ADVOGADO
HONORÁRIOS
OBRIGAÇÃO LÍQUIDA
JUROS DE MORA
Sumário


I - São actos próprios da profissão de advogado, designadamente, o mandato forense, a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, desde que sejam exercidos no interesse de terceiros e no âmbito da actividade profissional.

II - Sem prejuízo dos deveres impostos ao advogado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, enquanto mandatário ele está também sujeito às obrigações constantes do art.º 1161.º do C.C., designadamente, a de praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.

III - O mandante, por sua vez, está obrigado, para além do mais que vem enunciado no art.º 1167.º do C.C., a pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir e fazer-lhe provisões por conta dela segundo os usos, e ainda a reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas.

IV – Na fixação dos honorários de advogado, o respectivo estatuto, estabelecendo o princípio da adequação da compensação aos serviços efectivamente prestados (que devem ser discriminados para permitir o escrutínio do cliente) refere as linhas de orientação que devem ser tomadas como referência: importância dos serviços prestados; dificuldade do assunto; urgência do assunto; grau de criatividade intelectual da prestação; resultado obtido; tempo despendido; responsabilidades assumidas; demais usos profissionais (aqui entrando as tabelas de honorários acima referidas).

V - Havendo dissídio entre o advogado e o cliente sobre o valor justo dos honorários, cabendo aos tribunais dirimir o conflito, no juízo de equidade em que terão de assentar a sua decisão, não poderão deixar de equacionar as linhas de orientação acima referidas.

VI – Sendo a própria lei (EOA) que atribui ao advogado o direito de fixar os honorários, dando-lhe os critérios a que deve obedecer na determinação do respectivo montante, quando o advogado fixa os honorários e apresenta ao seu cliente a nota respectiva, ele apurou o seu montante, pelo que a partir daí a obrigação tornou-se líquida, não passando a ser ilíquida se o cliente impugna o valor que lhe é apresentado, seja por considerar exagerado o quantitativo que lhe é exigido, não tendo, na sua perspectiva, a sua fixação obedecido aos critérios legais, seja por entender que não foram praticados todos os actos constantes da nota de honorários.

VII – Assim, havendo mora, os respectivos juros contam-se a partir da data da interpelação extrajudicial (se a ela tiver havido lugar) ou judicial (a citação) para pagar os honorários, com o envio da respectiva nota de honorários.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- J. P., advogado, com domicilio profissional na cidade de Barcelos, intentou a presente acção, com processo especial, para cumprimento de obrigações pecuniárias contra M. M., residente em (...), concelho de Ponte de Lima, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 4.750,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da interpelação para o pagamento, e acrescida ainda de uma sanção pecuniária compulsória à taxa de 5% ao ano.

Fundamenta alegando, em síntese, que, no âmbito da sua profissão e no exercício dos poderes que lhe foram conferidos por procuração forense outorgada pela Requerida, prestou a esta diversos serviços jurídicos no âmbito do divórcio e partilha de bens. Porém, notificada da nota de honorários e das despesas, no valor de € 5.550,00, a mesma Requerida apenas entregou o valor de € 800,00 não tendo, apesar de ter sido interpelada, efectuado o pagamento da parte restante.

Citada, a Requerida deduziu oposição alegando que os honorários e as despesas reclamados são manifestamente exagerados em função dos objectivos atingidos e do trabalho realizado, alegando ainda terem sido enumeradas tarefas não realizadas, e outras desnecessárias, e não terem sido discriminadas as despesas. Finalmente, alega que fez três entregas em dinheiro, a título de provisões, as quais perfazem os € 1.700, não lhe tendo sido emitido qualquer recibo, discordando, por isso, da nota que lhe foi enviada.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção totalmente procedente, por provada, condenou a Requerida a pagar ao Requerente a peticionada quantia de € 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta euros) acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos, a partir da data da interpelação extrajudicial, ou seja 16/Janeiro/2016, até integral pagamento.

Entendeu não ser devida a sanção pecuniária compulsória, desatendendo o pedido de condenação da Requerida no pagamento da quantia de € 150,00 a título de despesas com a presente acção, por respeitar a custas de parte, a reclamar em tempo oportuno.

Inconformada, traz a Requerida o presente recurso pretendendo seja revogada a decisão acima transcrita.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.

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II.- A Apelante/Requerida formulou as seguintes conclusões (que, por singela comodidade, se transcrevem, apesar da sua desnecessária prolixidade):

I - Após a audiência de discussão e julgamento, o Autor, veio requerer, ao abrigo do disposto no art.º 423.º, n.º 3, 2.ª parte do C.P.C., a junção de um documento, denominado “procuração” e pedir a condenação da Ré em litigância de má-fé, nos termos do art.º 542.º do C.P.C.
II - Ora, o requerimento apresentado pelo Autor extravasa claramente a faculdade constante do art.º 423.º, n.º 3, 2.ª parte do C.P.C, pois este refere-se à apresentação de documentos antes de terminada a discussão da causa.
III - Nos termos do art.º 425.º do C.P.C., depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
IV - Ainda que assim não fosse, o pedido ora apresentado pelo Autor, viola a junção prevista no disposto no art.º 423.º do C.P.C. uma vez que poderia e teve todo o tempo para o fazer.
V - Pelo que, o dito documento apresentado, deveria ter sido desentranhado por violar o que dispõe o art.º 423.º, n.º 3 do C.P.C.
VI - Vem o presente recurso interposto pela Ré da sentença proferida pelo Mm. Juiz a quo, na parte em que decide a ação totalmente procedente por provada e, em consequência decide condenar a Ré no pagamento ao Autor de 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta euros) acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos, a partir da data da interpelação extrajudicial, ou seja, 16 de Janeiro de 2016, até integral pagamento.
VII - Com efeito, a Recorrente, salvo o devido respeito, não concorda com a forma de apreciação da prova, notoriamente errada, sendo que o Mm. Juiz a quo não fez igualmente uma correcta aplicação do direito, como passa a expor.
VIII - A decisão de que se recorre, do Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 1, 2, 3 e 4 da douta sentença, nomeadamente:

1. No âmbito da sua profissão e no exercício dos poderes que foram conferidos por procuração outorgada pela requerida houve lugar a prestação de serviços jurídicos de divórcio e partilhas de bens.
2. A requerida notificada da nota de honorários e despesas, no valor de 5.500,00€ (cinco mil quinhentos e cinquenta euros) apenas entregou o montante de 800,00€ (oitocentos euros).
3. Apesar de novamente interpelada em 16 de Janeiro de 2016, não procedeu até à presente data à liquidação da restante quantia em falta.
4. Assim deve a quantia de 4.750,00€ (quatro mil setecentos e cinquenta euros) a título de despesas e honorários”.
IX - Conforme consta da fundamentação da decisão de facto, a convicção do Tribunal alicerçou-se na valoração conjunta de toda a prova produzida.
X - Assim, e em síntese, o Tribunal a quo esclareceu que alicerçou a sua convicção no laudo da Ordem dos Advogados junto a fls. 37 a 42; no depoimento da testemunha arrolada pelo Autor e nas declarações de parte do Autor.
XI - O Tribunal a quo refere que as declarações de parte da Ré e das testemunhas por ela indicadas, que acharam os honorários exagerados, uma vez que os serviços prestados não justificam tal montante.
XII - Porém, conclui que os documentos juntos aos autos, todos eles espelham aquilo que se passou nos processos a que deram origem a presente acção.
XIII - Por isso, e porque os principais “erros” da sentença resultam, da falta de apreciação correcta da matéria provada, o presente recurso que versa matéria de facto e de direito tem contudo, inevitavelmente, por “grosso” de fundamento o erro notório na apreciação da prova, nomeadamente da matéria alegada nos pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos dados como provados.
XIV - Estamos perante um contrato de prestação de serviço celebrado entre Autor e Ré, por força do qual aquele prestou serviços jurídicos à Ré, mediante retribuição, ao qual são aplicáveis, uma vez que não regulado especialmente, as disposições sobre o mandato, os artigos 1154.º e 1156.º do C.C..
XV - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1158.º do CC, o mandato presume-se oneroso quanto “tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão”.
XVI - E, sendo oneroso, constitui obrigação de pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir e reembolsá-lo das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas – artigo 1167.º, b) e c) do C.C..
XVII - O facto de o advogado ter liquidado em certa quantia os honorários por serviços que prestou ao cliente não torna indiscutível a obrigação de pagar tal quantia.
XVIII - Na situação, rege o disposto no artigo 1158.º, n.º 2 C.C.: A fixação de honorários a advogado, na falta de acordo entre as partes ou na impossibilidade de se determinar o respectivo montante em conformidade com o critério acordado, é determinada, conforme o disposto no art.º 1158.º, n.º 2 do C.C, por juízo de equidade, integrado pelos critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário indicativos previstos no art.º 100.º, n.º 3 do EOA, sem esquecer a boa-fé que deve estar sempre subjacente às relações contratuais.
XIX - Nos presentes autos, veio a Ordem dos Advogados conferir ao Autor laudo favorável, no montante de 5.650,00€, acrescido de IVA à taxa legal.
XX - Este Laudo é emitido no pressuposto da existência de uma procuração outorgada pela Ré ao Autor e de que os serviços discriminados na nota de honorários e despesas corresponde, efectivamente, aos serviços prestados.
XXI - Ora, o Autor, não apresentou, atempadamente, e como tal a poder ser considerada nestes autos, uma procuração outorgada pela ora Recorrente.
XXII - E em verdade, a Ré não outorgou procuração ao Autor.
XXIII - A inexistência nos autos de procuração (considerado erroneamente como facto provado na sentença recorrida) tem, obrigatoriamente, como consequência a não avaliação devida da matéria de facto, e uma decisão contrária ao que os elementos de prova dos autos dispõem.
XXIV - Daqui resulta, que quer para o processo de divórcio, quer para a partilha extrajudicial, o Autor não tinha um mandato regular, isto é, nunca teve da Ré procuração.
XXV - O que por um lado, configura uma situação de mandato irregular que deve ser tido em consideração ao fixar os honorários pelos serviços prestados, e por outro lado, obrigou a que a Ré sempre o acompanhasse, ou melhor o mandatário acompanhasse a Ré às repartições públicas e ao banco onde teve que ir.
XXVI - Acresce que, importa apurar se a quantia peticionada corresponde aos serviços efectivamente prestados pelo Autor.
XXVII - Face aos depoimentos prestados em audiência de julgamento e bem assim aos documentos juntos ao processo, não se fez prova cabal dos serviços discriminados na nota de despesas e honorários apresentada.
XXVIII - Mais, resulta dos autos, os seguintes factos: o Autor, dada a relação de amizade entre a actual mulher (à época namorada) e a filha da Ré, disponibilizou-se para ajudar aquela no processo de divórcio e partilha.
XXIX - A Ré, não esquecendo que teria sempre de pagar os serviços prestados pelo Autor, estava em crer, atenta a relação de proximidade referida, que ele teria esse facto em atenção na altura da elaboração da nota de despesas e honorários.
XXX - Caso contrário, isto é, se a Ré soubesse que o Autor lhe iria aplicar esta nota de honorários, teria optado por requerer Apoio Judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, bem como de nomeação e pagamento da compensação de patrono nomeado (como fez no presente processo).
XXXI - Até porque, recebe apenas uma pensão de reforma, no valor de 305,00€ mensais.
XXXII - Entende a Ré que o Autor tinha o dever de a ter informado sobre tal, de acordo com EOA no seu art. 95.º que estipula: “Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado: a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário”
XXXIII - Para além do regime constante do E.O.A., a Portaria n.º 240/2000, de 3 de Maio impõe aos Advogados a obrigação de dar a conhecer ao cliente o conteúdo do n.º 1 do art. 65.º, bem como o valor cobrado por cada hora de trabalho.
XXXIV - No entender da Ré o valor é manifestamente exagerado, em função desses mesmos critérios que devem ser atendidos na fixação dos mesmos, nomeadamente, quanto à falta de procuração (mandato), serviços jurídicos efectivamente prestados, resultado obtido, pouca complexidade do assunto, situação económica da cliente.
XXXV - Acresce que a nota discrimina serviços que não foram prestados ou o foram em menor número.
XXXVI - Com efeito, prova nenhuma sustenta a afirmação de que o Autor curou ou deixou de curar de serviços que o tenham ocupado em 100 horas, tal não é corroborado por qualquer meio de prova.
XXXVII - Mais, o Tribunal a quo não fez uma apreciação crítica e equitativa do facto que deu como provado, e isto porque não valorou correctamente, como deveria, o tempo despendido na prestação de serviços constante da nota de honorários dados como provados.
XXXVIII - Bem como não há prova (documental) de qualquer valor correspondente a despesa que tenha adiantado o pagamento.
XXXIX - Não há também prova (documental) do valor dos bens adjudicados à Ré na partilha.
XL - Mais, o mesmo sucede em relação à falta de procuração outorgada pela Ré havendo que afirmar que, em relação a esta, apenas por documento poderia ter sido provada.
XLI - Mais, dos autos não se vislumbra que os serviços solicitados o tenham sido com urgência, e quanto ao seu grau de dificuldade também não nos parece existirem elementos que os classifiquem de “difíceis”.
XLII - Acresce ainda que, consta dos autos, atento os documentos juntos, e confessado pelo próprio Autor que a Ré pagou provisões no montante global de 1.700,00€ (mil e setecentos euros) e não os 800,00€, referidos na sentença recorrida.
XLIII - Daqui resulta um erro na apreciação da prova produzida, uma vez que ao montante peticionado de 5.500,00€, é necessário subtrair os valores pagos pela Ré, a saber: 550,00€; 350,00€ e 800,00€.
XLIV - O que perfaz o montante global de 1.700,00€ pagos pela Ré ao Autor.
XLV - Quanto à decisão sobre o início da contagem da mora dos juros civis devidos pela conta de honorários, tais juros são devidos a partir da data da prolação da sentença.
XLVI - Ora, salvo melhor opinião o Mm. Juiz do Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito no que respeita ao início para a contagem dos juros de mora civis devidos.
XLVII - Conforme decisões do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, a fixação, pelo tribunal, dos honorários relativos ao mandato forense deve ter por base critérios ou “juízos de equidade” sendo que os juros de mora são devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão judicial que os fixe – cfr. Ac. STJ de 20/06/2002 e de 19/02/2002; Ac. da Rel. Porto de 07/05/2013 e de 03.05.2001, in www.djsi.pt.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre:

- apreciar a questão da admissibilidade da junção aos autos da procuração forense;
- reapreciar a decisão de facto;
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DA PROCURAÇÃO

Nas cinco primeiras conclusões defende a Apelante a inadmissibilidade da junção aos autos da procuração forense (que, alegadamente, ela outorgou ao Autor), por violar “o disposto no art.º 423.º do C.P.C. uma vez que poderia e teve todo o tempo para o fazer”, pelo que, defende, “o dito documento apresentado deveria ter sido desentranhado”.

a) - Compulsados os autos constata-se que:

1 – A audiência final ocorreu no dia 25/01/2018, tendo, após as alegações, sido encerrada a sessão para “prolação da sentença no prazo legal”.
2 – No dia imediato – 26/01/2018 -, pelas 16:48:22, via CITIUS, o Autor, invocando os art.os 411.º e 423.º, n.º 3 do C.P.C., requereu a junção aos autos da procuração forense, outorgada pela Requerida, “no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento e partilha de bens extrajudicial”, justificando a prática do acto só nesta data alegando que só agora “se tornou necessária e imperiosa a sua junção, dado o facto de a requerida em sede de audiência final ter prestado declarações que não correspondem de todo à verdade”, pretendendo com ela provar “a actuação da requerida como litigante de má fé”.
3 – Concluído o processo com data de 01/02/2018, veio a sentença a ser proferida em 24 de Abril do mesmo ano, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a junção da procuração, e nem havendo tomado qualquer posição sobre a condenação da Apelante/Requerida como litigante de má fé.

b) Como resulta das incidências processuais acima transcritas, o acto foi praticado tempo antes de ter sido prolatada a sentença, pelo que a questão devia ter sido suscitada na 1.ª Instância, dando a oportunidade ao Tribunal a quo de sobre ela se pronunciar.

Extrai-se do disposto no artº. 627.º, n.º 1, do C.P.C., que os recursos ordinários têm como objectivo permitir que o tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas pelo que eles estão circunscritos às questões já submetidas ao tribunal hierarquicamente inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso.

Com efeito, refere o Ac. do S.T.J., de 04/10/2007, “Como é entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. São remédios jurídicos que se destinam sim a apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso …” (ut Procº. 07P2433, Cons.º Simas Santos, in www.dgsi.pt/jstj).

É que, se com os recursos o que se pretende obter é a modificação ou a revogação das decisões relativas às questões que foram apreciadas pelo tribunal recorrido, está excluída a hipótese de o tribunal hierarquicamente superior decidir sobre matéria nova, com o que sairia desvirtuada a finalidade do próprio recurso e ofendido o princípio da preclusão, salvo tratando-se de matéria que esteja subtraída à disponibilidade das partes e, por isso, possa ser conhecida ex officio.

Termos em que se decide não conhecer da questão referida, visto ter sido só nesta sede de recurso que ela foi suscitada pela Apelante.
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V.- A Apelante impugna a decisão de facto.

a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.

Ainda que o tenha feito de forma, dir-se-á que, desgarrada, sem um nexo de continuidade, é possível extrair da conclusão XIII a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; das conclusões XXI a XXIII e XXXVI a XXXIX, e ainda XLIV a sustentação da impugnação na ausência de provas dos referidos factos; e apresentou o seu projecto de decisão, que é a de aqueles factos serem, nesta sede de recurso, julgados não provados.

Nas alegações menciona as declarações de parte dela própria e os depoimentos das duas testemunhas que arrolou como contraprova dos factos acima referidos, transcrevendo os trechos em que se funda, que situa no tempo da gravação.

Têm-se, pois, por cumpridos os ónus a que acima se faz referência.

b) Como se sabe, o actual C.P.C. introduziu o duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto.

Na reapreciação desta decisão cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., tendo presente que, como consta da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.

Assim, devendo a Relação, enquanto instância de recurso também da matéria de facto, formar a sua própria convicção, cumpre-lhe avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem que esteja sujeita às indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido.
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V.- O Tribunal a quo julgou provado que:

1. No âmbito da sua profissão e no exercício dos poderes que foram conferidos por procuração outorgada pela requerida houve lugar a prestação de serviços jurídicos de divórcio e partilhas de bens.
2. A requerida notificada de nota de honorários e despesas, no valor de € 5.550.00 (cinco quinhentos e cinquenta euros) apenas entregou o montante de € 800,00 (oitocentos euros),
3. Apesar de novamente interpelada em 16 de Janeiro de 2016, não procedeu até à presente data à liquidação da restante quantia em falta.
4. Assim deve a quantia de € 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta euros) a título de despesas e honorários.
5. Com a instauração da presente ação o autor despendeu a quantia de €150,00.
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VI.- O Tribunal a quo fundou esta decisão escrevendo:

Ao dar-se a matéria de facto como provada e não provada o tribunal alicerçou-se no laudo da Ordem dos Advogados junto a fls. 37 a 42, que pelos motivos alinhados infra, no que tange á motivação de direito e que expressamente se faz referência para efeitos da motivação da decisão de facto.

O depoimento da testemunha arrolada pelo Autor foi relevante.

Assim J. C., advogado, com escritório na cidade de Viana do Castelo, conhecido da Autora, também trabalhou nos processos que deram origem á presente ação, nesta qualidade entende que o montante peticionado é adequado e integra o montante dos honorários e despesas tidos por adequados, do qual até obteve uma resposta positiva (ganho de causa).

Soube explicar em julgamento a razão do montante dos honorários reclamados pelo Autor e de que estes se enquadram perfeitamente no que se encontra previsto no art.º 100º do EOA.

As declarações de parte do Autor foram ao encontro do por si peticionado e não divergiram do depoimento da testemunha por este indicada, coerência esta que logrou incutir-nos credibilidade, também considerando as regras da experiência comum
As declarações de parte da Ré e das testemunhas indicadas filho e filha da Ré, que acharam que os honorários são exagerados, uma vez que os serviços prestados não justificam tal montante.

Porém os documentos juntos aos autos, todos eles espelham aquilo que se passou nos processos a que deram origem a presente ação.

No essencial a valoração conjunta de toda a prova produzida conjugada com as razões de direito abaixo expendidas o tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos provados.”.

1.- Ainda que a supra transcrita fundamentação aluda à matéria de facto “não provada”, a sentença é omissa quanto aos factos que foram julgados não provados, inobservando o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do C.P.C..
Apesar de ser um pouco vaga, a referida fundamentação deixa perceber os meios probatórios que foram relevantes para a formação da convicção do Tribunal a quo.
2.- Ainda relativamente à decisão de facto, como refere o Ac. da Rel. do Porto de 01/06/2017, continua a ser entendido, mesmo face ao actual C.P.C., que “a inclusão na fundamentação de facto da sentença, de matéria de direito ou matéria conclusiva, determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância”, nos termos da alínea c) do nº 2 do art.º 662º do C.P.C., e prossegue referindo ainda que “o juízo de provado ou não provado apenas pode recair sobre factos”, e a matéria conclusiva “são as conclusões de facto, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência” (ut Proc.º. 35/16.1T8AMT-A.P1, in www.dgsi.pt).
Concorda-se inteiramente com o exposto e, consequentemente, porque o facto que consta sob o n.º 4, que vem impugnado, é conclusivo, tem-se por não escrito.
3.- Não havendo a Apelante, quer na oposição escrita, quer nas suas declarações prestadas em audiência, de alguma forma, recusado que o Autor, no normal exercício da sua profissão de advogado, lhe prestou assistência e aconselhamento jurídicos, quer no divórcio, quer na partilha subsequente, a impugnação da facticidade constante do ponto n.º 1 dirige-se, apenas, à menção da procuração cuja outorga nega – cfr. conclusão XXII.
Posto que o processo de divórcio correu seus termos pela Conservatória do Registo Civil, e a partilha foi feita por acordo extrajudicial, a existência ou não de procuração pouco ou nada releva.

Sem embargo, e como se vê do documento de fls. 61, a Apelante outorgou, de facto procuração, conferindo ao Autor “os poderes gerais forenses em direito permitidos”.

Optando por pedir o seu desentranhamento invocando a extemporaneidade da junção aos autos, para negar a sua existência, a Apelante não impugnou a assinatura com o seu nome que consta do aludido documento pelo que, nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 1 do Código Civil, ela se considera verdadeira, fazendo, pois, prova plena das declarações que dele constam, in casu, a declaração de que constituiu o Autor “seu bastante procurador”, conferindo-lhe os poderes forenses acima referidos.

Toca os limites da litigância de má fé a negação da prática de um acto pessoal, só não se retirando estas consequências da negação do referido acto por, atentando nas declarações da Apelante, se considerar que ela, quando negou ter emitido procuração, poderia estar a referir-se à procuração com poderes especiais, já que à pergunta “se alguma vez passou procuração ao Dr. J. P.?” respondeu: «O Dr. J. C. tinha uma procuração de plenos poderes do meu marido, que foi ele que assinou o divórcio. O Dr. J. P. dezia “eu não quero procuração de ninguém”», e por isso foi ela, Apelante, “a assinar o divórcio”.
De qualquer modo, face ao supramencionado documento, e uma vez que não há controvérsia quanto à restante facticidade, mantém-se o ponto 1 nos seus precisos termos.
4.- Como igualmente reconhece, a Apelante tinha consciência de ter de pagar ao Autor os serviços que lhe prestou, só não aceitando o valor que este lhe pede por o considerar exagerado.
Foi pedido laudo à Ordem dos Advogados, o qual se mostra junto de fls. 46 a 50 e, por brevidade, se dá aqui por reproduzido.
É entendimento pacífico o de que o laudo da Ordem dos Advogados, sendo pressuposto que se baseie nas linhas de orientação estabelecidas no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e na prática experimentada por quem o aprova, atenta a sua natureza idêntica à do laudo pericial, é um dos meios probatórios de que o tribunal se pode socorrer, valorando livremente a sua força probatória, de acordo com o disposto no art.º 389.º do C.C..
5.- Muito embora a Relação disponha apenas da imediação mitigada que é proporcionada pelas gravações, uma cuidada atenção aos depoimentos, avaliando no seu conjunto a razão de ciência da testemunha, o método que utiliza quem a questiona, as respostas que dá, e a forma como as dá, permite uma avaliação correcta da sua credibilidade.
Foram revisitados, através das gravações, no CITIUS, os depoimentos testemunhais e as declarações de parte, quer do Apelado/Autor, quer da Apelante/Ré.
6.- A Ordem dos Advogados, dando como certa a prática das diligências descritas a fls. 48 e verso, considerou ser adequada a quantia de € 650,00 para pagar os honorários relativos ao “processo de divórcio”, atendendo “à natureza dos trabalhos e ao tempo durante o qual os serviços foram realizados”, adoptando como base do cálculo o valor de € 50/hora e 13 horas de trabalho.

A testemunha Dr. J. C., advogado do ex-marido da ora Apelante, fez uma descrição pormenorizada de todos os trabalhos desenvolvidos e todas as diligências levadas a cabo pelo Autor. No que se refere ao divórcio, afirmou que para ele ser “conseguido”, «o Dr. J. P. teve que convencer a cliente dele, que ela não queria», referindo ainda a «enorme litigiosidade» que existia entre o casal, e que “houve muitas reuniões em Ponte do Lima» e no seu escritório, com o Autor.

Revelando-se este testemunho credível, porque isento, considerado o que referiu e as regras da experiência comum, tem-se por adequado aquele tempo de trabalho assim como o custo cobrado por cada hora (uma empregada de limpeza já cobrava à altura € 5/hora).

Relativamente à partilha, considerou a Ordem dos Advogados como razoável “um tempo de 100 horas”, justificando a cobrança do mesmo valor por hora, “embora não se tratando de trabalho judicial qualificado, implica também conhecimentos e preparação jurídica bastantes no âmbito do direito registral”, referindo ainda que, “normalmente” nas Conservatórias “se perde muito tempo com buscas, diligências de trato sucessivo, de harmonização e actualização das descrições e inscrições, etc.” (cfr. fls. 49, ponto n.º 4.16).

Acerca das diligências da partilha, referiu a supramencionada testemunha que “Foi desenvolvido muitíssimo trabalho», tendo havido «para cima de 10 reuniões no local», que era a casa do casal e «umas leiras». Afirmando ainda que «o processo foi trabalhoso e grande parte desse trabalho foi com o Dr. J. P.», acrescentando ainda «o meu cliente não descansou até conseguir o divórcio. Depois relaxou bastante. Já tinha o que queria, e sabia que era preciso pagar dinheiro, ele já não tinha pressa», e por isso «o Dr. J. P. é que teve de tratar de tudo». Mais referiu que «as reuniões às vezes eram semanais. A questão era quando nós estávamos com as coisas já assentes e eles vinham mais com isto e aquilo», referindo ainda a existência de «um processo-crime». Acrescentou que «em termos de tempo gasto, por nós não compensava, mas as pessoas quiseram discutir tudo».

Concretamente em relação à casa do ex-casal explicou que esta foi construída em terreno que lhe não pertencia, pelo que «teve de se avaliar as benfeitorias», tendo havido ainda a necessidade de se fazer um levantamento topográfico, de «ir ao Notário fazer escrituras», etc.

Relativamente à meação da Apelante, disse a mesma testemunha acima referida que esta recebeu «umas leiras» e tornas no valor de € 27.500,00.
Ainda que referindo ter-se deslocado às Conservatórias e outras Repartições para “assinar os papéis”, quer a Apelante, quer mesmo o seu filho B. C., reconheceram que foram sempre acompanhados pelo Autor.
O “processo” (em sentido impróprio) arrastou-se por cerca de quatro anos.

Abstractamente, cem horas parece muito tempo, mas se considerarmos períodos de trabalho de quatro horas diárias, aquele tempo equivale, apenas, a vinte e cinco dias. Ora, se houve «para cima de 10 reuniões no local» e houve “muitas reuniões” no escritório da testemunha primeiramente referida, e houve ainda «inúmeras deslocações» à casa do ex-casal para resolver “pequenas” questões/conflitos, que «foram às dezenas», é sem dificuldade que se aceita aquele número de horas como tempo efectivamente gasto nas diligências relacionadas com a partilha.

Deste modo, o valor reclamado, de € 5.000,00 haverá de se ter por adequado.

Termos em que se decide acolher o laudo da Ordem dos Advogados.

A nota de honorários inclui ainda € 300,00 a título de “Despesas” e € 500,00 de “Adiantamentos”.
Nas suas declarações de parte, questionado sobre a que “despesas” se refere afirmou o Autor: «tive despesas de economato, telefonemas, papéis e também paguei despesas em repartições públicas que dei à senhora» (à Apelante).

Relativamente à outra verba a única referência foi: «apresentei-lhe a nota de honorários, os adiantamentos que fiz», o que deixa (apenas) pressupor que se trataria de quantias entregues como “preparo” ou “entrada” do pagamento do preço.
A Apelante recusa pagar estas importâncias afirmando que se deslocou sempre às Repartições e Serviços Públicos onde foi necessário ir e que foi ela que pagou.

O ónus da prova daqueles factos é do Autor, por serem factos constitutivos do seu direito – cfr. art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil – pelo que a dúvida sobre a realidade desse facto terá de ser interpretada contra si, de acordo com o princípio plasmado no art.º 414.º do C.P.C..
Não tendo sido clarificadas pelo Autor as situações em que fez os invocados adiantamentos, também não ofereceu qualquer prova deles.

Assim, e na ausência de suporte probatório minimamente aceitável, não se poderá aceitar a correspondência com a realidade daquele facto.

No que concerne às despesas, é inequívoco que as deslocações acarretam despesas, assim como os telefonemas e o papel, pelo que, provado que houve inúmeras deslocações e telefonemas, e consideradas as regras da experiência comum, o comum do acontecer, tem-se como real que o Autor utilizou papel, para fazer os requerimentos, na elaboração de documentos, para tirar apontamentos, etc., pelo deverá ser ressarcido destes gastos.
Ainda que se não tenha apurado o valor exacto de tais gastos, recorrendo a critérios de equidade, julga-se adequada a importância de € 200,00.

Impõe-se, assim, levar à matéria de facto o que vem de ser decidido.

Relativamente aos demais factos a impugnação da Apelante é manifestamente inconsistente já que os autos os demonstram, e nem ela recusa a sua veracidade – inequivocamente confirma que recebeu a nota de honorários; que o valor que o Autor lhe reclama é de € 5.550,00 e que lhe fez entrega da importância de € 800, tendo-lhe dado ainda € 550 e € 350 a título de provisão por conta dos honorários, quantias que foram abatidas ao que, na altura, se considerou em dívida, como se vê de fls. 8 dos autos. E relativamente à interpelação para pagar, ela está documentada nos autos (fls. 44 e 45) retirando-se mesmo da resposta que ela própria, Apelante, remeteu ao Autor.

Mantém-se, pois, a decisão quanto aos pontos de facto n.os 2 e 3.

Os factos que a Apelante pretenderá ver aditados à decisão de facto são inócuos para a decisão, para além de que se traduzem simples conjecturas da Apelante, às quais, como resulta do seu depoimento e do da testemunha P. C., sua filha, o Autor não terá dado fundamento, sendo certo que como aquela reconheceu, nunca lhe terá perguntado pelo quantitativo dos honorários.

Deste modo, a decisão da matéria de facto cnhecerá apenas a alteração que infra se lhe vai introduzir.
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VII.- Na sequência do que acima se deixou decidido quanto à matéria de facto:

- ficará com a seguinte redacção o número 4.- O Autor, no âmbito da prestação dos serviços referidos em 1., teve despesas no valor de € 200,00 (duzentos euros).
- julga-se não provado que o Autor fez “adiantamentos” no valor de € 500 (quinhentos euros).
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VIII.- Resulta da facticidade provada que o pedido formulado pelo Autor contra a ora Apelante assenta numa relação contratual de prestação de serviços.

1.- Pelo referido contrato, o Autor obrigou-se a praticar os actos próprios da sua profissão de advogado, e a Apelante obrigou-se a pagar o preço respectivo, que se designa por “honorários”.

De acordo com o disposto no art.º 1.º da Lei n.º 49/2004, de 2 de Agosto, são actos próprios da profissão de advogado, designadamente, o mandato forense, a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, desde que sejam exercidos no interesse de terceiros e no âmbito da actividade profissional.

O contrato de prestação de serviços vem definido no art.º 1154.º do Código Civil (C.C.) como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra o resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Aplicam-se-lhe as disposições sobre o mandato, ex vi do art.º 1156.º do mesmo Código.

Sem prejuízo dos deveres impostos ao advogado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados – cfr., designadamente, o art.os 92.º e sgs., da Lei n.º 15/2005, que era o Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.) vigente à data da prática dos actos – enquanto mandatário ele está também sujeito às obrigações constantes do art.º 1161.º do C.C., designadamente, a de praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante.

O mandante, por sua vez, está obrigado, para além do mais que vem enunciado no art.º 1167.º do C.C., a pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir e fazer-lhe provisões por conta dela segundo os usos, e ainda a reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas.
O mandato presume-se oneroso quando tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão – cfr. n.º 1 do art.º 1158.º do C.C..

O n.º 2 do art.º 1158.º do C.C. fornece critérios para a determinação da medida de retribuição quando não tenha sido ajustada pelas partes: as tarifas profissionais; na falta destas, os usos; ou, não havendo tarifas nem usos, os juízos de equidade.
Em relação aos advogados não há tarifas profissionais fixas, existindo tabelas de honorários que são meramente indicativas.

O respectivo estatuto, estabelecendo o princípio da adequação da compensação aos serviços efectivamente prestados (que devem ser discriminados para permitir o escrutínio do cliente) refere as linhas de orientação que devem ser tomadas como referência na fixação do montante dos honorários: importância dos serviços prestados; dificuldade do assunto; urgência do assunto; grau de criatividade intelectual da prestação; resultado obtido; tempo despendido; responsabilidades assumidas; demais usos profissionais (aqui entrando as tabelas de honorários acima referidas) - cfr. art.º 100.º da Lei n.º 15/2005.

Havendo dissídio entre o advogado e o cliente sobre o valor justo dos honorários, cabendo aos tribunais dirimir o conflito, no juízo de equidade em que terão de assentar a sua decisão, não poderão deixar de equacionar as linhas de orientação acima referidas.
2.- Tendo saído provada a prestação efectiva dos serviços jurídicos, impõe-se à Apelante cumprir a sua obrigação contratual, que é o pagamento dos honorários respectivos pelos valores constantes do laudo, que se têm por ajustados, mesmo para um juízo de equidade.
Relativamente às despesas cujo reembolso é reclamado, pagará a Apelante o valor que, com fundamento em igual juízo de equidade, se fixou.
3.- O Tribunal a quo condenou ainda a Apelante a pagar os juros de mora a partir da data da interpelação extrajudicial, convocando o disposto no n.º 1 do art.º 805.º do C.C., e arrimando-se ao entendimento jurisprudencial do S.T.J., citando dois arestos – de 16/09/2008 e de 27/04/2006.

A Apelante insurge-se contra esta condenação invocando decisões do S.T.J. de 20/06/2002 e de 19/02/2002, e da Relação do Porto de 07/05/2013, que entenderam que os juros de mora, em situações como esta de fixação dos honorários pelo tribunal, os juros são devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão que os fixe.

Os juros de mora visam ressarcir o credor de uma obrigação pecuniária dos danos decorrentes da mora – cfr. art.os 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1, ambos do C.C..

De acordo com o disposto no art.º 805.º do C.C., o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, havendo, porém, mora, independentemente da interpelação, se a obrigação tiver prazo certo; se a obrigação provier de facto ilícito; ou se o próprio credor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

Contudo, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
Obrigações ilíquidas são aquelas cujo conteúdo ainda não está fixado ou determinado, indeterminação que pode respeitar ao quantitativo devido.

Nas acções de honorários não há unanimidade de decisões quanto ao início da contagem dos juros de mora, havendo quem defenda que só são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença, desde que as partes não tenham fixado anteriormente o montante dos honorários nem o critério da sua determinação – cfr., v.g., o Acórdão da Relação do Porto de 27/03/2003 (ut Proc.º 0330146, com sumário publicado in www.dgsi.pt), sendo esta a posição por que propugna a Apelante.

Havendo ainda quem defenda serem devidos juros de mora apenas desde a data da citação, nas situações em que o mandante não esteja de acordo com a nota de honorários – cfr., v.g. o Acórdão do S.T.J. de 20/06/2002 (ut Proc.º n.º 02B1631, in www.dgsi.pt).

E, finalmente, quem defenda que o advogado, tendo elaborado a nota de honorários e tendo-a enviado ao mandante, liquidou a obrigação, e não é a contestação deste que gera a iliquidez da dívida – cfr., v.g. Acórdãos do S.T.J. de 16/09/2008 (ut Proc.º n.º 08A1438); da Relação de Lisboa de 19/06/2012 (ut Proc.º 2344/09.7YXLSB.21-7); e da Relação de Coimbra de 26/02/2013 (ut Proc.º 166/08.1TBCLB.C2, todos in www.dgsi.pt), tendo sido este o entendimento do Tribunal a quo.

E, de facto, é a própria lei (EOA) que atribui ao advogado o direito de fixar os honorários, dando-lhe os critérios a que deve obedecer na determinação do respectivo montante.

Assim, quando o advogado fixa os honorários e apresenta ao seu cliente a nota respectiva, ele apurou o seu montante, pelo que a partir daí a obrigação tornou-se líquida.
E não passa a ser ilíquida se o cliente impugna o valor que lhe é apresentado, seja por considerar exagerado o quantitativo que lhe é exigido, não tendo a sua fixação obedecido aos critérios legais, seja por entender que não foram praticados todos os actos constantes da nota de honorários.

A fixação do montante dos honorários pelos tribunais, obedecendo a critérios de equidade, não prescinde da prova dos factos (das tarefas realizadas; dos actos jurídicos praticados; das horas de trabalho efectivamente gastas, etc.) pelo que a fixação em montante inferior ao pedido não deixa de reconduzir-se ao relativo fracasso no cumprimento do ónus da prova.

Assim, havendo mora, os respectivos juros contam-se a partir da data da interpelação extrajudicial (se a ela tiver havido lugar) ou judicial (a citação) para pagar os honorários, com o envio da respectiva nota de honorários.
Nesta parte, pois, se confirma a decisão impugnada.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, consequentemente, condenam a Apelante/Ré a pagar ao Apelado/Autor, a importância de € 4.150,00 (quatro mil cento e cinquenta euros) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a data da interpelação – 16/01/2016 – até integral e efectivo pagamento.
Custas da apelação pela Apelante na proporção do vencido.
Guimarães, 22/11/2018

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho