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EXECUÇÃO POR DÍVIDA PROVIDA GARANTIA REAL SOBRE BENS DE TERCEIRO
LEGITIMIDADE PASSIVA PARA A EXECUÇÃO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS EM AÇÃO EXECUTIVA
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA EM EXECUÇÃO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA EM EXECUÇÃO
Sumário
I - De acordo com o disposto nos n.os 2 e 3, do art.º 54.º, do C.P.C., quando o objeto da execução seja uma dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro, o credor-exequente poderá: a) demandar apenas o devedor, prescindindo da garantia; b) demandar apenas o terceiro, fazendo valer a garantia; c) demandar diretamente o terceiro para também fazer valer a garantia, e demandar o devedor, no início ou depois de reconhecida a insuficiência dos bens onerados.
II - Mau grado os incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturados em função da ação declarativa, não haverá justificação para se considerarem legalmente inadmissíveis no âmbito das ações executivas, pelo que a sua admissibilidade neste âmbito das execuções terá de ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respetivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da ação executiva.
III - São pressupostos da intervenção acessória: a) a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro; b) a conexão entre o objeto da demanda e da configurada ação de regresso ou de indemnização; c) a falta de legitimidade do chamado para intervir como parte principal.
IV – Estando em causa o direito de defesa do executado, é de admitir o seu requerimento de intervenção principal provocada do vendedor de um prédio urbano onerado com uma hipoteca, quando este declarou, expressamente, que vende àquele o referido prédio “livre de ónus e encargos”.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
A) RELATÓRIO
I.-A executada L. F., nos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhe move o “Banco A, S.A.”, deduziu incidente de intervenção acessória da “Conservatória do Registo Predial” e da Sociedade Imobiliária “X, S.A.”, e deduziu incidente de intervenção principal provocada, requerendo a intervenção de J. L. e de A. L..
Em síntese, alega a Embargante/Executada que nada deve ao Banco Exequente, não tendo tido com este qualquer relação obrigacional. Comprou um imóvel urbano à supra referida Sociedade Imobiliária, que lho vendeu “livre de ónus e encargos”, tendo a compra e venda sido celebrada através do “Balcão Único Casa Pronta” da Conservatória do Registo Predial, não podendo ambas ignorar a existência do ónus sobre o dito imóvel. Defende, por isso, que “em caso de perda da acção executiva e consequente perda da sua casa a favor do credor exequente”, assiste-lhe “um direito de regresso” sobre a vendedora e sobre a dita Conservatória, pelo que pretende ser auxiliada na sua defesa por ambas.
Relativamente à intervenção principal, alega que os Chamados são avalistas da devedora originária, “Construções J. L., Ld.ª”, e, por isso, o Banco Exequente “já podia ter oportunamente lançado mão dos meios legais adequados para pagamento do seu crédito … evitando o incómodo actualmente causado” a si. Defende que, não obstante aquela sociedade comercial ter sido declarada insolvente, os referidos Chamados “têm legitimidade passiva para serem parte principal do presente processo executivo, nos termos do artigo 53.º e 54.º, n.º 2 do CPC”. Fundamenta o seu requerimento no interesse que lhe advém do facto de “ser alheia ao contrato de mútuo e ao privilégio creditório” invocado pelo Banco Exequente.
Este contestou alegando que a execução foi instaurada ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 54.º do C.P.C., estando a dívida exequenda garantida por duas hipotecas voluntárias, “registadas pelas Ap. 48 de 1998/04/23 e Ap. 65 de 2000/01/06”, tendo a Executada registado a sua aquisição da fracção autónoma designada pelas letras “DM” – Bloco …, … andar …, destinado à habitação, pela Ap. 133, de 2012/09/04.
Opôs-se à requerida Intervenção alegando incompatibilidade dos fins de um e do outro chamamentos com a acção executiva para pagamento de quantia certa, porquanto o invocado direito de regresso “não é indispensável nem necessário à defesa” da Executada, “perante os termos em que foi requerida a acção executiva”, e quanto à intervenção principal provocada, a legitimidade desta está assegurada, nos termos do n.º 2 do art.º 54.º do C.P.C., não assistindo à mesma Executada “terceiro titular dos bens onerados com garantia real”, o direito de fazer intervir o devedor.
Seguindo os Incidentes os seus termos, foi proferido douto despacho indeferindo a requerida intervenção acessória provocada com o fundamento em este incidente ser incompatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, por serem ambos inconciliáveis. E indeferiu a intervenção principal provocada por entender que a Embargante/Executada “não pode” colocar os Requeridos “na posição de executados” já que é ao Exequente/Embargado que “cabe decidir contra quem pretende instaurar a execução”.
Inconformada, traz a Embargante/ Executada o presente recurso pedindo a revogação da sobredita decisão e se admitam os dois Incidentes de Intervenção que requereu.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito suspensivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre agora decidir.
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II.-A Apelante/Embargante/Executada funda o recurso nas seguintes conclusões:
A. Não se conformando com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, a ora Recorrente vem interpor o presente Recurso de Apelação da Sentença condenatória proferida em 26 de Abril de 2018, pois, no seu entender, a mesma padece dos seguintes vícios:
I. Errada interpretação e aplicação da lei, por violação dos artigos 321º do C.P.C. e seguintes, 3º e 4º do C.P.C.;
II. Errada interpretação e aplicação da lei, por violação dos artigos 316º do C.P.C e seguintes, 3º e 4º do C.P.C;
III. Violação dos princípios jurídico-processuais, como o princípio da celeridade e da economia processual; B. Crê a ora Recorrente que o douto Tribunal eximiu-se a conhecer a matéria concreta deste processo tendo liminarmente indeferido os incidentes processuais deduzidos pela Recorrente. C. O douto Tribunal a quo fez uma errada apreciação e qualificação dos Incidentes de Intervenção Provocada Principal e Acessória, indeferindo tais incidentes por os considerar incompatíveis com o processo executivo. D. O n.º 1 do artigo 732º do C.P.C., que a oposição à execução corre por apenso ao processo executivo, ou seja, está depende da existência prévia de uma ação executiva. E. Ademais, como sabemos, o apenso da oposição à execução segue, nos seus pontos fundamentais, os trâmites do processo declarativo comum, constituindo uma verdadeira fase declarativa enxertada no processo executivo. F. Assim, em face desta natureza declarativa da oposição à execução e atendendo ao prescrito pelo n.º 1 do artigo 466º do C.P.C., que manda aplicar ao processo comum de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladores do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva, dificilmente se conceberá que as normas referentes aos incidentes de intervenção de terceiros sejam excluídas, sem mais, do âmbito do processo executivo. G. É, aliás, facto assente que a jurisprudência se tem vindo a pronunciar favoravelmente à intervenção de terceiros no âmbito do processo executivo desde que no caso concreto se verifiquem determinados pressupostos específicos. H. Para atestar a verificação, in casu, dos pressupostos legais da intervenção principal provocada, é necessário lançar mão do artigo 316º do C.P.C. I. O artigo 316º, n.º 3 al. a) do C.P.C., o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida. J. Ora, no caso em apreço, pretende a Executada que seja admitida a intervir nos autos da oposição à execução os avalistas da obrigação em causa na relação material controvertida. K. Deste modo, não haverá grandes dúvidas que, no caso concreto, se encontram preenchidas as condições impostas pelo artigo suscitado para que seja admissível a intervenção principal passiva dos avalistas, uma vez que atendendo ao objeto da causa, é manifesto que o seu interesse em intervir será em tudo semelhante ao dos ora Recorrentes. L. O não reconhecimento da legitimidade dos avalistas pelo douto Tribunal a quo, o indeferimento da intervenção principal dos avalistas, ao lado da ora Recorrente, tem o condão de prejudicar gravemente a defesa deduzida por esta na oposição à execução, na medida em que a eficácia dessa defesa depende, forçosamente, daquela intervenção. M. Em suma, o douto despacho recorrido ignorou, de forma ostensiva, princípios jurídicos-processuais fundamentais do nosso ordenamento processual civil, nomeadamente os princípios da celeridade e da economia processual. N. Ou seja, havendo a oportunidade de chamar imediatamente aos autos os verdadeiros responsáveis pelo pagamento das quantias peticionadas pelo Exequente, terá pouco sentido estar a impor à Recorrente o ónus de intentar uma ação autónoma contra a imobiliária e a Conservatória do Registo Predial. O. Assim sendo, a Apelante considera que foram ofendidos os princípios da celeridade e da economia processual.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre reapreciar a questão da admissibilidade das pretendidas intervenções – principal (dos avalistas) e acessória (da vendedora e da C.R.P.).
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- Às incidências processuais que constam em I, que, brevitatis causa, se consideram aqui por reproduzidas, acrescenta-se que:
- Conforme consta do requerimento executivo, o Exequente “Banco A, S.A.” moveu a execução, para pagamento de quantia certa, a que se opõe a ora Apelante, contra:
- “Construções J. L., Ld.ª”;
- J. L.;
- A. L.,
a primeira na qualidade de subscritora da livrança e devedora no contrato de abertura de crédito, e os segundo e terceira na qualidade de avalistas daquela.
E invocando o disposto no n.º 2 do art.º 56.º do C.P.C. moveu a execução também contra os “intervenientes acidentais” porque “entretanto adquirentes das respectivas fracções autónomas que constam do registo predial como inscritas a seu favor e oneradas com as referidas hipotecas que garantem o crédito do Exequente”.
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V.- Cumpre, introdutoriamente, deixar referido que o requerimento executivo supramencionado deu entrada em Juízo em 18/04/2007.
Sem embargo, aplica-se à execução, aos embargos de executado e aos incidentes de intervenção o C.P.C. actualmente vigente, nos termos que vêm referidos no art.º 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, já que, quer os embargos de executado, quer os incidentes de intervenção referidos foram deduzidos em Setembro de 2016, e, por consequência, em data posterior à da entrada em vigor do actual Código.
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VI.- O princípio geral que vem consagrado no art.º 817.º do Código Civil (C.C.) é o de que o credor só pode executar o património do devedor para se fazer pagar do seu crédito.
A excepção é a da execução de bens de terceiro desde que estes estejam vinculados à garantia do crédito ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este tenha procedentemente impugnado, nos termos permitidos pelo art.º 818.º do C.C..
De acordo com o disposto no art.º 686.º do C.C. o credor cujo crédito esteja garantido por uma hipoteca tem o direito de ser pago pelo valor de certos bens imóveis ou equiparados, pertencentes ao devedor ou a terceiros, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Aqueles princípios e excepção foram adjectivados no art.º 735.º do C.P.C., nos termos do qual podem ser penhorados (“estão sujeitos à execução”) todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, de acordo com a lei substantiva, respondem pela dívida exequenda (n.º 1), podendo ainda serem penhorados bens de terceiro nos casos especialmente previstos na lei, desde que a execução tenha sido movida contra ele (n.º 2).
Assim, o art.º 54.º do C.P.C., num desvio à regra geral da determinação da legitimidade pela figuração no título executivo, consagrada no art.º 53.º, reconhece a legitimidade passiva na execução ao titular do direito de propriedade dos bens onerados com a garantia real, mesmo que não seja o devedor, nem, sequer, sujeito da relação obrigacional.
De acordo com o disposto nos n.os 2 e 3 do referido art.º 54.º, quando o objecto da execução seja uma dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro, o credor-exequente poderá:
i) demandar apenas o devedor, prescindindo da garantia; ii) demandar apenas o terceiro, fazendo valer a garantia; iii) demandar directamente o terceiro para também fazer valer a garantia, e demandar o devedor, no início ou depois de reconhecida a insuficiência dos bens onerados.
O preceito legal acima referido reproduz, sem grandes alterações, o art.º 56.º do anterior Código, cujos n.os 2 e 3, na redacção que lhes deu a reforma de 1995/1996 (Decs.-Leis 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro), era a seguinte:
“2 – A execução por dívida provida de garantia real que onere bens ou direitos que pertençam ou estejam na posse de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender actuar a garantia prestada, sem prejuízo da faculdade de desde logo demandar também o devedor.
3 – Quando a execução tiver sido movida apenas contra o terceiro e se reconhecer a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da acção executiva contra o devedor, que será citado para completa satisfação do crédito exequendo.”.
E justificou o legislador a opção por esta solução deixando referido:
“No que concerne ao complexo e controverso problema da definição da legitimidade das partes na acção executiva, quando o objecto desta seja uma dívida provida de garantia real, procurou tomar-se posição clara sobre a questão da legitimação do terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com tal garantia. Assim, concede-se tanto a um como a outro legitimidade passiva para a execução, quando o exequente pretenda efectivar tal garantia, incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro, sem, todavia, se impor o litisconsórcio necessário, quer entre estes – proprietário e possuidor dos bens – quer com o devedor.
Considera-se, na verdade, que cumpre ao exequente avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvenientes que emergem de efectivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos, ou de apenas algum ou alguns deles, bem sabendo que se poderá confrontar com a possível dedução de embargos de terceiro por parte do possuidor que não haja curado de demandar.” (in Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95).
De resto, e de acordo com o disposto no art.º 721.º do C.C., aquele que adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição, e não seja pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas, (apenas) assiste o direito de expurgar a hipoteca, seja pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados, ou, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito, ou não tenha havido fixação do preço, declarando que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens ou aquela em que os estima.
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VII.- Relativamente à intervenção de terceiros na acção executiva, é consensual que ela é admissível em todos os casos que vêm tipificados na lei.
Fora disso, a doutrina e a jurisprudência dividem-se, havendo quem a admita, totalmente ou apenas em casos pontuais, e quem, de todo, a recuse.
Como refere RUI PINTO “Trata-se, afinal, de avaliar a funcionalidade do procedimento executivo no plano subjectivo em face do princípio dispositivo e do favor creditoris” (in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, págs. 308 e 309).
Recorrendo à resenha doutrinal e mesmo jurisprudencial exposta por aquele AUTOR (ob. cit., págs. 308 e 309), pode afirmar-se que ANSELMO DE CASTRO defendia a admissibilidade, sem restrições, da intervenção de terceiros já que o n.º 3 do art.º 56.º, que corresponde ao n.º 3 do art.º 54.º do actual Cód., “admite a intervenção superveniente do devedor após a demanda inicial do terceiro titular do bem vinculado em garantia real”, o que se deve ter “como afloração de um princípio geral a aplicar aos demais casos de pluralidade de responsáveis”, sobretudo quando tivesse sido demandado apenas um dos devedores solidários. Quanto ao regime das demais intervenções de terceiros “previsto para a fase declaratória, em nada colidindo ele com os fins da acção executiva, antes assegurando a sua realização, nenhuma razão haveria para o não admitir”.
TEIXEIRA DE SOUSA admite a intervenção principal provocada e espontânea “para sanar a preterição do litisconsórcio necessário e para fazer intervir um litisconsorte vountário, maxime, o executado provocar a intervenção de um seu condevedor solidário”. Já, porém, o fiador, “constante do título executivo juntamente com o devedor, não poderia requerer a intervenção principal deste por falta de interesse processual”, devendo antes invocar o benefício da excussão prévia, nos termos permitidos pelo art.º 828.º, a que corresponde o art.º 745.º do actual Código.
LEBRE DE FREITAS tem uma posição restritiva fundamentando que “as disposições reguladoras dos vários tipos de incidentes de intervenção de terceiros, à excepção da assistência, foram pensados em função da acção declarativa.
Recusa expressamente a admissibilidade da intervenção principal provocada pelo devedor, “designadamente mediante a dedução de oposição à execução” (in “Código de Processo Civil Anotado”, daquele AUTOR em co-autoria com ISABEL ALEXANDRE, vol. 1.º, 3.ª ed., pág. 618, com várias referências doutrinais e jurisprudenciais).
RUI PINTO, perante o “regime unitário” dos incidentes gerais de intervenção de terceiros, conclui que, “na sua concreta expressão”, eles são “incidentes declarativos”, admitindo-os apenas a título excepcional: para o exequente se considerado o princípio “da tutela da materialidade subjacente”, referindo ser “um desperdício processual que o credor tivesse de abrir uma outra acção só para poder demandar outro devedor”, e no que se refere ao executado “apenas o direito constitucional de defesa pode justificar que ele possa chamar outro devedor ao procedimento executivo”. Citando o Ac. da Relação do Porto de 28/04/2008, que decidiu que “Em processo executivo só excepcionalmente se pode autorizar a intervenção de terceiros, quando indispensável e necessária à defesa do executado”, adverte que essa intervenção “não será somente para o apenso de oposição à execução, mas na própria execução, sujeitando-se aos actos executivos” (ob. cit., págs. 311 a 313).
SALVADOR DA COSTA defende que, face ao que dispõem os n.os 2 e 3 do art.º 54.º do C.P.C., “se o exequente com garantia real sobre bens de terceiro apenas accionou o devedor, não pode fazer intervir aquele terceiro por via do incidente de intervenção principal provocada” (in “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 2016 - 8.ª ed, pág. 74).
Já, porém, o Acórdão da Relação do Porto de 15/04/2013 decidiu, precisamente, em sentido oposto, com fundamento em que o referido terceiro sempre podia ter sido inicialmente demandado (in “Colectânea de Jurisprudência”, ano XXXVIII, Tomo II/2013, págs. 188-189).
Ressalvado o devido respeito pelas posições divergentes, crê-se, v.g. com o Acórdão da Relação do Porto de 19/11/2009 que, mau grado os incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturados em função da acção declarativa, não haverá justificação para se considerarem legalmente inadmissíveis no âmbito das acções executivas, o que ganha acuidade nos tempos actuais em que se arvorou a objectivo principal a efectiva resolução dos conflitos.
Com o que “a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva” [ut Proc.º 181-C/1995.P1 (Desemb.ª Maria Catarina) in www.dgsi.pt).
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VIII.- a) Na situação sub judicio, relativamente ao incidente da intervenção principal provocada dos avalistas da livrança, J. L. e A. L., atendendo aos fundamentos que a Apelante invoca, resulta manifesta a improcedência da sua pretensão, desde logo, porque, reconhecidamente, é única e exclusivamente ao credor, Banco Exequente, (também ele alheio ao contrato que a Apelante celebrou) que cabe eleger os meios para efectivar o seu direito.
Por outro lado, a referida fundamentação deixa transparecer que a Apelante não atentou no requerimento executivo, no qual o Banco Exequente identifica, de modo inequívoco, quem demanda como executados: a devedora, sociedade comercial; os avalistas acima referidos; e, fundado no art.º 56.º, n.º 2, do C.P.C. então vigente, (que corresponde ao n.º 2 do art.º 54.º do Código actual), os adquirentes das fracções autónomas.
E, como refere MARCO CARVALHO GONÇALVES, sendo a acção executiva movida, ab initio, contra o devedor e o terceiro “a penhora tem de se iniciar, necessariamente, pelo bem onerado em garantia” (in “Lições de Processo Civil Executivo”, Almedina, 2016, pág. 170), que é, de resto, o que se retira do disposto nos n.os 2 e 3 do art.º 54.º do C.P.C..
Os embargos de executado, mau grado a sua natureza de acção declarativa, correm por apenso à execução, nos termos do art.º 732.º do C.P.C., fazendo, por isso parte integrante dela (daí que, mesmo não contestando o exequente os embargos, se não considerem confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados no requerimento executivo, nos termos do n.º 3 daquele preceito legal) não se justificando, por isso, chamar a intervir quem já se encontra no processo e com a mesma posição processual.
Destarte, a pretensão da Apelante não pode merecer acolhimento.
b) Relativamente ao incidente de intervenção acessória, da Conservatória do Registo Predial e da vendedora, sociedade imobiliária “X, S.A.”, funda-a a Apelante num alegado “direito de regresso”, “em caso de perda da acção executiva e consequente perda da sua casa a favor do credor exequente”.
1.- De acordo com o disposto no art.º 321.º do C.P.C., o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.
A posição do interveniente é, pois, a de um mero auxiliar na defesa do réu tendo em vista o seu interesse indirecto na improcedência da pretensão do autor.
Como refere SALVADOR DA COSTA, são pressupostos da intervenção acessória “por um lado a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro, e, por outro, a conexão entre o objecto da demanda e da configurada acção de regresso ou de indemnização” (ob. cit., pág. 106), a que agora acresce o da falta de legitimidade do chamado para intervir como parte principal, nos termos referidos na parte final do n.º 1 daquele art.º 321.º do C.P.C..
Assim, a admissibilidade da intervenção acessória de terceiro depende da articulação de factos que revelem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da acção, que envolve o réu e um terceiro.
De acordo com o Acórdão do S.T.J. de 3/05/1995 “A própria existência do direito de regresso ou indemnização deverá ser afectada pela discussão da causa, sendo elemento essencial à responsabilidade do chamado perante o réu a própria responsabilidade deste com o autor. Por outras palavras, a conexão do direito de regresso ou indemnização há-de surgir da própria existência e concreta configuração jurídica da relação controvertida”. E, prossegue, “Faltando esta conexão, quando a relação controvertida e o direito de regresso forem relações jurídicas autónomas, baseadas em factos constitutivos essencialmente diversos (ou seja, sem qualquer nexo de dependência entre si), não será de admitir o chamamento” (in B.M.J. nº. 447, págs. 435/436).
A acção de regresso, refere SALVADOR DA COSTA, arrimando-se ao Acórdão do S.T.J. de 10/03/1980 (in B.M.J. 295º, pág. 300), “envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra o terceiro chamado a intervir pelo montante em que venha a ser condenado a pagar ao autor na hipótese de procedência da acção principal, a qual é susceptível de emergir da lei, de negócio jurídico, de facto gerador de responsabilidade civil ou de enriquecimento sem causa gerador da obrigação de restituir” (ob. cit., pág. 108).
É o requerente do pedido de intervenção que tem o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso, nos termos exigidos pela parte final do nº. 2 do artº. 322º. do C.P.C.. 2.- Posto que, relativamente à intervenção principal acessória requerida pela Apelante está em causa o direito de defesa, é legítimo o seu interesse na intervenção, pelo menos relativamente à vendedora.
a) No que se refere à Conservatória do Registo Predial, cumpre registar, antes do mais, um obstáculo impeditivo de a fazer intervir no processo - ela é destituída de personalidade judiciária por não ter personalidade jurídica – cfr. n.º 2 do art.º 11.º do C.P.C..
Com efeito, e tendo em consideração o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 8.º, do Dec.-Lei n.º 148/2012, de 12 de Julho, as conservatórias do registo predial são “serviços desconcentrados” do “Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.”, o qual, nos termos do disposto nos art.os 1.º e 2.º, é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que prossegue atribuições do Ministério da Justiça, sendo ainda um organismo central com jurisdição sobre todo o território nacional.
De qualquer modo, um eventual direito de indemnização só poderia derivar da responsabilidade civil extracontratual, decorrente da actuação culposa do funcionário da Conservatória referida que interveio na celebração do acto de compra e venda, e a Apelante não alega qualquer facto indiciário da culpa.
Sendo ainda certo que também a competência material para apreciar um tal pedido indemnizatório sempre caberia aos tribunais administrativos, de acordo com o disposto nas alíneas f) e g) do n.º 1 do art.º 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
É, pois, de rejeitar o pedido de intervenção da referida Entidade.
b) Relativamente à sociedade comercial vendedora, “X, S.A.”, esta declarou perante o Funcionário da Conservatória do Registo Predial que vendia à Apelante o prédio em causa “livre de ónus e encargos”, ficando, assim, plenamente provada esta declaração.
Do conteúdo dela resulta inequívoco que a vendedora assumiu perante a compradora, ora Apelante, a responsabilidade, neste caso, pelo distrate da hipoteca.
Poderá estar, pois, aqui em causa o incumprimento de uma disposição contratual, gerador da obrigação de indemnizar, tanto mais que à compradora, Apelante, não resta outra alternativa que não a de pagar a dívida ao credor hipotecário (Banco Exequente), se quiser manter o prédio na sua esfera patrimonial.
Por outro lado, sendo aquela vendedora uma das anteriores proprietárias do referido imóvel, é de presumir que esteja melhor apetrechada de conhecimento de factos que possam conduzir à extinção, total ou parcial, da execução pela demonstração de pagamentos que tenham, entretanto, sido efectuados directamente ao Banco Exequente por conta da quantia exequenda (tenha-se presente que o requerimento executivo deu entrada em 18/04/2007 e o registo do direito de propriedade a favor da Chamada é de 06/05/2011).
Nestes pressupostos, julga-se, pois, dever ser admitido o pedido de intervenção acessória formulado pela Apelante.
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C) DECISÃO
Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, consequentemente revogando o despacho impugnado, mas apenas no segmento em que indefere o requerimento de intervenção acessória da sociedade imobiliária “X, S.A.”, que deve ser substituído por outro que, não havendo outras razões que o impeçam, admita a pretendida intervenção.
Tudo o demais decidido no referido despacho se mantém.
Custas da apelação pela Apelante, na proporção de ¾ (três quartos) do devido, suportando o Banco Embargado/Exequente ¼ (um quarto).
Guimarães, 17/01/2019
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho