PROVA
DECLARAÇÕES DE PARTE
Sumário


I - O Código de Processo Civil de 2013 introduziu, com o seu artigo 466.º, as declarações de parte, como um novo e autónomo meio de prova, que tendo carácter inovador, ao lado da prova por confissão, com esta não se confunde, o qual pode ser requerido, pela própria parte, até ao início das alegações orais em 1ª instância

II - A parte ao requerer a sua prestação de declarações deve indicar, discriminadamente, os factos sobre os quais há-de recair (art. 452º, nº 2 aplicável por força do art. 466º, nº 2 ambos do Novo Código do Processo Civil).

III - Não tendo feito tal indicação ou tendo-a feito de modo deficiente, deve o juiz convidar a parte a fazê-la.

Vera Sottomayor

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: A. P.
APELADA: Y – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 2

I – RELATÓRIO

Na fase contenciosa dos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é Autor A. P. e Ré Y – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., veio o sinistrado aquando da apresentação da petição inicial e em sede de indicação de prova, requer a prestação de declarações à matéria dos artigos 1.º a 10.º e 23.º a 27.º da petição, esclarecendo que se trata de factos não apenas presenciados, mas sobretudo por si vividos, estando por isso em condições de esclarecer o Tribunal.

Os autos prosseguiram a sua tramitação normal e na sequência da notificação do despacho saneador e em conformidade com o previsto no artigo 133.º do CPT, veio o Autor, em 17/09/2018, apresentar requerimento dando por integralmente reproduzido o teor do requerimento probatório apresentado com a sua petição inicial, requerendo apenas que todas as testemunhas indicadas fossem notificadas.

Em 20/09/2018, na sequência dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, o Mmo. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

“Fls.91,104 a 105:
Por serem legais e tempestivos, admito os róis de testemunhas.

*
Fls.91:
Uma vez que o Autor não indicou o objecto das suas declarações, remetendo para o elenco dos factos controvertidos, vai indeferido o seu pedido de declarações de parte.
Notifique.
(…)”

Inconformado com tal despacho interlocutório na parte em que não lhe admitiu a prestação de declarações veio o sinistrado interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

A. O Recorrente na sua Petição Inicial indicou como meio de prova o pedido de declarações de parte, remetendo tais declarações às matérias dos artigos 1.º a 10.º e 23.º a 27.º da petição.
B. Todavia, o juiz do Tribunal a quo indeferiu o seu pedido de declarações de parte, uma vez que o autor não indicou o objeto das suas declarações, remetendo para o elenco dos factos controvertidos.
C. Não obstante, parece-nos defensável - e foi nesse sentido que foram solicitadas as declarações de parte em tais termos remetendo para os artigos da Petição Inicial -, que a necessidade de discriminação dos factos no depoimento de parte deriva da funcionalização de tal meio de prova à confissão, o que não ocorre nas declarações de parte, daqui concluímos que não faz sentido esta exigência em sede de declarações de parte. Nesse sentido, cfr. CATARINA GOMES PEDRA, A Prova por Declaração das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pp. 136-137.
D. Por sua vez, e apesar da conjugação dos artigos 466.º, n.º 2 e 452.º, n.º 2 do CPC darem azo a tal interpretação literal parece-nos que o indeferimento, sem mais, de tal meio de prova põe em causa o princípio da gestão processual, onde se deve dar prevalência a decisões de mérito em detrimento das decisões de forma (entre outros, artigos 6.º e 146.º do CPC, artigo 27.º do CPT).
E. É verdade que consubstanciando as declarações de parte num interrogatório dirigido pelo juiz – e não pretendendo ser este um momento em que é simplesmente concedida a palavra às partes, para alegarem à sua vontade – urge que haja um fio condutor na inquirição, que se traduz na indicação desses factos que a parte pretende ver provados.
F. Aliás, tendo este meio de prova lugar somente mediante requerimento da própria parte, de outra forma não se conceberia, sob pena de, desconhecendo o tribunal a intenção probatória da parte, não só não poder avaliar a necessidade de tal meio de prova, como não poder, de todo, proceder à referida inquirição. Cfr. MARIANA FIDALGO, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p. 72.
G. Contudo, a omissão da indicação dos factos sobre os quais recairão as declarações de parte não constitui fundamento de indeferimento do requerimento, dando – isso sim – azo a um despacho de aperfeiçoamento. Cfr. Entre outros, Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/04/2014, Helena Melo, 3310/13, de 07/01/2016, Jorge Seabra, 57/14, ambos disponíveis em www.colectaneadejurisprudencia.com, do Tribunal da Relação do Porto de 18/12/2013, Rodrigues Pires, 114/09, do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/01/2017, Carlos Moreira, 143/13, disponíveis em www.dgsi.pt.”

Termina peticionando a revogação da decisão de indeferimento do pedido de declarações de parte, com as devidas consequências legais.

Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.

O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente em separado e com efeito devolutivo.

Remetidos os autos à 2ª instância foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da procedência da apelação.

Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer do Ministério Público.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação uma única questão que consiste em apurar da admissibilidade das declarações de parte a prestar pelo autor.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A constante do relatório que antecede.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da admissibilidade das declarações de parte

O recorrente insurge-se apenas quanto ao facto de não ter sido admitido como meio de prova o pedido por si formulado para prestar declarações de parte, pelo facto de não ter indicado o objecto das suas declarações, remetendo para o elenco dos factos controvertidos.

Vejamos se lhe assiste razão.

O Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, que entrou em vigor no dia 1/9/2013 [art. 8º], estabelece no seu artigo 466.º do CPC. o seguinte:

“1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”

E estabelece o artigo 452.º sob a epígrafe “Depoimento de parte”, o seguinte:

“1 – O juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa.
2 – Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair

O Código de Processo Civil de 2013 introduziu, com o citado artigo 466.º, um novo e autónomo meio de prova, que tendo carácter inovador, ao lado da prova por confissão, com esta não se confunde.

A figura da prova por declarações de parte, para além de incidir sobre factos em que a parte tenha intervenção pessoal ou de que tenha conhecimento directo, caracteriza-se por ser requerida pelo próprio depoente e não pela parte contrária ou por um comparte do depoente e tem como particularidade o poder ser requerida até um momento processual mais tardio do que aquele que vigora para a generalidade dos requerimentos probatórios – pode ser requerida até ao início das alegações orais em 1ª instância.

Decorre ainda da conjugação das citadas disposições legais que a parte ao requerer a prestação de declarações deverá indicar, discriminadamente, os factos sobre os quais tais declarações hão-de recair, que sempre terão que ser factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.

Assim, tal como sucede com o depoimento de parte, também em sede de prestação de declarações de parte, deve a parte indicar os factos sobre que hão-de as mesmas incidir, sendo tal essencial para que o juiz possa aferir da pertinência e da utilidade de tal diligência

Ora, quando tal discriminação não é feita, a solução não será no sentido do seu indeferimento, mas sim no do juiz convidar a parte requerente a fazê-la, solução que sem qualquer margem para dúvida, melhor se adequa à prossecução da verdade material, tendo presente que actualmente são conferidos ao juiz maiores poderes de zelar pelo aproveitamento dos actos das partes que apresentem deficiências.

Há muito que é entendimento praticamente uniforme, quer da jurisprudência (cfr. v.g. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/12/2015, Proc. nº 4059/15.8T8LSB-4, in www.dgsi.pt.), quer da doutrina (cfr. v.g. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. 2º, 2ª ed., pág. 500), a solução por nós agora defendida, ou seja na falta de indicação do objecto declarações, deve então o juiz convidar a parte requerente a proceder à especificação do respectivo objecto. Solução esta que, de resto, como se consigna no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18/12/2013, Proc. nº 114/09.1TBETR-A.P1 e Relação de Guimarães de 12/11/2015, Proc. n.º 7178/11.6TBBRG-A.G1 (consultáveis in www.dgsi.pt.), é a que “melhor se coaduna com os objectivos de prossecução da verdade material e de aproveitamento dos actos das partes que apresentem deficiências”.

Como escreve José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código do Processo Civil, 3ª edição, pág. 285, em anotação ao artigo 452.º “Não sendo indicados os factos quando se requer o depoimento, o juiz deve ainda convidar a parte a fazer a indicação. Com efeito, para a prossecução da verdade material foram conferidos ao juiz poderes de zelar pelo aproveitamento dos atos das partes que apresentem deficiências, sendo excessivo aplicar a consequência normal da não observância dum ónus processual, que é a preclusão.”

Por fim como salienta o ilustre Procurador-Geral Adjunto no douto parecer junto aos autos “… dentro dos poderes de direcção e em aplicação dos princípios do inquisitório e da cooperação, previstos nos arts. 6.º e 7.º do CPC, deve o julgador, verificada alguma incorrecção, incompletude ou deficiência, nos articulados, ou meios de prova neles indicados, convidar as partes ao seu suprimento, antes de os indeferir.

Só dessa forma se alcança o objectivo delineado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, de 22/12/2012, que deu origem ao CPC, ora em vigor, de que a instrução decorra ”sem barreiras artificiais”, de que, “o juiz apreenda a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se apresenta nos autos” e ainda de que “mantêm-se e reforça-se o poder de direcção do juiz e o princípio do inquisitório (no activo suprimento da generalidade da falta de pressupostos processuais, na instrução da causa …)”.

Revertendo ao caso em apreço teremos de dizer que o autor requereu em sede de petição inicial a prestação de declarações tendo dado cabal cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 452.º do CPC ao discriminar os factos sobre os quais pretendia que incidissem as suas declarações ainda que com referência aos artigos da petição inicial.

Contudo após o saneamento dos autos e apurados os factos controvertidos objecto de julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 131.º n.º 1 al. d) do CPT, o autor formulou requerimento probatório limitando-se a remeter para a prova já por si requerida na petição inicial.

Tendo presente a compatibilização entre as normas do novo Código do Processo Civil com as normas do actual Código do Processo Laboral que se mantêm inalteráveis, teremos de dizer que efectivamente o juiz a quo tem razão ao afirmar que o autor não indicou o objecto das suas declarações, remetendo para o elenco dos factos controvertidos, sendo certo que apenas estes seriam objecto de julgamento.

No entanto, em face da posição acima por nós defendida teremos de dizer que tal se tratou de uma mera deficiência a qual não impunha a preclusão do direito, mas sim seria de suprir com o convite ao aperfeiçoamento, o que entendemos que deve ser feito.

Aqui chegados, temos assim que, a diligência de prova requerida pelo recorrente/apelante, subsumível ao art.º 466º, do CPC, foi requerida em tempo tendo no entanto o seu objecto sido indicado de forma deficiente, - porque não remetia para os factos controvertidos -, pelo que consideramos que estava vedado ao julgador indeferir tal prova com fundamento em tal deficiência.

Destarte, impõe-se a revogação decisão apelada e a procedência da apelação, devendo o Mmº Juiz a quo proceder à notificação a parte requerente para, em prazo, indicar qual o objecto das declarações de parte a prestar em face da matéria controvertida, seguindo-se então e com base no mesmo, a prolação de despacho de admissão ou de não admissão das declarações de parte requeridas pelo Autor.
V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso apresentado A. P. e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e determina-se que o tribunal a quo após convite dirigido ao Autor para indicar o objecto das declarações de parte requeridas, profira nova decisão que se pronuncie sobre a admissibilidade de tal meio de prova.
As custas do recurso em separado pela parte vencida a final.
Notifique.
Guimarães, 10 de Janeiro de 2019

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins