DENÚNCIA ANÓNIMA
AUTORIDADES POLICIAIS
INFORMAÇÕES RELEVANTES
RECOLHA
COMUNICAÇÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO
PRAZO
Sumário

I - As autoridades policiais detêm no âmbito da atividade de exploração de máquinas de diversão, competência genérica para a fiscalização, estando sujeitas aos deveres de noticiarem as infrações que verifiquem, de preservarem meios de prova e de prestarem colaboração.
II - Receber a denúncia anónima de que em certo local se praticava jogo ilegal pode implicar a recolha de informação, pelo que justifica-se que não haja comunicação imediata ao M.P. face à necessidade de a comprovar.
III - Tendo ocorrido a comunicação ao Ministério Público em 13-07-2015, e sendo o auto de notícia datado de 11.07.2015 não só o dispositivo legal do art. 248º do CPP é cumprido dentro do prazo como a não-comunicação imediata se apresenta como justificada face à concreta conformação das ações de fiscalização a desenvolver.
IV - A fiscalização ao local e apreensão da máquina insere-se na prática de atos cautelares necessários e adequados ao caso concreto, pois que dela depende o saber qual o local da prática dos atos ilícitos, tipo de máquina, quem e quantos são os seus agentes, e só isso abre lugar à certeza de se poderem praticar os atos cautelares necessários que no caso se traduziram na imediata apreensão da máquina.

Texto Integral

Processo n º 619/15.5GAFLG.P1

Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa
Adjunta: Élia São Pedro

Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:


I - Relatório.
B…, arguido no processo supraidentificado, não se conformando com a douta decisão de fls. 225, que indeferiu a arguição de nulidade insanável dos atos praticados pelo OPC, veio interpor o presente recurso.
O Ministério Público, na sua resposta de fls. 253, entendeu que tal situação não integra qualquer nulidade pugnando pela sua improcedência e manutenção integral da decisão recorrida.
Não foi emitido parecer neste Tribunal Superior.

Apresentou o arguido as seguintes CONCLUSÕES (art.º 412º n.º 1 do Código de Processo Penal).

I- O presente recurso tem como objecto a matéria de direito (Nulidade Insanável) proferida na sentença.
II- O recorrente em fls.217 e seguintes dos autos, veio arguir a nulidade insanável dos actos praticados pelo OPC.
III- Consta dos autos fls.4, bem como do depoimento prestado em sede de Audiência de Julgamento pelo Sr. C…, Comandante do Destacamento da GNR, posto de …, que os OPC, após várias denúncias anónimas (anteriores a 1 de Julho de 2015), denúncias, essas que se referiam sem margem para dúvidas, à prática de um crime de exploração de jogo ilícito, p. e p. art108º nº1 DL. nº42/2016, de 26/12, procederam a uma acção de fiscalização (no dia 11 de Julho de 2015) no referido estabelecimento comercial, denominado café D…, nos termos do Art.29º da Lei nº53/2008, de 29 de Agosto (Lei da Segurança Interna).
IV- Tendo em conta o disposto nos termos dos art.248º nº1 e art.242º do CPP, a partir do momento em que um ORGÃO DE POLICIA CRIMINAL tem conhecimento da prática de um crime, como foi o caso, tem o dever de comunicar a Noticia do Crime ao Ministério Público, pois é esta entidade que tem competência para abrir o inquérito e dirigi-lo, art.262º e art263º, podendo os órgão de policia criminal, no entanto, praticar Medidas Cautelares e de Policia, quando haja urgência e periculum in mora, para salvaguardar os meios de prova, “após a aquisição da Noticia do Crime ou suspeita da prática de um crime”.
V- Há que distinguir as medidas cautelares de polícia das medidas de polícia. As medidas de polícia são os meios de que as policias se podem servir no exercício da sua actividade policial; estão enumeradas na Lei de Segurança Interna (Lei nº53/2008, de 29 de Agosto, rectificação nº66- A/2008, de 28.10). As Medidas Cautelares de Policia, enumeradas nos arts.248º a 261º do CPP, são também medidas de polícia mas com o fim específico de servirem o processo penal.
VI- Ambas são praticadas por elementos das Forças e Serviços de Segurança, mas as primeiras (medidas de policia), aplicam-se no âmbito da policia administrativa para prevenir ou actuar sobre um perigo que afecte a segurança pública, enquanto as segundas (medidas cautelares e de policia) são aplicadas no âmbito da polícia- judiciária, numa fase de “prevenção reactiva à lesão do bem jurídico”, servindo de instrumento para salvaguardar os meios de prova aquando da noticia (ou mera suspeita) da prática de um crime.
VII- As medidas cautelares e de polícia, aplicadas pelos OPC E APC no plano jurídico-processual-criminal, não se confundem (nem se podem confundir) com as medidas de polícia aplicadas pelas autoridades de polícia (AP) e pelos agentes de polícia no quadro da segurança interna, nem com as medidas cautelares administrativas de polícia aplicadas pelas Autoridades Policiais e agentes policiais no quadro jurídico-administrativo sancionatório.
VIII- O Tribunal a quo indeferiu a Nulidade invocada com o fundamento de que as Denúncias não passam mesmo disso, são suposições ou alegações, outra coisa é a notícia do crime, que, normalmente, neste tipo de ilícitos só ocorrem aquando da fiscalização, já que só com a mesma é que se pode confirmar ou não a existência de algum facto criminoso (vg., máquinas de jogos), o qual, por sua vez dá origem á notícia do crime, a qual deverá seguir a legal tramitação.
Assim sendo pelo exposto, entende-se não existir qualquer nulidade insanável, nomeadamente as previstas no art.119º do CPP, ou outras.
IX- Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, o mesmo confunde Medidas de Policia aplicadas pelas autoridades de polícia e pelos agentes de polícia no quadro da segurança interna, com as Medidas Cautelares e de Policia, aplicadas pelos Órgãos de Policia Criminal no plano jurídico processual criminal.
X- Assim, deverá ser conhecida a Nulidade-Insanável de todos os actos praticados pelos órgãos de polícia criminal, devendo retirar-se do conhecimento da mesma, todas as consequências legalmente impostas.
XI- Pelo exposto, o Tribunal a quo violou, entre outros, os art.119º b), Art.248º; Art.249º, Art.262º ambos do CPP e Art.219º nº1 da Constituição da República Portuguesa.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2, do CPP

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
Objeto.
Matéria de Direito.
- O presente recurso tem como objeto somente a matéria de direito, mais concretamente o despacho que indeferiu a Nulidade Insanável por violação do disposto no art. 248ºe 249º do CPP.
Decidindo.
Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, futuramente designado por STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo assistente/recorrente da respetiva motivação.
Matéria de facto:
Para o julgamento do presente recurso, consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais:
1.O Juiz a quo proferiu a seguinte decisão:
“Da Invocada nulidade
No seu requerimento a arguir a nulidade, e melhor constante de fls. 217 e ss., o arguido veio arguir a nulidade insanável dos atos praticados pelo OPC, por, e em síntese, entender que após ter tido conhecimento de várias denúncias anónimas, deveria, antes de efetuar a fiscalização dos autos, comunicar a notícia do crime ao M.P., nos termos e pelos fundamentos ali melhor referidos.

Vejamos.
De facto, concorda-se com a Douta Promoção, e de que tal alegada situação, não integra qualquer nulidade, mormente as invocadas.
Com efeito, o arguido confunde denúncias anónimas com notícia de crime.
Denúncias não passam mesmo disso, são suposições ou alegações, outra coisa é a notícia do crime, que, normalmente, neste tipo de ilícitos só ocorrem aquando da fiscalização, já que só com a mesma é que se pode confirmar ou não a existência de algum facto criminoso (vg., máquinas de jogos), o qual, por sua vez dá origem á notícia do crime, a qual deverá seguir a legal tramitação.
Assim sendo e pelo exposto, entende-se não existir qualquer nulidade e insanável, nomeadamente as previstas no art. 119º do C.P.P., ou outras.
Inexistem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da acção penal.”
2. Consta dos autos fls.4 que os OPC após várias denúncias anónimas procederam a uma ação de fiscalização (no dia 11 de Julho de 2015) no referido estabelecimento comercial, denominado café D…, nos termos do Art.29º da Lei nº53/2008, de 29 de Agosto (Lei da Segurança Interna), tendo apenas comunicado ao Ministério Publico a Notícia do Crime no dia 13 de Julho de 2015, fls. 2 dos autos.

3. Nos termos da sentença, ora objeto de recurso, o recorrente foi condenado, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p. pelos art.1º;3º;4º, nº1,al.g) e 108º nº1 e nº2 da lei do jogo – Dec.Lei nº422/89, de 02/12, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Dec.Lei nº10/95, de 19/01 e pela Lei nº28/2004 de 16.03, na pena de 3 (três) meses de prisão, e na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00, perfazendo o montante total de €600,00 (seiscentos euros).
Substituir aquela pena de prisão, nos termos do art.45 nº1 do Código Penal, por igual tempo de multa, ou seja, 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €540,00.
Ao abrigo do disposto no art.6º nº1 do Dec.Lei nº48/95, de 15 de Março, fixar o quantitativo global da pena de multa em 190 dias, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o montante total de €1.140,00 (mil, cento e quarenta euros).

4.É o seguinte o teor do auto de notícia datado de 13.07.15: “(…)C…, Tenente º ……., Oficial Adjunto do Comandante do Destacamento Territorial de … da Guarda Nacional Republicana, dá conhecimento a vª Ex." do seguinte:
No dia 11 de Julho de 2015, por volta das 00h19, na sequência de várias denúncias anónimas, onde referiam a existência de máquinas de jogos de fortuna ou azar no estabelecimento denominado "Café D…", sito Rua …, …. - … …, procedeu-se a uma ação de fiscalização ao referido estabelecimento tendo em vista apurar a veracidade das denúncias.
Assim, tendo em conta o teor da denúncia, o autuante, acompanhado do Guarda-Principal Nº …….. – E… do Destacamento Territorial de …, e dos Inspectores F… e G… da Inspecção Geral dos Jogos e Turismo de Portugal, deslocou-se ao referido estabelecimento onde constatou, que no interior do mesmo, numa pequena sala do lado direito encontrava-se uma máquina tipo Quiosque Internet.
Perante a localização suspeita do local da máquina, o autuante, juntamente com os dois inspectores, decidiram efectuar uma breve análise ao dispositivo de jogos tipo quiosque internet, onde se constatou que a máquina, para além de possuir urna ranhura para a introdução de moedas, contemplavam também, um dispositivo dissimulado na lateral, para a introdução de notas, algo indiciador da presença de jogos de fortuna os azar.
No visor da máquina de jogo, comtemplava um sistema operativo tipo android, sistema que é muito utilizado para a instalação de jogos de fortuna ou azar, servindo, usualmente, para dissimular jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o "Hallowen", "Pantanal" e a "Roleta".
Seguidamente, foi efectuada uma breve análise ao software da máquina pelo autuante e pelos inspectores da Inspecção Geral dos Jogos e Turismo de Portugal, para tentar descobrir a localização dos jogos de fortuna ou azar contudo, não foi possível aceder à localização dos mesmos, informado os senhores inspectores que apenas com uma perícia mais exaustiva é que se conseguiria detectar a localização dos jogos. No entanto, referiram que pelo modelo da máquina, pelo software que a mesma tinha e pelas restrições que comtemplava, existiam grandes probabilidades da mesma conter e servir para a prática de jogos de fortuna ou azar.
Atendendo ao teor das várias denúncias existentes, ao exame sumário efectuado pelos inspectores dos jogos, entende-se que o dispositivo em causa, que se encontrava a ser explorado no interior do estabelecimento "Café D…" se destinava à exploração de jogos de Fortuna e Azar, em virtude do seu resultado ser contingente por assentar fundamentalmente na sorte, nos termos do Artigo 1.°, do Decreto-Lei n. ° 422/89, de 02 de Dezembro, foi a mesma apreendida nos termos do art.º 116° do mesmo decreto-lei.
Assim, como medida cautelar, o autuante procedeu então à apreensão da máquina de tipo quiosque internet, por presumir tratar-se de um objecto relacionados com a prática dos crime de exploração ilícita de jogo e prática ilícita de jogo p.p pelo art.? 108.° e 110.°, respectivamente, do Decreto-Lei n.? 422/89, de 2 de Dezembro e subsequentes alterações (cfr. Auto de apreensão em anexo).
Procedeu-se também à identificação dos responsáveis pelo estabelecimento, tendo-se apurado que era o Sr. B… (melhor identificado na página de rosto do presente auto), (…)”
Matéria de direito.
Vejamos.
No seu recurso veio o arguido a arguir a nulidade insanável dos atos praticados pelo OPC, por, e em síntese, entender que após ter tido conhecimento de várias denúncias anónimas, deveria, antes de efetuar a fiscalização dos autos, comunicar a notícia do crime ao M.P., nos termos e pelos fundamentos ali melhor referidos.
Que, a GNR após o conhecimento da Noticia do Crime, não agiu em conformidade com o previsto na lei, tendo procedido a uma ação de fiscalização, sem comunicar a Noticia do Crime ao Ministério Publico, não se enquadrando essa ação de fiscalização no âmbito das Medidas Cautelares e de Policia previstas no Código de Processo Penal. (art.248º e seguintes do CPP).
Tendo em conta o disposto nos termos dos art.248º nº1 e art.242º do CPP, a partir do momento em que um órgão de polícia criminal tem conhecimento da prática de um crime, como foi o caso, tem o dever de comunicar a Noticia do Crime ao Ministério Público, pois é esta entidade que tem competência para abrir o inquérito e dirigi-lo, art.262º e art263º.
O Tribunal a quo confundiu medidas de polícia administrativas e medidas cautelares de polícia, praticadas estas, no plano jurídico processual criminal, ocorrendo uma nulidade insanável ou outras, violando assim o disposto pelos arts. 119º, al. b), 249º e 262.º do Código de Proc. Penal, e 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

1. Dispõe o artigo 248º do Código de Processo Penal, a respeito da comunicação da notícia do crime que:
“1 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime, por conhecimento próprio ou mediante denúncia, transmitem-na ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias.
2 - Aplica-se o disposto no número anterior a notícias de crime manifestamente infundadas que hajam sido transmitidas aos órgãos de polícia criminal.
3 - Em caso de urgência, a transmissão a que se refere o número anterior pode ser feita por qualquer meio de comunicação para o efeito disponível. A comunicação oral deve, porém, ser seguida de comunicação escrita.“Por seu turno, o artigo 249º do mesmo diploma legal rege sobre as providências cautelares quanto aos meios de prova, prevendo que:
“1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2. - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 171º, e no artigo 173.º, assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares;
b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;
c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos.
3 - Mesmo após a intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade. ”Os presentes autos tiveram por base denúncias anónimas, (o Código de Processo Penal integra a denúncia, como uma das modalidades de aquisição da notícia de um crime (241.º), podendo aquela ser obrigatória (242.º) ou facultativa (244.º), estando a sua forma, conteúdo e espécie regulada no seu artigo 246.º, daí constando que a mesma não está sujeita a formalidades especiais (n.º 1), podendo ser efetuada por pessoa devidamente identificada (n.º 2) ou então ser anónima (n.º 5). Assim e como se regula neste último segmento normativo “A denúncia anónima só pode determinar a abertura de inquérito se: a) Dela se retirarem indícios da prática de crime; ou b) Constituir crime”. A denúncia corresponde assim a um mecanismo jurídico de participação de um crime ou de manifestação da vontade de perseguição criminal por quem tem capacidade para o fazer) na sequência das quais em 11.07.15 foram levadas a cabo diligências conforme descrito no auto de notícias de fls. 4.
O auto é apresentado ao Ministério Público no dia 13.07.2015, isto é, 02 dias depois. Entre a denúncia anónima e o momento da comunicação ao M.P., a GNR procedeu a diligências de investigação, nomeadamente, ação de fiscalização seguida de breve exame sumário efetuado pelos inspetores com os quais teve de articular previamente e de apreensão como medida cautelar de máquina apta a ser usada para jogo ilícito. Não fora o caso, a máquina poderia desaparecer do local onde se encontrava.
Significa isto que o OPC deu conhecimento da notícia do crime ao Ministério Público dentro do prazo previsto no nº 1 do artigo 248º do Código de Processo Penal, sendo que, até esse momento, procedeu a atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, respeitando o disposto no artigo 249º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Termos em que não se verifica qualquer nulidade/inexistência do inquérito.
No mesmo sentido Ac RE de 16.02.16 in www.ITIJ.
Mas mesmo que assim se não entendesse, a G.N.R. tem competência para proceder à fiscalização dos estabelecimentos, até para verificação do cumprimento do regime jurídico do jogo, não se vislumbrando onde nos autos tenham sido violadas quaisquer normas legais.
O Recorrente parece entender que há um verdadeiro “pré-inquérito” por parte da G.N.R., o que não é verdade.
A G.N.R. não tomou qualquer conhecimento direto da prática de crime, e decidiu assim proceder a diligências prévias de investigação sem qualquer tipo de formalização.
O que ocorreu foi uma fiscalização a um estabelecimento comercial aberto ao público, com base em informações que necessitavam de confirmação, e no seu decurso se verificaram indícios da prática de crime, o que originou o levantamento de auto de notícia.
Isto é, mesmo antes da ordem da autoridade judiciária competente, devem os órgãos de polícia criminal praticar todos os atos cautelares necessários para assegurar os meios de prova. Colocada perante a cena do crime, deve o OPC cumprir os objetivos do art, 249º, com a metodologia mais adequada.
Foi o que sucedeu.
A fiscalização que ocorreu é, em todo o caso, da competência também da G.N.R., de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 27.º e 52.º do Dec. Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que versa sobre o licenciamento e fiscalização pelas câmaras municipais de atividades cometidas aos governos civis.
De facto, aquelas normas postulam:
“Artigo 27.º
Fiscalização
A fiscalização da observância do disposto no presente capítulo, bem como a instrução dos respectivos processos contra-ordenacionais, compete às câmaras municipais, sendo a Inspecção-Geral de Jogos o serviço técnico consultivo e pericial nesta matéria.
(…)
Artigo 52.º
Entidades com competência de fiscalização
1 - A fiscalização do disposto no presente diploma compete à câmara municipal, bem como às autoridades administrativas e policiais.
2 - As autoridades administrativas e policiais que verifiquem infracções ao disposto no presente diploma devem elaborar os respectivos autos de notícia, que remetem às câmaras municipais no mais curto prazo de tempo.
3 - Todas as entidades fiscalizadoras devem prestar às câmaras municipais a colaboração que lhes seja solicitada.”
Nesse sentido, cfr. o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, publicado em DRE n.º 158, de 07/07/2004, o qual concluiu: “ (…) 6ª - As autoridades policiais detêm assim, no âmbito da actividade de exploração de máquinas de diversão, competência genérica para a fiscalização, estando sujeitas aos deveres de noticiarem as infracções que verifiquem, de preservarem meios de prova e de prestarem colaboração às autoridades autárquicas, nos termos do artigo 52º daquele diploma legal e em conformidade com o disposto no Código de Processo Penal, na lei quadro do ilícito de mera ordenação social e nos respectivos diplomas orgânicos.”.
Ainda e também Parecer do CC da PGR 15/95 e 1/2008, DR,II Série de 11 de janeiro de 2008 com interesse para interpretação do art. 248º a 252º do CPP
É no decurso dessa fiscalização, cujo interesse é sinalizado de um modo anónimo, que a G.N.R. adquire a notícia do crime, e pratica desde logo os atos cautelares necessários e adequados à conservação da prova.
É óbvio que esta atividade fiscalizadora, genérica e de rotina, pela sua própria natureza não carece de qualquer autorização prévia das autoridades judiciais, inserindo-se na competência normal, regular e permanente da Guarda.
No mais, o Recorrente parece entender que há um verdadeiro “pré-inquérito”, como fase ilegal e informal do processo, por parte da G.N.R., o que não é verdade. O que ocorreu foi uma fiscalização a um estabelecimento comercial aberto ao público, por entidade competente, com base em informações que necessitavam de confirmação, e no seu decurso se verificaram indícios da prática de crime, o que originou o levantamento de auto de notícia e a adoção das medidas cautelares necessárias à aquisição e preservação da prova.
E tais obedeceram ao princípio da tipicidade legal (os atos de polícia devem traduzir-se em procedimentos individualizados e com conteúdo definido na lei) e ao princípio da proibição do excesso, obedecendo aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade.
Não se verificou claramente qualquer omissão ou sonegação do exercício das funções do M.P. para os efeitos previsto no art. 48º do CPP.

É certo que a lei exige que o OPC comunique ao MP todas as notícias do crime, mesmo as manifestamente infundadas, art.248ºnº2, uma vez que é o MP o titular constitucional da ação penal. Contudo a própria lei no art. 246º, nº6 a propósito das denúncias anónimas expressa que a mesmas só podem determinar a abertura de inquérito se dela se retirarem indícios da prática de crime ou ela própria constituir crime, o que pressupõe alguma prévia indagação, como aconteceu nos presentes autos.
Não há, portanto, falta de promoção do processo pelo Ministério Público, pois que tal apenas ocorreria se aquele prazo não fosse cumprido ou a polícia, cumprindo-o, agisse abusivamente. E, no essencial é isto que os arguidos invocam: a não-comunicação em momento anterior por abuso de funções policiais.
A questão, assim, limita-se a ser uma tomada de posição sobre saber se o nº 1 do art. 248º do C.P.P. deve ser lido restritivamente de forma a apenas permitir, antes da comunicação ao Ministério Público, atividades que caibam na previsão dos artigos 249º a 252º do diploma. Também, se a expressão “no mais curto prazo” significa menos que o prazo de 10 dias ali previsto.
Entendemos que e o nº 1 do referido artigo 248º permite suficiente margem de manobra para que se entenda nele estar contida a possibilidade de recolha de informação no sentido de confirmar comunicação de prática de atos ilícitos e de comprovar identidade e localização dos seus agentes, assim como o local da prática daqueles atos.
Por outro lado, a comunicação foi feita em 48 horas; por outro, dez dias são prazo aceitável.
Receber a denúncia anónima de que em certo local se praticava jogo ilegal, justifica a recolha de informação que comprove e elucide as entidades policiais quanto ao teor e credibilidade daquela informação.
Ora, recebida a informação anónima antes de 11-07-2015 justifica-se que não haja imediata comunicação face à necessidade de a comprovar, o que aconteceu a 11-07-2015.
Se a comunicação ao Ministério Público vem a ocorrer em 15-07-2015, não só o dispositivo legal é cumprido dentro do prazo como a não-comunicação imediata se apresenta como justificada face à concreta conformação das ações de fiscalização a desenvolver.
Se é certo que as normas visam impedir a existência de um pré-inquérito ou inquéritos secretos, a sua leitura nos termos expostos garante o seu acerto constitucional e evita aquilo que, na essência, é a preocupação da norma, o abuso policial.
E, note-se, a norma – artigo 248º, nº 1 do C.P.P. – dispõe que os OPC devem comunicar no mais curto prazo desde que tiverem … “…notícia de um crime por conhecimento próprio ou mediante denúncia …”.
E daqui decorre, igualmente que, comprovada a prática dos ilícitos - e do local onde ocorre - e a possível identificação dos seus agentes, a comunicação foi feita em 48 horas.
Isto é, o artigo 248º nº 1 do Código de Processo Penal permite – no prazo ali indicado e sem abuso policial - a recolha de informação que vise assegurar a prática de atos cautelares previstos nos artigos 249º a 252º do diploma.
O Código de Processo Penal define, na alínea c) do artigo 1.º, aquilo que devem ser considerados órgãos de polícia criminal: “todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código.”
No âmbito do processo penal, a competência destes órgãos está definida no artigo 55.º daquele Código e traduz-se, em termos gerais, e de acordo com o disposto no n.º 1 daquele normativo, em “coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo”.
Não obstante a sua posição ser a de coadjuvantes, está prevista uma atividade por iniciativa própria no n.º 2 do mesmo artigo, no qual se estabelece que estes órgãos têm ainda competência para “colher notícia dos crimes, impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova.”
Estes casos consubstanciam situações de competência especial desses órgãos, a qual pode ser exercida ainda antes da instauração do inquérito, ou seja, quando ainda não foram neles delegadas competências por parte da autoridade judiciária competente.
Estas situações correspondem, para além da detenção, às medidas cautelares e de polícia (artigo 249.º e seguintes).
De acordo com o artigo 249.º, n.º 1, do mesmo Código, compete aos órgãos de polícia criminal efetivar as investigações e praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
No n.º 2 desse artigo, encontramos um elenco exemplificativo de atos cautelares a praticar pelos órgãos de polícia criminal. Esta competência cautelar própria existe antes da instauração de um processo e mantém-se no seu decurso, ou seja, mesmo após a intervenção da autoridade judiciária (n.º 3 do artigo 249.º). Quanto à natureza destes atos cautelares, a doutrina tende a considerar que estes, no momento da sua prática, não são ainda atos processuais, e apenas passam a integrar o processo após confirmação pela autoridade judiciária competente.
No entanto, é de salientar que estes são casos excecionais, pois, regra geral, os órgãos de polícia criminal não têm competência própria, apenas podendo agir aquando da delegação de competência por parte das autoridades judiciárias.
Uma vez que estes órgãos atuam sob orientação e na dependência funcional das autoridades judiciárias (artigo 56.º do Código de Processo Penal), devem sempre informá-las dos atos por eles praticados. A função primordial destes órgãos no âmbito do processo penal passa, então, por auxiliar o Ministério Público, na fase de inquérito, e o Juiz de Instrução, na fase da instrução, tal como consta do disposto nos artigos 263.º, 270.º, 288.º, n.º 1 e 290.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal e no artigo 2.º, n.º 2 da Lei de Organização da Investigação Criminal.
Além destes casos, cabe ainda a estes órgãos coadjuvar o Juiz na fase de julgamento, como se conclui do estabelecido no artigo 340.º e seguintes daquele Código. Há que sublinhar que a intervenção dos órgãos de polícia criminal vai sendo cada vez mais diminuta à medida que o processo avança, sendo no inquérito que a sua intervenção é mais ativa, pois é esta a fase dedicada, por excelência, à realização de diligências para obtenção de meios de prova.
A generalidade dos organismos com funções de investigação criminal (entendida esta como a atividade de recolha de provas, em inquérito preliminar, conducente ao exercício da ação penal) têm também funções de prevenção das infrações relativas às respetivas áreas de competência, e que, no desenvolvimento destas últimas funções, têm necessidade de, umas vezes, efetuar diligências similares a outras que são frequentes no decurso dos processos de inquérito (e mesmo de instrução), e, sistematicamente, organizarem um esquema de recolha e tratamento de informações.
Esta sobreposição de funções diferenciadas - recolha e tratamento de informações, ação de prevenção, investigação criminal - exige que se tenha de ter sempre em devida conta em qual delas se enquadra determinada diligência, pois, podem ser diversas as regras a respeitar consoante se insira no âmbito da prevenção ou no da investigação. E como já se referiu a GNR tem papel ativo na fiscalização do jogo ilícito.
No âmbito da atividade de exploração de máquinas de diversão, os ilícitos contraordenacionais/criminais visam prevenir e sancionar o incumprimento das exigências e das condições decorrentes do regime de licenciamento, não estando em causa interesses que transcendam a competência das câmaras municipais. A fiscalização dessa atividade, exercida de forma proactiva, programada, sistemática e permanente, é da competência específica das câmaras municipais, D/L nº310/2002 de 18 de dez, com a coadjuvação técnica da Inspecção-Geral de Jogos, nos termos do artigo 27.º do mesmo diploma legal. A norma contida no artigo 27.º encontra-se numa relação de complementaridade relativamente à norma do artigo 52.º do mesmo diploma, que dispõe sobre a competência para a fiscalização de todas as atividades a que o mesmo respeita, cometendo-a às câmaras municipais, bem como às autoridades administrativas e policiais. As autoridades policiais detêm assim, no âmbito da atividade de exploração de máquinas de diversão, competência genérica para a fiscalização, estando sujeitas aos deveres de noticiarem as infrações que verifiquem, de preservarem meios de prova e de prestarem colaboração às autoridades autárquicas, nos termos do artigo 52.º daquele diploma legal e em conformidade com o disposto no Código de Processo Penal, na lei-quadro do ilícito de mera ordenação social e nos respetivos diplomas orgânicos. Ver Parecer 74/2003 in DR II Série de 07.07.2004.
No que toca à fiscalização que antecedeu a comunicação ao M.P, importa frisar que em todas as atuações preventivas das autoridades policiais, é possível às competentes autoridades realizar atividades de fiscalização, através de exames, vistorias em locais que não sejam domicílio dos cidadãos, sem necessidade de prévia autorização judicial. Um traço comum as caracteriza: a generalidade indiferenciada das pessoas e dos locais sobre que incidem, que, aliás, decorre justamente do seu carácter preventivo e dissuasor. É possível, porém, e mesmo frequente, que no desenrolar dessa atividade preventiva, os agentes fiscalizadores venham a constatar a existência (ou fundada suspeita de existência) de infrações. Compete-lhes depois, então, elaborar o competente auto de notícia, que passará a constituir o primeiro elemento do processo tendente à punição dos responsáveis, inserido já no âmbito da atividade de investigação criminal orientada para repressão das infrações.
Não houve, pois, violação de qualquer preceito constitucional nem prática de qualquer nulidade insanável, designadamente a prevista na al. b) do artigo 119º do Código de Processo Penal.
Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, nos termos acima referidos, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Sumário.
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Porto, 18 de dezembro de 2018.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário).
Paulo Costa.
Élia São Pedro.