verificado um dos requisitos cumulativos dos quais a lei faz depender o dever de indemnizar (ainda que com base num facto lícito), designadamente o requisito do nexo de causalidade, nos termos previstos no art. 563.° do Código Civil, não havendo assim fundamento para a condenação da Recorrente neste âmbito;

24ª - Também neste âmbito o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não cumpriu o disposto no n.° 3 do art. 566.°, do Código Civil, violando os critérios a que deve obedecer a atribuição e quantificação de uma indemnização com recurso à equidade;

25ª - Não se encontra no Acórdão recorrido qualquer justificação para o facto de as aflições e sofrimento da Recorrida resultantes da incapacidade de dar cumprimento aos acordos e compromissos assumidas com a I...... ter sido computado em EUR 20.000;

26ª - Salvo o devido respeito, considerando que esse é em muitos casos o valor arbitrado por conta do dano morte e do dano biológico (vejam-se os arestos supra citados), não pode senão considerar-se totalmente desproporcional, desrazoável e injusto o valor de EUR 20.000 arbitrado à Recorrida por conta dos danos não patrimoniais sofridos por incapacidade de cumprir compromissos assumidos juntos da I......;

27ª - Ao decidir como decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no n° 2 do art. 483.°, do Código Civil, ao arbitrar à Recorrida uma indemnização por facto lícito fora dos casos previstos na lei, o disposto no art. 563.°, do Código Civil, ao considerar a Recorrente responsável por ressarcir a Recorrida de um dano inexistindo entre esse dano e o facto lícito levado a cabo pela Recorrente qualquer nexo de causalidade, e, finalmente, o n.° 3 do art. 566.°, por ter arbitrado à Recorrida uma indemnização cujo valor não se contém no limite dos factos provados, sendo manifestamente desproporcional, desrazoável e injusto;

28ª - Esta parte do presente recurso tem como fundamento a violação de lei substantiva, conforme preceitua a alínea a) do n.° 1 do art. 674.° do CPC, devendo a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ser substituída por outra que absolva a ré de todos os pedidos formulados pela autora.

                                                                    A AUTORA:

1ª - A A./Recorrente é proprietária dos prédios identificados nas Alíneas A), B) e C) dos Factos Assentes e, consequentemente, é titular do direito de gozo e fruição dos seus terrenos;

2a - A A./Recorrente pretende construir nesses seus terrenos um empreendimento de hotelaria e turismo, junto aos autos de fls. 682 a 893, que estava desenvolver com os responsáveis pelo Urbanismo da Câmara Municipal de Loures, desde 2001;

3a - A Ré/Recorrida instalou junto aos terrenos da A./Recorrente três aerogeradores de grande potência, designados por AG 10, AG 11, AG 12 e AG 13 do ....., constituído por 13 aerogeradores, estes e mais 5 no concelho de Loures e 4 no concelho de Sintra;

4a - As pás do AG 13 entram cerca de 10 metros na estrema poente do terreno de maior área (18,560 ha), junto à qual a A./Recorrente pretende construir aquele seu empreendimento, por ser a melhor área do terreno; e a 5 metros do terreno com a área 6.800 metros quadrados - terrenos identificados nas als. A) e B) dos Factos Assentes;

5a - As pás do AG 12 batem em cima da estrema nascente/sul do mesmo terreno, onde a A./Recorrente pretende instalar o "Aldeamento turístico";

6a - As pás do A11 passam cerca de 10 metros a estrema sul do mesmo terreno e batem em cima da estrema sul do terreno de 6.800 metros quadrados;

7ª - O ruído dos aerogeradores é muito incomodativo que, pela sua permanência e intensidade, impede que a A./Recorrente construa o seu empreendimento de hotelaria e turismo e, consequentemente, que exerça o seu direito de usar e fruir esses seus terrenos;

8a - O aerogerador AG 10 está a cerca de 500 metros dos mencionados terrenos; no entanto, o ruído que produz associa-se ao daqueles outros, potenciando assim, o ruído final do conjunto;

9a - A instalação destes aerogeradores e o ruído que produzem, impedindo a A./Recorrente de usar e fruir os seus terrenos, violam as "Relações de vizinhança" previstas e estatuídas nos arts. 1346° e 1347° do Código Civil";

10a - E constituem um "abuso do direito" previsto e estatuído nos arts. 334° e 335° do mesmo código, que é de conhecimento oficioso;

11a - Com estes fundamentos, a A./Recorrente intentou a presente acção deduzindo na sua p.i. duas causas de pedir e três pedidos;

a) a causa de pedir relativa à violação das "Relações de Vizinhança";

b) a causa de pedir referente à invasão dos terrenos da A./Recorrente;

c) o pedido de retirada dos aerogeradores AG 10, AG 11, AG 12 e AG 13;

d) o pedido de indemnização pelos danos que a Ré causou e continua a causar;

e) o pedido de indemnização pelo uso e abuso que representam a invasão, transformação e utilização dos terrenos da A./Recorrente durante mais de 9 anos;

12a - O Tribunal de 1a Instância não se pronunciou sobre as causas de pedir e os pedidos alegadas na p.i., não obstante ter dado por provados os factos que os integram e justificam, violando o disposto no n°3 do art° 607° e no n° 2 do art° 608° do CPC e, porque não as aplicou, violou, também, as normas dos citados artigos do Código Civil;

13a - Antes, em vez de se pronunciar sobre as questões que a A./Recorrente alega na sua p.i., o Tribunal criou uma causa de pedir e um pedido novos que a A./Recorrente não alega; e,

14a - atribui à A./Recorrente questões e pretensões que esta não alega na p.i., que nunca alegou, como sejam "a diminuição do valor construtivo dos seus terrenos" e "a frustração do projecto turístico", pelo que o Tribunal partiu de pressupostos errados no seu julgamento dos autos e, consequentemente, na elaboração da sentença;

15a - Mas, com a presente acção, o que a A./Recorrente pretende é que a Ré/Recorrida retire os aerogeradores e a indemnize dos prejuízos que lhe causou e continua a causar;

16a - Não se conformando com a sentença de 1a Instância, a A/Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação alegando a nulidade da sentença de 1a Instância, requerendo que fosse decretada a nulidade da sentença, julgada procedente as causas de pedir alegadas e, a final, a Ré/Recorrida condenada a retirar os aerogeradores dos locais onde se encontram, a colocá-los em local que não impeça a A/Recorrente de prosseguir com o seu empreendimento de hotelaria e turismo, e a pagar-lhe as indemnizações pelos prejuízos e utilização abusiva dos seus terrenos.

17a - Porém, o Acórdão recorrido, na reapreciação do mérito, também não conheceu dos pedidos e, não obstante ter acolhido a matéria de facto dada por provada na 1a Instância, não indica, não interpreta e não aplica as normas jurídicas correspondentes;

18a - Não resolvendo as questões que foram submetidas à sua apreciação;

19a - Bem pelo contrário, pois, partindo do pressuposto de que a licença camarária é que atribui o "ius aedificandi", não reconhece à A/Recorrente a titularidade desse direito e põe de lado toda a argumentação que esta alega sem tão pouco se pronunciar, com o argumento de que nada disso interessa;

20a - O Acórdão recorrido viola, assim, o disposto nos arts. 607° e 608° do CPC, aplicáveis por força do art° 663° n° 2 deste mesmo Código, bem como viola, também, arts. 1347°, 1346° e 334° do CC; e

21a - contraria os Acórdãos já transitados do STJ e dos Tribunais das Relações, designadamente, os Ac. STJ de 22.09.2005, Proc. n° 04B4264, em www.dgsi.pt, o qual cita ainda, no mesmo sentido, os Ac. STJ de 21.10.2003 e Ac. STJ de 12.10.2000, na CJ, Ano VIII, Tomo III, pág. 70 e segs. e Ano XI, Tomo III, pág. 106 e segs. Acórdão do STJ de 08.04.1986: in BMJ, Vol. 356°, pág. 314; Acórdão da Relação de Lisboa, de 1-10-1996: CJ, 1996, 4o-104; Acórdão da Rel, de Coimbra de 23.06.1992, in CJ, 1992, 3°- pág. 130; Ac. da Rel, de Lisboa de 01.10.1996.        in CJ, 1996 - Vol. 4o, pág. 104; e Ac. da Rel, de Lisboa de 27.02.1997,    CJ, 1997, 1o -pág. 145;

22a - Por todos, transcreve-se apenas um pequeno trecho do primeiro, por ser o mais recente e significativo quanto à natureza da licença camarária e porque se funda em outros dois Acórdãos, também, recentes:

Ac. STJ de 22.09.2005, Proc. n° 04B4264, em www.dgsi.pt, o qual cita ainda, no mesmo sentido, os Ac. STJ  de 21.10.2003 e Ac. STJ  de 12.10.2000, na CJ, Ano VIII, Tomo III, pág. 70 e segs. e Ano XI, Tomo III, pág. 106 e segs: "o direito de oposição, face à emissão de cheiros e ruídos, subsiste, mesmo que o nível sonoro dos últimos seja inferior ao legal, não podendo consequentemente, ser considerada como agressão ambiental, e a actividade geradora tenha sido, pela competente autoridade administrativa, autorizada, sempre que impliquem ofensa de direitos de personalidade e (ou) consubstanciam violação de relações de vizinhança (art. 1346°do CC". (sublinhado nosso).

23a - Inconformada com a tese perfilhada pelo Acórdão recorrido e da consequente decisão sobre o mérito, a A/Recorrente vem interpor recurso para este Venerando Supremo Tribunal ao abrigo dos arts. 671° n° 1 e das alíneas a), b) e c) do n° 1 do art° 672° do CPC;

24a - para os efeitos do disposto no art° 672° do CPC, particularmente do seu n° 2, a apreciação da questão dos autos, pelo seu conteúdo e repercussão social, económica e fiscal, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

25a - Os interesses em jogo são de particular relevância social (estão em causa a permanência de aerogeradores eólicos e um muito importante empreendimento de hotelaria e turismo, com grandes repercussões no desenvolvimento de..... e concelho de Loures, na economia local e nacional: no sector do emprego, (de referir que turismo representa, hoje, cerca de 16% do total das exportações);

26a - A tese do Acórdão contraria a Jurisprudência assente e dominante na área da jurisdição civil, como se encontra explanado no texto das alegações, para o qual se remete e aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, face à sua extensão que não cabe, em nosso entender, numas conclusões;

27a - A A/Recorrente defende que, de acordo com a Jurisprudência dominante, o "ius aedificandi" é uma faculdade concedida pelo Plano Urbanístico";

28a - Aliás, é o próprio Acórdão que nega essa sua tese, visto que afirma que é "o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento iurídico-urbanístico'}; ou seja, como afirma o Prof. Fernando Correia é "um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas".

29a - Com o devido respeito, a expressão ''ordenamento jurídico-urbanístico" não se pode confundir com o "acto administrativo autorizativo (licença camarária), nem tão pouco que esta resulta ou se inclui naquele ordenamento;

30a - A licença camarária tem apenas a missão de controlo prévio dos aspectos técnicos e urbanísticos do que o PDM permite construir;

31ª - A licença camarária (acto autorizativo) apenas licencia as operações urbanísticas; ou seja, licencia “as operações materiais” de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água" - Cfr. al. J) do artigo 2o do RJUE - D.L.  n° 555/99, de  16 de Dezembro, com a redacção do D.L. n° 177/2001, de 4 de Junho, em vigor em 2007;

32a - A "licença" é um meio de controlo administrativo de atividades económicas privadas, como prescreve o n. 1 do art.° 8.° do DL 92 /2010, de 26/7, que considera "As permissões administrativas são actos ou contratos administrativos que visam possibilitar o acesso ou o exercício de uma actividade de serviços nos casos em que essa actividade não possa ser prestada livremente ou através de uma mera comunicação prévia e consubstanciam-se, designadamente, em licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo e registos.";

33a - Como afirma o Prof. José Alberto Viera, afirma: "A interpretação, segundo a qual, o ius aedificandi seria o produto de uma decisão administrativa contradiz fulgurantemente a história e a cultura jurídica da nossa civilização, ao Direito público não cabe a definição jurídica do conteúdo do gozo das coisas. Essa tarefa pertence historicamente ao Direito Civil, o qual fixa o poder de transformação da coisa";

34a - Naturalmente, por razões de interesse público, em particular, de ordenamento do território, de proteção ambiental, de planeamento urbanístico, etc, o legislador pode, para além de proibir, condicionar o exercício do poder de transformar a coisa através da construção à obtenção de uma licença. Mas tal não significa, que quando seja emitida uma autorização de construção ou outra similar, a administração pública esteia a atribuir um ius aedificand";

35a - "O que acontece simplesmente é que nesses casos a administração pública se limita a reconhecer que o poder de transformação do titular do direito real, que existe previamente como conteúdo desse direito, pode ser exercido nas condições definidas "; (sublinhado nosso);

36a - o Acórdão recorrido fundamenta a sua tese sobre o "ius aedificandi" apenas nos Acórdãos do STA que cita;

37a - todos os do Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 187/01; n° 329/99; n° 267/95; n° 431/94 e n° 517/99 que o Acórdão recorrido cita concluem no sentido de que o "ius aedificandi resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico-urbanistico ", perfilhando assim a tese do Prof. Fernando Alves Correia, que é citado frequentemente nesses Acórdãos (cfr. pág. 56 e segs. do Ac. recorrido);

38°- o Acórdão recorrido é inconstitucional, do ponto de vista material, na parte em que faz a "reapreciação do mérito", por considerar que o "ius aedificandi" é atribuído pela licença municipal (acto autorizativo), violando o art° 62° da CRP, na interpretação que lhe é dada pela Jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, antes referida;

39a - E, pois, evidente que, para a jurisdição civil, a licença não atribui o "ius aedificandi", contrariamente ao que alega o Acórdão recorrido;

40a - Pelo que, reconhecendo o PDM de Loures a faculdade de construir nos terrenos dos autos, esta integra o direito de propriedade da A/Recorrente;

41a - Ora, consta da matéria provada em 1a Instância e aceite pelo Acórdão recorrido:

a) 13- O PDM de Loures classifica os terrenos da A., quanto ao uso dominante, como áreas florestais e silvo pastoris, não urbanizáveis, mas sendo de uso compatível com "turismo, recreio e lazer/infra - estruturas", por força do que se encontra consagrado expressamente o art.° 6o e Anexo Ido referido R.P.D.M (N);

b) 16- A Câmara Municipal de Loures dirigiu a .....

A.M.L. Madureira a informação sobre viabilidade de loteamento do Sítio ..... -..... junta aos autos a fls. 133 a 134, cujo teor aqui se dá por reproduzido (Q);

42a - Certo é que a A/Recorrente detém na sua esfera jurídica a faculdade (ius aedificandi) de construir nos seus terrenos o empreendimento de hotelaria e turismo, porque compatível com "turismo/lazer, consagrado no PDM de Loures;

43a - Pelo que, contrariamente ao Acórdão recorrido, essa faculdade (ius aedificandi") pré-existe na esfera jurídica da A/Recorrente relativamente à licença camarária, a qual só vai definir os aspectos materiais técnicos e urbanísticos que o empreendimento tem de respeitar;

44a - Na altura em que foi concluído o licenciamento do Parque Eólico, a A/Recorrente estava a estudar com a C M Loures o projecto junto a fls. 822 a 838 do III Vol. dos autos, como resulta dos factos provados nos n°s 34, 37, 38, 39 e 40 do Acórdão recorrido (págs. 18 e segs.), que pela sua extensão se dá aqui por reproduzida para os legais efeitos;

45a - Estes factos que o Tribunal deu por provados constituem exactamente o embrião do acto administrativo concordante com o projecto em causa que, a final, conduzirão à obtenção da licença camarária de construção;

46a - Os argumentos que o Acórdão recorrido esgrime para concluir que a Ré/recorrido é titular de uma licença da C M Loures que a autorizou a construir os aerogeradores dos autos naqueles locais, a energia eléctrica de origem eólica é uma energia limpa que favorece o ambiente, a Ré/Recorrente prossegue um interesse público com os aerogeradores, o seu direito deve prevalecer sobre os interesses da A/Recorrente, não colhem;

47a - O Acórdão recorrido tece largas considerações genéricas sobre os conceitos do "acto preclusivo", "interesse público" e "direito ao ambiente" para justificar a sua tese de que a licença da Ré/Recorrida se sobrepõe ao direito de propriedade da A/Recorrente; a esta não tem o “ius aedificandi" porque não a licença camarária;

48a - enquanto considerações genéricas, nada há a dizer em contrário; a posição da A/Recorrente é de perfeita concordância;

49a - Já o mesmo não se passa quando o Acórdão recorrido faz a aplicação desses conceitos ao caso dos autos se primeiro o analisar, não obstante considerar que essa aplicação tem de fazer-se caso a caso.

50a - O Acórdão recorrido passa do genérico ao caso dos autos, sem mais, sem cuidar de saber se esses conceitos se verificam no caso dos aerogeradores em apreço;

51a - a análise do caso concreto dos autos prova exactamente que esses conceitos de "acto preclusivo", "interesse público" e "direito do ambiente" não são aí reconhecidos;

52a - primeiro, porque o licenciamento não respeitou as normas legais aplicáveis; isto é, transcrevendo as palavras do Acórdão, devia ter sido imposta nesse licenciamento, mas não foi, entre outras coisas, a observância de um dever geral de segurança, de um dever geral de prevenção de riscos, de efetivação de estudos de impacto ambiental, se assegura a participação de terceiros possibilitando-lhes as respetivas reclamações -, pois só assim "parece ser razoável reconhecer ao beneficiário do licenciamento da atividade o direito subjetivo de desenvolver a atividade económica em conformidade com o procedimento autorizativo.» (...).

53a - acresce que, na sua análise, o Acórdão recorrido embora reconheça, perfilhando a tese de "Gomes Canotilho", que "Haverá que indagar quais as normas e princípios constitucionais que servem de parâmetro à conformação legal dos efeitos dos atos administrativos, que o autor identifica como sendo: os limites dos direitos fundamentais com "direitos de defesa"; os limites derivados da dimensão iurídico-objetiva dos direitos fundamentais; o princípio da proibição do excesso; o princípio da reserva de lei", faz a análise do primeiro e do quarto dos princípios enunciados, e esquece o terceiro: - "o princípio da proibição do excesso", importantíssimo na ponderação a fazer aquando da aplicação ao caso dos autos dos "princípios da igualdade e da proporcionalidade" para resolver a eventual existência de uma "colisão de direitos";

54a - como afirma o Prof. Jorge Miranda - Curso de Direito Constitucional"- Universidade Católica Editora: "A primeira e mais grave das formas de violação do princípio vem a ser o arbítrio, consistindo ele na inadequação do meio para se alcançar o fim ou, pior, na própria ilegitimidade do fim.";

"A mais corrente é o excesso, a preterição de qualquer dos outros subprincípios: - igualdade ou adequação, necessidade ou exigibilidade e racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu.";

55a - O Acórdão recorrido representa uma real expropriação dos interesses da A/Recorrente, que assim vê os seus terrenos reduzidos a zero valor, sem o aproveitamento que o PDM lhe reconhece;

56a - A análise do caso concreto dos autos, mostra-nos, também, que a Ré/Recorrida não provou em processo próprio, o de expropriação, a utilidade pública dos locais onde instalou os ditos aerogeradores, no sentido de que eles não podiam ser colocados em outros locais que não impedissem a A/Recorrente de exercer o “ius aedificandi" nos seus terrenos;

57a - Como o próprio Acórdão reconhece, a Ré/Recorrida pôs a A/Recorrente "perante o facto consumado" e "nem se quer se deu ao trabalho de lhe dar um telefonema";

58a - Pelo que, mesmo sem mais argumentos, é o próprio Acórdão recorrido que reconhece, pelo menos, que não foi assegurada no processo de licenciamento da Ré/Recorrida "a participação de terceiros possibilitando-lhes as respetivas reclamações", fundamental para a sua conclusão: "para ser razoável reconhecer ao beneficiário do licenciamento da atividade o direito subjetivo de desenvolver a atividade económica em conformidade com o procedimento autorizativo.»;

59a - não estando provado pela Ré/Recorrida a "utilidade pública" daqueles locais para efeitos de ali colocar os aerogeradores como única possibilidade de realizar o interesse público inerente ao direito do ambiente, a licença camarária que possui e exibe não tem o "efeito preclusivo" que o Acórdão recorrido lhe atribui sobre o direito de propriedade da A/Recorrente.

60a - Pelo que a Ré/Recorrida não dispõe na sua esfera jurídica de nenhum direito válido, sendo a sua conduta considerada um verdadeiro "abuso do direito", previsto e estatuído no art° 334° do CC;

61a - A Ré/Recorrida violou, também, as "Relações de Vizinhança" previstas e estatuídas nos arts. 1347° e 1346° do CC, com as consequências legais previstas nessas normas, bem como no citado art° 334°, visto o Acórdão recorrido dar, também, por provado que «A poluição sonora produzida pelo ruído das turbinas constitui o principal impacto da energia eólica sobre a saúde, abrangidos o bem-estar e a integridade física e psíquica dos seres humanos", cujos malefícios o Acórdão recorrido desenvolve amplamente; (cfr. págs. 26 e 27);

62a - Pelo que não há, na verdade, uma colisão direitos no sentido da tese perfilhada pelo Acórdão recorrido, visto que não assiste à Ré/Recorrida o direito ao ambiente;

63a - deve, assim, ser considerado prevalente o direito da A/Recorrente, como resulta da aplicação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade no sentido de determinar o "justo constitucional";

64a - A Ré/Recorrida, com a sua conduta, causou e continua a causar à A. muitos e graves danos materiais e não materiais provenientes, adiante alegados, não só da invasão dos seus terrenos, sem o conhecimento e, consequentemente, sem a sua autorização e contra a sua vontade, pelo menos desde o começo de 2007 e até, ao presente;

65a - Mas, também, a causar danos materiais e não materiais consequentes do tempo perdido desde 2007 e até serem retirados aqueles aerogeradores, de modo que a A/Recorrente possa dar início à construção do empreendimento de hotelaria e turismo que pretende para os seus terrenos;

66a - Neste momento, ainda não é possível à A. quantificar o montante desses prejuízos, que só a final será possível, pelos inúmeros factores que alega no texto e que, pela sua extensão, dá aqui por reproduzidos para os legais efeitos;

67a - A Ré tem vindo a locupletar-se à custa da A., facturando mensalmente elevadas quantias (milhões de euros), resultantes da venda da energia eléctrica produzida pelos aerogeradores à EDP, contra o empobrecimento da A., facto que, a final, tem também deve ser levado em conta na liquidação final dos prejuízos.

68a - No caso em apreço, e porque a conduta da Ré configura um caso de "abuso do direito" previsto e estatuído no já citado art° 334° do Código Civil, que é uma norma que consagra um princípio de interesse e ordem pública, a Ré é responsável extracontratualmente pelo risco dos prejuízos que causou à A/Recorrente, nos termos do art° 483 n° 2 do Código Civil, como bem o considera a jurisprudência do STJ e a Doutrina acima citadas, da qual se repete apenas dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça;

69a - Mas, também, é responsável extracontratualmente pelo ressarcimento dos referidos danos, com base no disposto no n° 1 do mesmo citado artigo 483° do CC, uma vez que com a sua conduta violou ilícita e dolosamente o direito da A. de edificar nos seus terrenos o referido empreendimento de hotelaria e turismo, violando o disposto nos artigos 1305°, 1346º, 1347° e 334° do Código Civil destinados a proteger os direitos de vizinhança e, no caso concreto, os direitos da A;

70a - Os requisitos dessa responsabilidade encontram-se bem clarificados e definidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2013, que faz a análise dos pressupostos sendo que os mesmos se verificam ao caso da responsabilidade extracontratual da Ré/Recorrida, como se deixa referido no texto das alegações, os quais pela sua extensão se dão aqui por reproduzidos;

71a - A culpa da Ré/Recorrida é patente na sua conduta, pois qualquer pessoa de conhecimentos médios concluiria que a colocação dos aerogeradores junto à estrema de um terreno alheio tem como consequência a produção de ruídos incomodativos que afectam a vivência humana no local;

72a - Em anotação ao art° 483º, escreve-se: "é em particular, questão determinante da medida da diligência exigível - e da consequente gravidade da culpa - o carácter profissional do autor do ilícito contratual ou, independentemente da natureza profissional, a sua experiência e conhecimento do tipo de negócio.... "; e,

73a - a Ré/Recorrida está obrigada ao conhecimento da lei, a qual lhe proibia construir naqueles locais os aerogeradores porque o seu ruído viola as "Relações de Vizinhança" previstas e estatuídas nos citados arts. 1346° e 1347° do CC;

74a - A Ré/Recorrida tinha a plena consciência de que estava a violar propriedade privada, pelo que agiu com dolo;

75a - Existe, assim, culpa da Ré/Recorrida nos prejuízos causados à A/Recorrente;

76a - A A./Recorrente não alega o ressarcimento de danos pela invasão, uso e abuso dos seus terrenos; alega sim o pagamento de indemnizações por esses factos;

77a - Os factos que o Tribunal deu por provados constituem exactamente o embrião do acto administrativo concordante com o projecto em causa que, a final, conduzirão à obtenção da licença camarária de construção;

78a - Para efeitos do art° 335/2 do CC, "para haver colisão de direitos, têm de estar frente a frente dois direitos subjectivos, ..." o que não é o caso - F. Cunha e Sá - Abuso do Direito, 528 e 529;

79a - O que temos no caso concreto é um conflito entre um direito, materialmente actuado, e um outro e diverso fenómeno, que consiste num abuso do direito - mas não já uma colisão de direitos, porque um dos sujeitos, a Ré/Recorrida, actua sem direito ou para lá do seu direito;

80a - Esta situação configura, também, um verdadeiro "enriquecimento sem causa", nos termos dos arts. 483° e seguintes do CC,;

81a - A Ré/ Recorrida pode colocar os aerogeradores em causa noutros locais onde construiu os demais do ....., sem prejudicar a A/Recorrente, visto que só os colocou naqueles locais porque tinham melhor exposição ao vento;

Assim, e em resumo:

82a - O Acórdão recorrido, na reapreciação do mérito, não conheceu dos pedidos e, não obstante ter acolhido a matéria de facto dada por provada na 1a Instância, não indica, não interpreta e não aplica as normas jurídicas correspondentes;

83a - Não resolveu as questões que foram submetidas à sua apreciação;

84a - Bem pelo contrário, pois, partindo do pressuposto de que a licença camarária é que atribui o "ius aediíicandi", não reconhece à A/Recorrente a titularidade desse direito (faculdade atribuída pelo PDM de Loures) e põe de lado toda a argumentação que esta alega sem tão pouco se pronunciar, com o argumento de que nada disso interessa;

85a - O Acórdão recorrido viola, assim, o disposto nos arts. 607° e 608° do CPC, aplicáveis por força do art° 663° n° 2 deste mesmo Código, bem como viola, também, arts. 1347°, 1346° e 334° do CC; e

86a - contraria os Acórdãos já transitados do STJ e dos Tribunais das Relações, designadamente, os Ac. STJ de 22.09.2005, Proc. n° 04B4264, em www.dgsi.pt, o qual cita ainda, no mesmo sentido, os Ac. STJ de 21.10.2003 e Ac. STJ de 12.10.2000, na CJ, Ano VIII, Tomo III, pág. 70 e segs. e Ano XI, Tomo III, pág. 106 e segs., o Acórdão do STJ de 08.04.1986: in BMJ, Vol. 3569, pág. 314; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 1-10-1996: CJ, 1996, 4º-104; o Acórdão da Rel, de Coimbra de 23.06.1992, in CJ, 1992, 3º-pág. 130; o  Ac.   da   Rel,  de  Lisboa  de 01.10.1996, in CJ, 1996 - Vol. 4º, pág. 104; e o Ac. da Rel, de Lisboa de 27.02.1997, CJ, 1997, 1º - pág.145;

87ª - Pelo que o Acórdão recorrido é nulo na parte em que faz a "Reapreciação do mérito", nos termos do art° 615°, n° 1, als. b), c), d) e e), visto que:

a) não justifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, baseando-se apenas nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4.4.2000, João Belchior, 042438, de 11.1.2005, João Belchior, 0560/04, de 1.3.2005, António Madureira, 0761/04, de 4.12.2008, Adérito Santos, 0621/07, de 22.5.2012, Lino Ribeiro, 01146/12;

b) porém, só o Acórdão do STA n° 0621/07, de 22.5.2012, Lino Ribeiro, 01146/12 é que sustenta a tese do Acórdão recorrido; os restantes acima citados perfilham e corroboram a tese defendida pela A/Recorrente;

c) fundamenta a sua tese de que é a licença camarária de construção que confere o "ius aedificandi" apenas e só em matéria administrativa, visto aqueles Acs. do STA versam sobre questões meramente administrativas;

d) o próprio reconhece que não pode servir-se desses Acórdãos, pois, como refere no início da "reapreciação do mérito": - "A discussão do processo de licenciamento constitui matéria do foro administrativo (cf. Artigo 42°, n°l, alínea b), do ETAF), subtraída ao conhecimento da jurisdição cível";

e) tira ilacções dos procedimentos cautelares que versam questões de direito administrativo, com base nas certidões de fls. 268-291/440-465 e 468-481, o que pelas mesmas razões antes apontadas também não pode;

f) também, não pode tirar essas ilações dos procedimentos cautelares porque estes não julgam do mérito e estavam caducados por não terem sido intentadas as acções principais - cfr. arts. 383°, n° 1, e art° 389°, n° 1, al. a) do anterior CPC, revogado, mas aplicável à época, e também o art° 373° do CPC em vigor;

g) É, assim, errada a conclusão do Acórdão recorrido: "Daqui deriva que, para efeitos deste processo e nada tendo sido decidido em contrário na jurisdição administrativa, há que considerar que a instalação dos aerogeradores cumpriu os requisitos administrativos de licenciamento exigíveis";

h) os fundamentos estão em oposição com a decisão, pois nem a matéria de facto que assume como provada nem a Jurisprudência nem a Doutrina que transcreve na apreciação da matéria relativa à "Reapreciação do mérito" lhe permitem retirar as conclusões e fundamentar a decisão com que julga o processo;

i) não se pronunciou sobre as questões que a A/Recorrente submete à sua apreciação, como referido no início destas conclusões;

j) condena em objecto diverso dos pedidos formulados pela A/Recorrente.

88a - Pelo exposto, o Acórdão recorrido violou:

a) o art° 62° da CRP e os arts. 607° n°s 2, 3 e 4, e 608° n° 2, do CPC, e os arts. 1346°, 1347°, 334° e 335° e arts. 483° e segs. do CC;

b) o art° 608°, n° 2, parte final, do CPC;

c) o art° 473° e segs. do CC.

89a - A violação do art° 62° da CRP constitui uma inconstitucionalidade material, e as demais constituem causa das nulidades das alíneas b), c), d) e e) do n° 1 do art° 615° do CPC, aplicáveis por força do art° 666° do mesmo Código;

90a - Nestes termos e nos mais de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., requer:

1. seja concedida a revista;

2. conheça da alegada inconstitucionalidade material;

3. seja decretada a nulidade do Acórdão recorrido na parte relativa à "Reapreciação do Mérito", por violação do art° 62° da CRP e com fundamento no disposto no art° 615° n° 1 als. b), c), d) e e), do CPC, aplicável por força do art° 666° do CPC;

4. e nessa parte, o Acórdão recorrido ser substituído por outro que julgue procedente a acção quanto ao "mérito" aplicando o direito aos factos provados, nos termos peticionados e alegados pela A/Recorrente;

5. e, em consequência, condenar a Ré/Recorrida a retirar os aerogeradores AG 10, AGI 1, AG 12 e AG 13 do ..... dos locais em que se encontram junto às estremas dos terrenos dos autos de que a A/Recorrente é proprietária;

6. a não colocar esses aerogeradores que impeçam, pelo intenso ruído que produzem, a A/Recorrente de levar por diante o empreendimento de hotelaria e turismo que quer implantar nos terrenos identificados nas alíneas A), B) e C) dos Factos Assentes;

7. a pagar à A/Recorrente:

7.1- a indemnização pelos prejuízos causados pela Ré/Recorrida por esta ainda não poder prosseguir com a realização do empreendimento de hotelaria e turismo nos seus terrenos enquanto não forem retirados os referidos aerogeradores, indemnização que, pela incerteza dessa retirada e falta de elementos só possíveis de apurar depois de removidos os ditos aerogeradores, indemnização que a A/Recorrente liquida, provisoriamente em €750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);

7.2 - a indemnização pelos danos morais, ou não materiais, por ela sofridos em virtude dos problemas que lhe causou, no valor peticionado de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros);

7.3 - as indemnizações que esta reclama por aquela ter invadido os seus prédios, ter efectuado caminhos e utilizá-los para construir os aerogeradores em causa e, posteriormente, para sua manutenção, reparação e conservação, o que tem feito até ao presente, no valor peticionado de €100.000,00 (cem mil euros).

Autora e ré não apresentaram contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Encontra-se inscrita, a favor da autora, na Conservatória do Registo Predial, a propriedade sobre o prédio rústico, sito no lugar ....., freguesia de....., com a área 186.560 m2, confrontando, a norte, com CC (herdeiros), a sul, com DD, a nascente, com EE e FF, e a poente, com GG e CC (herdeiros), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n.º 00000000 (anteriormente, sob o n.º 100000000), a fls. 46 do L.º B- 45, e inscrito na matriz respetiva, sob o artigo 149, secção J - (A).

2. Encontra-se inscrito, a favor da autora, na Conservatória do Registo Predial, a propriedade sobre o prédio rústico, sito no lugar ....., freguesia de....., concelho de Loures, com área de 6.800 m2, confrontando, a norte, com HH, a sul, com II, a nascente, com JJ, e a poente, com KK, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n.º 0000000 (anteriormente, sob o n.º 0000), a fls. 53 do L.º B-31, e inscrito na matriz respetiva, sob o artigo 146, secção J - (B).

3. Encontra-se inscrito, a favor da autora, na Conservatória do Registo Predial, a propriedade sobre o prédio rústico, sito no lugar ....., freguesia de....., concelho de Loures, com área de 6.200 m2, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n.º 0000000 anteriormente, sob o n.º 9918), a fls. 65 do L.º B- 31 - (C).

4. O prédio correspondente ao artigo 149, secção J, é confinante, a nascente, com prédio inscrito na matriz, sob o artigo 1, secção I, e a poente, com o prédio inscrito na matriz, sob o artigo 90, secção I - (D).

5. O prédio correspondente ao artigo 146, secção J, é confinante, a norte, com prédio inscrito na matriz, sob o artigo 147, secção J, e a poente, com prédio inscrito na matriz, sob o artigo 145, secção J - (E).

6. A ré instalou nos prédios inscritos na matriz, sob os artigos 1, 90 da secção I e 148, junto às estremas dos prédios da autora, três geradores eólicos, correspondente aos AG11, AG12, AG13, que integram o denominado Parque Eólico ....., constituído por 13 aerogeradores - (F).

7. Para servir o parque eólico que erigiu, a ré trabalhou, ao nível dos acessos ao mesmo, atravessando, nomeadamente, alguns troços de terreno da autora - (G).

8. No dia 17 de julho de 2007, a autora, através do seu advogado, procedeu ao embargo da obra de implantação dos três aerogeradores, notificando, verbalmente, um trabalhador (na ausência do encarregado da obra) para a não continuar e enviando depois ao dono da obra cópia do auto de notificação do embargo - (H).

9. No seguimento, a autora instaurou, neste tribunal, o processo de ratificação do embargo de obra nova extrajudicial, que correu termos pela 1ª Vara Mista – Processo 4745/07.6TVLRS, tendo a respetiva decisão sido tomada, em 12 de novembro de 2007 - (I).

10. Tal decisão julgou, parcialmente, procedente o embargo, ratificando-o, em parte, conforme consta de fls. 73 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá aqui por reproduzido - (J).

11. A autora instaurou providência cautelar para suspensão do despacho do Vereador da Câmara Municipal de Loures, que correu termos, sob o n.º .....5, cuja decisão se encontra junta aos autos, a fls. 467 e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido - (L).

12. A autora instaurou providência cautelar para suspensão do despacho do Secretário de Estado da Energia e Inovação, que correu termos na 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, sob o n.º251/08.0 BELSB, cuja decisão se encontra, a fls. 440, cujo teor se dá aqui por reproduzido - (M).

13. O PDM de Loures classifica os terrenos da autora, quanto ao uso dominante, como áreas florestais e silvo-pastoris, não urbanizáveis, mas sendo de uso compatível com “turismo, recreio e lazer/infra - estruturas”, por força do que se encontra consagrado, expressamente, no art.º 6º e Anexo I do referido R.P.D.M - (N).

14. A ré é titular do alvará de licença administrativa de construção n.º 140/2007, processo n.º48.394/ LA/EN, registada na C M Loures, livro n.º2, de 22 de Março de 2007, conforme documento junto aos autos, a fls. 378 e seguintes - (O).

15. Os terrenos em que se encontram situados os geradores 5 a 13 do ..... encontram-se classificados, de acordo com o Plano Diretor Municipal de Loures, como "Espaços não urbanizáveis, áreas florestais e silvo pastoris, nos termos que constam do documento junto a fls. 363, cujo teor aqui se dá por reproduzido - (P).

16. A Câmara Municipal de Loures dirigiu a .....A.M.L. .... a informação sobre viabilidade de loteamento do Sítio ..... –....., junta aos autos, a fls. 133 a 134, cujo teor aqui se dá por reproduzido - (Q).

17. No ano subsequente à notificação da informação aludida não deu entrada, na Câmara Municipal de Loures, qualquer projeto tendo por objeto o loteamento aludido em 16 ®.

18. Os acessos necessários à instalação dos geradores eólicos implicaram a ocupação, por parte da ré, de um troço de terreno, junto à extrema sul, com área correspondente ao caminho que aí abriu, com 5,5 m de largura e cerca de 70 m de comprimento - (1º).

19. E de um troço de terreno da autora, ao longo da estrema poente, constituído por uma faixa de terreno correspondente ao caminho, com a largura de 5 metros e cerca de 500 metros de comprimento - (2º).

20. E de um terceiro troço de terreno do prédio, identificado em 2, cortando-o, no ângulo nascente – sul, e atravessando-o, com a área correspondente ao caminho que aí abriu, com 5,50 m de largura e 35 m de comprimento - (3º).

21. A ré utilizou o caminho, aludido em 18, para aceder, inicialmente à plataforma e para a montagem do aerogerador AG12 e, depois, para aceder a este - (4º).

22. A ré utilizou a faixa de terreno, aludida em 19, desde antes de 4 de julho de 2007 e até data não apurada - (5º).

23. A ré vem utilizando o caminho, aludido em 20, desde antes de 4 de julho de 2007, para acesso ao AG-11 - (6º).

23-A. No terreno do prédio, identificado em 1., a ré depositou terras provenientes das obras que efetuou, sendo a área ocupada com tais depósitos de terras, concretamente, não apurada - (7º).

24. A ré construiu, nas áreas de terreno referidas em 1 e 3, caminhos e alargou e melhorou o leito do caminho já existente, na zona referida em 2, pavimentando-os com brita e terra compactada - (8º).

25. O que alterou as características físicas dos terrenos da autora nesses troços - (8º-A).

26. A ré utilizou os terrenos, aludidos em 1, 2 e 3, não só como acesso aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos ditos aerogeradores eólicos, mas, também, para transportar, através desses caminhos, as respetivas “torres” e as “pás” dos ditos aerogeradores - (9º).

27. Sem prejuízo do referido em 52ª, ré usou os terrenos, aludidos em 1, 2 e 3, pelo menos, desde dezembro de 2007 até abril de 2008, para montar e pôr em funcionamento os referidos aerogeradores, e proceder à sua fiscalização, reparação e manutenção - (10º).

28. As torres medem 90 metros de altura, no cimo das quais se encontra um rotor que movimenta duas pás, de 45 metros cada, com 90 metros de diâmetro - (12º).

29. O seu movimento desenvolve uma deslocação de ar que, associada ao barulho da engrenagem do rotor, provoca um ruído incomodativo - (13º).

30. O ruído produzido é incomodativo para quem habita nas redondezas dos aerogeradores - (16º).

31. O local onde os geradores eólicos se encontram colocados dista do centro da povoação de....., com mais de mil habitantes, cerca de 500 metros - (18º).

32. Os aerogeradores encontram-se junto às estremas dos terrenos da autora, onde o terreno é mais plano e com uma vista panorâmica - (19º).

33. A localização e funcionamento dos aerogeradores, nos locais em que se encontram implantados, junto às estremas das referidas áreas dos terrenos da autora, inviabiliza que esta lhes dê qualquer aproveitamento permitido pelo P.D.M. que envolva a construção de edifícios para uso humano - (20º).

34. A autora, em parceria com a Firma "I...... - Gestão e Investimentos, Lda.", vinha desenvolvendo um projeto turístico - (21º).

35. Com a instalação dos ditos aerogeradores, junto às estremas dos terrenos da autora, tal projeto é inviável, por força do referido em 13 e 16 - (22º).

36. Em consequência da instalação dos geradores eólicos e do referido em 33, os terrenos da autora diminuíram de valor - (25º).

37. Entre os responsáveis da “I......” e a Câmara Municipal de Loures houve umas reuniões, desde data não apurada e até Junho de 2007, nas quais foi apresentado um projeto turístico - (27º).

38. Em reunião realizada, no dia 19 de março de 2007, com a presença do Vereador do Urbanismo, Dr.LL, e do Diretor da ......., arquiteto MM foi apresentado, pelo sócio - gerente da Firma "I......-LDA" e pelo representante da autora, um projeto turístico, com a implantação das construções no terreno e um estudo de acessibilidades - (28º).

39. Foi remetido à autora o ofício nº ......., de 2007/06/18, subscrito pelo chefe do Departamento de Gestão Urbanística, Arq. MM acompanhado das plantas de ordenamento e condicionantes, do terreno de..... - (30º).

40. A autora e a sua parceira “I......”, além das reuniões acima referidas, desenvolveram uma série de outros trabalhos, entre data não apurada e o ano de 2007, nomeadamente:

- Levantamentos aéreos fotogramétricos dos terrenos e áreas circundantes (Via projeto);

- Levantamento topográfico, demarcação e picotagem dos vértices limite dos terrenos (I......);

- Estudo de uma proposta de alteração ao PDM destinada a requalificar o artigo rústico correspondente aos terrenos da autora (Arq. Rui Godinho);

- Estudo prévio de acessibilidades;

- Estudos vários de arquitetura;

- Estudos de viabilidade económica e financeira dos projetos;

- Reuniões com entidades financiadores, tais como o Montepio, BES e Millennium BCP;

- Elaboração de memória descritiva, cópia a cores;

- Elaboração de plantas de zonamento/implantação do Hotel, Resort e Aldeamento;

- Avaliação dos terrenos - (30º-A).

41. Por causa da instalação dos aerogeradores, a autora teve aflições e sofrimento, designadamente, pelo tempo perdido por causa dos processos, pelos trabalhos por estes causados na sua reparação, pelas noites sem dormir, em virtude dos compromissos assumidos com a referida “I......” - (34º).

42. Os terrenos da autora são cimos e encostas de montes, sem exploração agrícola, e que servem para pasto de cabras, pertença de terceiros - (37º).

43. Os terrenos da autora estão inseridos numa zona agrícola, com bosque florestal, onde predominam os bosques de cedro, pasto natural e arbustos - (38º).

44. O solo desses terrenos é apto para exploração de bosque - (39º).

45. As terras têm pedra levantada e declives acentuados - (40º).

46. O local é servido de linhas de distribuição de energia elétrica de média tensão, não sendo servida de rede de água para consumo humano, estrada alcatroadas, nem rede telefónica - (46º).

47. A autora não apresentou, junto da Câmara Municipal, pedido de licenciamento do projeto, aludido em 28, ou qualquer informação prévia - (43º).

48. Nos terrenos confinantes com os da autora, para além dos aerogeradores instalados pela ré, existem outros - (44º).

49. Em cima dos terrenos da autora, existe uma cisterna para encher baldes de helicópteros de combate a incêndios florestais - (45º).

50. A rede de acessos utilizados pela ré fora dos terrenos, referidos em 1, 2 e 3, era constituída por um conjunto de estradas que dividem ou atravessam vários terrenos, de vários proprietários, sendo que os mesmos dependem desses caminhos comuns para acederem aos seus prédios - (46º).

51. Os troços, referidos em 7, situam-se junto às margens de terreno da autora - (47º).

52. A ré corrigiu o seu percurso de acesso aos aerogeradores, por forma a que deixasse de ocorrer a invasão dos terrenos, referidos em 1, 2 e 3 - (48º).

53. As alterações introduzidas pela ré nos caminhos utilizados para aceder aos aerogeradores A11, A12 e A13 permitem uma circulação automóvel mais segura - (50º).

54. Os terrenos da autora são inabitados - (51º).

                                                                 *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

II – A questão da nulidade, por oposição dos fundamentos com a decisão.

III – A questão da nulidade, por omissão de pronúncia.

IV - A questão da nulidade, por condenação em objeto diverso do pedido.

V - A questão do dano da privação do uso.

VI – A questão dos danos não patrimoniais.

VII – A questão da violação do direito de propriedade.

VIII – A questão da violação das relações de vizinhança.

IX – A questão do abuso de direito da conduta da ré.

X – A questão da natureza jurídica do «ius aedificandi» e da constitucionalidade da interpretação normativa adotada.

I. DA NULIDADE POR FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A DECISÃO

Defende a autora que seja decretada a nulidade do acórdão recorrido, na parte relativa à "Reapreciação do Mérito", por violação do artigo 62°, da Constituição da República (CRP), e com fundamento no disposto pelo artigo 615°, n° 1, b), aplicável por força do artigo 666°, ambos do CPC, visto que «não justifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, baseando-se apenas nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4.4.2000, João Belchior, 042438, de 11.1.2005, João Belchior, 0560/04, de 1.3.2005, António Madureira, 0761/04, de 4.12.2008, Adérito Santos, 0621/07, de 22.5.2012, Lino Ribeiro, 01146/12 [a], sendo que só o Acórdão do STA n° 0621/07, de 22.5.2012, Lino Ribeiro, 01146/12 é que sustenta a tese do Acórdão recorrido; os restantes acima citados perfilham e corroboram a tese defendida pela A/Recorrente [b], fundamenta a sua tese de que é a licença camarária de construção que confere o "ius aedificandi" apenas e só em matéria administrativa, visto o próprio reconhece que não pode servir-se desses Acórdãos, pois, como refere no início da "reapreciação do mérito": - "A discussão do processo de licenciamento constitui matéria do foro administrativo (cf. Artigo 42°, n°1, alínea b), do ETAF), subtraída ao conhecimento da jurisdição cível" [d], tira ilacções dos procedimentos cautelares que versam questões de direito administrativo, com base nas certidões de fls. 268-291/440-465 e 468-481, o que pelas mesmas razões antes apontadas também não pode [e] e, também, não pode tirar essas ilações dos procedimentos cautelares porque estes não julgam do mérito e estavam caducados por não terem sido intentadas as acções principais - cfr. arts. 383°, n° 1, e art° 389°, n° 1, al. a) do anterior CPC, revogado, mas aplicável à época, e também o art° 373° do CPC em vigor [f], sendo, assim, errada a conclusão do Acórdão recorrido: "Daqui deriva que, para efeitos deste processo e nada tendo sido decidido em contrário na jurisdição administrativa, há que considerar que a instalação dos aerogeradores cumpriu os requisitos administrativos
de licenciamento exigíveis" [g]».

Preceitua o artigo 615°, n° 1, b), do CPC, que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”, nulidade essa tornada extensível ao acórdão da Relação, atento o disposto pelo artigo 666º, nº 1, do mesmo diploma legal.

A falta de motivação a que aludem os normativos legais acabados de mencionar consiste na total omissão dos fundamentos de facto e dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, porquanto uma especificação dessa matéria, apenas, incompleta ou deficiente, não afeta o valor jurídico do acórdão[2].

A arguida nulidade contende, como resulta do exposto, com a virtualidade da licença camarária de construção para conferir o «ius aedificandi».

Porém, o acórdão recorrido pronunciou-se, a este respeito, ao longo de cinco folhas, de páginas 1844 verso a 1846 verso, conjugando a fundamentação fáctica com a construção jurídica, ao nível legal, jurisprudencial e doutrinário, o que afasta, terminantemente, o alegado vício da falta de fundamentação, de facto e de direito.

           II. DA NULIDADE POR OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO

Alega ainda a autora que os fundamentos do acórdão estão em oposição com a decisão, pois que, nem a matéria de facto que assume como provada, nem a Jurisprudência e a Doutrina que transcreve, na apreciação da matéria relativa à "Reapreciação do mérito", lhe permitem retirar as conclusões e fundamentar a decisão com que julga o processo.

Preceitua o artigo 615º, nº 1, c), aplicável aos acórdãos, por força do estipulado no artigo 666º, nº 1, ambos do CPC, que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;”.

Esta nulidade consubstancia um vício, puramente, lógico do discurso judicial e não um erro de julgamento, consistindo no facto de os fundamentos aduzidos pelo Juiz para neles basear a sua decisão, constituindo o seu respetivo antecedente lógico, estarem em oposição com a mesma[3], conduzindo, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente[4] ao que vem expresso na sentença, por forma a que se possa afirmar que esse fundamento, logicamente, deveria conduzir a uma solução oposta à expressa na sentença, mas não já quando se verifica uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, quando ocorra uma errada interpretação da mesma[5], situações essas que configuram antes um erro de julgamento.

Com efeito, o erro de julgamento, pressupondo que a decisão reproduz, fielmente, a vontade do Juiz, ocorre quando este disse o que queria, mas decidiu mal, contra lei expressa ou contra os factos apurados [6].

Ora, o fio lógico do raciocínio que se encontra subjacente à fundamentação e ao dispositivo do acórdão, podendo traduzir uma atividade subsuntiva não enquadrável no normativo legal aplicável, arreda, de todo, que se mostre incurso no vício da nulidade do acórdão, por oposição dos fundamentos com a decisão.

E um eventual erro de julgamento de que, porventura, o acórdão padeça será objeto de conhecimento, no lugar próprio das restantes «questões» que este acórdão tratará.

Assim sendo, inexiste o alegado vício da nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, propriamente dita, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, c) e 666º, nº 1, ambos do CPC.

III. DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Alega, igualmente, a autora que o acórdão recorrido é nulo, por não se ter pronunciado sobre as questões que aquela submeteu à sua apreciação, ou seja, sobre as causas de pedir e os pedidos constantes do articulado inicial.

O acórdão recorrido, julgando, parcialmente, procedente a apelação, conheceu, profusamente, dos pedidos formulados pela autora, ou seja, “a condenação da ré a desmontar e retirar dos locais onde os instalou os aerogeradores designados por AG10, AC11, AG12 e AG13, que constituem parte do denominado parque eólico ..... [a], a não colocar esses e outros aerogeradores ou máquinas ou aparelhos semelhantes que possam impedir ou perturbar a autora de realizar o seu direito real de gozo e fruição dos terrenos de que é proprietária [b], e a pagar à autora a título de indemnização a quantia de 750.000€ e no mais que vier a ser liquidado, por incidente, ou em execução de sentença”, e das respetivas causas de pedir, julgando-os procedentes, improcedentes, ou, parcialmente, procedentes, tendo até anulado a sentença impugnada, por condenação «ultra petitum».

Improcede, assim, o invocado vício da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.

IV. DA NULIDADE POR CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO

Alega, também, a autora que o acórdão recorrido condenou em objeto diverso dos pedidos por si formulados.

A autora, como já se disse, pediu “a condenação da ré a desmontar e retirar dos locais onde os instalou os aerogeradores designados por AG10, AC11, AG12 e AG13, que constituem parte do denominado parque eólico ..... [a], a não colocar esses e outros aerogeradores ou máquinas ou aparelhos semelhantes que possam impedir ou perturbar a autora de realizar o seu direito real de gozo e fruição dos terrenos de que é proprietária [b], e a pagar à autora a título de indemnização a quantia de 750.000€ e no mais que vier a ser liquidado, por incidente, ou em execução de sentença”.

Por seu turno, o acórdão recorrido declarou improcedentes os pedidos de “condenação da ré a desmontar e retirar dos locais onde os instalou os aerogeradores designados por AG10, AC11, AG12 e AG13, que constituem parte do denominado parque eólico ..... [a], e de não colocar esses e outros aerogeradores ou máquinas ou aparelhos semelhantes que possam impedir ou perturbar a autora de realizar o seu direito real de gozo e fruição dos terrenos de que é proprietária”, “condenando a ré a pagar à autora uma indemnização de cinquenta mil euros a título de danos patrimoniais e uma indemnização de vinte mil euros a título de danos não patrimoniais”, tendo “declarado nula a sentença impugnada por condenação ultra petitum”, na parte não configurada, nem requerida pela autora.

Assim sendo, o acórdão recorrido esgotou a apreciação do objeto do pedido formulado pela autora, sem o extravasar, razão pela qual se não verifica a invocada nulidade da condenação, em objeto diverso do pedido, a que se reportam os artigos 615º, nº 1, e) e 666º, nº 1, ambos do CPC.

                                   V. DO DANO DA PRIVAÇÃO DO USO

I.1. Alega a ré que não ocorre, no caso «sub judice», o pressuposto essencial de que depende o direito à indemnização por facto ilícito, ou seja, a verificação do dano que a indemnização tem como por objetivo reparar, em que se traduziu a invasão, utilização e alteração dos terrenos da autora.

O acórdão recorrido fixou, equitativamente, a indemnização devida à autor, pelos danos de natureza patrimonial verificados, resultantes da privação do uso, em sede de responsabilidade civil extracontratual, em €50000,00, considerando, para tanto, que “se provou que a ré fez depósito de terras provenientes das obras que efetuou, sendo a área ocupada com tais depósitos de terras concretamente não apurada, atravessou, de modo reiterado, os terrenos da autora, em especial, entre dezembro de 2007 até abril de 2008, nomeadamente nos dois caminhos que construiu nos terrenos da autora, sendo um com 5 metros de largura e 500 metros de cumprimento e outro com 5,50 m de largura e 35 m de comprimento”.

I.2. A privação do uso de um bem é, em princípio, suscetível de constituir um ilícito e de corresponder a um dano indemnizável, na medida em que, por via de regra, impede o respetivo titular de retirar do mesmo as correspondentes vantagens, patrimoniais e não patrimoniais, que ele lhe pode proporcionar, ou seja, de dispor e fruir das utilidades próprias inerentes à sua natureza.

Porém, a questão da ressarcibilidade da «privação do uso» não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa, porquanto a privação do uso é uma realidade conceitual distinta e não coincide, necessariamente, com a privação da possibilidade do uso, sendo certo que a pessoa só se encontra, de facto, privada do uso de uma coisa, sofrendo, com isso, um prejuízo, se, realmente, a pretender usar e a utilizasse, caso não fosse a impossibilitada de dispor da mesma, enquanto que se não pretender usá-la, ainda que, também, o não possa fazer, já se está perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica no património do titular, e que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável[7].

Portanto, embora não seja de exigir a prova de todos os danos concretos emergentes da privação do uso de um bem, deverá o lesado demonstrar que, se o tivesse disponível, o utilizaria, normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que o mesmo está apto a proporcionar[8].

Quer isto dizer que a mera privação do uso de um bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil.

I.3. Revertendo ao caso decidendo, importa reter que, para servir o parque eólico que erigiu, a ré trabalhou, ao nível dos acessos ao mesmo, atravessando, nomeadamente, alguns troços de terreno da autora, sendo que os acessos necessários à instalação dos geradores eólicos implicaram a ocupação, por parte da ré, de um troço de terreno, junto à extrema sul, com área correspondente ao caminho que aí abriu, com 5,5 m de largura e cerca de 70 m de comprimento, de um troço de terreno da autora, ao longo da estrema poente, constituído por uma faixa de terreno correspondente ao caminho, com a largura de 5 metros e cerca de 500 metros de comprimento, e de um terceiro troço de terreno, cortando o prédio da autora, no ângulo nascente/sul, atravessando-o, com a área correspondente ao caminho que aí abriu, com 5,50 m de largura e 35 m de comprimento.

A ré utilizou o primeiro troço de terreno para aceder, inicialmente, à plataforma e para a montagem do aerogerador AG12, depositando terras provenientes das obras que efetuou, ocupando com tais depósitos de terras uma área não, concretamente, apurada e, depois, para aceder a este, o segundo troço de terreno, desde, pelo menos, dezembro de 2007 e até abril de 2008, e o terceiro troço de terreno, todos supra-aludidos, desde antes de 4 de julho de 2007, para acesso ao AG-11.

A ré construiu caminhos, no primeiro e terceiro troços de terreno referidos, e alargou e melhorou o leito do caminho já existente, no troço de terreno mencionado em segundo lugar, pavimentando-os com brita e terra compactada, alterando, correspondentemente, as características físicas dos terrenos da autora nesses troços.

A ré utilizou os terrenos aludidos, não só como acesso aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos ditos aerogeradores eólicos, mas, também, para transportar, através desses caminhos, as respetivas “torres” e as “pás” dos ditos aerogeradores, usando esses terrenos, até data não apurada, para montar e pôr em funcionamento os referidos aerogeradores, e proceder à sua fiscalização, reparação e manutenção.

Os troços referidos situam-se, junto às margens dos terrenos da autora, sendo que a rede de acessos utilizada pela ré, fora dos referidos troços de terreno, era constituída por um conjunto de estradas que dividem ou atravessam vários outros terrenos, de diferentes proprietários, que dependem desses caminhos comuns para acederem aos seus prédios.

Entretanto, a ré corrigiu o seu percurso de acesso aos aerogeradores, por forma a que deixasse de ocorrer a invasão dos terrenos da autora.

Com efeito, a ré utilizou os terrenos da autora, junto às suas margens, não só como acesso aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos referidos aerogeradores eólicos, mas, também, como via de transporte, através dos caminhos que construiu, alargou e melhorou, pavimentando-os com brita e terra compactada, a ponto de haver alterado as características físicas dos mesmos, nos troços em que interveio, usando esses terrenos, onde, num deles, efetuou depósitos de terras, em área não, concretamente, apurada, desde, pelo menos, dezembro de 2007 e até abril de 2008, para montar e pôr em funcionamento os referidos aerogeradores, e proceder à sua fiscalização, reparação e manutenção.

I.4. Deste modo, não ficou provada a existência de concretos e individualizados danos para a autora resultantes da privação dos aludidos troços dos seus terrenos, e nem sequer se demonstrou a impossibilidade de a autora os utilizar ou o agravamento da dificuldade da sua utilização, danos esses que, aliás, nem chegaram a ser alegados.

Com efeito, nesta ação, não vem pedido pela autora, que o podia ter feito, a condenação da ré a promover a reconstituição dos troços de terreno e dos caminhos, ao seu estado anterior, ou a entrega da quantia necessária para que aquela, por si só, pudesse ordenar a restauração, que a ré não propiciou, sendo certo que não era exigível à autora que o tivesse ordenado, à sua custa, atento o disposto pelo artigo 562º, até porque podia não ter disponibilidades financeiras para efetuar o que à ré competia determinar, para além de que a restituição não era, excessivamente, onerosa, nos termos do preceituado pelos artigos 562º e 566º, nº 1, todos do Código Civil.

Assim sendo, não se demonstrou que a utilização dos específicos troços dos terrenos da autora, pela ré, para acesso aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos ditos aerogeradores eólicos, mas, também, para transportar, através dos caminhos que adaptou, as respetivas “torres” e as “pás” dos ditos aerogeradores, usando esses terrenos, até data não apurada, para montar e pôr em funcionamento os referidos aerogeradores, e proceder à sua fiscalização, reparação e manutenção, fosse causadora de um específico prejuízo para a autora, quer como causa de um dano emergente ou da privação de um lucro cessante.

Nestes termos, não se condena a ré no pagamento de qualquer quantitativo à autora, pelo dano autónomo da privação do uso dos troços de terreno utilizados pela ré, como o fez o acórdão recorrido, procedendo, nesta parte, o recurso de revista interposto pela mesma.

I.5. Porém, tendo ficado provado que a ré utilizou os terrenos da autora, junto às suas margens, a fim de aceder aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos aerogeradores eólicos que instalou, mas, também, para transportar, através dos caminhos que construiu, alargou e melhorou o leito já existente, pavimentando-os com brita e terra compactada, a ponto de haver alterado as características físicas dos mesmos, nos troços em que interveio, as respetivas “torres” e as “pás” dos ditos aerogeradores, usando esses terrenos, até data não apurada, para montar e pôr em funcionamento os referidos aerogeradores, e proceder à sua fiscalização, reparação e manutenção, causou danos na estrutura física e fundiária desses troços de terreno, com conhecimento, que não podia ignorar, de que, assim, violava, de modo ilícito, mas, necessariamente, o direito de propriedade da autora, causando-lhe prejuízos, em termos de a sua conduta preencher a totalidade dos requisitos legais que o artigo 483º, nº 1, do CC, reclama para a verificação da responsabilidade civil extracontratual, mas em quantitativo que não foi possível determinar.

A isto acresce que o tribunal não deve poder recorrer a um juízo equitativo, fora dos casos em que a lei o estabelece como regra, como acontece com a hipótese do artigo 494º, enquanto for possível a fixação do montante da indemnização, nos termos gerais, pois que a disposição do nº 3, do artigo 566º, ambos do Código Civil, funda-se em que, para o caso da indemnização em dinheiro, se for impossível a fixação do valor exato dos danos a indemnizar, esse facto não deve excluir a efetivação do direito de indemnização, que será, então, estabelecido, equitativamente, em face das circunstâncias do caso concreto[9].

Com efeito, o poder de fixação equitativa do dano não é absoluto, porquanto o tribunal deve ponderar as especificidades do caso concreto e atender ao montante que, por via de regra, terão atingido, nessas circunstâncias, os danos causados ao lesado[10], pelo que bem pode acontecer que, não obstante esta latitude de atuação do tribunal, não se hajam obtido elementos para formar o juízo equitativo com o prudente arbítrio que a lei recomenda.

Neste enquadramento, preceitua o artigo 609º, nº 2, do CPC, que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Deste modo, se a impossibilidade da averiguação do valor real dos danos depender da falta de elementos, sendo certo que ainda não é determinável o seu montante, a opção entre o disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC [liquidação posterior] e no artigo 566º, nº 3, do CC [julgamento equitativo desse valor], deriva do juízo que, face às circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade da futura determinação de tal valor, consistindo uma hipótese típica dessa não probabilidade a de se não vir a fazer na liquidação a prova do valor exato do dano, com prevalência da equidade, ou, na hipótese oposta, com preferência da liquidação posterior.

Encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, mas não o montante exato do mesmo, a fixação da indemnização, segundo critérios de equidade, só será de excluir se não for possível ao tribunal, por total carência de elementos, determinar os limites dentro dos quais se deve fazer a avaliação, ou seja, quando o tribunal não puder estabelecer o exato montante do dano, sendo, no entanto, ainda possível que o autor possa avançar com outros elementos para esse fim[11], isto é, quando não esteja esgotada ou, razoavelmente, seja de prognosticar esse cenário quanto ao apuramento dos elementos com base nos quais o seu montante haja de ser determinado, remetendo, então, o tribunal o autor para uma liquidação posterior para concretizar, definitivamente, a indemnização[12].

Revertendo ao caso em apreço, encontrando-se já assente a existência do dano, mas não o quantitativo exato do mesmo, não se mostra acertado o recurso ao mecanismo da equidade, revelando-se antes pertinente o instrumento da liquidação posterior para a sua fixação, porquanto se mostra razoável prognosticar o seu apuramento, em razão dos novos elementos a fornecer pela autora para esse fim, nos termos do preceituado pelo artigo 609º, nº 2, do CPC.

                                   VI. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

VI.1. Alega, por fim, a ré que, ao decidir arbitrar à autora uma indemnização por facto lícito, a título de danos não patrimoniais, fora dos casos previstos na lei, designadamente, pelas aflições e sofrimento, pelo tempo perdido por causa dos processos, pelos trabalhos por estes causados na sua reparação, pelas noites sem dormir, em virtude dos compromissos assumidos com a sua parceira de negócio “I......”, devido à instalação dos aerogeradores pela ré, perante um dano inexistente e sem que entre o mesmo e o apontado facto lícito exista qualquer nexo de causalidade, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483º, nº 2 e 563°, do CC, sendo, aliás, uma indemnização cujo valor se não contém, nos limites dos factos provados, manifestamente, desproporcional, desrazoável e injusto.

O acórdão recorrido, na fundamentação expendida, a propósito desta questão, «considerando o facto gerador do dano consubstanciado numa política do “facto consumado” e de total alheamento dos danos causados à Autora, às suas efetivas consequências, entendeu que deverá ser atribuído à Autora uma indemnização de €20.000, já devidamente atualizada, a título de danos não patrimoniais».

VI.2. O dano não patrimonial, tradicionalmente, designado por dano moral, é aquele que tem por objeto a face subjetiva da pessoa humana, representando a ofensa objetiva de bens que, em regra, têm “um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”[13], independentemente do apuramento que se faça da sua eventual incidência patrimonial para ser considerado passível de indemnização.

A satisfação pelos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, pretendendo, tão-só, atribuir ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, uma vez que este, sendo apenas moral, não é suscetível de equivalente[14].

Com efeito, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que o respetivo montante será estabelecido, equitativamente, pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, que, na hipótese de responsabilidade baseada em mera culpa, aquele montante poderá ser inferior ao que corresponderia ao valor dos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, em conformidade com o preceituado pelos artigos 496º, nºs 1 e 3, e 494º, do CC.

E a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, consagrada pelo artigo 563º, do CC, segundo a qual um facto é causal de um dano quando é um de entre várias condições sem as quais aquele se não teria produzido.

VI.3. Recuperando a factualidade que ficou demonstrada, neste particular, importa registar que, por causa da instalação dos aerogeradores, a autora teve aflições e sofrimento, designadamente, pelo tempo perdido com os processos, pelos trabalhos por estes causados na sua reparação, e pelas noites sem dormir, em virtude dos compromissos assumidos com a “I......”.

Com efeito, a autora, em parceria com a "I...... - Gestão e Investimentos, Lda.", vinha desenvolvendo um projeto turístico, que ambas apresentaram, com a implantação das construções no terreno e um estudo de acessibilidades, na Câmara Municipal de Loures, em reunião realizada, no dia 19 de março de 2007, mas que se tornou inviável, em virtude da instalação dos aerogeradores, junto às estremas dos terrenos da autora, sendo certo, também, que esta e a “I......”, além das reuniões efetuadas naquela edilidade, desenvolveram uma série de outros trabalhos, nomeadamente, levantamentos aéreos fotogramétricos dos terrenos e áreas circundantes (Via projeto), levantamento topográfico, demarcação e picotagem dos vértices limite dos terrenos (I......), estudo de uma proposta de alteração ao PDM, destinada a requalificar o artigo rústico correspondente aos terrenos da autora (Arq. Rui Godinho), estudo prévio de acessibilidades, estudos vários de arquitetura, estudos de viabilidade económica e financeira dos projetos, reuniões com entidades financiadoras, tais como o Montepio, BES e Millennium BCP, elaboração de memória descritiva, cópia a cores, elaboração de plantas de zonamento/implantação do Hotel, Resort e Aldeamento e avaliação dos terrenos.

Contudo, a ré é titular de alvará de licença administrativa de construção, registada na Câmara Municipal de Loures, desde 22 de março de 2007, destinada à instalação dos aerogeradores, ou seja, três dias após a data da apresentação pela autora, neste Município, do projeto turístico que vinha desenvolvendo.

A isto acresce que o PDM de Loures classifica os terrenos da autora, quanto ao uso dominante, como áreas florestais e silvo-pastoris, não urbanizáveis, mas sendo de uso compatível com “turismo, recreio e lazer/infra - estruturas”.

De todo o modo, acha-se, igualmente, provado que a localização e funcionamento dos aerogeradores, nos locais em que se encontram implantados, junto às estremas das referidas áreas dos terrenos da autora, inviabiliza que esta lhes dê qualquer aproveitamento permitido pelo PDM que envolva a construção de edifícios de habitação para uso humano, sendo ainda inviável a hipótese de um loteamento, não tendo, aliás, qualquer projeto, a este respeito, dado entrada, na Câmara Municipal de Loures, no ano subsequente à notificação da informação aludida, nem a autora apresentado, também, junto do Município, pedido de licenciamento do projeto turístico em análise ou qualquer informação prévia.

Assim sendo, não se provou, nem tal foi alegado pela autora, que, por ocasião da instalação dos aerogeradores, a ré já soubesse, ou admitisse sequer, que iria, em consequência, inviabilizar o empreendimento turístico projetado por aquela, não se demonstrando que tenha causado quaisquer contrariedades, constrangimentos, aflições, insónias ou sofrimentos à autora.

Aliás, a autora nem sequer demonstrou, por falta de resposta afirmativa quanto à viabilidade do deferimento do pedido de licenciamento do projeto turístico, que, não fosse o parque eólico existente, aquela teria construído, nos seus terrenos, o empreendimento turístico.

Não se provou, assim, que seja de imputar à conduta da ré qualquer censura ético-jurídica, ao nível do dolo ou da negligência ou mera culpa, mesmo na modalidade da negligência inconsciente, e, não se tratando de uma situação tipificada, em que exista a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, por força do disposto pelo artigo 483º, nº 2, do CC, não ocorre a responsabilidade civil da ré pelos danos de natureza não patrimonial reclamados pela autora.

            VII. DA VIOLAÇÃO DO DIREITO PROPRIEDADE

VII.1. Alega a autora que a ré invadiu os seus terrenos, como fundamento do pedido de retirada dos aerogeradores AG 10, AG 11, AG 12 e AG 13, porquanto as pás do AG 13 entram, cerca de 10 metros, na estrema poente do terreno de maior área (18,560 ha), e 5 metros, no terreno com a área 6.800 m2, as pás do AG 12 batem em cima da estrema nascente/sul do mesmo terreno, e as pás do A11 passam, cerca de 10 metros, a estrema sul do mesmo terreno e batem em cima da estrema sul do terreno de 6.800 m2, impedindo a autora de usar e fruir os seus terrenos.

Sobre o conteúdo do direito de propriedade, dispõe o artigo 1305º, que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas“, especificando o artigo 1344º, ambos do CC, a propósito dos limites materiais da propriedade, no seu nº 1, que “a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico”, acrescentando o respetivo nº 2, que “o proprietário não pode, todavia, proibir os atos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir”.

Os limites verticais das coisas imóveis, quanto ao espaço aéreo que aqui importa considerar, abrangem o espaço aéreo correspondente à superfície do solo, na altura suscetível de ocupação[15].

VII.2. Regressando à matéria de facto que ficou provada, há que recordar que a ré instalou, junto às estremas dos terrenos da autora, três geradores eólicos, correspondendo aos AG11, AG12 e AG13, que integram o denominado Parque Eólico ....., constituído por 13 aerogeradores.

Deste modo, não se provou a factualidade alegada pela autora, segundo a qual a ré invadiu os seus terrenos, nomeadamente, as pás do AG 13 entram, cerca de 10 metros, na estrema poente do terreno de maior área (18,560 ha), e 5 metros, no terreno com a área 6.800 m2, as pás do AG 12 batem em cima da estrema nascente/sul do mesmo terreno, e as pás do A11 passam, cerca de 10 metros, a estrema sul do mesmo terreno e batem em cima da estrema sul do terreno de 6.800 m2, impedindo-a de usar e fruir os seus prédios.

E, porque não se mostram violados os limites materiais do direito de propriedade da autora, quer horizontais, quer verticais, improcede, consequentemente, o pedido de retirada dos aerogeradores AG 10, AG 11, AG 12 e AG 13 formulado pela mesma.

                                VIII. DA VIOLAÇÃO DAS RELAÇÕES DE VIZINHANÇA

 VIII.1. Defende ainda a autora que o ruído dos aerogeradores é muito incomodativo, o que, pela sua permanência e intensidade, a impede de construir o seu empreendimento de hotelaria e turismo e, consequentemente, de exercer o seu direito de usar e fruir esses seus terrenos, sendo certo que, não obstante o aerogerador AG 10 estar situado, a cerca de 500 metros dos mencionados terrenos, o ruído que produz, associado ao daqueles outros, potencia o ruído final do conjunto, pelo que, quer a instalação desses aerogeradores, quer o ruído que produzem, impedem a autora de usar e fruir os seus terrenos, violando as "relações de vizinhança".

Preceitua o artigo 1346º, do CC, que “o proprietário de um imóvel pode opor se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.

O proprietário de um imóvel pode opor-se às emissões provindas de prédio alheio vizinho, em duas situações, ou seja, “sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.

O direito de oposição do proprietário do imóvel vizinho, baseado na produção de ruídos oriundos do prédio alheio, implicando um prejuízo substancial para o uso do imóvel, subsiste mesmo que a atividade de onde resultem as emissões haja sido autorizada por entidade pública, mas deve ser aferido pelo fim a que esteja afetado o imóvel[16], apreciado, objetivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio, embora seja indiferente que o facto causador do prejuízo seja ou não anterior ao destino dado ao prédio vizinho, como acontece, no caso de um edifício se transformar em clínica, em que o seu proprietário pode impedir, daí por diante, as emissões até, então, inofensivas, que se tenham produzido, durante muitos anos[17], salvo se tais emissões forem usuais na localidade[18].

VIII.2. Está provado, no que interessa à questão decidenda, que a ré instalou, em prédios confinantes com os da autora, junto às estremas destes, três geradores eólicos, correspondendo aos AG11, AG12 e AG13, que integram o denominado Parque Eólico ....., constituído por treze aerogeradores, cujas torres medem 90 metros de altura, no cimo das quais se encontra um rotor que movimenta duas pás, de 45 metros cada, com 90 metros de diâmetro, desenvolvendo este movimento uma deslocação de ar que, associada ao barulho da engrenagem do rotor, provoca um ruído incomodativo para quem habita nas redondezas dos aerogeradores, sendo certo que, nos terrenos confinantes com os da autora, para além dos aerogeradores instalados pela ré, existem outros.

Por outro lado, ficou demonstrado que o PDM de Loures classifica os terrenos da autora, quanto ao uso dominante, como áreas florestais e silvo-pastoris, não urbanizáveis, mas sendo de uso compatível com “turismo, recreio e lazer/infra-estruturas”, situando-se os mesmos, nos cimos e encostas de montes, sem exploração agrícola, servindo para pasto de cabras, pertença de terceiros, inseridos numa zona agrícola, com bosque florestal, onde predominam os bosques de cedro, pasto natural e arbustos, apresentando as terras pedra levantada e declives acentuados.

VIII.3. O direito de oposição do proprietário à produção de ruídos oriundos de prédio vizinho, a que alude o artigo 1346º, do CC, constitui uma restrição ao direito de propriedade, em tributo das relações de vizinhança, enquanto relações que emergem da circunstância de, muitas vezes, o aproveitamento integral das utilidades proporcionadas por um prédio, importar a lesão, em termos e grau incompatíveis, dos direitos sobre outros prédios, “impondo condutas que, interferindo no exercício das faculdades do titular do direito de propriedade, se destinam a preservar os poderes que, legitimamente, são atuados por terceiros sobre uma coisa alheia”[19].

Estas restrições ao direito de propriedade, subsidiárias das relações de vizinhança, têm subjacente a tutela, quer do direito de propriedade, quer dos direitos de personalidade[20], devendo aplicar-se a quaisquer vizinhos[21], pelo que o proprietário vizinho apenas pode proibir as emissões que, efetivamente, o prejudiquem, que perturbem a utilização normal do seu prédio.

O próprio conceito de vizinhança jurídico-ambiental e jurídico-urbanístico, compreendendo todos aqueles que ainda poderão ser vítimas «qualificadas» de uma determinada emissão, apenas abrange os sujeitos que integrem o conjunto de pessoas diferenciado da coletividade em geral, cuja localização espacial seja contemplada pela norma ou normas reguladoras do ato autorizativo, sendo que a sua ligação ao local deverá ter um carater permanente[22].

Ora, provou-se que os terrenos da autora estão classificados, quanto ao uso dominante, como áreas florestais e silvo-pastoris, não urbanizáveis, onde aquela não reside, não tem casa de habitação, nem estabelece relações de vizinhança com o prédio contíguo que emite um ruído incomodativo para quem habita nas redondezas dos aerogeradores, sendo certo, igualmente, que, nos terrenos confinantes com os da autora, para além dos aerogeradores instalados pela ré, existem outros, suscetíveis de poder vir a afetar os seus direitos de personalidade.

Não se trata, propriamente, de vedar o direito de oposição da autora, face a uma atividade produtora de emissões, eventualmente, lesivas das relações de vizinhança, por ter sido autorizada por autoridade pública, ou até, pela sua anterioridade, face a uma hipotética nova realidade turística a despontar nos terrenos da autora, mas, tão-só, de apreciar e decidir o caso concreto, em função dos factos provados e da realidade atual, e não do futuro conjeturável.

Assim sendo, improcede o pedido da autora de condenação da ré “a não colocar os aludidos aerogeradores, de modo a impedir, que pelo intenso ruído que produzem, a A/Recorrente de levar por diante o empreendimento de hotelaria e turismo que quer implantar nos terrenos identificados nas alíneas A), B) e C) dos Factos Assentes”.

                      IX. DO ABUSO DE DIREITO DA CONDUTA DA RÉ

 IX.1. Alega a autora, neste particular, que a instalação dos aerogeradores e o ruído que produzem, impedindo-a de usar e fruir os seus terrenos, constitui, igualmente, um "abuso do direito", consagrado pelo artigo 334°, sendo a ré responsável, extracontratualmente, pelo risco dos prejuízos que lhe são imputáveis, atento o disposto pelo artigo 483º, n° 2, ambos do CC.

Nos termos do preceituado pelo artigo 334º, do CC, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

O abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa-fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, ou seja, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar[23].

Pretende-se impedir com o abuso de direito que a norma seja desvirtuada do seu real sentido e alcance, aplicando-a, mas com autêntica fidelidade ao seu espírito[24].

Impõe-se, por isso, para que haja abuso de direito, que o excesso do titular ultrapasse esses limites, de forma manifesta, com o fim de prejudicar outrem[25], uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico, socialmente, dominante[26], sendo certo que o abuso de direito é um limite normativo, interno ou imanente, dos direitos subjetivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados[27].

É que, na base da tutela conferida pelo instituto do abuso de direito, encontra-se a reação contra o propósito exclusivo de criar à outra parte uma situação lesiva, quer pela sua intensidade, quer pela sua extensão, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de outrem, através do funcionamento da lei, criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar, através do mesmo.

IX.2. Recuperando, agora, de novo, a matéria de facto que ficou demonstrada, neste particular do abuso de direito, importa reter que a ré instalou, em prédios confinantes com os da autora, junto às estremas destes, na sequência do alvará de licença administrativa de construção n.º 140/2007, emitida pela Câmara Municipal de Loures, de que é titular, três geradores eólicos, correspondendo aos AG11, AG12 e AG13, que integram o denominado Parque Eólico ....., constituído por treze aerogeradores, cujas torres medem 90 metros de altura, no cimo das quais se encontra um rotor que movimenta duas pás, de 45 metros cada, com 90 metros de diâmetro, desenvolvendo este movimento uma deslocação de ar que, associada ao barulho da engrenagem do rotor, provoca um ruído incomodativo para quem habita nas redondezas dos aerogeradores, sendo certo que, nos terrenos confinantes com os da autora, para além dos aerogeradores instalados pela ré, existem outros.

Por seu turno, ficou demonstrado que o PDM de Loures classifica os terrenos da autora, quanto ao uso dominante, como áreas florestais e silvo-pastoris, não urbanizáveis, mas sendo de uso compatível com “turismo, recreio e lazer/infra- estruturas”, situando-se os mesmos nos cimos e encostas de montes, sem exploração agrícola, mas servindo para pasto de cabras, pertença de terceiros, inseridos numa zona agrícola, com bosque florestal, onde predominam os bosques de cedro, pasto natural e arbustos, apresentando as terras pedra levantada e declives acentuados.

A isto acresce que a localização e funcionamento dos aerogeradores, nos locais em que se encontram implantados, junto às estremas das referidas áreas dos terrenos da autora, inviabiliza que esta lhes dê qualquer aproveitamento permitido pelo PDM que envolva a construção de edifícios de habitação para uso humano, sendo ainda inviável a hipótese de um loteamento, não tendo, aliás, qualquer projeto, a este respeito, dado entrada, na Câmara Municipal de Loures, no ano subsequente à notificação da informação, nem a autora apresentado, também, junto do Município, pedido de licenciamento do projeto turístico em análise ou qualquer informação prévia.

Importa ainda referir que a ré obteve alvará de licença administrativa de construção e instalação dos aerogeradores, três dias após a data da apresentação pela autora, na Câmara Municipal de Loures, do projeto turístico que vinha desenvolvendo.

Assim sendo, porque, para além dos três geradores eólicos, correspondentes aos AG11, AG12 e AG13, instalados pela ré, que integram o denominado Parque Eólico ....., constituído por treze aerogeradores, que a autora pretende ver erradicados, e que provocam um ruído incomodativo para quem habita nas redondezas, existem ainda, nos terrenos confinantes com os da autora, outros aerogeradores, o que inviabiliza que esta dê aos seus terrenos qualquer aproveitamento permitido pelo P.D.M. que envolva a construção de edifícios para uso humano, tornando, assim, inviável o projeto turístico apresentado pela autora, não é imputável à conduta da ré qualquer comportamento inquinado por abuso de direito.

   X. DA LICENÇA CAMARÁRIA/PDM COMO FONTE DO «IUS AEDIFICANDI»

A autora sustenta que o «ius aedificandi» é uma faculdade concedida pelo “Plano Urbanístico", uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico-urbanístico, e não pela licença camarária, sendo esta, tão-só, ao contrário da posição defendida pelo acórdão recorrido, um mero ato autorizativo de licenciamento das operações urbanísticas.

Por isso, o acórdão impugnado é inconstitucional, do ponto de vista material, na parte em que procede à "reapreciação do mérito", por considerar que o «ius aedificandi» é atribuído pela licença municipal (ato autorizativo), violando o prescrito pelo artigo 62°, da CRP, na interpretação que lhe é dada pela jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional.

O acórdão recorrido defende que o «ius aedificandi» não se inclui no direito de propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico.

Tendo a instalação dos aerogeradores sido precedida de um procedimento de licenciamento, considerando que se julgou improcedente o pedido de condenação da ré a desmontar e retirar dos locais onde os instalou os aerogeradores, designados por AG10, AC11, AG12 e AG13, e a não mais colocar esses e outros aerogeradores, máquinas ou aparelhos semelhantes que possam impedir ou perturbar a autora de realizar o seu direito real de gozo e fruição dos terrenos de que é proprietária, em razão da não demonstrada violação dos limites materiais do direito de propriedade da autora ou das relações de vizinhança, enquanto restrição ao direito de propriedade, considerando, por fim, que a autora não pretende ser ressarcida, no âmbito do direito ao sacrifício que lhe foi imposto, entende-se prejudicado o conhecimento sobre a natureza jurídica do «ius aedificandi» e bem assim como da constitucionalidade da interpretação que o acórdão impugnado realizou, em relação às normas e princípios aplicados, nos termos do preceituado pelo artigo 608º, nº 2, do CPC.

Refira-se, por fim, que a «colisão de direitos» e o «enriquecimento sem causa» não constituem «questões», objeto de conhecimento por este acórdão.

CONCLUSÕES:

I – A nulidade, por oposição dos fundamentos com a decisão, consistindo no facto de os fundamentos aduzidos pelo Juiz para neles basear a sua decisão, constituindo o seu respetivo antecedente lógico, estarem em oposição com a mesma, consubstancia um vício, puramente, lógico do discurso judicial e não uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, uma errada interpretação da mesma, situações essas que configuram antes um erro de julgamento.

II - A mera privação da possibilidade do uso de um bem, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização, no quadro da responsabilidade civil, por não se dever confundir com a «privação do uso» do mesmo bem, a qual não pode ser apreciada e decidida, em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa.

III – Tendo a ré utilizado os terrenos da autora, a fim de aceder aos locais onde implantou as fundações ou plataformas dos aerogeradores eólicos que instalou, para transportar, através dos caminhos que construiu, alargou e melhorou, pavimentando-os com brita e terra compactada, alterando as características físicas dos mesmos, causou danos na estrutura física e fundiária desses troços de terreno, com conhecimento, que não podia ignorar, de que, assim, violava, de modo ilícito, mas, necessariamente, o direito de propriedade da autora, em termos de a sua conduta preencher a totalidade dos requisitos legais que reclamam a verificação da responsabilidade civil extracontratual.

IV - Encontrando-se já assente a existência do dano, mas não o quantitativo exato do mesmo, não se mostra acertado o recurso ao mecanismo da equidade, revelando-se antes pertinente o instrumento da liquidação posterior para a sua fixação, porquanto se afigura razoável prognosticar o seu apuramento, em razão dos novos elementos a fornecer pela autora para esse fim, nos termos do preceituado pelo artigo 609º, nº 2, do CPC.

V - O direito de oposição do proprietário do imóvel vizinho, baseado na produção de ruídos oriundos do prédio alheio, implicando um prejuízo substancial para o uso do imóvel, subsiste mesmo que a atividade de onde resultem as emissões haja sido autorizada por entidade pública, mas deve ser aferido pelo fim a que esteja afetado o imóvel, apreciado, objetivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio.

VI - As restrições ao direito de propriedade que contendem com o direito de oposição do proprietário à produção de ruídos oriundos de prédio vizinho, subsidiárias das relações de vizinhança, têm subjacente a tutela, quer do direito de propriedade, quer dos direitos de personalidade, devendo aplicar-se a quaisquer vizinhos, pelo que o proprietário vizinho, apenas, pode proibir as emissões que, efetivamente, o prejudiquem, que perturbem a utilização normal do seu prédio.

VII - Não residindo a autora, nem tendo casa de habitação no prédio contíguo aquele donde são emitidos ruídos incomodativos proveniente do funcionamento de aerogeradores, não estabelecendo relações de vizinhança com o mesmo prédio, não é titular do direito de oposição à produção desses ruídos, suscetível de poder vir a afetar os seus direitos de personalidade.

VIII - Na base da tutela conferida pelo instituto do abuso de direito, encontra-se a reação contra o propósito exclusivo de criar à outra parte uma situação lesiva, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de outrem, através do funcionamento da lei, criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar, através do mesmo.

DECISÃO[28]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista da autora, que julgam, totalmente, improcedente, concedendo, porém, em parte, a revista da ré e, em consequência, absolvem a ré do pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais e pelo dano da privação do uso, condenando-a, porém, a título de danos patrimoniais verificados na estrutura física e fundiária dos terrenos da autora, no pagamento a esta do quantitativo que se vier a apurar, em liquidação posterior, nos termos do preceituado pelo artigo 609º, nº 2, do CPC, mantendo-se, quanto a tudo o mais, o decidido pelo douto acórdão impugnado.

                                                                              *                                                            

Custas da revista, a cargo da ré e da autora, na proporção de 1/5 e de 4/5, respetivamente.

                                                                               *

Notifique.

 

Lisboa, 11 de Novembro de 2017
 
Helder Roque (Relator) *
Roque Nogueira
Alexandre Reis
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)

____________


[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.
[2] STJ, de 10-7-2008, Pº nº 08A2179; STJ, de 10-4-2008, Pº nº 08B396; STJ, de 17-4-2007, Pº nº 07B418; STJ, de 19-2-2006, Pº nº 06B3791, www.dgsi.pt
[3] STJ, de 13-11-2008, Pº nº 08B2715, www.dgsi.pt
[4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, reimpressão, 1981, 141; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, revista, atualizada e ampliada, 2002, 49.
[5] Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, 298.
[6] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 130.
[7] STJ, de 2-6-2009, Pº nº 1583/1999.S1, www.dgsi.pt
[8] STJ, de 9-12-2008, Pº nº 08A3401; STJ, de 30-10-2008, Pº nº 07B2131; STJ, de 5-7-2007, Pº nº 07B2138, www.dgsi.pt
[9] Vaz Serra, RLJ, Ano 114º, 288, 309 e 310; Almeida Costa, RLJ, Ano 134º, 299; STJ, de 11-12-2003, Pº nº 03B3997, www.dgsi.pt.
[10] Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, 328.
[11] STJ, de 22-1-1980, BMJ nº 293, 322, com anotação favorável de Vaz Serra, in RLJ, Ano 113º, 326 e ss.
[12] Augusto Lopes Cardoso, Revista dos Tribunais, Ano 93º (1975), 64 e 65.
[13] Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 378.
[14] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 427 e 428.
[15] Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, II, 3ª edição, segundo as lições do Prof. Doutor Fernando Pires de Lima ao 1º ano da Faculdade de Direito, 1955, 22.
[16] Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, 125 e 126 e nota (188).
[17] Em sentido contrário, Mota Pinto, Direitos Reais, Coimbra, 1971, 244 e 245 e nota (54); e Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lex, Reprint 1979, 426.
[18] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, reimpressão, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 178 e 179; Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, 125 e 126 e nota (190).
[19] Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, 185.
[20] RLJ, Ano 103º, 378.
[21] Mota Pinto, Direitos Reais, Coimbra, 1971, 244 e nota (53).
[22] Gomes Canotilho, Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente, RLJ, 123º, 135 e ss.
[23] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T1, 2ª edição, 2000, 241 e 248.
[24] Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1968, nota (166).
[25] Vaz Serra, RLJ, Ano 111º, 102 e 296.
[26] Vaz Serra, Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade civil), BMJ, nº 85, 253.
[27] Castanheira Neves, Questão de Facto e Questão de Direito, 526 e nota (46).
[28] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira; 2º Adjunto: Conselheiro Alexandre Reis.