ATRIBUIÇÃO PROVISÓRIA DE CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
EFICÁCIA DA DECISÃO PROVISÓRIA APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE DIVÓRCIO
Sumário


Sumário (do relator):

I- A decisão provisória sobre a atribuição da casa de morada da família, determinada em ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, nos termos do disposto no art. 931º, n.º 7, do C. P. Civil, não perde automaticamente a sua eficácia com o trânsito em julgado da sentença final proferida nesta ação.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução principal instaurados por Maria contra José, veio este último intentar os presentes embargos de executado alegando, para o efeito, que a presente execução funda-se em despacho-saneador proferido pelo Juízo de Família e Menores de Braga (processo n.º 1339/16.9T8BRG – Juiz 2), de acordo com o qual foi proferida decisão atribuindo provisoriamente a casa de morada de família ao cônjuge mulher, aqui exequente, da mesma se podendo ler: “ (…) temos por adequada pretensão de atribuição provisória da casa de morada de família à autora, o que decido para a pendência da ação.” (tal decisão foi proferida a 30.01.2017, tendo a autora executado a mesma mediante requerimento executivo apresentado a 27.03.2007 – cfr. requerimento inicial e documento junto no processo principal executivo).

Na mesma decisão (despacho-saneador), proferido a 30.01.2017, ficou, neste particular, consignado, designadamente, o seguinte:

Do pedido de atribuição provisória de casa de morada de família:

A autora, em articulado autónomo cuja incorporação nos autos foi oportunamente ordenada, veio requer a atribuição provisória da casa de morada de família, ao abrigo do disposto no artigo 931, n.º 7, do CPC.

Para o efeito, invoca a autora a necessidade de ocupar aquela casa, que constituiu bem próprio por lhe haver sido doada por umas tias, por não dispor de outra solução habitacional, encontrando-se a viver de favor em casa de uma filha, onde não tem condições para permanecer, dada a exiguidade do espaço (T1 + 1 onde habitam também duas crianças).

Em sede de contestação, o réu, reconhecendo que em causa está um bem próprio da autora, impugna os rendimentos que esta declara auferir e bem assim os comportamentos lesivos que aquela lhe imputa.

Assim, sem necessidade de produção de outra prova, por confissão ou admissão do réu, temos assente, para este efeito, que a casa que constitui residência habitual desta família é um bem próprio da autora e que esta, de momento, não dispõe de outra habitação disponível (já que é sugerido que se oponha a uma futura/eventual renovação de um espaço que está dado de arrendamento). Da mesma forma, assente está que o réu, embora não dispondo de outra morada, recebe uma pensão de reforma de € 700,12.

Neste contexto, em que ambos carecem da casa para habitar e ambos auferem rendimentos similares, afigura-se-nos injustificado e inadequado que tenha de ser a autora, proprietária da casa, quem deva sofrer o incómodo de dela sair e procurar alternativa, deixando o réu a viver na casa que constitui bem próprio daquela, caso em sempre o réu teria de pagar-lhe uma contrapartida por tal ocupação (apesar de a tal nem se ter proposto) – cfr. artigo 1793º do CC.

Ora, de acordo com o invocado normativo do n.º 7 do artigo 931º do CPC, “se o considerar conveniente”, pode o juiz “fixar um regime provisório (...) quanto à utilização da casa de morada de família”, com prévia realização das diligências tidas por convenientes.

Assim, atendendo desde logo à posição que as partes expressamente tomaram a respeito em sede dos respetivos articulados, e que nos permite desde já considerar os factos referidos supra, temos por adequada a pretensão de atribuição provisória da casa de morada de família à autora, o que decido, para a pendência da ação.

Sucede, porém, que, nos autos em que foi proferida aquela decisão (despacho-saneador), que serve de título executivo, já foi proferida decisão final a decretar o divórcio entre os cônjuges, devidamente transitada em julgado, pelo que, com a prolação de tal decisão final que colocou termo àqueles autos, caducou o título executivo que serve de base à presente execução.

Termina, pugnando pela procedência da presente oposição, devendo o embargante/executado ser absolvido da execução contra si intentada.

Regularmente notificada, veio a embargada/exequente deduzir contestação, pugnando pela improcedência da oposição à execução deduzida.

Foi determinada a junção aos autos de certidão da referida decisão final, com nota de trânsito em julgado, que decretou o divórcio entre as partes, proferida a 22.05.2017, no processo n.º 1339/16.9T8BRG (cfr. fls. 30 a 34).

Na sequência, por sentença de 5 de Junho de 2018, foram os presentes embargos de executado julgados totalmente improcedentes.

Nesta mesma decisão, fez-se constar, designadamente, o seguinte:

Invoca o embargante José a falta de título executivo, fundando a sua pretensão na circunstância do mesmo assentar no saneador sentença proferido no processo 1339/16.9T8BRG do Juízo de Família e Menores de Braga – 2ª Secção do Tribunal da Comarca de Braga, sendo essa decisão provisória e, como tal, apenas valeria na pendência do processo de divórcio que entretanto já conheceu decisão final.

A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, defendendo, em suma que o acordo quanto à casa de morada de família não perde eficácia com a prolação da sentença que decreta o divórcio, mantendo-se válida até à partilha.

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A questão a resolver é a seguinte: saber se o acordo quanto à atribuição da casa de morada de família proferido constitui titulo executivo após o decretamento do divórcio.
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(…) A questão a decidir assume natureza jurídica, pelo que notificadas as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de conhecer de mérito, as mesmas pronunciaram-se positivamente.

Cumpre apreciar e decidir.

Pela similitude e clareza de raciocínio, chamamos à colação a jurisprudência, devidamente citada pela embargada/exequente, e com a qual concordamos e nos revemos na integra onde, de forma lapidar, se estabelece que “O acordo provisório estabelecido no âmbito de acção divórcio litigioso quanto à utilização da casa de morada de família não perde automaticamente a sua eficácia com o trânsito em julgado da sentença.

Em tais circunstâncias, o cônjuge interessado tem a possibilidade de obter uma resolução definitiva do conflito acerca da atribuição da casa de morada de família, nos termos do art. 1793º do CC, através do processo especial previsto no art. 1413º do CPC.

A persistência da situação não confere ao cônjuge não utilizador da casa de morada de família o direito de ser compensado segundo as regras do enriquecimento sem causa, uma vez que a situação encontra justificação na sua própria inércia relativamente ao accionamento do mecanismo processual previsto no art. 1413º do CPC. (cf. Ac STJ de 17.1.2017, proc 2324/07.7TBVCD.P1.S, disponível em www.dgsi.pt)

Ainda mais acutilante no que à existência de titulo executivo diz respeito, refere Ac. TRL de 25.11.2008, proc 8767/2008-7, igualmente disponível em www.dgsi.pt, que: “A atribuição a um dos cônjuges da utilização da casa de morada de família, ainda que provisoriamente, nos termos do artigo 1407º, nº7, do Código de Processo Civil, significa, necessariamente, que o outro cônjuge fica excluído dessa utilização (ainda que, também, a título provisório).

“Com uma tal decisão, resulta implícita a obrigação correspondente do outro cônjuge de entregar a casa de morada de família àquele a quem foi atribuída a respectiva utilização.

Ao requerer da decisão/sentença que lhe atribuiu o direito ao uso da casa de morada de família durante a pendência da acção de divórcio, escolheu o meio processual adequado, sendo aquela decisão/sentença título executivo bastante.
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Face ao exposto, improcedem totalmente os presentes embargos, determinando-se o prosseguimento da execução (…).”
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Inconformado com o assim decidido, veio o embargante/executado José interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. A sentença proferida nos presentes autos é nula por preterimento das formalidades estabelecidas no art. 607, n.º 3 do CPC.
II. Com efeito, a sentença de que ora se recorre não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, pelo que a mesma é nula, atento o disposto no art. 615º, n.º 1 alínea b) do C. P. Civil.
III. Pelo que deverá a sentença ser reformada.
IV. A decisão de atribuição provisória da casa de morada de família no âmbito de um processo de divórcio sem o consentimento de outro cônjuge tem um alcance temporal limitado, sendo caraterizada como uma medida meramente cautelar.
V. Não devendo sobreviver, a sua eficácia, a esse mesmo processo.
VI. Com o encerramento do processo de divórcio a decisão provisória perde a sua eficácia,
VII. Não sendo a execução de decisão cautelar o meio processual adequado para a obtenção do fim a que a Exequente/Recorrida se propõe.
VIII. Outrossim, deverá lançar mão do processo de jurisdição voluntária de atribuição a casa de morada de família previsto no art. 990º do CPC.
IX. Sendo certo que este é o entendimento dos Tribunais superiores.
X. Pelo que, e sempre com o devido respeito por melhor opinião, não existe título executivo bastante nos presentes autos, uma vez que o mesmo é ineficaz.
XI. Pelo que deveriam os embargos apresentados terem sido julgados procedentes, por provados, em consequência ter sido o Executado/Recorrente absolvido do pedido contra si formulado.
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Termina, pugnando pela procedência da nulidade invocada, ao abrigo do disposto no art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil, e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos para a respetiva reforma.

Em qualquer caso, defende a revogação da decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra que absolva do pedido o recorrente.
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A embargada/exequente apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Por despacho proferido a 17.09.2018, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, tendo concluído pela não verificação da nulidade suscitada (cfr. fls. 57 e 58).
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se cumpre proceder à anulação da decisão recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito que justificam a decisão.
- Saber se, em caso de indeferimento da pretendida anulação, deverá ser a sentença revogada, em resultado de erro de direito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Os acima consignados no Relatório.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam

A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito.

Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do C. P. Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”

Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. (1)

Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. (2)

Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (nosso sublinhado). (3)

Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis (4), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” (sublinhado nosso). (5)

Todavia, a nosso ver, no atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do C. P. Civil), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. (6)

Feitas estas breves considerações, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito.

Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, qual a matéria factual com que o Juiz a quo alicerçou a sua decisão, bem como a definição jurídica que lhe serviu de fundamento.

É certo que poderia ter sido mais explícito, designadamente definindo autonomamente a mesma matéria factual, sendo certo que a mesma se reconduz àquilo que foi alegado pelo próprio embargante/executado na oposição à execução que apresentou, mais concretamente que:

A) Em sede de despacho-saneador proferido no âmbito do processo de divórcio que, sob o n.º 1339/16.9T8BRG, que correu termos pelo Juízo de Família e Menores de Braga – Juiz 2, foi proferida decisão atribuindo provisoriamente a casa de morada de família ao cônjuge mulher, ali autora e aqui exequente, da mesma se podendo ler: “ (…) temos por adequada pretensão de atribuição provisória da casa de morada de família à autora, o que decido para a pendência da ação.
B) Com base nesta decisão judicial, o cônjuge mulher intentou contra o marido, aqui embargante/executado, a execução principal apensa, requerendo a entrega coerciva de tal bem imóvel, que constitui a casa de morada de família.
C) Em tais autos, em que foi proferida aquela decisão que serve de título executivo, já foi proferida, a 22.05.2017, decisão final, devidamente transitada em julgado, decretando o divórcio entre as partes.

Reafirma-se que tal factualidade resulta da própria alegação do embargante/executado e assenta ainda em prova documental produzida.

Subsequentemente, o tribunal a quo, subsumiu esta mesma factualidade ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, ainda que, maioritariamente, com recurso a transcrições de decisões judiciais proferidas por outros Tribunais Superiores, sendo, porém, visível das mesmas as normas jurídicas aplicáveis.

Porque tal ocorre, e nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente percetível o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância.

Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional.

Destarte, neste segmento, improcede a apelação.
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B) Da decisão de mérito

Defende o recorrente que, uma vez transitada em julgado, a decisão final de divórcio decretada no identificado proc. n.º 1339/16.9T8BRG, que correu termos pelo Juízo de Família e Menores de Braga – Juiz 2, a decisão de atribuição provisória da casa de morada da família, porque para vigorar apenas durante a pendência da ação, não constitui título executivo bastante, uma vez que a mesma perdeu a sua eficácia, com aquela decisão final proferida no processo de divórcio, pelo que deveriam os presentes embargos sido julgados procedentes e o embargante recorrente absolvido do pedido contra si formulado.

Apreciemos então.

No essencial, a sentença recorrida, socorrendo-se, em especial, da posição assumida no Ac. do STJ de 17.01.2013 (7), concluiu pela improcedência dos embargos de executado em causa, porquanto, tal como defendido naquele aresto, entende-se que a decisão ou acordo provisório sobre a atribuição da casa de morada de família estabelecido em ação de divórcio litigioso não perde automaticamente a sua eficácia com o trânsito em julgado da sentença final proferida nesta ação.

Neste aresto, com relevo para o caso em apreço, pode-se designadamente ler que:

A especificidade da relação conjugal indicia, assim, que a sua extinção por via de divórcio não pode ser equiparada à extinção de qualquer outra trivial relação jurídica de natureza patrimonial.

Afinal, depois do divórcio, para além da subsistência do vínculo de natureza alimentar, nos termos que agora constam do art. 2016º do CC, há que contar ainda com o destino da casa de morada de família cuja regulação, nos termos o art. 1793º do CC, está submetida a critérios de oportunidade que devem levar o tribunal a ponderar, entre outros elementos atípicos, as necessidades de cada um dos ex-cônjuges e os interesses dos filhos do casal.

(…) No caso concreto, os cônjuges estabeleceram um acordo provisório relativo à utilização da casa de morada de família, situação estabelecida ao abrigo no disposto no art. 1407º, n.º 2, do CPC.

Em conformidade com este preceito, o acordo provisório apenas asseguraria a regulação dos interesses “durante o período de pendência do processo”.

Porém, daqui não resulta que o referido acordo tenha deixado de vigorar automaticamente com o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, transformando uma ocupação e utilização consensual e legítima do prédio numa ocupação e utilização ilegítima ou injustificada, de modo a fundamentar a reclamação de uma compensação segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Solução diversa emerge da conjugação entre o preceituado no art. 1793º do CC, que concentra os critérios legais de atribuição da casa de morada de família, e no art. 1413º do CPC, que regulamenta a resolução do litígio sobre tal questão, de acordo com regras próprias dos processos de jurisdição voluntária (art. 1411º, nº 1, do CPC).

Da concatenação de tais preceitos, envolvidos também pelas especificidades da relação jurídico-familiar, resulta que enquanto não houver modificação do regime de utilização da casa de morada de família, os efeitos do acordo provisório judicialmente homologado manter-se-ão, sendo que, uma vez transitada em julgado a sentença de divórcio, a qualquer dos cônjuges é facultada a possibilidade de requerer a resolução definitiva do eventual diferendo.

Não existe qualquer base legal para se sustentar uma solução que se traduza na caducidade automática do acordo provisório e, por consequência, na utilização da casa de morada de família em utilização injustificada ou indevida, susceptível de legitimar a invocação de eventual enriquecimento ilegítimo em prejuízo do cônjuge não utilizador.

Trata-se de uma solução que facilmente se compreende, já que nenhum dos ex-cônjuges pode apagar a anterior existência de uma relação jurídica de casamento, vínculo ainda mais perene quando, como ocorre no caso concreto, existam filhos menores, a quem deve ser garantida, sem percalços injustificados, a estabilidade de uma habitação.

Consideramos igualmente que, atento à natureza jurídica-familiar subjacente ao casamento (ainda que dissolvido) e aos interesses em jogo, designadamente no que se refere ao interesse superior das crianças, quando existam, e aos próprios interesses de cada um dos cônjuges, revelados em cada caso concreto, ser esta a melhor posição a aplicar ao caso em apreço.

Desde logo, cumpre dizer que a existência de um acordo sobre o destino da casa de morada de família não constitui condição para o decretamento do divórcio sem consentimento do outro cônjuge (ou litigioso), conforme melhor resulta dos fundamentos que lhe podem servir de base (art. 1781º, do C. Civil).

Cabe, pois, a cada um dos cônjuges, em princípio, o ónus de promover as diligências necessárias para tentar acautelar os interesses em jogo, designadamente no que se refere ao direito de uso da casa de morada de família.

De todo o modo, conforme resulta do disposto nos nºs 2 e 7 do art. 931º, do C. P. Civil, cabe igualmente ao juiz – frustradas a tentativa de conciliação e a de acordo para o divórcio por mútuo consentimento –, procurar obter o acordo dos cônjuges quanto à utilização da casa de morada da família, durante o período da pendência do processo, como pode, em qualquer altura deste processo, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, fixar um regime provisório quanto a essa utilização, podendo, para tanto, ordenar previamente a realização das diligências que considerar necessárias. (8)

Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 990º, n.º 1, do C. P. Civil, o cônjuge ou ex-cônjuge que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do art. 1793º, do C. Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do art. 1105º, do C. Civil, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.

Haja ou não contestação, o juiz decide depois de proceder às diligências necessárias, sendo que, se estiver pendente ou tiver corrido ação de divórcio ou separação, o pedido é deduzido por apenso (art. 990º, nºs 3 e 4, do C. P. Civil).

A atribuição provisória da utilização da casa de morada de família, realizada nos termos do disposto no art. 931º, n.º 7, do C. P. Civil, trata-se de uma providência cautelar especialíssima (traduz-se num incidente a operar em sede do processo especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge), tendo por objetivo primordial garantir a satisfação das necessidades do cônjuge que, considerando as suas particulares condições pessoais e patrimoniais e, eventualmente, dos filhos do casal, mais careça de continuar a viver na casa de morada da família.

Consequentemente, esta providência cautelar especialíssima deverá ser decidida com base em critérios de conveniência, diversamente do que acontece com as providências cautelares comuns, em que o requerente tem de alegar e demonstrar o seu direito e o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (art. 362º, n.º 1 e 365º, n.º 1, do C. P. Civil).

Por conseguinte, tal como o defendido no Ac. do STJ de 05.11.1997 (9), tal providência cautelar especialíssima, contrariamente às providências cautelares comuns (arts. 364º e 373º, n.º 1, al. a), do C. P. Civil) não requer a propositura de uma ação cujo objeto seja o próprio direito acautelado. (10)

Concluindo-se, assim, no mesmo aresto, ainda que com referência aos alimentos provisórios, fixados nos termos do disposto do então art. 1407º, n.º 7, do C. P. Civil (atual art. 931º, n.º 7, do NCPC), que a providência cautelar especialíssima em causa “perdura enquanto não se encontrar a solução definitiva” – no caso deste aresto – em ação de alimentos definitivos.

No nosso caso, qualquer dos cônjuges poderá obter a resolução definitiva do conflito acerca da atribuição da casa de morada da família, através do recurso ao processo de jurisdição voluntária previsto no art. 990º, do C. P. Civil.

Não nos podemos, porém, olvidar que este acórdão teve um voto de vencido, sendo certo que foi alvo de crítica por parte da jurisprudência que, em caso análogos, considerou antes que a providência cautelar específica de fixação de alimentos provisórios na ação de divórcio (fixada agora nos termos do art. 931º, n.º 7, do C. P. Civil) caduca com o trânsito em julgado da ação de divórcio. (11)

Não é, porém, este o nosso entendimento.

A provisoriedade decorrente da atribuição da casa de morada de família nos termos do disposto no art. 931º, n.º 7, do C. P. Civil, pressupõe, como medida imediata, a sua vigência na pendência do processo de divórcio (tal como aliás consta da decisão exequenda).

No entanto, face aos apontados interesses em jogo, não pode nem deve tal fixação provisória circunscrever-se apenas à ação de divórcio respetiva; antes se deverá considerar os seus efeitos jurídicos extensíveis à vivência do casal e dos filhos, se os houver, mesmo após o trânsito em julgado da respetiva sentença, conquanto ainda não esteja alcançada a solução definitiva adequada ao caso.

Veja-se o que aconteceria se ao cônjuge privado do direito de utilização da casa de morada da família lhe fosse atribuída judicialmente, na pendência do divórcio, metade do valor locativo do referido imóvel do casal, a pagar pelo cônjuge que beneficia de tal direito de utilização, sem que se tivesse ainda chegado a decisão definitiva sobre o destino da casa de morada da família, após o divórcio. Estaria o cônjuge beneficiário da utilização da casa de morada da família automaticamente dispensado de continuar a pagar aquele valor, porque fixado apenas para a pendência do processo de divórcio? E o que aconteceria com a legitimidade anteriormente conferida a este cônjuge na utilização, em exclusivo, da casa de morada da família?

Em nosso ver, a definição de um regime provisório quanto a alimentos, regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família, nos termos do disposto no n.º 7 do art. 931º, do C. P. Civil, visa sobretudo a resolução imediata de divergências entre o casal nestes particulares e essenciais aspetos da vida do casal e dos filhos, normalmente patentes em sede de processo de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, habitualmente controverso e conturbado entre as partes, procurando-se assim a estabilidade emocional, patrimonial, social e habitacional dos membros do agregado familiar, estabilidade essa que ficaria seriamente comprometida, no caso em que, depois da sentença, operasse a ineficácia ou caducidade automática do regime provisório anteriormente fixado, só pelo simples facto de não se ter alcançado entretanto, durante a pendência do processo de divórcio, acordo ou decisão definitiva sobre as mesmas situações jurídicas familiares, alvo de tal regime provisório.

Defendemos, pois, que a solução que melhor se coaduna com todos os interesses do agregado familiar, e mesmo até com princípios de ordem constitucional (arts. 36º, nºs 3 e 5 e 67º, da CRP), é a de concluir pela manutenção da eficácia do regime provisório fixado quanto à utilização da casa de morada da família a que se reporta a decisão exequenda, não obstante o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio entre as partes.

Cumpre ainda salientar que, no caso em apreço, o imóvel que constituía a casa de morada da família trata-se de um bem próprio da embargada/exequente e não consta dos autos que o embargante recorrente se tenha proposto a pagar qualquer contrapartida pela ocupação daquele imóvel pertencente à recorrida.

Termos em que, servindo de título executivo a decisão que fixou o apontado regime provisório de utilização da casa de morada da família a favor da embargada/exequente, a qual é imediatamente executável (12) e mantém a sua eficácia jurídica, forçoso é concluir que terão os presentes embargos de executado que ser julgados improcedentes, conforme o foram na decisão recorrida, que assim é de manter.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação em presença, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.

Custas pelo apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 17.12.2018

António José Saúde Barroca Penha.
Eugénia Marinho da Cunha.
José Manuel Alves Flores.


1. Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139.
2. Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, Ac. do STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt. (além da demais jurisprudência citada neste aresto).
3. Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.
4. Ob. citada, Vol. V, pág. 140.
5. Vide, ainda, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222.
6. Vide, neste sentido, Ac. do STJ de 02.03.2011, proc. n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator Sérgio Poças; e Ac. da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. n.º 722/11.0TVPRT.P1, relator Carlos Gil, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. Proc. n.º 2324/07.7TBVCD.P1.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt.
8. Neste particular, cfr. Nuno de Salter Cid, A Proteção da Casa de Morada da Família no Direito Português, Almedina, 1996, págs. 316 e segs.
9. In BMJ 471, 1997, págs. 298-303.
10. Indo de encontro ao também aí citado Ac. RL de 10.03.1978, CJ, 1978, pág. 431.
11. Por todos, cfr. Ac. RC de 15.11.2001, CJ 2001, Tomo V, págs. 90-91; Ac. RL de 20.11.2007, proc. n.º 3665/2007-7, relator Arnaldo Silva, acessível em www.dgsi.pt.
12. A este propósito, cfr. entre outros, o Ac. STJ de 20.10.2005, proc. n.º 05B2152, relator Oliveira Barros; e Ac. RL de 25.11.2008, proc. n.º 8767/2008-7, relatora Conceição Saavedra, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.