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SEGURANÇA PRIVADA
SUBSÍDIO DE FUNÇÃO
OPERADOR DE CENTRAL
Sumário
I - Prevendo o CCT publicado no BTE n.º 27 de 22.07.2010, para a segurança privada o pagamento de subsídio de função de operador de central, embora não definindo nem enquadrando as respetivas funções, deve ser pago o subsídio aos trabalhadores que exerçam as funções que de acordo com os usos no sector ou empresa se enquadra nas funções de operador de central.
II - O uso laboral, além da sua relevância própria como fonte específica de direito laboral nos termos do artigo 1º do CT, pode apresentar-se como critério interpretativo da CCT.
III - A lei 34/2013 de 16/5 visa apenas estabelecer o regime da atividade de segurança privada, assim ao prever e descrever as funções de operador de central, não pretende regular a relação contratual em si. A relação laboral concreta está sujeita ao estipulado no contrato, às normas que regulam o contrato, como o Código do Trabalho, e às demais fontes previstas neste.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.
O autor M. L. intentou a presente ação declarativa com processo comum contra a ré X - EMPRESA DE SEGURANÇA, LDª, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 5.649,68 (cinco mil seiscentos e quarenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), a título de subsídio de função, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o respetivo vencimento até integral pagamento.
A ré apresentou contestação.
Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes temros:
Pelo exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 5.394,88 (cinco mil trezentos e noventa e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), a título de subsídio de função, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o respetivo vencimento até integral pagamento…”
Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
A. Resulta indubitavelmente da análise do CCT aplicável que, em parte alguma, se encontram definidas as condições para se considerar que determinado trabalhador efetua, de facto, as funções de operador de central; B. É, de facto, essencial, para se poder atribuir qualquer subsídio de função, que as características da mesma e suas especificidades estejam minimamente previstas na lei para se aferir da sua aplicabilidade; C. Não estando previstas as condições de atribuição do subsídio de função a um “operador de central”, tal quantia não pode ser devida ao recorrido; D. Independentemente da interpretação que se tenha em relação à atribuição ou não deste subsídio de função, terá sempre que se concluir que as funções de um operador de central são cumpridas numa central de segurança; E. As centrais de segurança apenas foram objeto de definição e de legislação específica em maio de 2013. Ou seja, 3 (três) anos após o recorrido ter iniciado funções do Shopping A; F. Se determinado local não reunir as condições/pressupostos legais e não for considerado uma central de segurança, concomitantemente aquele trabalhador não desempenha as funções de um operador de central, por não laborar, precisamente, numa central de segurança; G. Não sendo o local de trabalho do trabalhador, à luz da Lei da Segurança Privada, uma Central de Segurança, não poderia o mesmo exercer as funções de operador de central, nem tão pouco ter direito ao subsídio de função inerente; H. Ainda que se entenda que o recorrido laborou, para todos os efeitos, numa central de segurança – o que apenas se admite como mero exercício de raciocínio – tal o subsídio apenas seria devido a partir de maio de 2013, altura em que foram definidas as condições de qualquer central de segurança, só se podendo considerar tais funções a partir dessa mesma data; I. Face à importância da definição das funções de operador de central e, precisamente, para não dar azo a qualquer dúvida nas funções exercidas por tal vigilante, foi apenas com a da Lei da Segurança Privada, através do seu número 10 do artigo 18.º, definidas tais funções; J. Não demonstrando o recorrido que efetuava as funções descritas, nem que o fazia numa central de segurança nos termos da lei, não poderá ter direito ao pagamento do subsídio de função de operador de central; K. Não obstante, ainda que assim não se entenda – o que apenas se admite como mero exercício de raciocínio – tal subsídio só seria devido a partir de maio de 2013, altura em que foram definidas as funções de um operador de central, nos termos da Lei 34/2013 de 16 de maio.
Termos em que, com o douto suprimento de V/ Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar-se a douta decisão recorrida, absolvendo-se a Ré da totalidade do pedido, assim se fazendo a costumada
O autor contra alegou sustentando o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
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Factualidade:
1. A ré dedica-se à atividade de segurança privada; 2. No dia 5 de setembro de 1997, o autor foi admitido ao serviço da ré como seu trabalhador; 3. O autor desempenhava as funções de vigilantes nas instalações de clientes da ré; 4. No dia 1 de junho de 1999, o autor passou a exercer as suas funções no Centro Comercial A, em Braga; 5. A partir desta data, o autor passou a desempenhar as funções de operador de central ou centralista; 6. O autor exerceu estas funções até ao dia 22 de outubro de 2016; 7. Nesta data, a relação laboral com a ré cessou por denúncia do autor; 8. O autor esteve de baixa por doença no período entre o dia 6 de julho de 2016 e o dia 12 de setembro de 2016 e no período entre o dia 28 de setembro de 2016 e o dia 21 de outubro de 2016; 9. O autor era beneficiário da segurança social.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se é devido o subsídio de função devido pelo período de exercício das funções de operador de central ou centralista, e se sim desde quando.
A recorrente defende que a CCT que prevê tal subsídio em parte alguma define as condições para se considerar que determinado trabalhador efetua, de facto, as funções de operador de central, pelo que não pode ser reconhecido, sendo que apenas a lei 34/2013 de 16/5 veio fazer tal previsão.
Comecemos por referir que esta lei, além do mais, estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada.
Logo no artigo 1º refere:
Objeto e âmbito
“1 - A presente lei estabelece o regime do exercício da atividade de segurança privada e as medidas de segurança a adotar por entidades públicas ou privadas com vista a prevenir a prática de crimes.
2 - A atividade de segurança privada só pode ser exercida nos termos da presente lei e de regulamentação complementar e tem uma função subsidiária e complementar da atividade das forças e serviços de segurança pública do Estado.
…
Assim a atividade está sujeita a licenças e autorizações, conforme artigos 14º ss. Tendo em conta o interesse público envolvido e a complementaridade e subsidiariedade face às competências desempenhadas pelas forças e serviços de segurança, as entidades que exercem tal atividade devem fazê-lo com obediência ao respetivo quadro legal. Assim o que se pretende com a lei é regular a atividade. Há requisitos mínimos que devem ser cumpridos e obrigações diversas (citada lei, portaria nº 273/2013, de 20 de agosto e demais legislação aplicável) para poder obter as autorizações devidas e exercer a atividade. O diploma não se pretende regular a relação contratual em si.
A relação laboral concreta está sujeita ao estipulado no contrato, às normas que regulam o contrato, como o Código do Trabalho, e aos demais instrumentos previstos neste, de acordo com o que se dispõe no cap. I do Livro I, artigos 1 ss.
Refere o artigo 3.º do CT:
Relações entre fontes de regulação
1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário. 2 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de condições de trabalho. 3 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:
… 4 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
…
Ora o diploma referido pela recorrente não regula o contrato de trabalho, como já vimos, mas tão só a atividade. O que a lei exige é o cumprimento pelas empresas de determinadas condições mínimas na prestação dos seus serviços e atividade.
Desde que cumpra os requisitos ali enunciados na sua atividade, os IRCT e os contratos, dentro do que a lei reguladora de contrato de trabalho (CT) permitir, podem definir livremente categorias e conteúdos. Claro que quanto a esta atividade sujeita a licenciamento, referindo a lei a necessidade de profissionais em certas especialidades (em que se inclui o operador de central de alarmes), conforme seu artigo 17º, e definindo funções para essas especialidades no artigo 18º, tais exigências à atividade refletem-se necessariamente no conteúdo dos contratos quer individuais quer coletivos.
Assim determinadas especialidades exercem por exigência daquele diploma, determinadas funções em exclusivo – vd. Artigo 18º. Note-se no entanto o disposto no nº 11 – “ o vigilante está habilitado a exercer as funções correspondentes à especialidade de operador de central de alarmes e o segurança-porteiro habilitado a exercer funções correspondentes às especialidades de vigilante e de operador de central de alarmes.”
Quanto ao operador a norma não refere o termo “ em exclusivo”, como para as outras especialidades, referindo:
“O operador de central de alarmes desempenha especificamente as funções de operação de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, efetuando o tratamento de alarmes, nomeadamente solicitando a intervenção das entidades adequadas em função do tipo de alarme (nº 10).
No artigo 60º da portaria acima referenciada, entre outras exigências e com a epígrafe, “procedimentos de verificação de alarmes”, refere-se no nº 1; “Quando um operador de uma central de receção e monitorização de alarmes verifique a ocorrência de um alarme deve proceder de imediato à sua verificação e validação, de acordo com os procedimentos técnicos estabelecidos.”
Trata-se de exigências à empresa, não de normas visando a regulação do contrato de trabalho. Sem embargo do seu necessário reflexo no âmbito da legislação propriamente laboral, nos IRCT e no contrato individual de trabalho. Contudo não passa por ela a resolução da questão laboral aqui trazida, como alias na sentença recorrida se dá nota.
O subsídio de função foi introduzido pelo CCT publicado no BTE n.º 27 de 22.07.2010, referindo o nº 2 da cl. 2ª que as clausulas com expressão pecuniária produzirão efeitos a partir de 01.04.2010. Não se faz qualquer ressalva relativa a definições seja de categorias seja de funções.
No anexo II al., ponto D) refere-se terem direito a subsídio de função designadamente o “Operador de central/centralista — € 59,86”.
Dos CCTs não resulta a definição de operador de central. Mas daí não resulta que o subsídio não seja devido. A categoria já existia na realidade, tanto que o autor já anteriormente exercia atividade “nomeada” pela própria ré dessa forma, sendo que esta nem põe em questão que o autor exercesse essa categoria. Assim do facto 5 consta que “ o autor passou a desempenhar as funções de operador de central ou centralista”, e diríamos, tal como na atividade e na ré era configurada.
Ora, aplicar ou não o subsídio implica com a interpretação do comando normativo do IRC em causa. Trata-se de um IRC negocial, uma normação convencional. Assim, na hermenêutica das normas, na sua interpretação, deve, além dos critérios normais, pois as CCTs têm uma vertente normativa, também atender-se aos critérios interpretativos da vontade das partes (arts. 236 ss do CC). Nesta perspetiva não teria sentido prever um subsídio que não teria aplicação. É de presumir que as partes se reportaram a categoria e conteúdo tal como era uso na atividade.
O uso laboral, além da sua relevância própria como fonte específica de direito laboral nos termos do artigo 1º do CT - sempre seria fonte comum nos termos do artigo 3º do CC-, pode apresentar-se como critério interpretativo (assim “assomado” na lei para diversas matérias- ex: arts. 258º, 1; 260º, 1, a) e 3, a), 272º).
A prática normal no setor ou empresa, são atendíveis enquanto uso, não apenas com valor específico (artigo 1º do CT), mas também para efeitos interpretativos de outras normações, designadamente para integração de omissões.
Assim a “praxis” na atividade relativamente ao operador de central fornecerá o conteúdo necessário à “integração” da CCT no que a esta matéria respeita.
Consequentemente, por estas e demais razões constantes da decisão recorrida é de confirmar a mesma.
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente.