AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DOS ATOS PREVISTOS NO ARTIGO 2º Nº 1 DO DL 272/2001
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
FALTA DE JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL
REMESSA DO PROCESSO AO MINISTÉRIO PÚBLICO
QUANDO O PROCESSO É INDEVIDAMENTE APRESENTADO NO TRIBUNAL
Sumário


SUMÁRIO (DA RELATORA)

1. Compete ao Ministério Público a autorização para a prática dos atos previstos no artigo 2º nº 1 do DL 272/2001, nos casos em que o representante legal não concorre à sucessão com o seu representado e em que o pedido de autorização não está dependente de processo de inventário ou de interdição.

2. Esta norma retira jurisdição ao tribunal para conhecer dessas questões, não se estando perante um caso de falta de competência.

3. A complexidade ou conflituosidade das questões não é, nestes casos, um dos critérios legais que afasta para a atribuição da jurisdição ao Ministério Público para apreciar o pedido.

4. A jurisdição é um pressuposto processual, de conhecimento oficioso, e a sua falta constitui uma exceção dilatória que obsta à apreciação da questão, insuscetível de sanação (artigos 576º, nº 2, 577º e 578º do Código de Processo Civil) e o seu conhecimento no despacho liminar determina o indeferimento liminar da petição inicial.

5. Impõe-se, no entanto, nestes casos, em complemento ao indeferimento liminar, que se determine o envio dos autos ao Ministério Público, face aos relevantes interesses que se visam proteger, no âmbito do poder de conformação dos autos (artigo 6º nº 1do Código de Processo Civil) e por aplicação analógica do artigo 99º nº 2 do Código de Processo Civil, mais a mais potenciando-o o processo, visto ser de jurisdição voluntária.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Requerente e Apelante:

PAULA (…), divorciada, residente na Rua do …, freguesia de …, deste concelho, contribuinte fiscal …
Autos de: (apelação em) ação de autorização para prática de ato judicial

I. Relatório

A requerente, em nome dos seus filhos menores, Duarte … e Juliana …, pediu autorização para:

a) Celebrar e outorgar a escritura de retificação ou emenda da partilha por óbito do avô paterno dos menores, Dário (…), outorgada por documento particular em 16 de … de 2013, no sentido de incluir e ser levados em conta os testamentos do autor da herança identificados nos artigos 9, 16 e 17 do requerimento inicial, conferindo e levando em conta o legado identificado no art. 9º alínea b) e 17, mantendo na íntegra as adjudicações efetuadas naquela partilha por documento particular e os menores receberem a quantia de 142 358, 89 € a título de tornas, acordar na atribuição de valores aos prédios, na composição de quinhões, adjudicações, forma à partilha, receber e dar quitação das tornas;
b) Celebrar e outorgar escritura de partilha por óbito dos avôs paternos dos menores, Dário … e Olívia …, relativamente aos prédios rústicos identificados no artigo 51 do requerimento inicial, que não foram partilhados na partilha por óbito de Dário …, efetuada por documento particular de 16 de … de 2013, adjudicando tais imóveis aos tios paternos dos menores e os menores receberem de tornas o valor de 388, 88 €, acordando na atribuição de valores, composição de quinhões, adjudicações, forma à partilha, receber e dar quitação das tornas;
c) Na partilha por óbito de Olívia d… serem-lhes adjudicado e receber a parte a que têm direito que corresponde à quantia de 11 517, 93 € no depósito bancário nº …, da Caixa ...;
d). Celebrar e outorgar a escritura de partilha por óbito do pai dos menores, Américo …, adjudicando aos menores em comum e partes iguais os bens descritos nas alíneas a), b) e d) do artigo 58 do requerimento inicial e à tia paterna, herdeira testamentária, Maria …, o veículo automóvel descrito na alínea c) do artigo 58, não havendo lugar a tornas parte a parte, atribuindo valores aos bens, acordando na composição de quinhões, adjudicações, forma à partilha, receber e dar quitação das tornas;
e) O valor das tornas a receber pelos menores na retificação e emenda da partilha por óbito do avô, Dário …, as tornas a receber na partilha dos bens imóveis (prédios rústicos) na partilha por óbito dos avôs paternos, Dário … e Olívia …, e o depósito bancário em nome da avó paterna Olívia …, e os depósitos bancários a receber na partilha do pai dos menores, Américo …, sejam depositadas em conta titulada pelos menores, e a mãe dos menores, a requerente, fique a constar como autorizada para movimentar a conta;
f) Movimentar o saldo da referida conta bancária, onde vão ser depositadas as tornas e com parte desse dinheiro comprar, pelo valor de 91.000,00 € a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra "W" correspondente ao … ANDAR …, destinada a habitação, com um lugar para aparcamento automóvel na cave, situado a nascente, o primeiro a contar do norte e uma divisão para arrumos no sótão, situada a norte, a primeira a contar do nascente, do prédio urbano constituído sob o regime da propriedade horizontal, sito em …, Rua …, da freguesia de …, do concelho de …, inscrita na respetiva matriz urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …- W de …, outorgando e assinando a respetiva escritura de compra e venda, entregar o preço, efetuar o registo na Conservatória do Registo Predial em nome dos menores, em comum e partes iguais;
g) Movimentar a referida conta bancária onde vão ser depositadas as tornas e os depósitos bancários e, com parte desse dinheiro adquirir, em nome dos menores, mobiliário, recheio e eletrodomésticos pelos valores referidos nos arts. 72, 73 e 74, contra a entrega do respetivo recibo em nome dos menores;
h) Movimentar a conta bancária e com parte desse dinheiro suportar e pagar todas as despesas notariais, certidões, registos, impostos (IMT, Imposto de Selo e IRS), em nome dos menores, decorrentes da celebração das escrituras referidas em a), b), c) d) e f) supra.

Alega, para tanto, que os menores são filhos de Américo …, falecido a ../.../…, no estado de divorciado da requerente, e netos de Dário … e Olívia …, falecidos, respetivamente, a …/../… e ../../….

Por desconhecimento da cabeça de casal, a então viúva do falecido Dário …, foi realizado documento particular de partilha em Maio de 2013 em que se procedeu à partilha parcial dos bens, sem levar em consideração o legado efetuado pelo autor da herança ao pai das menores. Ao tomarem conhecimento de tal testamento, os tios paternos dos menores, que tiveram intervenção na partilha, pretenderam de imediato compensar os menores, tendo chegado a um acordo com a requerente no sentido de manter as adjudicações efetuadas na partilha, mediante o pagamento de tornas aos menores. Por outro lado, faziam parte do património dos falecidos Dário … e mulher os prédios rústicos identificados no ponto 65 do requerimento inicial, os quais não foram incluídos na referida partilha. No entanto, porque estes prédios não têm qualquer valor, pretende-se que sejam adjudicados aos tios paternos, mediante o pagamento de tornas aos menores.

Também a avó paterna dos menores deixou um depósito bancário, que seria dividido pelos herdeiros, cabendo a cada um dos menores a quantia de € 5.788,96, a entregar no ato da retificação da partilha.

Acresce que o pai dos menores deixou os bens descritos no art. 72 do requerimento inicial, que seriam adjudicados à tia paterna, contemplada em testamento e esta prescindiria do pagamento de tornas por parte dos menores quanto às partilhas dos avós paternos.

Pede que com parte do dinheiro que os menores vão receber de tornas, seja autorizada a adquirir, em nome dos menores, uma fração autónoma sita em … e ainda os necessários para mobilar a casa de habitação.

Mais explica que fez pedido semelhante ao Ministério Público, o qual recusou a sua competência para o efeito.

Foi proferido despacho, ora sob recurso, pelo qual foi indeferida liminarmente a petição inicial.

Não se conformando com esta decisão, a Requerente recorreu, com as seguintes conclusões, retiradas algumas passagens repetitivas:

A Requerente instaurou a presente acção ao abrigo do disposto no artigo 3º nº 6 do Decreto-Lei 272/2001 de 13 de Outubro, artigo 1014º do Código Processo Civil e artigo 1889º do Código Civil.

Entende a recorrente que o Tribunal deveria ter reapreciado e apreciado o pedido de autorização judicial para a prática de actos, ou caso assim não se entendesse, deveria ter ordenado a remessa do processo para o Ministério Público, para aí seguir os seus trâmites e ulteriores termos.

A Requerente e recorrente, Paula …, em representação dos menores Duarte …, nascido em … e Juliana …, nascida em …, requereu em 20/03/2018, ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal de Família e Menores, autorização para a prática de actos, ao abrigo do disposto no artigo 2º alínea b) do Decreto-Lei 272/2001 de 13 de Outubro, que correu os seus termos sob o nº 875/18.7 T9VCT, conforme artigo 5º e docs. juntos sob os nºs 4 e 5 com a petição inicial.

Em 09/04/2018, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público proferiu decisão, indeferindo os pedidos formulados para a autorização para a prática de actos que foram solicitados, com o fundamento da incompetência do Ministério Público, para decidir sobre o requerido, conforme documento junto sob nº 5 com a petição inicial, conforme art. 9º da petição inicial e documento que juntou sob o nº 5.

O Ministério Público entendeu que atenta a complexidade do pedido formulado, ao muito elevado valor dos bens imóveis que integram a herança e o número de herdeiros envolvidos, não era competente para decidir para autorizar os actos, cabendo tal competência para decidir sobre o requerido ao Tribunal, declarando improcedente o requerido, conforme art. 10º e documentos que juntou sob os nºs 4 e 5 na petição inicial.

Entende a recorrente/requerente que o pedido de autorização requerido deveria ter sido deferido de harmonia com o preceituado no artigo 2º, nº 1, alínea b) do Dec. Lei 272/2001, de 13 de Outubro, pois que, a situação em causa não se enquadra nas excepções previstas no nº 2.

Face à decisão proferida pelo Ministério Público, a Requerente/Recorrente lançou mão do meio próprio previsto e instaurou ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 3º do Decreto –Lei 272/2001 de 13 de Outubro a presente acção com vista à reapreciação do pedido de autorização por parte do Tribunal para a prática de actos formulados nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), do ponto I do pedido e em todo o caso, requereu autorização para prática dos referidos actos no ponto II ao abrigo disposto no artigo 1014º do Código Processo Civil e 1889 do Cód. Civil.

A requerente, a final, requereu apensação aos autos do processo pendente e que corre os seus termos sob o nº 875/18.7 T9VCT- Ministério Público- Procuradoria da Comarca de …- Procuradoria do Juízo de Família e Menores.

Face à decisão do Ministério Público e atendendo às razões de facto e de direito explanados na acção, o Tribunal deveria ter apreciado os pedidos de autorização para a prática de actos formulados pela recorrente; nesse sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09/12/2004, no processo 2274/04.3.

Deste modo, conjugando-se o estabelecido no citado no artigo 3º nº 6 do Decreto –lei 272/01 de 13 de Outubro, e artigo 1014 do Código Processo Civil e artigo 1889 do Código Civil, impõe-se concluir que para apreciar o presentes pedidos de autorização é competente o Tribunal “a quo”, devendo revogar-se a douta decisão recorrida e substituída por uma outra que ordene e determine o prosseguimento dos autos para apreciação.

Ou, caso assim não se entenda, ser revogada a douta decisão recorrida, que indeferiu liminarmente a sua pretensão, atribuir a competência ao Ministério Público, ordenando e determinando a remessa do processo às secções do Ministério Público, para aí seguir os seus trâmites legais; nesse sentido veja-se o que diz o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/05/2003 no processo 0332282.

O pedido e pretensão da recorrente não devem ser indeferidos liminarmente por não se estar perante a excepção da incompetência absoluta do tribunal, devendo antes os autos serem remetidos para as secções do Ministério Público, a fim de aí ser tramitado a aludido procedimento, o que subsidiariamente se pretende, se o pedido principal não proceder.

Face ao exposto, a douta decisão recorrida viola, por erro de interpretação e de aplicação, o preceituado no nº 6 do artigo 3º do Dec. Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, bem como nos artigos 1014 do Código Processo Civil e 1889 do Código Civil.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Assim, face ao alegado nas conclusões das alegações, são as seguintes questões que cumpre apreciar:

1– se o tribunal é materialmente incompetente para a apreciação da ação;
2- as consequências dessa execução dilatória: se deve ser indeferida a petição inicial e/ou se os autos devem ser remetidos para o Ministério Público.

III. Fundamentação de Facto

Os factos necessários para a decisão da causa constam já do relatório, havendo tão só a acrescentar o seguinte:

-- Em 4 de abril de 2018, o Ministério Público declarou improcedente o requerimento, com pedido e fundamentos semelhantes ao ora deduzido o pedido, que em 20 de março de 2018 a Requerente apresentara nos respetivos serviços, por considerar que a competência para o decidir cabia ao tribunal, atendendo à complexidade do pedido, ao muito elevado valor dos imóveis e ao número considerável de herdeiros envolvidos.

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IV. Fundamentação de Direito

1- Da incompetência material ou da falta de jurisdição do Tribunal

Determina o artigo 1889º, nº1, alínea a), do Código Civil que os pais sem autorização do tribunal, não podem, como representantes dos filhos:, a) Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas suscetíveis de perda ou deterioração; b) Votar, nas assembleias gerais das sociedades, deliberações que importem a sua dissolução; c) Adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação; d) Entrar em sociedade em nome coletivo ou em comandita simples ou por acções; e) Contrair obrigações cambiárias ou resultantes de qualquer título transmissível por endosso; f) Garantir ou assumir dívidas alheias; g) Contrair empréstimos; h) Contrair obrigações cujo cumprimento se deva verificar depois da maioridade; i) Ceder direitos de crédito; j) Repudiar herança ou legado; l) Aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial; m) Locar bens, por prazo superior a seis anos; n) Convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais; o) Negociar transação ou comprometer-se em árbitros relativamente a atos referidos nas alíneas anteriores, ou negociar concordata com os credores.

No entanto, o artigo 1º DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, de 13 de Outubro, veio determinar a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais para o Ministério Público e para as conservatórias de registo civil, regulando os correspondentes procedimentos. Entendeu-se ser de “desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efetivamente a uma reserva de intervenção judicial”, como se explanou no preâmbulo deste diploma.

Em conformidade, o artigo 2º, nº 1, estipulou diversos tipos de decisões que passaram a ser sujeitas à competência exclusiva do Ministério Público, prevendo, nas seguintes alíneas, as relativas a pedidos de: a) Suprimento do consentimento, sendo a causa de pedir a incapacidade ou a ausência da pessoa; b) Autorização para a prática de atos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida; c) Autorização para a alienação ou oneração de bens do ausente, quando tenha sido deferida a curadoria provisória ou definitiva; d) Confirmação de actos praticados pelo representante do incapaz sem a necessária autorização.

Afastou, no entanto, da competência do Ministério Público determinadas situações, no seu nº 2: (a) as previstas na alínea a), quando o conservador de registo civil detenha a competência prevista na alínea a) do artigo 1604.º do Código Civil e ( b) as previstas na alínea b), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição.

No presente caso não há dúvidas que o representante legal não concorre à sucessão com o seu representado e que o pedido de autorização não está dependente de processo de inventário ou de interdição. Mais não há conhecimento de qualquer conflito que pudesse de alguma forma tornar a questão mais complexa, sem prejuízo de, com todo o respeito por qualquer opinião em contrário, a complexidade ou conflituosidade das questões não ser um dos critérios legais para a atribuição da jurisdição da questão ao Ministério Público.

Foi, assim, retirada a jurisdição (inicial) para o conhecimento desta questão aos tribunais, cabendo a mesma ao Ministério Público.

Com efeito, nos termos do artigo 109º, nº 1, do Código de Processo Civil, há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo. Por outro lado, por força do nº 2 deste artigo, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.

Visto que os Tribunais e o Ministério Público são órgãos distintos verifica-se aqui, não um caso de incompetência material, mas de falta de jurisdição do tribunal.

2- Das suas consequências no processo

O DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, quanto aos procedimentos que correm perante o Ministério Público, explica que apresentado que lhe seja o pedido, com os fundamentos de facto e de direito, a prova documental e indicação dos demais elementos probatórios, se seguem as citações, a produção das provas e conclusão de outras diligências, bem como a audição do conselho de família, quando o seu parecer for obrigatório, findos os quais este profere decisão.

Nos termos do artigo 3º nº 6 do Código de Processo Civil, no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente ação no tribunal referido no n.º 1 desse artigo.

As decisões relativas a pedidos de notificação do representante legal para providenciar acerca da aceitação ou rejeição de liberalidades a favor de incapaz seguem um regime mais simplificado, mas também se lhes aplica esta norma.

Por força deste normativo, nos casos em que um interessado que tenha apresentado oposição ou o Requerente se sintam agravados com a decisão do pedido pelo Ministério Público, podem recorrer ao tribunal, apresentando nova ação.

Será que esta norma também se aplica quando o Ministério Público se recusa a proferir decisão sobre ao pedido que lhe é apresentado, por se considerar incompetente para o efeito?

Entendemos que não.

Com efeito, essa norma prevê, como consta do seu teor que tenha existido uma apreciação da sua pretensão (por referir que o mesmo pode pedir a reapreciação da sua pretensão): “No prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente ação no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo.”

Caso a simples recusa de jurisdição pelo Ministério Público atribuísse imediata jurisdição ao tribunal para decidir as pretensões (que o mesmo apenas deveria após terem sido conhecidas, numa primeira linha, pelo Ministério Público), desvirtuar-se-ia o sistema legal pretendido por lei, atribuindo ao mesmo, imediatamente, a definição da sua competência e a do tribunal nestas matérias, independentemente do critério legal (defendendo esta posição, de forma muito inteligente, cf o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 12/09/2004, no processo 2274/04-3,sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).

Desta forma, resulta da aplicação do direito ao caso que o tribunal não pode ainda conhecer da questão, por não caber dentro da sua jurisdição, visto que a ação apenas pode ser intentada no tribunal após ter sido apreciada pelo Ministério Público.

E que não pode ser deixada ao Ministério Público o afastamento da sua competência pela simples negação pelo próprio, havendo que seguir os critérios legais e reservar, em última ratio a possibilidade de entidade diferente dos órgãos em colisão de posições jurídicas dirimir o conflito. Não se consegue conceber que, no caso em que o requerimento inicial dá logo entrada nos serviços do Ministério Público, este pudesse de imediato impor de forma definitiva quer a sua (in)competência (ou falta de jurisdição) e quer o âmbito da jurisdição do tribunal, que dependeria apenas da simples declaração do Ministério Público nesse sentido.

Com efeito, à partida, ou o Ministério Público tem jurisdição para apreciar a questão, ou é o tribunal que a tem, não pode permitir-se que seja a decisão daquele sobre esta matéria a definir a jurisdição destes órgãos do Estado.

Não se está perante um caso de incompetência, como se viu, porque são entidades diferentes do Estado que questionam as suas atribuições para a apreciação do caso; mas de falta de jurisdição.

A jurisdição é um pressuposto processual, de conhecimento oficioso, e a sua falta, que obsta à apreciação da questão nesta fase processual, não é passível de sanação (artigos 576º, nº 2, 577º e 578º do Código de Processo Civil).

Ora, determina o artigo 590º nº 1 do Código de Processo Civil que nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
Entende-se, pois, que o processo deveria ser liminarmente indeferido, como o foi.

a) Deve ou não determinar-se a remessa do processo ao Ministério Público, quando o processo é indevidamente apresentado no tribunal?

Embora esta remessa não tenha expressa previsão legal, entende-se, aplicando-se por analogia o disposto no artigo 99 nº 2 do Código de Processo Civil, que visa evitar a inutilização do processo, aproveitando-se o tempo e trabalho realizado, que a mesma tem todo o interesse e cabimento, mormente neste tipo de ações em que em regra estão em causa interesses de menores, o que lhe concede premência.

E por isso, face ao tipo de ações em questão, de jurisdição voluntária (em que se verifica a prevalência do princípio do inquisitório e dos juízos de equidade, perdendo terreno o princípio dispositivo, como decorre do artigo 986.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e em que se favorece a maior flexibilização do processo) e em que se visa tutelar interesses de incapazes, deve o tribunal tomar essa iniciativa, independentemente do pedido formal da parte.

Com efeito, se se entendesse que o não poderia fazer, logo haveria que levantar o conflito de jurisdição, ao disposto no artigo 110º e 111º do Código de Processo Civil, levando-o ao Supremo Tribunal de Justiça. (Veja-se que foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo 04B3409, de 11/18/2004, no âmbito de conflito de jurisdição levantado na aplicação deste mesmo diploma, mas em relação às conservatórias do Registo Civil, em que este aceitou a competência para essa decisão. O mesmo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 07A2167 em 12/18/2007)

Entende-se no entanto, que se justifica este passo intermédio, de reenvio do processo ao Ministério Público, findado no disposto no artigo 99º nº 2 do Código de Processo Civil, embora analogicamente, face aos interesses em causa e por ser um meio mais célere e com menos custos para as partes e para o sistema de justiça, como um todo (sem prejuízo de se manter a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça, mas apenas em última ratio).

Tudo aconselha a que o tribunal, conhecendo do pedido apresentado pela interessada, além de declarar a sua falta de jurisdição, possa decidir do envio do processo para o Ministério Público, fazendo a sua decisão caso julgado. (Decidindo pela remessa em casos semelhantes veja-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 05/08/2003, no processo 0332282). E assim, caso o Ministério Público, neste processo, entenda que a situação não cabe efetivamente do âmbito da sua jurisdição, face à decisão transitada proferida sobre a matéria, cabe ao mesmo decidi-lo, já no âmbito do mesmo processo, a fim de, sendo disso caso, se suscitar o competente conflito junto do Supremo Tribunal de Justiça.

Do exposto resulta que se entende que bem andou a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a petição inicial, por a questão ser atribuída à jurisdição do Ministério Público, mas que se impõe, em complemento, o envio dos autos ao mesmo, no âmbito do poder de conformação dos autos (artigo 6º nº 1do Código de Processo Civil) e por aplicação analógica do artigo 99º nº 2 do Código de Processo Civil, mais a mais potenciando-o o processo, visto ser de jurisdição voluntária, face aos relevantes interesses que se visam proteger.

V. Decisão

Por todo o exposto, este coletivo julga a apelação parcialmente procedente e em consequência, mantendo a decisão proferida no que toca ao indeferimento liminar, determina que os autos sejam oportunamente remetidos ao Ministério Público.
Sem custas.
Guimarães, 10 de janeiro de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves