CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
COMISSÕES
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Sumário

I - O facto das prestações periódica e regularmente percebidas pelo trabalhador integrarem, em princípio, o conceito de retribuição não significa que linearmente tenham de ser levadas em conta para efeitos de cálculo das prestações cujo montante se encontra indexado ao valor da retribuição, como, por exemplo, acontece com a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal.
II - As comissões que estão em causa, isto é, o acréscimo remuneratório auferido pelo autor que se traduz numa determinada percentagem sobre o valor de vendas efectuadas, na medida em que pressupõem a efectiva prestação da actividade contratada, não devem ser consideradas para efeitos de quantificação do subsídio de férias.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 6141/16.5T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos, B… intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra C…, Lda, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €16.767,81 (conforme rectificação do pedido a fls. 646 a 655), relativa a comissões das vendas por si realizadas ao serviço da ré, a subsídio de férias calculado com base na média das comissões a que tinha direito, à retribuição e subsídio das férias vencidas em 01/01/2016, à retribuição e subsídio de férias e subsídio de natal proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, à retribuição e subsídio de alimentação de Janeiro de 2016, ao reembolso de despesas suportadas pelo próprio pelo exercício da sua actividade ao serviço da ré, deduzindo a indemnização devida à ré pela cessação do contrato sem cumprimento do prazo legal de aviso prévio.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial que foi admitido ao serviço da ré em 4 de Janeiro de 2010, por contrato de trabalho a termo certo que entretanto se converteu em contrato sem termo, exercendo desde essa data as funções de vendedor, mediante a retribuição mensal ilíquida de €600,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €5,75 por cada dia completo de trabalho, tendo ainda sido convencionado o pagamento de comissões, que, no que interessam aos autos seriam de 1% do volume de negócios total e de 1,5% quanto aos novos clientes.
Mais alega que a ré não lhe pagou a totalidade das comissões de acordo com o convencionado, que não lhe pagou a média das comissões no subsídio de férias e que, apesar da cessação do contrato não lhe foram pagos os créditos relativos a férias, subsídios de férias e de natal, retribuição e subsídio de alimentação que reclama. Alega ainda que no exercício da sua actividade suportou despesas com combustível, portagens e manutenção que a ré não lhe pagou e que lhe deduziu indevidamente as quantias relativas a portagens.
Por fim, alega que tendo denunciado o contrato sem cumprimento do aviso prévio com efeitos em 07/01/2016, às quantias peticionadas deverá ser deduzida a indemnização, por esse motivo, devida à ré.
Realizou-se a audiência de partes na qual não foi possível obter o acordo das mesmas, razão porque foi a Ré notificada para contestar, o que veio a fazer, em tempo.
Na sua contestação veio a Ré alegar que as comissões eram devidas sobre os valores efectivamente cobrados aos clientes, que as comissões de 1,5% relativas aos clientes novos só eram aplicadas nos primeiros 12 meses após a angariação dos clientes, sendo daí em diante pagas à taxa de 1%, o que sucedeu desde a contratação do autor sem que o mesmo alguma vez tenha levantado objecções, concluindo que, com excepção da quantia de €57,27, pagou ao autor todas as comissões devidas. Por outro lado, a ré alega que mesmo que se considerasse que tais comissões deveriam ser sempre pagas à taxa de 1,5%, nunca tendo o autor reclamado o seu pagamento dessa forma sempre actuaria em abuso de direito, fazendo-o agora.
Mais alega que nada é devido a título de subsídio de férias calculado com base nas comissões uma vez que as mesmas não estando relacionadas com as específicas contingências em que o trabalho é prestado, não são relevantes para o efeito pretendido pelo autor.
Quanto às despesas cujo reembolso o autor reclama, a ré alega que, as mesmas, a terem existido, não estão relacionadas com a actividade profissional do auto, mas antes com a sua vida pessoal e ainda que o desconto das quantias referentes a portagens, sendo relativo a deslocações durante o período de almoço, foi acordado com o autor, ao qual, de resto, sempre pagou o subsídio de alimentação.
Relativamente aos demais créditos salariais a ré alega que os pagou, tendo compensado os relativos às férias vencidas em 01/01/2016 com a indemnização devida pela falta de aviso prévio, tendo pagos os demais, com um excesso de €63,25, valor superior ao das comissões que aceita terem ficado por pagar.
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Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, na sequência do foi proferido despacho sobre a matéria de facto provada e não provada.
I.2 Subsequentemente, foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte:
- «Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e em consequência decido:
I – condenar a ré a pagar ao autor:
a) a quantia de €32,70 (trinta e dois euros e setenta cêntimos) a título de créditos vencidos com a cessação do contrato, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento;
b) a quantia de €264,54 (duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de comissões, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
II – absolver a ré da parte restante do pedido.
Custas pelo autor e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos – art. 527º do código de Processo do Trabalho.
Valor da causa: €16.767,81 (dezasseis mil setecentos e sessenta e sete euros e oitenta e um cêntimos).
Registe e notifique
(..)».
I.3 Inconformado com esta sentença o trabalhador autor apresentou recurso de apelação,
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I.4 A recorrida apresentou contra-alegações
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III.5 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
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III.5.2 Defende o recorrente que o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos por ter entendido que a média do valor das comissões auferidas pelo autor não releva para efeitos do cálculo dos subsídios de férias.
Sobre o ponto, na fundamentação da sentença lê-se o seguinte:
- «O Código do Trabalho de 2009 dispõe no seu art. 264º que: «1. A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2.
Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico de execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias (…).»
Assim, o período de inactividade produtiva correspondente às férias não deverá ter qualquer impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador.
Por isso, justa medida em que os complementos remuneratórios possuam carácter retributivo, dada a sua regularidade e periodicidade e não sendo feita prova do contrário, eles não poderão deixar de relevar para efeito do cálculo da retribuição de férias, devendo para tanto ser apurado o valor médio de tais complementos.
O citado diploma legal abandonou, porém, o princípio da coincidência entre a retribuição das férias e do respectivo subsídio quando estabelecem que, além da retribuição correspondente à que receberia se estivesse em serviço efectivo, «o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho». Como refere Pedro Romano Martinez e Outros, in Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 2006, págs. 460, ainda que a propósito do Código do Trabalho de 2003, com o regime estabelecido no n.º 2 do art. 255º do Código do Trabalho o montante do subsídio de férias deixa de ser igual ao da retribuição de férias (conforme afirmava o art. 6º, nº 2 da LFFF), pois passa a compreender somente a retribuição base «e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho».
A definição de retribuição base consta do art. 262º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho.
Já no que diz respeito à delimitação do sentido e alcance da expressão «demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho» afigura-se-nos que ela comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação de trabalho, isto é, às específicas contingências que a rodeiam ou, por outras palavras, às "condições extrínsecas" da prestação convencionada (como sejam, a perigosidade, a penosidade, o isolamento, a toxicidade, o trabalho nocturno, turnos rotativos, entre outros), em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação de actividade - "condições intrínsecas" -, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (como prémios, gratificações, comissões) ou que consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação de trabalho, quando devam considerar-se retribuição (subsídios de refeição, de transporte)- neste sentido, Manuel Ferreira da Costa, in A Retribuição e Outras Atribuições Patrimoniais, in A Reforma do Código do Trabalho, pág. 401 a 412; Jorge Costa, in A Retribuição e Outras Prestações Patrimoniais no Código do Trabalho, in A Reforma do Código do Trabalho, pág. 381 a 400; Pedro Romano Martinez e Outros, in Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 2006, págs. 460 e 461; Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3ª ed., págs. 581 e 582.
Esta inovadora expressão – «as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho» – pretendeu, pois, abranger as atribuições patrimoniais que são correspectivo do condicionalismo externo da prestação do trabalho, como são exemplos a perigosidade, a penosidade, o isolamento, a toxicidade, o trabalho nocturno, turnos rotativos, entre outros.
E a única operacionalização possível da distinção entre aquelas duas categorias - "condições extrínsecas"/"condições intrínsecas" - passa pela inclusão no subsídio de férias da primeira categoria de prestações, mas não da segunda categoria (Cfr. também neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, pág. 571 e 572).
Na verdade, embora constituíam um modo de determinar o quantum retributivo devido ao trabalhador, as prestações retributivas que não se projectem num qualquer modo específico de execução da actividade laboral por parte do trabalhador, nem visem compensar qualquer especificidade atinente às circunstâncias objectivas (temporais, espaciais, ambientais, etc.) em que se desenvolve a prestação laboral deste trabalhador, não serão repercutidas no subsídio de férias (cfr. Manuel Ferreira da Costa, in obra citada, pág. 404, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª edição, 2005, pág. 376, Leal Amado, Comissões, subsídio de Natal e férias (breve apontamento à luz do Código do Trabalho, Prontuário n.º 76, 77, 78, pág. 239 a 242), Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 2006, pág. 460, Bernardo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, pág. 376, Romano Martinez, Direito do Trabalho, obra citada, págs. 581-582, e Júlio Gomes, Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 780-781).
Transpondo este entendimento que perfilhamos e que tem sido também aceite e invocado pelo Supremo Tribunal de Justiça do que é exemplo o Ac. STJ de 12/01/2011, em www.dgsi.pt, para o caso dos autos verifica-se que sendo a parte variável da retribuição do autor relativa a comissões sobre as vendas as mesmas não são relevantes para o cálculo do subsídio de férias, seja qual for o seu valor, já que não podem ser consideradas contrapartidas do modo específico da execução do contrato como exige o art. 264º, nº 2 do C.T.
Nesta medida improcede na íntegra o pedido formulado pelo autor de condenação da ré a pagar-lhe €3.822,86 a título de subsídio de férias calculado com base na medida das comissões».
Contrapõe o recorrente autor que o artigo 260.º do CT define “quais as prestações que se encontram excluídas da retribuição, não sendo feita qualquer menção a comissões, sendo de concluir que as mesmas possam integrar o conceito de retribuição, como tem vindo a ser defendido tanto pela nossa doutrina, como pela própria jurisprudência, verificando-se inclusive, que a jurisprudência já se pronunciou nesse sentido, considerando que as comissões são parte da retribuição (veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/01/2008, processo n.º 07S3786 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2016, processo n.º 1365/13.0TTPRT.P1)”.
Prossegue, alegando que todas as comissões sobre as vendas são uma constante na sua retribuição, assumindo um carácter regular e periódico no seu vencimento, criando-lhe “a justa expectativa de futuramente vir a receber em função de tais comissões. (neste sentido vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/06/2012, processo n.º 2131/08.8TTLSB.L1. S1 e o de 17/11/2016, processo n.º 4109/06.9TTLSB.L2. S1”.
Invoca, ainda, os acórdãos de Relação do Porto, de 18/01/2016, processo n.º 224/14.3TTPRT.P1, assim como o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03/12/2015, processo n.º 116/14.6T8VRL.G1).
Por seu turno, a recorrida diz acompanhar a posição sustentada na sentença recorrida, fazendo questão de assinalar, quanto à jurisprudência invocada pelo recorrente, que a mesma não tem aplicação ao caso, referindo o seguinte:
O Ac. do STJ de 16/01/2008 – não se refere à questão de as comissões integrarem (ou não) o cálculo do subsídio de férias;
O Ac. do STJ de 05/06/2012 – tem por objeto relações laborais regidas por um concreto Acordo Coletivo de Trabalho (de trabalhadores da TAP), que não é aplicável ao caso dos autos;
O mesmo se diga quanto ao Ac. do STJ de 17/11/2016;
O Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 18/01/2016 diz respeito ao «subsídio noturno» e não a «comissões»;
E o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2016, não se debruça sobre a questão de as comissões integrarem (ou não) o cálculo do subsídio de férias».
Adianta-se já que acompanhamos, no essencial, a fundamentação da sentença recorrida e, por decorrência lógica, o decidido quanto ao ponto em questão. Abaixo passamos a justificar esta asserção.
Por outro lado, não é despiciendo referir que a recorrida tem razão nas criticas que dirige ao recorrente no tocante aos arestos que invocam. Se é certo que neles se encontram considerações gerais que podem ter aplicação no caso, também não o é menos que nenhum deles trata de questão similar e, logo, a fundamentação não pode entender-se como transponível para o caso vertente.
Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (art.º 258.º CT/09).
Tratando-se de uma presunção ilidível recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos necessários para a afastar (art.º 350.º CC).
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se ao actual art.º 258.º do CT/09, correspondente ao art.º 249.º do CT/03, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 479].
Assim, esta noção mais ampla de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido” [n.º2, al.a) art.º 250.º CT/03], quer todas as demais que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho [n.ºs 1 e 2, art.º 249.º CT/03].
Nesses casos, em que são pagas como contrapartida da prestação de trabalho em determinadas condições, por regra, essas prestações complementares apenas são devidas quando se verifique uma efectiva prestação de trabalho no condicionalismo que justificou o seu estabelecimento e apenas integrarão o conceito de retribuição se forem percebidas com uma regularidade e periodicidade tal que criem no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
Mas como elucida o Ac. do STJ de 27 de Maio de 2010 [Processo n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1, conselheiro Sousa Graandão, disponível em www.dgsi.pt], “O facto das prestações periódica e regularmente percebidas pelo trabalhador integrarem, em princípio, o conceito de retribuição não significa que linearmente tenham de ser levadas em conta para efeitos de cálculo das prestações cujo montante se encontra indexado ao valor da retribuição, como, por exemplo, acontece com a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal”, depois esclarecendo-se que “[A] retribuição a atender, para efeitos de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, não é a retribuição global, mas sim a chamada retribuição modular ou padrão, da qual devem ser excluídas aquelas prestações cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra específica motivação”.
O subsídio de férias constitui uma atribuição patrimonial ligada ao direito a férias remuneradas. O Código do Trabalho estabelece no art.º 264º n.º2, que além da retribuição de férias – que corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo (n.º1) -(..) o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias.”.
Aquelas normas correspondem aos n.ºs 1 e 2, do pretérito Código do Trabalho de 2013 (Lei n.º 99/2003, de 27/08), importando assinalar que o n.º2, veio introduzir uma alteração substancial relativamente ao que regime anterior, consagrado no Decreto-lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro (usualmente designado por Regime Jurídico de Férias, Feriados e Faltas), ai dispondo o art.º 6.º, o seguinte:
- «1 - A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período.
2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição.
A aplicação desta norma não era isenta de dúvidas, colocando-se a questão de saber se determinadas prestações retributivas deveriam integrar o subsídio de férias.
Com a regra vigente desde o CT/03, ao restringir a composição do subsídio de férias ao somatório da retribuição com “outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho”, quis o legislador responder a essas dúvidas, mas o certo é que a sua aplicação implica que em cada caso se determine quais as componentes da retribuição que constituem a referida contrapartida, tarefa nem sempre isenta de dificuldades.
A doutrina e a jurisprudência, esta quando chamada a dirimir conflitos, têm procurado densificar o conceito, podendo asseverar-se que os entendimentos afirmados são, no seu essencial, em sentido convergente.
Assim, como elucida Sónia Kietzmann Lopes [A retribuição e outras atribuições patrimoniais, in RETRIBUIÇÃO E OUTRAS ATRIBUIÇÕES PATRIMONIAIS, e-book/ CEJ, Maio de 2013, pp. 24 e 25], com base na análise da doutrina e jurisprudência que cita, a alusão às prestações que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho revela uma opção legislativa no sentido de que para o cálculo do subsídio de férias apenas devem ser considerados, «(..) de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, (..) aqueles que se referem à própria prestação do trabalho, isto é, às específicas contingências que o rodeiam, ou, dizendo de outro modo, ao seu condicionalismo externo (penosidade, isolamento, toxicidade, trabalho suplementar, trabalho nocturno, turnos rotativos), em detrimento daqueles que pressuponham a efectiva prestação da actividade, quer respeitem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho (prémios, gratificações, comissões), quer consistam na assunção pelo empregador de despesas em que incorreria o trabalhador por causa da prestação do trabalho (subsídios de refeição e de transporte). Em relação a certas prestações retributivas, como a retribuição por trabalho suplementar, o subsídio de turno, o acréscimo devido pelo trabalho nocturno, o subsídio de risco ou de isolamento, podemos afirmar, com alguma segurança, que são contrapartida do modo específico da execução do trabalho. Já o mesmo não parece suceder com as comissões, os prémios, as gratificações e alguns subsídios.”.
Observa a este propósito Pedro Romano Martinez [Direito do Trabalho, Almedina, 5.ª edição, 2010, p. 632], que “O legislador determina, agora, que apenas devem ser incluídos no subsídio de férias os complementos (…) que se referem à própria prestação do trabalho, i.e., às específicas contingências que a rodeiam (…), ao seu condicionalismo externo, em detrimento daqueles que pressupunham a efectiva prestação de actividade (..)”.
Em sentido convergente, Joana Vasconcelos [Código do Trabalho Anotado de Pedro Romano Martinez e outros, 8ª edição, 8ª Edição, Almedina, anotação n.º 3 ao art.º 264.º, p. 631], escreve que a “(..) formulação adoptada comporta uma opção, de entre os diferentes nexos de correspectividade que caracterizam as várias componentes da retribuição, por aqueles que se referem à própria prestação do trabalho”, destrinçando aquelas que são contrapartida do modo específico do trabalho - como seja a penosidade, isolamento, toxicidade, trabalho noturno, turnos rotativos – e, por isso, devem incluir o subsídio de férias, daquelas outras, que por serem atribuições patrimoniais devidas pela efetiva prestação da atividade, ou por respeitarem ao próprio trabalhador e ao seu desempenho -como prémios de assiduidade, produtividade, gratificações, comissões – que devem ficar excluídas.
Comungando do mesmo entendimento, no Acórdão da Relação de Lisboa de 12-03-2009 [Proc.º n.º 2195/05.8TTLSB-4, Desembargador Ferreira Marques, disponível em www.dgsi.pt], sintetizou-se no respectivo sumário o seguinte: “[6] O mesmo já não sucede em relação ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal. O subsídio de férias, para além da retribuição base, compreende apenas as prestações que estão relacionadas com as específicas contingências em que o trabalho é prestado (subsídio de turno, o acréscimo pelo trabalho prestado em período nocturno, o subsídio de risco ou de isolamento), em detrimento daquelas que pressuponham a efectiva prestação da actividade (prémios, gratificações, comissões). E o subsídio de Natal compreende apenas a retribuição base e as diuturnidades”.
Revertendo ao caso, conforme consta provado (facto 8), o autor «(..) sempre desempenhou as funções de “Vendedor com Comissões”, pois para além de solicitar encomendas, promover e vender mercadorias por conta da ré e enviar relatórios sobre as transacções comerciais que efectuou, o (..) recebia também uma comissão calculada em função do volume de negócios que conseguia obter para a R.».
São essas comissões que estão em causa, isto é, o acréscimo remuneratório auferido pelo autor que se traduz numa determinada percentagem sobre o valor de vendas efectuadas.
Na esteira do entendimento acima expresso e, refira-se, predominante na doutrina e na jurisprudência, consideramos que as comissões auferidas pelo autor, na medida em que pressupõem a efectiva prestação da actividade contratada, não devem ser consideradas para efeitos de quantificação do subsídio de férias [Neste sentido, vejam-se, ainda, Júlio Gomes Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra, pág. 773; e, João Leal Amado Comissões, Subsídio de Natal e Férias (Breve Apontamento à luz do Código do Trabalho), Prontuário de Direito do Trabalho, n.ºs 76 a 78, pág. 235].
Cabe referir que este entendimento foi seguido no Acórdãos desta Relação de 12/9/2016 [proc.º 5273/15.1T8OAZ.P1, Desembargador Jorge Loureiro, disponível em www.dgsi.pt], no qual interveio como adjunto o aqui relator; e, no Acórdão de 14-10-2013, também desta Relação e secção [proc.º nº 516/11.3TTVNG.P1, Desembargadora Maria José Costa Pinto, disponível em www.dgsi.pt].
Em contraponto, diversamente foi entendido no acórdão de 7-07-2016, mas com voto de vencido da relatora quanto a essa questão, por também subscrever antes a posição acima mencionada [proc.º n.º 2201/15.8T8VNG.P1, Desembargadora Paula Maria Roberto, disponível em www.dgsi.pt].
Por conseguinte, improcede o recurso.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).
Porto, 11 de Outubro de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes, (com voto vencido parcial, que anexo)
Rita Romeira
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Voto vencido:
Acompanhando o Acórdão quanto ao mais, voto vencido na parte em que foi considerado (ponto III.5.2) que a média do valor das comissões auferidas pelo autor não releva para efeitos do cálculo dos subsídios de férias.
Na verdade, salvaguardando o devido respeito pela posição que fez vencimento, cujos argumentos se compreendem e que se reconhece coincide com o entendimento que é maioritário na doutrina e jurisprudência, considero porém, não sem algumas dúvidas devo dizê-lo, que previamente à aplicação do disposto no artigo no n.º 2 do artigo 264.º do CT/2009, importará saber qual é afinal o conteúdo da “retribuição base” a que aí se alude, assim, no que ao caso importa, se essa se identifica exatamente apenas com a “parte certa” da retribuição nos casos em que se esteja perante modalidade de “retribuição mista”, assim composta por uma parte certa e outra variável – no caso esta última ligada a percentagem sobre o valor das vendas (comissões) - ,nos termos previstos e admitidos pelo disposto no artigo 261.º do mesmo CT. Procurando dar-se resposta, não obstante volto a repetir o respeito que me merece o entendimento que vez vencimento no Acórdão, propendo no entanto considerar que não existe tal correspondência, importando antes dar aplicação ao disposto no mencionado artigo 261.º, nomeadamente, se necessário com recurso ao que estabelece no seu n.º 3 – “Para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução do contrato que tenha durado menos tempo” – e em última análise do seu n.º 4 – “Caso o processo estabelecido no número anterior não seja praticável, o cálculo da retribuição variável faz – se segundo o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, na sua falta, segundo o prudente árbitro do julgador”.

Nelson Fernandes